RESUMO
Objetivo: comparar o desempenho do processamento fonológico, da leitura e escrita de palavras reais e inventadas entre os escolares com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e escolares com bom desempenho escolar.
Métodos: participaram deste estudo 30 escolares, na faixa etária de 9 a 12 anos, de ambos os gêneros, do Ensino Fundamental de escolas públicas e particulares, divididos em: Grupo Experimental (15 escolares com diagnóstico interdisciplinar de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) e Grupo Controle (15 escolares com bom desempenho escolar), pareado com o Grupo Experimental em idade, gênero, escolaridade, tipo de instituição de ensino (pública e particular). Os instrumentos utilizados para avaliação foram: Instrumento de Avaliação Sequencial (CONFIAS), Teste de Nomeação Seriada Rápida (RAN), Prova de repetição de palavras sem significado e Prova de leitura e escrita. Os resultados foram analisados por meio de testes estatísticos (Mann Whitney e Teste t de Student), adotando-se nível de significância de 5% (0,05).
Resultados: os resultados analisados por meio de testes estatísticos revelaram diferenças significantes entre o grupo experimental e o grupo controle nas provas avaliadas.
Conclusão: escolares com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade apresentaram desempenho inferior em habilidades de consciência fonológica, acesso ao léxico, memória operacional, leitura e escrita de palavras, quando comparados aos escolares sem transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, com bom desempenho escolar.
Descritores: Criança; Avaliação; Aprendizagem; Leitura; Escrita
ABSTRACT
Purpose: to compare the performance of students with Attention Deficit / Hyperactivity Disorder and students with good academic performance in Phonological Processing, Reading and Writing of real and non real words.
Methods: 30 students, aged between 9 and 12 years old, of both genders, of the elementary school in public and private education, participated in the study, divided into: Experimental Group (15 students with Attention Deficit / Hyperactivity Disorder) and Control Group (15 students with good academic performance), paired with Experimental Group as to age, gender, schooling, and type of educational institution (public or private). The instruments used for assessment were: Sequential Assessment Instrument (CONFIAS), Serial Rapid Naming Test (RAN), Test of Repetition of nonsense words and Test of Reading and Writing. The results were analyzed by statistical tests (Mann Whitney Test and T of Student), with a significance level of 5% (0.05), in order to compare the performance of the students.
Results: the results were analyzed by statistical tests and revealed significant differences between the experimental and control group in the tests evaluated.
Conclusion: the students with Attention Deficit / Hyperactivity Disorder had lower performance in phonological processing, reading, and writing words, when compared to students without Attention Deficit / Hyperactivity Disorder with good academic performance.
Keywords: Child; Assesment; Learning; Reading; Writing
Introdução
O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma condição de caráter neurobiológico, mais comum no gênero masculino, manifestado na infância e na adolescência e que pode persistir até a idade adulta em 60 a 70% dos casos. Evidências indicam como possíveis causas fatores genéticos e neurológicos, o que reduz, mas não se exclui o papel socioambiental na contribuição do desenvolvimento de comorbidades associadas. Sua prevalência estimada é de 3 a 5% das crianças em idade escolar e sua sintomatologia inclui dificuldades no comportamento atencional, hiperatividade e impulsividade1. Geralmente essas crianças são classificadas pela sociedade escolar como indisciplinadas, distraídas, impacientes e extremamente inquietas2. O diagnóstico do TDAH é fundamentalmente clínico, usualmente apoiado em critérios operacionais de sistemas classificatórios como o DSM-V 3.
Além dos sintomas do transtorno, há uma alta prevalência de comorbidades4. As comorbidades mais frequentes em pacientes com TDAH são: Transtorno de Conduta (50%), Transtorno Opositor Desafiador (40 a 60%), Abusador de Substancias ou Dependência Química (40%), Transtorno da Ansiedade Generalizada (34%), Depressão (20%), Transtorno do Humor Bipolar (20%),Transtorno Obsessivo Compulsivo e Tiques Motores (11%) Síndrome de Tourrete (6.5%), Transtorno de Aprendizagem (dislexia, dislalia, disfonia, disartria, discalculia, disgrafia (10% ), dentre outros5.
Há evidências de que crianças diagnosticadas com TDAH apresentam maior dificuldade no aprendizado por influência de alterações expressivas de linguagem e/ou por transtornos na apropriação da escrita, quadros que podem resultar em prejuízos ao desempenho escolar6.
Vários estudos que estabeleceram uma relação entre TDAH e transtornos no aprendizado da linguagem escrita relataram que os problemas prevalentes afetam a apropriação e desempenho na leitura (8-39%) e na escrita (60%). Esses estudos permitiram postular hipóteses de que os déficits de linguagem em crianças com TDAH estão muito provavelmente relacionados a atividades cognitivas supraordenadas por comportamentos organizados. Essas atividades podem ser denominadas, em seu conjunto, como funções executivas e incluem o estabelecimento de metas, a programação, a iniciação, o controle, a inibição de interferências, a fluência, a velocidade, a organização temporal, a sequencialização, a comparação, a classificação e a categorização, que estão associadas aos sistemas corticais e subcorticais do lóbulos frontais. Além disso, levando-se em conta que as aquisições posteriores, como a leitura e a escrita em sistemas alfabéticos, dependem de aspectos subjacentes à linguagem oral, pode-se esperar que os déficits em linguagem apresentados por tais crianças apresentam forte relação com os déficits escolares7.
Neste contexto, pesquisadores nacionais e internacionais relatam que o domínio de determinadas habilidades como a do processamento fonológico, composto pela consciência fonológica, pelo acesso ao léxico mental e pela memória de trabalho fonológica8, deve ser tomado como fator predisponente para a aquisição e o desenvolvimento da leitura e escrita.
O processamento fonológico9 envolve o processo de utilização das informações sonoras da língua, indispensáveis para a linguagem oral e escrita. Estão envolvidas neste processo três habilidades: a consciência fonológica, o acesso rápido ao léxico mental e a memória de trabalho fonológica. Os autores apontam ainda uma relação causal entre o desempenho no processamento fonológico e as capacidades de leitura10.
As dificuldades de aprendizagem presentes nos quadros de TDAH envolvem possíveis alterações no processamento fonológico, uma vez que para o desenvolvimento da leitura e da escrita tal habilidade é altamente requisitada11.
As alterações de linguagem, comumente apresentadas pelos indivíduos com TDAH, relacionadas ao desempenho escolar são: dificuldades na organização fonológica da fala (alteração na organização sequencial e temporal de fonemas); na decodificação, caracterizada por omissões e substituições de palavras e fonemas; na codificação, como as alterações na organização sequencial e temporal de grafemas; elaboração da escrita com alteração da ordem lógica das orações e produção textual desorganizada12.
Crianças que apresentam falhas atencionais ou de processamento da informação terão dificuldade para acionar um processamento visual refinado, o que comprometerá o acesso fonológico exigido para a realização da leitura e escrita de um sistema alfabético13.
As novas perspectivas de análise do processamento da informação, derivadas de estudos associados à psicologia cognitiva e neurologia, os quais vêm complementar a visão fonoaudiológica. têm colaborado para o entendimento das dificuldades no aprendizado da leitura e escrita.
Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho foi estudar comparativamente o desempenho de escolares com TDAH e de escolares com bom desempenho escolar em tarefas de processamento fonológico (consciência fonológica, acesso ao léxico e memória operacional), de leitura e de escrita de palavras reais e inventadas.
Métodos
O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição de origem, processo nº 65/2010. Todos os responsáveis pelos escolares participantes da pesquisa foram orientados e receberam o termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Somente aqueles escolares cujos pais aceitaram participar da pesquisa, assinaram e entregaram o Termo de Consentimento aos pesquisadores participaram do estudo.
Compuseram este estudo 30 escolares, sendo 24 (80%) do sexo masculino e 6 (20%) do sexo feminino, na faixa etária de 9 a 12 anos de idade, matriculados no Ensino Fundamental, de escolas públicas ou particulares.
Os escolares foram divididos em dois grupos:
Grupo Experimental (GE): 15 escolares com diagnóstico interdisciplinar de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH, do tipo combinado sem comorbidade e sem ter iniciado tratamento fonoaudiológico. O diagnóstico de TDAH foi realizado por equipe interdisciplinar do Ambulatório de Neurologia Infantil- Laboratório DISAPRE da Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP Campinas/SP, incluindo avaliação fonoaudiólogica, neurológica, neuropsicológica e segundo os critérios pelo DSM-IV TR14. Durante todas as avaliações interdisciplinares, os escolares que faziam uso de medicação que promove o aumento da atenção e controla o comportamento impulsivo estavam sem ação medicamentosa.
Os critérios para a inclusão do GE foram: estar em acompanhamento com a equipe interdisciplinar do Ambulatório de Neurologia Infantil- Laboratório DISAPRE da Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP Campinas/SP, ter a idade mínima entre 9 e 12 anos de idade, apresentar o diagnóstico interdisciplinar de TDAH combinado segundo os critérios DSM-IV TR: não apresentar comorbidades, não ter iniciado o tratamento fonoaudiológico, apresentar comportamento colaborativo no processo de avaliação. Pacientes que faziam tratamento medicamentoso foram instruídos a não fazer uso das medicações para as sessões de avaliação.
Grupo Controle (GC): 15 escolares sem queixa de transtornos comportamentais e/ou de aprendizagem. Esses escolares foram pareados com os escolares do GE segundo a idade cronológica, o gênero, a escolaridade e o tipo de instituição de ensino (pública ou particular).
Esses escolares foram indicados por seus professores seguindo o critério de desempenho escolar satisfatório em dois bimestres consecutivos, considerando as avaliações de Língua Portuguesa e Matemática. Após essa indicação, os escolares foram submetidos à avaliação fonoaudiológica. Somente os que apresentaram desenvolvimento da linguagem oral e escrita dentro dos padrões típicos e não apresentassem queixas auditivas participaram do estudo. Além disso, o desempenho intelectual deveria mostrar-se dentro dos padrões da normalidade, segundo avaliação psicológica realizada por psicólogo pertencente à equipe interdisciplinar da Instituição. Também foram investigadas possíveis alterações visuais. Ainda como critério de inclusão, aplicou-se o questionário SNAP IV15, para descartar comportamentos de desatenção e hiperatividade.
Instrumentos Utilizados no Processo de Avaliação
a) Avaliação da Consciência Fonológica - Instrumento de Avaliação Sequencial (CONFIAS)16: Essa prova é composta por duas partes, sendo a primeira correspondente à consciência silábica e a segunda correspondente à consciência de fonemas. Análise dos dados: as respostas corretas valem um ponto e as incorretas valem zero. Na parte da sílaba, o máximo de pontuação é 40 e na parte do fonema 30, totalizando 70 pontos, o que corresponde a 100% de acertos.
b) Avaliação do acesso rápido ao Léxico - Teste de Nomeação Seriada Rápida17: o teste é composto por 4 subtestes para nomeação de cores, dígitos, letras e objetos. O subtestes são compostos por cinco estímulos diferentes, os quais alternam-se entre si, formando ao todo dez linhas sequenciais em um total de cinquenta estímulos. O subteste de cores foi composto pelas cores verde, vermelho, preto, azul e amarelo. O subteste de letras foi composto pelas letras p, d, o, a, s. O subteste de dígitos foi composto pelos seguintes números: 6, 2, 4, 9, 7 e o subteste de objetos compôs-se de pente, guarda-chuvas, chave, relógio e tesoura. Análise dos dados: os dados foram anotados em um protocolo específico para esse teste, tendo sido controlado o tempo despendido na nomeação de cada subteste e computado o total de erros cometidos.
c) Avaliação da Memória Operacional - Prova de repetição de palavras sem significado18: foi aplicada uma lista de 30 palavras sem significado para o português, organizada em seis sublistas, cada qual com cinco palavras sem significado, que variam conforme o número de sílabas, de uma a seis, constituídas por estruturas silábicas simples, privilegiando estruturas do tipo consoante-vogal e consoante-vogal-consoante. Para a análise dos resultados, considerou-se o ponto quando o escolar conseguiu repetir o item tal como lhe foi apresentado. A tentativa foi considerada incorreta quando o aluno omitiu, substituiu, não produziu nenhum fonema ou quando não conseguiu reproduzir o item tal como apresentado pelo examinador. Nestes casos, não foi atribuída pontuação. Na análise das respostas por lista foi identificada aquela com maior número de silabas que tenha contado com a repetição correta dos cinco itens.
d) Avaliação da leitura oral e escrita sob ditado: o procedimento consistiu na leitura oral e escrita sob ditado de 2 sublistas de 48 palavras reais (PR) e 48 palavras inventadas (PIN), totalizando 96 palavras em cada categoria19. As listas que foram apresentadas aos sujeitos estão organizadas com base na correspondência fonema-grafema da ortografia da língua portuguesa, gerando três categorias de palavras (regular, regra e irregular), além da frequência de ocorrência (alta frequência e baixa frequência). Quanto à análise dos resultados, nas duas provas, foi computado o total de palavras lidas erroneamente para cada categoria. As normas usadas para avaliar o desempenho da escrita sob ditado foram similares à Prova de Leitura. Foi computado o número de erros por item. A definição de erro incluía os seguintes casos: violação das regras básicas fonema-grafema,com substituição, adição ou omissão de grafemas (ora em vez de nora) e violação da forma correta das palavras determinada pelas convenções ortográficas (escrever tijela em vez de tigela). Para pseudopalavras diferentes escritas, foram consideradas acertos, desde que a pronúncia resultante estivesse de acordo com a fonológica ditada pelo aplicador. A soma de erros cometidos resultou no número total de erros por item.
A coleta de dados foi realizada individualmente em ambos os grupos. A avaliação do GC ocorreu na própria escola em horário contrário ao período letivo, enquanto a coleta do GE ocorreu na Clínica de Fonoaudiologia da Instituição de origem.
Para ambos os grupos, seguiu-se a mesma sequência de aplicação de provas. O número de sessões para todos os participantes variou em função das características e necessidades individuais. As sessões de avaliação variaram, em média, entre duas e três sessões, com duração de 50 minutos, respeitando sempre a disposição de cada participante.
Os resultados foram analisados por meio de testes estatísticos, visando comparar o desempenho da leitura e escrita sob ditado dos escolares com TDAH e escolares com desenvolvimento típico. A análise comparativa dos grupos foi realizada pelo teste estatístico de Mann Whitney e Teste t de Student, com nível de significância de 5% (0,05). Os resultados estatisticamente significantes foram assinalados por asterisco (*).
Resultados
Desempenho do GE em Relação ao GC na Prova de Consciência Fonológica
Na prova de consciência fonológica, foi possível observar que os escolares do GE apresentaram um desempenho inferior ao do GC, tanto no subteste silábico quanto no fonêmico, havendo diferença significante entre os grupos, atestada por meio do Teste t de Student (Tabela 1).
Desempenho do GE em Relação ao GC na Prova de Nomeação Rápida
Para comparar o desempenho dos escolares quanto à habilidade de acessar o léxico mental mensurada pela prova de nomeação rápida, utilizou-se o Teste t de Student. Observou-se diferença significante na prova de acesso ao léxico de letras e dígitos (Tabela 2).
Desempenho do GE em Relação ao GC na Prova de Memória Operacional
Para análise dos dados da memória operacional utilizou-se o teste não paramétrico Mann Whitney, visando comparar o desempenho entre os grupos (Tabela 3). Foi possível verificar que os escolares do GE apresentaram um desempenho significantemente aquém do apresentado pelo grupo GC.
Desempenho do GE em Relação ao GC à Leitura de Palavras Reias e Inventadas
Para comparar do desempenho de leitura de palavras reais de alta e baixa frequência utilizou-se o Teste não-paramétrico Mann Whitney, havendo diferença significante na leitura das palavras (Tabela 4).
Na leitura de palavras inventadas, utilizou-se o Teste t de Student para amostras independentes, sendo assim, pôde-se verificar que houve diferença significante entre as médias dos grupos, com maior número de erros para escolares do GE (GE: Média= 4,13, dp= 2,53;GC: Média=0,60, dp=0,63; t = 5,244; p= 0,000).
Na Tabela 5, estão os resultados da prova de escrita sob ditado. Foi possível observar que houve diferença significante entre os grupos, com desempenho superior para o GC na comparação da escrita sob ditado de palavras.
Para análise do desempenho da escrita sob ditado de palavras reais de alta frequência utilizou-se o Teste não-paramétrico Mann Whitney (GE: Média=2,53, dp=2,39; GC: Média= 0,20, dp=0,41; U=31,5; p=0,000). Para comparar o desempenho na escrita sob ditado das palavras de baixa frequência e palavras inventadas, utilizou-se o Teste t de Student (Tabela 5).
Discussão
O TDAH causa prejuízos à adaptação escolar, relações interpessoais e desempenho escolar, interferindo no processo de aprendizado da criança. Além disso, a atenção, indispensável para atividades complexas como a leitura e a escrita, pode mostrar-se impactada.
Sabe-se que o processamento fonológico, objeto de interesse de diversos estudos, tem sido reconhecido como um componente que participa do processo de desenvolvimento da decodificação leitora e codificação escrita. Alterações nas habilidades do processamento fonológico (consciência fonológica, acesso ao léxico e memória operacional) prejudicam sobremaneira o desenvolvimento da leitura e escrita20. As crianças com dificuldades nesse processamento apresentam alterações da fluência leitora e problemas com a compreensão de leitura em decorrência de déficits na percepção fonológica e da baixa capacidade de armazenamento de informação na memória de trabalho. A memória fonológica de trabalho e o acesso fonológico ao léxico mental permitem o processamento e a organização da linguagem. Da mesma forma, eles são solicitados pelo componente executivo central na realização de qualquer tarefa, inclusive nas de consciência fonológica e associação fonema-grafema21. Por entender que o escolar com TDAH apresenta déficits em função executiva, esse estudo admitiu como hipótese que atividades implicadas no processamento fonológico, a leitura e a escrita poderiam mostrar-se prejudicadas quando analisadas comparativamente ao desempenho de escolares típicos.
De acordo com os resultados obtidos neste estudo, foi possível verificar que o desempenho do GE foi estatisticamente inferior ao desempenho do GC nas habilidades do Processamento Fonológico. O estudo sugere que essas dificuldades possam estar relacionadas a alterações de leitura e escrita em escolares com TDAH, uma vez que se constataram déficits em consciência fonológica e memória operacional22.
Estudos comprovam que a CF apresenta uma relação de reciprocidade com o aprendizado da leitura e escrita22. De acordo com os resultados obtidos na prova de consciência fonológica, os escolares com TDAH apresentaram desempenho aquém do obtido pelo GC, em especial no que tange à noção de fonemas (Tabela 1). Escolares com TDAH apresentaram, portanto, déficits em habilidades metafonológicas da linguagem, o que pode ter relação com os resultados observados nas tarefas de leitura e escrita22.
Essa pesquisa corrobora os achados de que comprometimentos na aquisição da aprendizagem do TDAH envolvem possíveis alterações nas habilidades metalinguísticas, uma vez que para o desenvolvimento da leitura e da escrita tal habilidade é altamente requisitada. Os avanços da pesquisa demonstram cada vez mais a natureza do déficit fonológico. Este processamento refere-se às habilidades mentais de processamento de informações baseadas na estrutura fonológica da linguagem oral e é formado pelos componentes que envolvem a aquisição da leitura e a escrita: consciência fonológica, requerendo, para tanto, recursos atencionais.
Para realizar tarefas de consciência fonológica é necessário tempo de atenção e concentração mais apurados23. Tais dados sugerem que o desempenho nessa habilidade possa estar alterado devido às características do próprio diagnóstico, no qual crianças com TDAH apresentam alteração atencional e hiperatividade, interferindo na retenção da informação24.
Em relação ao acesso ao léxico, os achados deste estudo evidenciaram que os escolares com TDAH apresentaram dificuldades para nomear rapidamente os estímulos referentes às letras e aos dígitos, sendo encontradas diferenças estatisticamente significantes nestas provas. Entretanto, para as provas de cores e objetos, não houve diferença significante entre os grupos (Tabela 2).
No entanto, pode-se argumentar que, se a relação entre a nomeação seriada rápida e leitura ocorre devido à velocidade e eficiência com que os códigos lexicais são acessados na memória de longo prazo, então o tipo de estímulo não deveria fazer a diferença na predição dos resultados do teste, uma vez que todos os estímulos do teste (letras, números, objetos e cores) devem ser traduzidos a partir de suas representações visuais em seus corretos correspondentes fonológicos. Porém, contrariamente a esta ideia, vários estudos descobriram que as cores e objetos não se relacionam com a capacidade de leitura tão bem quanto as letras ou os dígitos25. Dessa forma, isto sugere que pode haver outras habilidades cognitivas sendo requisitadas para a nomeação seriada, as quais também são compartilhadas durante a leitura, sendo estas diferentes da recuperação eficiente dos códigos fonológicos (nomeação de objetos e cores)26.
Ainda em relação a este aspecto, pode-se argumentar o fato de a nomeação de figuras requerer sempre o acesso ao significado para a posterior produção do nome. Por outro lado, a leitura de palavras pode ser realizada sem passar por este processo, ou seja, para a identificação de um grafema ou dígito não há necessidade de acesso ao significado. Assim, objetos e cores apresentam uma carga semântica maior27.Diferentemente da nomeação de cores e objetos (estão mais sujeitos à formação fonológica da palavra para nomeação), a nomeação de números e letras tendem a ter uma maior automaticidade. No entanto, essa automaticidade é alcançada a depender da idade e da boa capacidade de aprendizado de letras e números. Sugere-se, portanto, ampliar o corpus da amostra para confirmar tal tendência.
A literatura aborda a relação da automaticidade na velocidade de nomeação seriada rápida. Basicamente, esta teoria sugere que quanto mais familiarizada a criança se mostra para a nomeação das letras, mais automático torna-se o processo de nomeá-las28.
Quanto ao desenvolvimento do acesso ao léxico e sua relação com a leitura, um estudo mostrou que as crianças de 5 e 6 anos de idade muitas vezes nomeiam cores e objetos mais rapidamente do que letras e números. No entanto, com uma maior exposição e prática em relação às letras e aos números, a nomeação dos estímulos alfanuméricos se torna muito mais automática. Neste ponto, os estímulos alfanuméricos são nomeados mais rapidamente e tornam-se mais fortemente associados à capacidade de leitura29. Estas diferenças enfatizam a importância de se considerar os estímulos alfanuméricos do RAN separadamente dos estímulos não-alfanuméricos. Também é importante considerar a capacidade preditiva de RAN entre os grupos, uma vez que um estudo sugeriu que o seu valor preditivo pode ser diferente para indivíduos com dificuldades de leitura e para os leitores típicos30. Estudos apontam ainda que as correlações do RAN com as habilidades de leitura são mais fortes em indivíduos com dificuldades de leitura do que em leitores típicos31.
Dessa forma, de acordo com a literatura acima relatada, o baixo desempenho dos participantes com TDAH nas habilidades de nomeação rápida de dígitos e letras pode se relacionar com as dificuldades de leitura observadas neste grupo, hipótese que poderá ser confirmada em estudos posteriores.
Os escolares do GE deste estudo apresentaram um resultado inferior ao do GC no desempenho da memória operacional, conforme apresentado na Tabela 3. Crianças com TDAH apresentam maior desatenção e esta, provavelmente, seria uma das responsáveis pelo desempenho rebaixado na memória operacional28,32.
Pesquisas anteriores mostraram que indivíduos com TDAH muitas vezes têm déficit de memória operacional, prejudicando assim o desempenho do aprendizado da leitura e escrita33.
A memória operacional refere-se à capacidade de reter e manipular temporalmente a informação. Dificuldades de memória operacional afetam grande parte do processamento de informação, uma vez que a memória é uma estrutura mediadora das informações32.
Com relação a este aspecto, autor34 postula que a memória operacional não é apenas um reservatório temporário de informação, mas possui também um papel ativo e executivo no processamento da informação. O autor idealizou o modelo de organização da memória operacional como um sistema de armazenamento constituído por três componentes: um executivo central e dois sistemas escravos, sendo estes a alça fonológica (relacionada à representação e recitação do material verbal) e um sistema tampão vísuo-espacial (equivalente imagético da alça fonológica). Para o autor, o executivo central é o principal componente da teoria, e dentre outras funções, é o responsável pela manutenção da atenção e concentração.
Dessa forma, neste estudo, as dificuldades com a memória operacional encontradas nos indivíduos com TDAH podem ser decorrentes dos problemas no componente executivo, ou seja, na manutenção da atenção e da concentração.
Outro estudo35 encontrou que as crianças com TDAH apresentaram um resultado inferior ao do grupo controle no desempenho na memória operacional auditiva, o que não ocorreu na memória de trabalho visual. Os autores relataram que este achado relacionou-se com o menor tempo de reação, e que estes efeitos podem ser decorrentes da necessidade de maior esforço para manter a atenção. Para os autores, as crianças com TDAH apresentam maior desatenção, o que, provavelmente, seria uma das responsáveis pelo baixo desempenho nesta habilidade, o que corrobora os resultados deste estudo.
Para o aprendizado da leitura e escrita é necessário que o escolar seja capaz de associar um componente auditivo fonêmico a um componente visual gráfico. Assim como para a compreensão do princípio alfabético é preciso entender que a língua falada pode ser segmentada em unidades distintas, que essas unidades se repetem em diferentes palavras e que existem regras de correspondência entre grafemas e fonemas, demonstrando a importância da consciência fonológica para o desenvolvimento da leitura e escrita36.
É por meio da percepção e compreensão da correspondência grafo-fonêmica que a criança se torna capaz de realizar a leitura de qualquer palavra regular, uma vez que, ao encontrar palavras novas, ela pode aplicar as regras de decodificação fonológica. O processamento fonológico refere-se às operações de processamento de informação baseadas na estrutura fonológica da linguagem oral e envolve a percepção e a memória de trabalho37 e essas dão suporta a leitura fonológica da palavra.
Analisando que a memória de trabalho tem um papel importante nas tarefas que requerem consciência fonológica, já que o material verbal deverá ser mantido nesta memória para realização de tais tarefas10, esperava-se diferença do desempenho entre os dois grupos, demonstrada nas duas avaliações realizadas.
A memória operacional desempenha um papel crucial em muitas atividades cognitivas complexas, tais como a aprendizagem, o raciocínio e a compreensão da linguagem. Nesse sentido, falhas nesse sistema podem provocar prejuízos no desenvolvimento da fala e da linguagem, na aquisição lexical, no processo de aprendizagem, na leitura e na compreensão de um texto, na resolução de problemas de matemática38. Parece haver indícios de que a memória operacional tem importante papel nas tarefas que solicitam a consciência fonológica, já que o material verbal deverá ser mantido nesta memória no momento de realização de tais tarefas10.
Sendo assim, os resultados encontrados no presente estudo quanto à leitura e escrita de palavras reais e inventadas mostraram que escolares com TDAH apresentam um desempenho aquém quando comparados ao GC. Essas dificuldades, não mais esperadas para a idade e escolaridade, podem estar relacionadas às alterações nas habilidades do processamento fonológico. Em relação à prova de leitura, foi possível observar que o desempenho do GE mostrou-se abaixo do esperado quando comparado ao GC (Tabela 4), com alteração na decodificação das palavras solicitadas. Problemas de atenção contribuem para dificuldades de leitura e escrita39.
As alterações de leitura no TDAH são decorrentes da desorganização sequencial e temporal dos fonemas necessários para a execução da ativi dade proposta, resultando em um comprometimento da leitura, relato este que corrobora também com outros achados deste estudo - que é a alteração em consciência fonológica, mais especificamente em fonemas21.
No presente estudo, foram utilizadas a leitura e escrita de palavras reais de alta e baixa frequência e palavras inventadas. Foi possível verificar, tanto na leitura como na escrita, que os escolares de ambos os grupos apresentaram melhor desempenho na leitura e escrita de palavras reais que nas palavras inventadas, melhor desempenho na leitura de palavras de alta frequência que nas de baixa frequência e em palavras inventadas, sugerindo uso mais eficiente da leitura e escrita por rota lexical. Quanto mais a criança tem contato perceptivo, auditivo e visual com as palavras, mais estas palavras se tornam familiares. Desse modo, a criança lerá e escreverá melhor as palavras de alta frequência do que as de baixa frequência, e as palavras reais mais do que as inventadas40.
Para que ocorra a decodificação de palavras reais e inventadas, é necessário o envolvimento de algumas habilidades, como o processamento visual e auditivo, o mecanismo de conversão grafema/fonema, processos atencionais, acesso ao léxico e a memória operacional. Crianças com TDAH apresentam alteração nas áreas envolvidas com a demanda atencional, de autorregulação, memória operacional e consciência fonológica, o que pode sugerir uma relação entre a dificuldade de leitura por rota fonológica e o TDAH, como observado nos resultados do presente estudo.
Conclusão
Os escolares com TDAH com dificuldades em leitura e escrita deste estudo apresentaram desempenho inferior em habilidades do Processamento Fonológico (Consciência Fonológica, Acesso ao Léxico e Memória Operacional), quando comparados aos escolares sem TDAH, com bom desempenho escolar.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Mar 2017
Histórico
-
Recebido
17 Dez 2015 -
Aceito
02 Fev 2017