RESUMO
Objetivo: analisar o impacto que atividades dialógicas intergeracionais pode ter na percepção que crianças e adolescentes têm sobre pessoas idosas e vice-versa.
Métodos: integraram a amostra da pesquisa 12 idosos e 21 crianças e adolescentes interessados em desenvolver atividades dialógicas intergeracionais. Durante oito meses, eles participaram de atividades conjuntas organizadas semanalmente em torno de atividades dialógicas orais, de leitura e de escrita, envolvendo a intergeracionalidade. Ao final deste período, foram aplicadas entrevistas semiestruturadas junto aos sujeitos da pesquisa para verificar o impacto dessas atividades sobre eles.
Resultados: as respostas foram organizadas e interpretadas de acordo com a proposição metodológica da Análise de Conteúdo, resultando na formulação de sete categorias. Estas evidenciaram uma visão menos preconceituosa dos participantes frente à geração oposta.
Conclusão: no tangente aos idosos, os mesmos afirmaram que as atividades os levou a relembrar o passado e ressignificar o presente, ampliando a percepção que tinham de si próprios e fortalecendo o vínculo intergeracional. Crianças e adolescentes, por sua vez, reconheceram a necessidade de ultrapassarem estereótipos negativos em torno da velhice e perceberam as possibilidades de aprendizagem que podem surgir mediante o convívio com os idosos.
Descritores: Envelhecimento; Fonoaudiologia; Relação entre Gerações
ABSTRACT
Purpose: to analyze the impact that intergenerational dialogic activities can have on the perception that children and adolescents have about the elderly and vice-versa.
Methods: the participants were twelve elderly people and twenty-one children and adolescents interested in developing intergenerational dialogic activities. For eight months, they attended weekly joint activities organized around oral dialogical activities of reading and writing, involving the relationship between generations. At the end of this period, semi-structured interviews were carried out with the subjects to verify the impact of the activities on them.
Results: responses were organized and interpreted according to the methodological proposal of the Content Analysis, resulting in the formulation of seven categories. These categories showed a less discriminatory view of the participants, facing the opposite generation.
Conclusion: in regard to the elderly, the activities reminded them of the past and reframed the present, expanding their self-perception, and strengthening the intergenerational ties. Children and adolescents, in turn, recognized the need to overcome negative stereotypes about old age and realized the learning opportunities that may arise through the interaction with the elderly.
Keywords: Aging; Speech, Language and Hearing Sciences; Intergenerational Relations
Introdução
O intenso crescimento mundial da longevidade humana tem se tornado cada vez mais evidente e desafiador. O Brasil, que até a década de 1980 era considerado um país jovem, terá seu perfil etário alterado, tornando-se um dos países com maior número de idosos, em um futuro próximo. Dados do IBGE apontam que em 2025, o Brasil será o sexto maior país do mundo em termos do número de pessoas idosas1.
Esse aumento contínuo da população que envelhece vem despertando iniciativas legislativas nacionais e internacionais voltadas a proteção da saúde, promoção social e segurança do sujeito com, no mínimo, 60 anos de idade. Tais iniciativas focam-se, sobretudo, na melhoria da qualidade de vida das pessoas que estão, pelo desenvolvimento das ciências da saúde, alcançando idades mais avançadas. O texto "Envelhecimento ativo: uma política de saúde" produzido pela World Health Organization (WHO)/ Organização Mundial da Saúde (OMS), anuncia que a velhice deve ser considerada, não apenas como uma etapa estanque da vida, mas como um processo mais amplo, dependente das condições sociais, das possibilidades políticas, econômicas e de saúde que permeiam a história de cada sujeito e dos grupos sociais2.
Quanto à participação social, ressalta-se a importância da integração do sujeito que envelhece ao seio familiar e comunitário pelo fortalecimento de vínculos entre pessoas de diferentes gerações. Esta proposta, está alicerçada no reconhecimento dos direitos humanos das pessoas idosas, bem como nos princípios de autonomia, independência, participação, dignidade, assistência e auto-realização do idoso, que é denominado pela OMS, como "Envelhecimento Ativo"2.
A perspectiva do envelhecimento ativo distancia-se de uma noção restritiva, pautada meramente nas necessidades ou perdas biológicas dos idosos, para assinalar a relevância que esses sujeitos assumem na formação de uma sociedade mais justa, saudável, educada e, portanto, mais humanizada. Tal ponto de vista afasta-se de uma associação simplista que tende a relacionar de forma direta o envelhecimento com doenças, dependências ou peso econômico e, em direção contrária, passa a enfocar o idoso como um recurso social, como um contribuinte e beneficiário da sociedade. Configura-se, portanto, a velhice, como um tempo útil, recoberto de possibilidades de realizações e de ressignificações e o envelhecimento como um processo munido de sentidos que foram construídos ao longo da vida e que podem ganhar novos significados, a depender da possibilidade de a velhice ser vista por um viés construtivo, confrontando estereótipos carregados de conotações negativas3.
Uma possível forma de desmistificar os estereótipos que recaem sobre a velhice se dá por meio da aproximação de diferentes gerações. Neste sentido, estudo4 realizado com adolescentes de uma escola da região norte do Paraná buscou analisar o convívio dos adolescentes com idosos e suas percepções acerca de diferentes situações que abrangem a velhice. Os resultados revelaram que as concepções positivas sobre os idosos partiram de um número estatisticamente significante de adolescentes, os quais já conviviam diariamente com idosos. Este estudo ressalta que idosos e jovens estão cada vez mais distantes um dos outros, e tal distanciamento deve ser minimizado para que pessoas de diferentes gerações ressignifiquem percepções estereotipadas que têm umas das outras. Uma pesquisa focada em um programa de promoção de saúde voltado a intergeracionalidade, na cidade de Uruguaiana5, influenciou positivamente o convívio entre jovens e idosos. Esses dois grupos realizavam atividades semanais e participavam de oficinas e rodas de conversas, realizando discussões torno do envelhecer. Esta pesquisa teve por finalidade constatar a influência dessas atividades na qualidade de vida dos jovens e idosos. Seus resultados apontaram que idosos e jovens referiram uma proveitosa aproximação na relação entre eles, ressaltando sobre a importância do programa de promoção de saúde voltada a relações intergeracionais. Em outra investigação, realizada no sul do Brasil6, constatou-se a positividade do vínculo estabelecido entre as gerações, por meio de do estabelecimento de programas intergeracionais. Ele revelou que, além do fortalecimento da relação entre pessoas de diferentes idades, atividades intergeracionais têm efeitos benéficos sobre a saúde e o bem-estar de todas as gerações envolvidas6.
Tendo em vista os benefícios apontados pelas atividades intergeracionais para a desmistificação de estereótipos acerca da velhice, o presente estudo propõe uma articulação de tais atividades com um trabalho fonoaudiológico mediado por práticas discursivas de linguagem. Nesse contexto, a linguagem é concebida como prática essencial capaz de garantir contínua participação e engajamento dos idosos junto às suas famílias e às suas comunidades, envolvendo pessoas de diferentes gerações7.
Assim, cabe ressaltar o papel que a linguagem, enquanto prática dialógica, assume na promoção da saúde, na superação de preconceitos em torno do envelhecer, bem como na implementação de encontros intergeracionais. Tendo em vista o papel relevante da linguagem na integração social de pessoas de todas as idades e gerações, o presente estudo objetiva analisar o impacto que atividades intergeracionais, mediadas por práticas dialógicas, pode ter na percepção que crianças e adolescentes têm sobre idosos e vice-versa.
Métodos
A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Tuiuti do Paraná, sob protocolo de número 102/08. Dessa forma, atendendo aos critérios de tal comitê, todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e tiveram respeitados seus direitos de anonimato, livre participação, desistência em qualquer momento da pesquisa, sem necessidade de justificativas. Além disso, tendo em vista que a amostra era composta também por sujeitos menores de idade, cabe esclarecer que esses anuíram à participação e seus responsáveis assinaram o TCLE.
O presente estudo é analítico, de corte longitudinal e caracteriza-se a partir de uma abordagem qualiquantitativa. Utiliza-se, para a organização e interpretação dos dados, de uma proposta metodológica reconhecida como Análise do Conteúdo (AC) de Bardin8. Segundo esta autora, AC é um recurso metodológico que examina minuciosamente produções linguísticas e suas partes, possibilitando tratar dos dados com o rigor da objetividade, sem perder de vista a fecundidade própria da subjetividade, a qual está presente em toda e qualquer produção de linguagem. O eixo central da AC vincula-se à ação de inferir, ou seja, de deduzir de maneira lógica sobre indicadores quantitativos e qualitativos, explorando o conteúdo linguístico coletado. Em termos qualitativos, a AC caracteriza-se pelo fato de a inferência recair sobre um índice linguístico propriamente dito, que pode ser um relato, uma sentença ou uma palavra. De um ponto de vista quantitativo, o processo inferencial da AC recai sobre a frequência da aparição do material linguístico pesquisado. Portanto, a partir do exame frequencial, o enfoque recai na recorrência majoritária de índices linguísticos produzidos pelos participantes viabilizando a interpretação dos dados. Ou seja, a categorização dos dados e a análise dos mesmos levam em consideração as recorrências temáticas apresentadas nos relatos dos participantes.
A amostra da pesquisa foi composta por 21 crianças e adolescentes, oriundos de uma organização não governamental que desenvolve atividades de contra turno escolar, e 12 idosos vinculados a um programa de extensão universitária que oferece semanalmente atividades dialógicas em torno de práticas orais e escritas. Como critério de inclusão ficou estabelecido que os sujeitos deveriam ter participação assídua nos grupos de contra turno e extensão pelo período de um ano. Assim, compuseram a pesquisa a totalidade da amostra de 33 sujeitos.
Após o período de oito meses de atividades semanais conjuntas, com duração média de 100 minutos, baseadas em práticas discursivas voltadas à intergeracionalidade, deu-se início à coleta de dados. Durante as atividades, jovens e idosos discutiram oralmente, leram e escreveram especificamente sobre relatos pessoais vinculados a relações intergeracionais, envolvendo diferentes fatores inerentes à constituição de uma geração. Dentre tais fatores foram enfocados os determinantes históricos que incidem na constituição de diversas gerações, conflitos entre gerações no contexto familiar, conflitos intergeracionais no contexto corporativo e preconceitos intergeracionais.
Para a coleta de dados, foi utilizada entrevista semi-estruturada, aplicada pelas próprias pesquisadoras. A entrevista estava dividida em duas partes: a primeira visava caracterizar o perfil socioeconômico dos sujeitos; e a segunda questionava possíveis mudanças na representação da geração oposta a partir das atividades desenvolvidas.
Resultados
Os resultados desse estudo estão organizados em duas partes. A primeira contempla a caracterização geral dos participantes, incluindo sexo, idade, estado civil, escolaridade, renda e com quem convivem. A segunda caracteriza o impacto que as atividades intergeracionais, mediadas por práticas dialógicas, tiveram na percepção das crianças e adolescentes sobre os idosos e vice-versa, delineando sete categorias, com seus significados. Essas categorias, elaboradas de acordo com a Análise de Conteúdo, estão organizadas em ordem decrescente, em função do maior número de ocorrências que aparecem nas repostas dos participantes da pesquisa.
Caracterização dos Participantes da Pesquisa
Dentre os participantes mais velhos, os 12 componentes contavam com idade mínima de 50 anos e máxima de 90. Já, os 21 tinham participantes mais jovens tinham entre 10 e 15 anos de idade. A média de idade para os participantes idosos foi de 68,7 anos. Com relação às crianças e adolescentes, a idade média foi de 11,4 anos. Dentre os sujeitos idosos, apenas dois participantes eram do sexo masculino, oito tinham curso superior completo, um tinha curso superior incompleto, um tinha ensino fundamental completo, um nunca frequentou a escola e um não respondeu. A renda desses idosos variou de menos de um salário mínimo a mais de três salários, sendo as rendas mais altas vinculadas aos participantes com maior escolaridade. Quanto ao estado civil, quatro eram casados, três divorciados, três solteiros e dois viúvos. A respeito da convivência familiar, quatro idosos disseram conviver com o cônjuge e filhos, três relataram conviver com filhos e netos, dois referiram morar só com os filhos e três afirmaram conviver sozinho, conforme Tabela 1, apresentada na sequência.
O grupo de crianças e adolescentes totalizou 21 participantes. Todos eram solteiros e viviam com as suas famílias, configuradas com diversos componentes e de diferentes maneiras: algumas mais convencionais com pais, mães e irmãos; outras constituídas com madrastas e padrastos e, ainda, famílias que contavam com a participação parental de tios e/ou avós; 12 jovens eram do sexo masculino e nove do sexo feminino, todos com grau de instrução compatível, com o ensino fundamental incompleto, nenhum vinculado a trabalho formal não contando, assim, com renda própria, conforme Tabela 2.
Impacto das atividades intergeracionais na percepção das crianças e adolescentes sobre os idosos e vice-versa
Dos relatos dos participantes do estudo emergiram sete categorias de análise: aprendizagem com o outro, respeito e valorização, diminuição de preconceitos, fortalecimento de vínculo, troca de experiência, convivência positiva com crianças e adolescentes e convivência satisfatória com pessoas idosas. Estas categorias estão organizadas em ordem decrescente, seguindo o maior número de ocorrências que aparecem nas repostas dadas às entrevistas aplicadas junto às crianças, adolescentes e idosos, conforme apresentado na sequência.
Categoria 1: Aprendizagem com o outro (61,89 % de crianças e adolescentes)
A maioria das crianças e adolescentes destacaram que puderam aprender com as histórias de vida dos idosos, além de conhecer aspectos sociais e pessoais próprios da época em que os idosos eram jovens. Os encontros intergeracionais, na percepção deles, possibilitou-lhes uma ampla aprendizagem que é referida em diversos aspectos e engloba: aprender a conversar, aprender sobre o diferente, aprender a respeitar o idoso. Ou seja, nos relatos das crianças e adolescentes, o uso da palavra aprendizagem é recorrente e refere-se à possibilidade de interagir com pessoas idosas, ampliando o entendimento sobre elas e sobre o contexto social em que estão inseridas. Dentre os relatos das crianças e adolescentes, ressaltam-se os que seguem: "Aprendemos sobre as diferenças da criança e do idoso"; "Aprendi a respeitar os idosos"; Aprendi a conversar com os idosos."; "Eu amo, porque eles nos contam histórias de vida e coisas de época".
Categoria 2: Respeito e valorização (58,32% de idosos)
Para a maioria dos idosos, a participação em tal programa provocou mudanças positivas na maneira de perceber as crianças e adolescentes e de se relacionar com eles. Ao justificarem essas mudanças, enunciaram diversos sentimentos percebidos a partir das atividades intergeracionais. Dentre esses, os mais destacados foram os sentimentos de respeito aos mais jovens e sensação de realização pelo fato de terem vontade de ouvir as crianças e os adolescentes pelas lembranças que os relatos e conflitos deles podem despertar nos idosos. Além disso, os idosos referiram vontade de liberar o jovem que ainda vive em si próprio e o desejo de ser mais acessível aos jovens deixando-os à vontade e percebendo que eles também têm conhecimentos e experiências de vida capazes de auxiliar os mais velhos. Os relatos do grupo de idosos indicam as seguintes afirmações: "Quando chego perto deles, me sinto feliz e realizada, reabasteço-me!"; "Percebi que devo compreender mais os jovens, sem muita cobrança, afinal cada um é do seu jeito".
Categoria 3: Diminuição de preconceitos (56,4% de crianças e adolescentes)
Parcela significante de crianças e adolescentes, também, representando a maioria dos participantes da geração mais nova, relataram que a percepção que tinham sobre os idosos sofreu mudanças positivas em função dos encontros intergeracionais, sobretudo, no que se refere à diminuição de preconceitos. Esses participantes relataram ser necessário respeitar as diferenças entre as gerações. Para eles, é preciso desenvolver outro olhar sobre os idosos, focado no cuidado mútuo e nos valores que os idosos têm. Ao justificarem as mudanças percebidas, relataram que tiveram a oportunidade de pensar sobre os idosos sob um prisma mais positivo, percebendo que a convivência com eles pode ser facilitada à medida que seus valores são considerados e respeitados. Os relatos das crianças e adolescentes enfatizaram essa categoria, conforme apresentado na sequencia: "Eu passei a ter mais respeito, paciência e cuidado."; "Devemos respeitar os valores deles."; "Mudei minha visão, eles não são rabugentos."; "Eu via eles na rua e pensava que eles eram coitadinhos, mas, agora penso que bom que eles têm bastante saúde."; "Você vai envelhecer um dia, vai ver um dia cada fase da vida. Então, não tenha preconceito".
Categoria 4: Fortalecimento de vínculo (41,66 % de idosos)
Parte significante dos idosos percebeu que as atividades intergeracionais viabilizaram interação e fortalecimento de vínculos com as crianças e os adolescentes. Para esses idosos, a convivência com pessoas de gerações mais novas é necessária para que haja efetiva interação entre eles. Pois, referiram que a partir de tal convivência perceberam-se capazes de fortalecer vínculos entre gerações, reconhecendo valores de suas histórias de vida. Para eles: "Conviver com outra geração contribuiu para melhorar minhas relações interpessoais"; "Essa convivência foi ótima, o idoso e o jovem têm a mesma oportunidade de perceber essa convivência como aprendizado"; "Foi uma excelente oportunidade de resgatar e fortalecer vínculos entre gerações, reconhecendo a própria história".
Categoria 5: Troca de experiências (25% de idosos)
Para outra parcela de idosos, as atividades intergeracionais foram percebidas como capazes de viabilizar trocas mútuas de conhecimentos e experiências. Afirmaram que tais atividades foram enriquecedoras para a geração das crianças e adolescentes como também para a dos idosos, pois ampliou- lhes a visão de mundo, promovendo diálogos e reflexões. Dentre os seus relatos, figuram as seguintes afirmações: "Acredito que enriquece a ambas as gerações. Tira o idoso do seu universo construído e acrescenta ao jovem o valor pessoal do idoso."; "A juventude me fez muito bem."; "Eles trouxeram reflexões que ainda não havia feito até então."; "Ampliou minha compreensão de mim mesma".
Categoria 6: Relacionamento positivo com crianças e adolescentes (20,83 % de idosos)
Para um grupo de idosos, as atividades intergeracionais não produziram mudanças na maneira de perceber e de se relacionar com pessoas de gerações mais novas. Ao serem questionados sobre o porquê disso, explicaram que, ao longo da vida, estiveram próximos de crianças e adolescentes e já apreciavam essa convivência, conforme é possível acompanhar no relato que segue: "Não houve mudanças, já tinha um bom relacionamento com eles".
Categoria 7: Convivência satisfatória com idosos (11,9% de crianças e adolescentes)
Para uma parcela de crianças e adolescentes também não foi possível perceber mudanças nas relações que estabelecem com os idosos. Pois, de acordo com seus relatos, já tinham uma boa relação com pessoas de gerações mais velhas, sobretudo com seus avós. Por isso, essas crianças e adolescentes referiram: "Não percebi mudança, eu já convivo com pessoas mais velhas e já gosto delas"; "Não, porque eu já convivia com minha avó".
Discussão
Em relação aos idosos participantes dessa pesquisa, verificou-se que há uma predominância de mulheres. Já, dentre as crianças e os adolescentes, observou-se o oposto, pois há predominância do sexo masculino. Esses dados permitem inferir em torno da feminização da velhice, corroborando com o delineamento estatístico realizado pelo IBGE¹, que indica a predominância de mulheres, na faixa etária da população idosa, em todo o Brasil. Uma das justificativas apresentadas para tal fenômeno, relaciona-se ao fato de haver uma maior procura por parte das mulheres, desde a década de 80, aos serviços de saúde9. Esta mesma procura não ocorre entre os homens, que sentem-se obrigados a responder por alguns fatores psicossociais que os vinculam a posições machistas e invulneráveis, levando-os a distanciarem-se de serviços de saúde, mesmo quando percebem-se fragilizados10.
Ao contrário do que ocorre com o segmento do idoso, o IBGE indica que, na população jovem brasileira, com idade entre 10 a 19 anos, há maior predominância de pessoas do sexo masculino¹. Contudo, essa predominância tende a diminuir conforme a idade aumenta, por vários motivos. Dentre os quais, são ressaltados o uso de álcool e de drogas, além de maior índice de doenças cardiovasculares que acomete os homens, levando-os a morrer mais cedo do que as mulheres11.
A respeito da renda mensal do grupo de idosos e da escolarização deles, observou-se uma proporcionalidade entre estudo e renda, assim, os que apresentavam curso superior completo, obtinham a maior renda, correspondendo a mais de três salários mínimos. Dentre os idosos sem nível superior, que representam 37,3 % dos participantes desta pesquisa, a renda mensal não ultrapassou um salário mínimo. Da mesma forma, outro estudo apresenta resultados similares, indicando que idosos com nível superior completo apresentam renda mensal que varia entre três e cinco salários mínimos, sendo significantemente maior do que aqueles com níveis inferiores de escolarização12.
Com relação ao impacto das atividades intergeracionais na percepção das crianças e adolescentes sobre os idosos e vice-versa, na categoria (1) "Aprendizagem com o outro", é possível inferir que as crianças e adolescentes perceberam que a convivência com os idosos lhes garantiu possibilidades de aprendizagem. Para eles, a interação com as pessoas idosas fez com que revissem posições estigmatizadas, aprendendo a respeitá-los e a valorizar suas histórias de vida. Nesse sentido, o estudo em foco evidencia a relevância que a promoção de atividades intergeracionais, mediadas por práticas dialógicas, pode assumir para aproximar crianças, adolescentes e idosos, na medida em que os mais jovens percebem que podem valorizar os idosos, reconhecendo-os como mediadores de conhecimentos. Em um estudo voltado a analisar as mudanças subjetivas das relações intergeracionais na sociedade, pode-se perceber que atualmente, tais relações têm sido estabelecidas efetivamente pela transmissão cultural que ocorre de uma geração para outra, por meio de pontos de identificação que apresentam entre si13.
A categoria (2) "Respeito e Valorização" consiste no reconhecimento por parte dos idosos da importância de respeitarem e valorizarem as crianças e os adolescentes. Ou seja, a partir das atividades intergeracionais, puderam perceber que, além de terem conhecimentos a serem compartilhados com as gerações mais novas, também, podem aprender com as crianças e adolescentes, valorizando suas experiências e a maneira com que encaram a vida. Resultados semelhantes foram alcançados em um estudo, que realizou atividades recreativas com idosos e jovens em um parque público no município de São Paulo, o qual indicou a relevância do trabalho intergeracional na visão que idosos tinham sobre outra geração. De acordo com tal estudo, houve aproximação entre pessoas de diferentes gerações, na medida em que os idosos passaram a perceber que o jovem é capaz de estabelecer uma convivência harmoniosa. Assim, na visão deles, essa convivência pode ser benéfica para ambas as gerações, pois tanto os idosos como os jovens têm o que aprender e o que ensinar14.
A categoria (3) "Diminuição de Preconceitos" destaca que as atividades intergeracionais levou as crianças e adolescentes a perceberem e respeitarem as diferenças que existem entre pessoas de diversas gerações, pois passaram a questionar alguns estereótipos que vinculam velhice à rabugice, à fragilidade e à doença. Ou seja, as crianças e adolescentes, na relação efetiva com os idosos, puderam rever posições calcadas no senso comum que relacionam, de forma simplista, velhice com declínio físico e com peso social. Nesse sentido, a OMS ressalta a importância da desmistificação dos conceitos negativos que têm sido adotados em torno da velhice, explicitando a necessidade de promover imagens realistas e positivas do envelhecimento ativo, por meio do desenvolvimento de atividades que envolvam todas as gerações2.
A categoria (4) "Fortalecimento de Vínculo" indicou que, para um número significante de idosos, ou seja, para mais de 40% deles, as atividades intergeracionais geram interação e fortalecimento de vínculo. Em seus relatos, os idosos afirmaram que tiveram a oportunidade de perceber que encontros intergeracionais podem levá-los a valorizar as histórias que contam aos mais jovens. Ressaltam que o vínculo estabelecido entre eles contribuiu para melhorar suas relações interpessoais. Neste sentido, um estudo realizado com avós cuidadoras de seus respectivos netos, residentes na cidade de Buenos Aires, apontou que idosos que estabelecem vínculo familiar com gerações mais novas, percebem uma melhora na qualidade de vida, envolvendo a própria saúde física e emocional15. Dessa forma, é possível inferir que vínculos efetivamente firmados entre pessoas de diferentes idades podem contribuir para maior participação social do idoso, a qual é fundamental para promoção da saúde das pessoas que envelhecem2.
No que diz respeito à categoria (5) "Troca de experiências", verificou-se que encontros intergeracionais favorecem as trocas recíprocas de conhecimentos. Para os participantes idosos, tais atividades lhes deram a oportunidade de refletir e reconhecer os seus próprios valores, percebendo que têm condições de transmitir esses valores para as crianças e adolescentes. Concomitantemente, perceberam que os mais jovens também são capazes de contribuir com os idosos, levando-os a ampliar a compreensão que têm de si próprios.
Portanto, a partir de encontros intergeracionais, os idosos reconhecem que as experiências de pessoas de diferentes gerações, se aceitas e valorizadas, podem promover reciprocidade entre ambas. Pesquisa realizada com jovens estudantes de informática e pessoas idosas comprovou a efetividade no compartilhamento de experiências entre as gerações. Os resultados de tal pesquisa indicaram que os idosos foram capazes de reconhecer o valor de suas próprias histórias e que os jovens, responsáveis por repassar os conhecimentos sobre informática, puderam rever percepções negativas que tinham frente aos idosos, além de perceberem o quanto podem ser úteis a essa população que envelhece, auxiliando-a no uso de novas tecnologias16.
Em relação às categorias (6 e 7) "Relacionamento positivo com crianças e adolescentes" e "Convivência satisfatória com idosos", as crianças, os adolescentes e os idosos destacaram que anteriormente ao trabalho intergeracional, já tinham uma convivência positiva com as diferentes gerações, em seus âmbitos familiares. Essas categorias revelaram o quanto às relações intergeracionais estabelecidas, ao longo da vida, são relevantes para determinar a percepção que idosos têm sobre os mais jovens e vice-versa. Outro trabalho7, envolvendo família e intergeracionalidade, também demonstrou que uma efetiva convivência familiar entre pessoas de diferentes idades pode influenciar positivamente as relações intergeracionais fora do contexto familiar. Nessa mesma direção, o convívio diário estabelecido entre avós e netos, fortalece a interação frente à outra geração, mesmo que marcada por momentos de harmonias e conflitos17.
Consequentemente a isso, é necessário considerar a relevância que trabalhos de promoção de saúde, voltados a encontros intergeracionais podem assumir para o estabelecimento de convivências capazes de beneficiar, em um só tempo crianças, adolescentes e idosos.
Conclusão
A análise dos dados deste trabalho permitiu constatar que as atividades dialógicas intergeracionais proporcionaram momentos de aprendizagem, aproximação e troca de experiências entre idosos, crianças e adolescentes. Nessa direção, indicou que tais atividades exercem influências positivas na percepção que crianças e adolescentes têm sobre idosos e vice-versa. Do ponto de vista dos idosos, a possibilidade de dialogar e de participar de atividades em conjunto com crianças e adolescentes levou-os a vislumbrar a necessidade de respeitar e valorizar a geração mais nova. Já, as crianças e os adolescentes enunciaram que os encontros intergeracionais propiciaram reflexões em torno de visões estereotipadas da velhice, diluindo representações preconceituosas e carregadas de conotações negativas.
Cabe ressaltar que a presente pesquisa foi elaborada a partir de um número limitado de sujeitos e, por isso, ela não permite generalizações, tendo em vista que o trabalho desenvolvido se deu a partir do próprio grupo por meio das contribuições de seus integrantes. No entanto, exemplifica um modelo de trabalho que pode inspirar novas pesquisas.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Mar-Apr 2016
Histórico
-
Recebido
30 Dez 2015 -
Aceito
15 Mar 2016