Resumos
Objetivou-se neste trabalho avaliar a atividade de tripsina no quimo de tilápias-tailandesas submetidas a quatro temperaturas da água. Utilizaram-se alevinos machos com peso inicial de 0,835 ± 0,004 g distribuídos em aquários com temperaturas de 20, 24, 28 e 32ºC, alimentados à vontade com a mesma dieta e mantidos nessas condições até os 55 dias do experimento. As tilápias foram retiradas dos aquários e imediatamente colocadas em banho de gelo para morte e paralisação das atividades enzimáticas. Os intestinos médio e posterior foram retirados e acondicionados em frascos de polietileno de 2 mL. As amostras foram centrifugadas para determinação da atividade de tripsina no sobrenadante - feita utilizando-se N-Benzoil-D, L-arginina p-nitroanilida (D, L-BApNA) como substrato - e posterior leitura em espectrofotometria óptica. Tilápias-tailandesas machos mantidas em temperatura ambiente de 32ºC apresentam maior atividade de tripsina e menor atividade específica de tripsina.
atividade enzimática; fisiologia de peixes; Oreochromis niloticus
The objective of this study was to evaluate the enzymatic activity of trypsin in the intestinal content of the Thai tilapia male submitted to four different water temperatures. Fingerlings with 0.835 ± 0.004 g initial body weight were distributed in fishbowls with temperatures of 20, 24, 28 and 32ºC. They were fed the same diet and maintained under these conditions until the 55th day of the experiment. The tilapias were removed from the fishbowls and immediately placed on ice for death and to halt the enzymatic activity. The middle and posterior intestines were removed and placed in 2 mL polyethylene flasks. The samples were centrifuged to determine the trypsin activity in the supernatant by using N-Benzoil-D, L-arginina p-nitroanilida (D,L-BApNA) as substrate -and later reading in an optical spectrophotometer. Male Thai tilapia submitted to 32ºC increased tripsin activity and decreased specific tripsin activity.
enzymatic activity; fish physiology; Oreochromis niloticus
AQUICULTURA
Atividade de tripsina no quimo de tilápia-tailandesa submetida a diferentes temperaturas da água
Trypsin activity in chyme of Thai tilapia submitted to different water temperatures
Guilherme de Souza MouraI; Maria Goreti de Almeida OliveiraII; Eduardo Arruda Teixeira LannaIII
IPrograma de Pós-graduação em Zootecnia - Departamento de Zootecnia/Universidade Federal de Viçosa (UFV)
IIDepartamento de Bioquímica e Biologia Molecular e Bioagro/UFV
IIIDepartamento de Zootecnia/UFV
RESUMO
Objetivou-se neste trabalho avaliar a atividade de tripsina no quimo de tilápias-tailandesas submetidas a quatro temperaturas da água. Utilizaram-se alevinos machos com peso inicial de 0,835 ± 0,004 g distribuídos em aquários com temperaturas de 20, 24, 28 e 32ºC, alimentados à vontade com a mesma dieta e mantidos nessas condições até os 55 dias do experimento. As tilápias foram retiradas dos aquários e imediatamente colocadas em banho de gelo para morte e paralisação das atividades enzimáticas. Os intestinos médio e posterior foram retirados e acondicionados em frascos de polietileno de 2 mL. As amostras foram centrifugadas para determinação da atividade de tripsina no sobrenadante - feita utilizando-se N-Benzoil-D, L-arginina p-nitroanilida (D, L-BApNA) como substrato - e posterior leitura em espectrofotometria óptica. Tilápias-tailandesas machos mantidas em temperatura ambiente de 32ºC apresentam maior atividade de tripsina e menor atividade específica de tripsina.
Palavras-chave: atividade enzimática, fisiologia de peixes, Oreochromis niloticus
ABSTRACT
The objective of this study was to evaluate the enzymatic activity of trypsin in the intestinal content of the Thai tilapia male submitted to four different water temperatures. Fingerlings with 0.835 ± 0.004 g initial body weight were distributed in fishbowls with temperatures of 20, 24, 28 and 32ºC. They were fed the same diet and maintained under these conditions until the 55th day of the experiment. The tilapias were removed from the fishbowls and immediately placed on ice for death and to halt the enzymatic activity. The middle and posterior intestines were removed and placed in 2 mL polyethylene flasks. The samples were centrifuged to determine the trypsin activity in the supernatant by using N-Benzoil-D, L-arginina p-nitroanilida (D,L-BApNA) as substrate -and later reading in an optical spectrophotometer. Male Thai tilapia submitted to 32ºC increased tripsin activity and decreased specific tripsin activity.
Key words: enzymatic activity, fish physiology, Oreochromis niloticus
Introdução
Muitos alimentos são testados no intuito de melhorar o bem-estar e o desempenho dos peixes, no entanto a falta de informações sobre a influência ambiental e dos processos fisiológicos da digestão desses animais não permite o avanço do conhecimento para melhorar nutricionalmente as dietas comerciais.
Como os peixes são animais ectotérmicos, a temperatura do meio onde vivem influencia seu metabolismo fisiológico afetando os processos de digestão e seu desempenho (Piedras et al., 2004). Quando submetidos a temperaturas mais altas (30ºC), juvenis de tainhas (Mugil brasiliensis) têm melhor taxa de crescimento e conversão alimentar (Okamoto et al., 2006). Em juvenis de largemouth bass (Micropterus salmoide), ocorre redução na eficiência alimentar e no crescimento quando submetidos a temperatura ambiente de 20ºC (Tidwel et al., 2003). Essa influência ambiental no metabolismo de peixes pode estar diretamente relacionada à atividade enzimática dos processos digestivos.
A tripsina é uma das enzimas digestivas de origem pancreática que agem no intestino delgado, atuando sobre ligações peptídicas do quimo, que envolvem lisina e arginina (Smith et al., 1988). Da mesma forma que ocorre com as outras enzimas, a eficiência de catálise da tripsina depende do meio. A estrutura e a forma do centro ativo das enzimas podem ser afetadas por agentes como o pH e a temperatura da água, que são capazes de mudar a conformação das proteínas (Lehninger et al., 1995).
Em anchova (Engraulis japonicus), a atividade de tripsina depende da temperatura da água e a catálise máxima ocorrendo a 45ºC e em pH 9 (Heu et al., 1995). Em salmão-do-atlântico (Salmo salar L.), a elevação da temperatura da água melhora o desempenho e aumenta a atividade catalítica da tripsina (Rungruangsak-Torrissen et al., 2006). Uys & Hecht (1987) estudaram a tripsina pancreática em catfish (Clarias gariepinus) e concluíram que a atividade ótima dessa enzima ocorre em temperatura ambiente de 30 a 40ºC.
O conhecimento da atividade da tripsina pode auxiliar na quantificação mais precisa do nível proteico de dietas para peixes. Neste trabalho, objetivou-se estudar a atividade de tripsina de tilápias-tailandesas machos submetidas a quatro temperaturas da água.
Material e Métodos
O sistema de recirculação foi formado por quatro reservatórios de polietileno, cada um com capacidade para 500 L de água. O abastecimento de cada reservatório foi feito por gravidade, com o nível da água controlado individualmente. Esses reservatórios abasteceram, por bombeamento contínuo, quatro fileiras de seis aquários de 100 L, que corresponderam às unidades experimentais.
Utilizaram-se 240 alevinos machos de tilápia (Oreochromis niloticus), linhagem tailandesa com peso inicial de 0,835 ± 0,004 g, distribuídos em 24 aquários (10 indivíduos/aquário). Após a distribuição, os termostatos foram ajustados para que a água, a partir de 24ºC (temperatura de origem), atingisse as temperaturas a serem testadas, numa taxa de 1ºC a cada 6 horas. Assim, após 48 horas, todas as temperaturas-teste avaliadas (20,0; 24,0; 28,0 e 32,0ºC) estavam estabilizadas e deu-se início ao experimento.
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com quatro tratamentos, correspondentes às temperaturas da água (20; 24; 28 e 32ºC), cada um com seis repetições.
Os peixes receberam a mesma dieta à vontade, fornecida quatro vezes ao dia durante todo o período experimental (Tabela 1). Diariamente, a limpeza dos aquários e dos reservatórios foi feita por sifonagem do fundo e pela troca dos filtros. A temperatura da água foi aferida diariamente, às 18 h, com auxílio de termômetro digital, e os níveis de oxigênio da água e o pH foram medidos semanalmente com peagâmetro e oxímetro digitais portáteis, respectivamente.
Aos 55 dias de experimento, uma tilápia foi retirada de cada aquário e imediatamente colocada em banho de gelo para morte e paralisação das atividades enzimáticas, totalizando seis amostras de cada temperatura-teste. Os peixes sofreram incisão longitudinal ventral, com posterior isolamento da porção cranial do esôfago e da porção caudal do reto, por meio de ligaduras duplas, para evitar extravasamento do quimo das regiões a serem estudadas. Após o isolamento, procedeu-se à retirada do intestino médio e posterior, que foi acondicionado em frascos de polietileno. Esse material foi imediatamente congelado e armazenado em freezer a -8ºC, totalizando seis amostras de cada tratamento.
As análises de atividade da tripsina foram realizadas no Laboratório de Enzimologia, Bioquímica de Proteínas e Peptídeos do Instituto de Biotecnologia Aplicada à Agropecuária (BIOAGRO), da UFV. Para as análises, utilizaram-se o quimo do intestino médio de cada amostra congelada e solução tampão Tris- HCl 0,1M, na proporção de 1:3, para descongelamento e maceração. Logo depois, esse material foi centrifugado a 15.000 rpm por 15 minutos e o sobrenadante utilizado para determinação da atividade de tripsina, realizada pelo método descrito por Erlanger et al. (1961), utilizando-se N-Benzoil-D, L-arginina p-nitroanilida (D,L-BApNA) como substrato. Inicialmente, foi feita uma solução com 0,5 mL deste substrato com 0,5 mL de tampão Tris-HCl 0,1M, pH 8,0, em tubos de ensaio. Adicionaram-se 10 µL do sobrenadante e, imediatamente, as velocidades iniciais foram determinadas pela formação do produto p-nitroalinina, por meio de determinação da absorbância a 410 nm no tempo. Nos cálculos, utilizou-se o coeficiente de extinção molar de 8800 M-1 cm-1 para o produto. A atividade específica de tripsina foi calculada dividindo-se a atividade da enzima pela concentração proteica do quimo. A concentração de proteína foi obtida em espectrofotômetro por meio da leitura de absorção a 260 e 280 nm, de acordo com o método descrito por Warburg & Christian (1941).
Os dados foram submetidos à análise de variância e regressão linear com auxílio do programa SAEG - Sistemas para Análises Estatísticas e Genéticas (UFV, 1997).
Resultados e Discussão
O sistema de recirculação manteve a qualidade da água em níveis aceitáveis (Tabelas 2 e 3), conforme descrito na literatura (Boyd, 1982; Piper et al., 1982; Kubitza, 2000).
A atividade de tripsina aumentou linearmente (P<0,01) de acordo com a temperatura da água. As tilápias submetidas à temperatura de 32ºC apresentaram atividade de tripsina 36,7% maior em comparação às tilápias mantidas na temperatura de 20ºC, comprovando que a temperatura pode influenciar os processos fisiológicos de digestão.
Em três espécies de peixes carnívoros, deepwater redfish (Sebastes mentella), turbot (Scophthalmus maximus) e gilthead bream (Sparus aurata), a máxima atividade da tripsina foi observada quando o quimo desses peixes foi submetido a temperaturas de 35 a 40ºC e pH 9,0 (Munilla-Morán & Saborido-Rey, 1996). Para a truta-arcoíris (Oncorhynchus mykiss), a atividade de tripsina ótima foi de 40 a 50ºC (Kristijansson, 1991).
De acordo com esses resultados, pode-se inferir que a atividade de tripsina responde à temperatura até seu ponto de desnaturação. De acordo com Lehninger et al. (1995), quando a temperatura está próxima de 0ºC, a atividade das enzimas é praticamente nula, mas aumenta com a elevação térmica gradativa até certo ponto. Normalmente, acima de 50ºC, a maioria das enzimas é desnaturada, o que leva a alterações na sua conformação e à consequente perda do poder de ação.
Com a temperatura que permite máxima atividade tríptica, provavelmente a disponibilidade de aminoácidos aumentaria, o que poderia melhorar o desempenho dos peixes, porém esses animais não suportariam as propriedades da água, como os níveis de oxigênio dissolvido e de amônia, em decorrência da temperatura de máxima atividade enzimática.
A atividade específica da tripsina reduziu de forma linear (P<0,01) com o aumento da temperatura da água (Tabela 3), o que pode ter sido ocasionado pelo aumento no consumo de ração, que levou ao intestino grandes quantidades de substrato proteico. Como a atividade específica é calculada dividindo-se a atividade da enzima pela quantidade de proteína no quimo, a redução dessa atividade foi coerente. Ao elevar a temperatura, a atividade da tripsina aumentou e a atividade específica diminuiu, indicando que o pâncreas de tilápias não produz tripsinogênio em proporções diretas à quantidade de substrato que chega ao duodeno. Outra hipótese seria a existência de um mecanismo fisiológico de controle que relaciona produção de enzimas e atividade enzimática.
A produção de tripsinogênio em proporções não diretas à chegada do quimo no intestino também pode ser explicada pela perda de estabilidade da proteína, provavelmente pela desnaturação parcial. Como resultado dessa desnaturação, melhora a eficiência da degradação proteica.
Outro fator que pode ter influenciado diretamente a atividade de tripsina é o consumo de ração, que aumentou linearmente (P<0,01) de acordo com a temperatura. À temperatura de 32ºC, as tilápias consumiram mais, o que pode ter estimulado o pâncreas a produzir mais enzimas para degradação de proteínas. Segundo Lovell (1998), a presença de alimento no trato digestório resulta em estímulos hormonais que agem no pâncreas, órgão responsável pela produção de diversas enzimas digestivas. Jian et al. (2003) afirmaram que a temperatura influencia as necessidades nutricionais e o esvaziamento gástrico e, com isso, o metabolismo dos peixes.
O consumo diário de ração por pacus foi influenciado pela temperatura, resultando em índices de ingestão de 2,29% e 2,97% do peso vivo ao dia para as temperaturas de 23 e 27ºC, respectivamente. Além disso, os valores de tempo de trânsito gastrintestinal foram influenciados pelas temperaturas, com médias de 36 e 14 horas, para 23 e 27ºC, respectivamente, e a digestão do alimento foi mais lenta a 23ºC que a 27ºC, que alcançou menores índices de repleção (Dias-Koberstein et al., 2004). Em duas espécies de bagre (Clarias gariepinus e Heteropneustes fossilis), a digestibilidade da dieta melhorou com a elevação da temperatura de 18 para 28ºC (Usmani & Jafri, 2002).
A tripsina também ativa outras proteases, o que provavelmente ocorreu neste experimento. O consumo de proteína aumentou 122,58 g entre as tilápias mantidas em temperatura ambiente de 20ºC e as tilápias submetidas em 32ºC durante todo o período experimental. Esse resultado indica que as tilápias, em temperaturas próximas ao conforto térmico da espécie, são mais estimuladas a produzir tripsina, o que repercute na ativação de outras proteases, aumentando o consumo de aminoácidos. Com isso, o ganho de peso aumentou linearmente (P<0,01) com a temperatura da água. De acordo com Hjelmeland & Jrgensen (1985), a tripsina é, provavelmente, a enzima-chave na regulação e no processo digestivo em peixes jovens.
Conclusões
A temperatura influencia a atividade catalítica de tripsina em tilápias-tailandesas machos. Quando submetidas a temperatura ambiente de 32ºC, essa espécie apresenta a maior atividade de tripsina e a menor atividade específica de tripsina. Estudos com temperaturas acima de 32ºC devem ser realizados com esta espécie. A atividade de tripsina pode ser uma ferramenta na determinação da composição proteica da dieta desses peixes.
Literatura Citada
Este artigo foi recebido em 9/4/2007 e aprovado em 11/12/2008.
Correspondências devem ser enviadas para: mouraguilherme@yahoo.com.br
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Jan 2010 -
Data do Fascículo
Nov 2009
Histórico
-
Recebido
09 Abr 2007 -
Aceito
11 Dez 2008