Open-access Depressão e estresse: existe um endofenótipo?

Resumos

OBJETIVO: Revisar os achados recentes sobre a relação entre estresse, eixo hipotálamo-pituitária-adrenal e depressão, na tentativa de explicar um endofenótipo de vulnerabilidade para o desenvolvimento da depressão. MÉTODO: Revisão não sistemática da literatura baseada na hipótese de endofenótipo. RESULTADOS: A depressão está relacionada à hipercortisolemia em muitos pacientes; porém, nem todos os deprimidos apresentam esta alteração na função hipotálamo-pituitária-adrenal. Os primeiros estudos publicados observaram esta hiperativação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal por meio do teste de supressão da dexametasona. Estes resultados não foram largamente replicados em grande parte devido à falta de acurácia desse teste. A hipercortisolemia ocorre freqüentemente em pacientes com depressão grave, do tipo melancólico, psicóticos ou não. Está relacionada a um polimorfismo específico do gene do transportador da serotonina; a história de abuso ou negligência durante a infância ou perda parental precoce; e ao temperamento que resulta em alterações na resposta ao estresse. CONCLUSÕES: As alterações do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal dependem de diversos fatores, como gravidade e tipo de depressão, genótipo, história de trauma na infância, temperamento e, provavelmente, resiliência. Todas essas variáveis se relacionam a um endofenótipo vulnerável ao desenvolvimento de depressão.

Depressão; Fator de liberação de corticotrofina; Sistema hipotálamo hipofisário; Sistema hipófise supra-renal; Estresse


OBJECTIVE: To review the new findings about stress, hypothalamic-pituitary-adrenal axis and depression trying to explain a possible endophenotype prone to depression. METHOD: Nonsystematic review of the literature based on the endophenotype hypothesis. RESULTS: Depression is linked to hypercortisolemia in many patients, but not all patients present these hypothalamic-pituitary-adrenal axis dysfunction. The dexamethasone suppression test is not the most accurate test to measure the hypothalamic-pituitary-adrenal axis function, and its use in the first studies published probably jeopardized the results. Hypercortisolemia frequently occurs in patients with severe depression, melancholic, either psychotic or nonpsychotic type; it is linked to the presence of a polymorphism in the promoter of the serotonin transporter gene, with a history of childhood abuse or neglect, or other significant stressful experiences like the loss of a parent during childhood and temperament leading to alterations in the response to stress. CONCLUSIONS: The alterations of the hypothalamic-pituitary-adrenal axis depend on many factors like severity and type of depression, genotype, history of exposure to stress, temperament, and probably resilience. All these factors together result in an endophenotype thought to be prone to depression.

Depression; Corticotropin releasing hormone; Hypothalamus-hypophyseal system; Pituitary-adrenal system; Stress


ARTIGOS

Depressão e estresse: existe um endofenótipo?

Andrea Feijo MelloI; Mario Francisco JuruenaII; Carmine M ParianteII; Audrey R TyrkaIII; Lawrence H PriceIII; Linda L CarpenterIII; Jose Alberto Del PortoI

IPrograma de Doenças Afetivas, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo (SP), Brasil

IIInstitute of Psychiatry, Department of Psychological Medicine, Section of Neurobiology of Mood Disorders, Stress, Psychiatry and Immunology Lab (SPI-Lab), King's College/University of London, UK

IIIPrograma de Pesquisas em Transtornos do Humor, Hospital Butler, Universidade Brown, EUA

Correspondência Correspondência Andrea Feijo Mello Rua Pedroso Alvarenga, 1046 - cj 45 04531-004 São Paulo, SP, Brasil E-mail: amfeijo@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Revisar os achados recentes sobre a relação entre estresse, eixo hipotálamo-pituitária-adrenal e depressão, na tentativa de explicar um endofenótipo de vulnerabilidade para o desenvolvimento da depressão.

MÉTODO: Revisão não sistemática da literatura baseada na hipótese de endofenótipo.

RESULTADOS: A depressão está relacionada à hipercortisolemia em muitos pacientes; porém, nem todos os deprimidos apresentam esta alteração na função hipotálamo-pituitária-adrenal. Os primeiros estudos publicados observaram esta hiperativação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal por meio do teste de supressão da dexametasona. Estes resultados não foram largamente replicados em grande parte devido à falta de acurácia desse teste. A hipercortisolemia ocorre freqüentemente em pacientes com depressão grave, do tipo melancólico, psicóticos ou não. Está relacionada a um polimorfismo específico do gene do transportador da serotonina; a história de abuso ou negligência durante a infância ou perda parental precoce; e ao temperamento que resulta em alterações na resposta ao estresse.

CONCLUSÕES: As alterações do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal dependem de diversos fatores, como gravidade e tipo de depressão, genótipo, história de trauma na infância, temperamento e, provavelmente, resiliência. Todas essas variáveis se relacionam a um endofenótipo vulnerável ao desenvolvimento de depressão.

Descritores: Depressão; Fator de liberação de corticotrofina; Sistema hipotálamo hipofisário; Sistema hipófise supra-renal; Estresse

Introdução

A hiperatividade do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) na depressão maior é um dos achados mais consistentes em psiquiatria. Um significativo percentual de pacientes com depressão maior apresenta: concentrações aumentadas de cortisol (o glicocorticóide endógeno em humanos) no plasma, urina, líquido cefalorraquidiano (LCR); uma resposta exagerada do cortisol ao hormônio adrenocorticotrófico (ACTH); e um aumento das glândulas pituitária e adrenal.1 Nos últimos anos, muitos estudos sobre o eixo HPA em pacientes deprimidos foram publicados e parece que há uma nova perspectiva para os antigos achados que relacionavam hipercortisolemia à depressão. O conhecimento sobre essa alteração está convergindo em algumas direções, a hipercortisolemia está aparentemente ligada a alguns casos específicos de depressão e depende do tipo e da gravidade da doença, do genótipo, do histórico do trauma durante a infância e, provavelmente, de resiliência, levando-nos a acreditar que existe um endofenótipo de vulnerabilidade para depressão. Pretendemos resumir neste artigo alguns dos achados que apóiam esta hipótese.

Histórico

Os primeiros estudos sobre hipercortisolemia em pacientes com depressão foram publicados nos anos 70. Nesta época, Carroll et al. encontraram que pacientes gravemente deprimidos exibiam não-supressão no teste de supressão de dexametasona (TSD).2 O TSD demonstrou que muitos dos pacientes com vários transtornos afetivos tinham níveis elevados de cortisol, escapando, dessa forma, do efeito inibitório da dexametasona (DEX). Infelizmente, a dexametasona possui características farmacodinâmicas e farmacocinéticas que são muito distintas daquelas do cortisol. Essas características, juntamente com a baixa sensibilidade (40-50%) do TSD, ou seja, baixa capacidade de detectar pacientes com depressão maior, limitaram fortemente o uso desse teste na rotina clínica e na prática de pesquisa.3 O uso do TSD resultou em achados conflitantes que não foram amplamente replicados e os estudos sobre a função do eixo HPA na depressão foram deixados de lado por algum tempo.

Além da limitação do TSD, muitos fatores operam como confundidores que enviesam os resultados dos testes capazes de medir a função do eixo HPA. A maioria dos estudos incluiu populações mistas com diagnóstico tanto de transtornos de estresse pós-traumático (TEPT) como de depressão com diferentes graus de gravidade juntamente com pacientes sem histórico de estresse precoce na vida. O resultado desses estudos foram achados não-replicáveis.

Aproximadamente dez anos após o desenvolvimento do TSD, Holsboer et al. desenvolveram um teste da função neuroendócrina mais sensível para detectar o desequilíbrio do eixo HPA. Ele combina o TSD e o teste de estimulação do hormônio liberador de corticotrofina (CRH) e é chamado de teste de desafio DEX/CRH.4-5 O teste envolve a administração oral de uma dose única de 1,5 mg de DEX às 23:00 h, seguida às 3:00 h do dia seguinte de um bolo intravenoso de 100 µg de CRH. Desde então, Holsboer et al. têm publicado resultados interessantes sobre hipercortisolemia e depressão.

Recentemente, Watson et al. examinaram se o teste DEX/CRH revela distúrbios sutis do eixo HPA não detectados pelo TSD em pacientes com transtornos de humor e controles.6 Eles encontraram uma estreita correlação entre as respostas de cortisol nos dois testes e o diagnóstico de depressão. A sensibilidade do DEX/CRH foi de 61,9% e a especificidade foi de 71,4%. A sensibilidade do TSD foi de 66,6% e a especificidade foi de 47,6%. Isso sugere que os dois testes medem a mesma patologia, mas o teste DEX/CRH possui uma utilidade diagnóstica melhor.

Zobel et al. descreveram um conjunto de pacientes que se submeteram ao teste DEX/CRH em dois momentos diferentes: após iniciar o primeiro tratamento antidepressivo; e alguns dias antes da alta.7 Os autores encontraram que aqueles pacientes que tinham um aumento nos níveis de cortisol após o teste DEX/CRH entre a admissão e a alta tenderam a recair durante o período de acompanhamento, ao passo que aqueles que mostraram uma diminuição nos níveis de cortisol no teste DEX/CRH tenderam a permanecer clinicamente estáveis no período de acompanhamento. Em geral, as alterações no eixo HPA parecem ser dependentes do estado, tendendo a melhorar após a resolução da síndrome depressiva.8

Recentemente, um teste de supressão utilizando outro glicocorticóide sintético, a prednisolona, com maior afinidade pelo receptor de mineralocorticóides (RM), foi desenvolvido por Pariante et al.9 Os glicocorticóides medeiam suas ações, incluindo a regulação do eixo HPA, por meio de dois subtipos de receptores de corticosteróide intracelular distintos, denominados tipo I ou RM, e tipo II ou receptor de glicocorticóides (RG) - ver Figura 1. Ao contrário do RM, o RG possui uma alta afinidade pela DEX e uma afinidade mais baixa pelos corticoesteróides endógenos. No entanto, a maioria da literatura nessa áreas examinou o RG. Os primeiros resultados com o teste de prednisolona em pacientes deprimidos parecem confirmar a idéia de que o feedback negativo mediado pelo RM na depressão está intacto nos pacientes deprimidos.10


Ainda que diferentes testes tenham sido utilizados e que resultados conflitantes tenham sido publicados, há alguns resultados convergentes no caso específico da depressão. A hipercortisolemia ocorre freqüentemente em pacientes com depressão grave, melancólicos, psicóticos ou não. Está vinculada à presença de um polimorfismo específico na região promotora do gene do transportador de serotonina, ao histórico de abuso ou abandono na infância, ou a outras experiências traumáticas (como a perda de um genitor na infância), e a um temperamento que leva a alterações na resposta ao estresse.12 Todos esses fatores juntos se associam a um endofenótipo considerado vulnerável à depressão.

Outra situação é caracterizada pela hipoativação do sistema do estresse, mais do que uma ativação contínua. Nessa, a liberação cronicamente reduzida de CRH pode resultar em hiporresponsividade patológica e em feedback negativo aumentado do eixo HPA. Os pacientes com depressão atípica e sazonal são incluídos nessa categoria;13 porém, neste artigo não enfatizaremos esse último grupo de pacientes.

Gravidade e tipo da depressão

A hiperfunção do eixo HPA, caracterizada por uma hiperativação de CRH, feedback negativo reduzido e hipercortisolemia, tem sido um achado constante nas pesquisas em depressão maior. Classicamente, as anormalidades têm sido observadas em pacientes com transtorno unipolar (episódio único ou episódios recorrentes de depressão maior), mas podem também estar presentes na fase depressiva, maníaca e de remissão em pacientes com transtornos afetivo bipolar (com episódios recorrentes de depressão maior e episódios de mania ou hipomania).14-15 Em um estudo, Young et al. encontraram que os transtornos de ansiedade ocorrem em aproximadamente 30% dos pacientes com transtorno depressivo maior e concluíram que os pacientes deprimidos com transtorno de ansiedade comórbido apresentam um prejuízo do feedback negativo do eixo HPA ainda maior do que o observado em pacientes deprimidos sem transtorno de ansiedade comórbido.16

Nas últimas décadas, vários estudos relataram que a depressão maior psicótica (DMP) tem características únicas, incluindo diferenças neuroendócrinas em relação à depressão maior não-psicótica (NDMP). Muitos estudos encontram uma hiperatividade do eixo HPA em pacientes com DMP.17-19

Mais recentemente, Gomez et al. examinaram 29 pacientes com DMP, 24 pacientes com NDMP e 26 indivíduos-controle saudáveis que foram recrutados do Centro Médico da Universidade de Stanford.20 Foram obtidas as avaliações psiquiátricas, os níveis de cortisol entre 18:00 h-9:00 h, e os dados de teste neuropsicológico. Os resultados demonstraram que pacientes com DMP tiveram níveis de cortisol elevados entre 18:00 h e 1:00 h.

Contreras et al. também estudaram 40 pacientes hospitalares que preenchiam os critérios do DSM-III-R para episódio depressivo maior com melancolia (21 não-psicóticos e 19 psicóticos). Testes de TSD, TSH-TRF e GH-GRF foram realizados por todos os pacientes. Os resultados relativos a distúrbios do eixo HPA mostraram que até 80% dos pacientes com depressão melancólica apresentavam alterações (tanto os psicóticos como não-psicóticos), e que essas alterações estavam mais relacionadas à presença de sintomas psicóticos. A importância da disfunção do eixo HPA na melancolia é clara. Somente 20% de toda a amostra (23,9% dos não-psicóticos e 15,8% dos psicóticos) não tinham algum distúrbio em nenhum eixo hormonal.21

Keller et al. estudaram pacientes com DMP, NDMP e controles saudáveis utilizando escalas de avaliação de depressão e psicose e medidas da atividade do eixo HPA, incluindo cortisol noturno e dosagem de adrenocorticotrofina.22 Trinta e sete pacientes com DMP e 32 com NDMP participaram no estudo. Os resultados demonstraram que os que tinham DMP possuíam níveis mais altos de cortisol durante a noite do que os que tinham NDMP ou controles, sendo que esses dois últimos não diferiam entre si. Análises de regressão mostraram que a depressão e a combinação de sintomas depressivos e psicóticos contribuíram de forma importante para a variação nos níveis de cortisol noturno. A DMP está associada a níveis aumentados de cortisol durantes as horas de repouso. A atividade aumentada de cortisol, particularmente modificando o ponto mais baixo da curva, esteve relacionada à gravidade da depressão e à interação de sintomas depressivos e psicóticos. Essa modificação sugere um defeito na ação do sistema temporizador circadiano e do eixo HPA, criando um ambiente hormonal similar ao que é encontrado na síndrome de Cushing inicial e a um desequilíbrio da ativação dos RM e RG.

Genética

Há evidências conflitantes no que diz respeito à relação entre um polimorfismo específico na região promotora do gene do transportador de serotonina (SLC6A4) e o risco de depressão.23 Após a publicação do estudo de Caspi et al., em 2003,24 muitas pesquisas replicaram os resultados encontrados e outras não. O estudo da equipe de Caspi encontrou que maus tratos na infância predisseram depressão na vida adulta em indivíduos que tinham pelo menos um alelo curto. Esse polimorfismo do gene do transportador de serotonina (5-HTTLPR) consiste em uma seqüência do par de primers 20-23 que está repetida tanto 14 vezes (curto) como 16 vezes (longo). A presença do(s) alelo curto (s) supostamente representa maior risco para depressão, particularmente em pessoas que vivenciaram estresse recentemente ou precocemente na vida. Também encontraram que pessoas com um ou mais alelos curtos (s) que estiveram expostas a eventos estressantes na vida adulta tinham maior probabilidade de desenvolverem depressão do que os homozigóticos para o alelo longo (l). Muitos estudos replicaram estes achados.25-28

Wilhelm et al. avaliaram 127 indivíduos e investigaram associações entre o genótipo 5-HTTLPR, presença de eventos de vida adversos e interação gene-ambiente.29 Os resultados demonstraram que os eventos de vida adversos tinham um impacto mais significativo no início da depressão em indivíduos com o genótipo s/s do que os s/l ou l/l, concluindo que o genótipo 5-HTTLPR é um preditor de início de depressão maior após múltiplos eventos adversos.

Zalsman et al. examinaram a relação do polimorfismo trialélico (com a divisão do alelo L em alelo longo com função de alelo longo LA e alelo longo com função semelhante ao alelo curto LG) 5-HTTLPR com eventos estressantes da vida, gravidade da depressão maior e tendência ao suicídio.30 Cento e noventa e um (191) indivíduos com transtornos do humor foram comparados a 125 voluntários saudáveis; todos os indivíduos foram genotipados para o polimorfismo trialélico 5-HTTLPR e foram submetidos a entrevistas clínicas estruturadas para determinação do diagnóstico segundo o DSM-IV, quantificação da psicopatologia, avaliação de eventos de vida estressantes, histórico do desenvolvimento e comportamento suicida. Os resultados mostraram que os alelos com expressão semelhante ao alelo curto (LG, S) previram independentemente maior gravidade da depressão. Além disso, esses alelos se relacionaram a maior gravidade de depressão após traumas moderados e graves. O grupo de pesquisa concluiu que os alelos transportadores com menor expressão explicam 31% da variância na gravidade de depressão maior, de forma direta ou via aumento do impacto dos eventos de vida estressantes.

No entanto, Surtees et al. relataram que trauma na infância e idade adulta estavam associados ao transtorno depressivo maior, definido pelos critérios do DSM-IV, mas estes fatores não se relacionaram ao genótipo 5-HTTLPR.31 Gillespie et al. também relataram a não replicação do padrão identificado por Caspi.32

Estresse durante a infância

Uma extensa literatura, que remonta ao trabalho de Freud, descreve observações e teorias em relação à importância do cuidado materno no início da vida e ao impacto da privação de contato maternal no desenvolvimento da saúde psicológica do adulto. Muitos trabalhos descritivos foram publicados sobre a relação entre psicopatologia em adultos e adversidades vividas precocemente, como perda de genitores na infância, cuidado parental inadequado, divórcio, educação 'sem afeto' ou disfuncional por parte dos pais, abuso físico e sexual, e outros traumas ocorridos na infância. Esses estudos encontraram, de forma consistente, que a vivência de estressores no início da vida se associa a maior risco de transtornos de humor, de ansiedade e de personalidade na idade adulta.33

Crescentes evidências indicam que o abandono e o abuso infantis são fatores de risco para depressão, tanto de início na infância como na idade adulta.34-36 Como o eixo HPA é ativado em resposta a estressores, eventos estressantes no início da vida podem também ter um papel etiológico significativo nas anormalidades do eixo HPA encontradas na depressão.37

O desequilíbrio do cortisol e a regulação deficiente do feedback de glicocorticóide têm sido repetidamente identificados como correlatos biológicos de transtornos depressivos e de ansiedade em adultos,38-39 e a adversidade no início da vida está consistentemente associada a esses transtornos em estudos epidemiológicos.40 Um grande número de publicações associou o transtorno depressivo maior (TDM) à secreção de cortisol basal excessiva e regulação inadequada de feedback inibitório dos componentes do eixo HPA.41 Os maus tratos na infância são outro fator de risco para a depressão que foi examinado em amostras não-clínicas. Em um estudo de Heim et al., mulheres com histórico de abuso sexual ou físico demonstraram ACTH aumentado, mas respostas normais de cortisol ao Trier Social Stress Test (TSST), comparadas com mulheres sem histórico de abuso.42

Moskvina et al. estudaram a relação entre trauma infantil (TI) e a idade de início (II) da depressão, traços de personalidade e a expressão das dimensões de sintomas em 324 adultos com depressão unipolar recorrente.43 Foram feitas entrevistas psiquiátricas com os indivíduos e estes completaram questionários sobre TI, sintomas depressivos e avaliação de personalidade. O fato de ter vivenciado pelo menos um tipo de trauma foi relatado por 79,9% dos indivíduos e as formas mais comuns de trauma foram negligência física, abuso emocional e negligência emocional. Houve uma II mais precoce da depressão nos grupos que relataram TI, em comparação aos que não o relataram, e a II mais precoce ocorreu naqueles que tinham vivido os níveis mais altos de TI. O efeito de TI em indivíduos com uma vulnerabilidade genética subjacente pode resultar em diferenças no fenótipo depressivo caracterizado por II mais precoce de depressão e pela expressão de dimensões específicas da depressão.

Estudos recentes demonstraram que pacientes deprimidos com histórico de trauma infantil e formas crônicas de depressão maior têm maior probabilidade de demonstrar hiperatividade do eixo HPA. Eles apresentam sintomas que são resistentes aos antidepressivos-padrão mas que se beneficiam do tratamento concomitante com psicoterapia.44 Concluiu-se desses estudos que maus tratos na infância podem levar a desequilíbrios no funcionamento do eixo HPA e que fatores como idade dos maus tratos, responsividade parental, exposição subseqüente a estressores, tipo de maus tratos e tipo de psicopatologia ou alteração comportamental podem influenciar o grau e o padrão do distúrbio do eixo HPA. No entanto, resultados de estudos que examinaram a relação entre maus tratos na infância, psicopatologia e o eixo HPA variam. Enquanto a maioria dos estudos relata desequilíbrio no eixo HPA, foram notadas inconsistências. Os resultados devem ser analisados por gênero e pelo tipo de estressor, pois os efeitos no eixo HPA podem variar devido a esses fatores.

Temperamento

O temperamento e as características de personalidade, tais como a inibição comportamental e o neuroticismo, foram vinculados aos transtornos de humor e de ansiedade. Por exemplo, estudos prospectivos com indivíduos não-deprimidos demonstraram que o neuroticismo, que pode ser caracterizado pela tendência a vivenciar o afeto negativo, é um fator de risco para o desenvolvimento subseqüente de depressão.40,45-46 Além disso, os achados de estudos comportamentais e de genética indicam que o neuroticismo e a depressão maior compartilham fatores de risco genéticos comuns.47-48

A inibição comportamental é outra característica do temperamento que foi encontrada como preditora de transtornos de ansiedade e depressão.49 Esse traço, definido como a tendência ao retraimento e a evitar situações novas, demonstra estabilidade ao longo do tempo em primatas não-humanos50 e crianças. A inibição comportamental foi vinculada aos transtornos de ansiedade em estudos de família e em estudos longitudinais prospectivos com crianças pequenas que foram acompanhadas ao longo da infância até a adolescência.51-53

Experiências estressantes de vida podem também exercer um papel proeminente no desenvolvimento da depressão maior.54-55 Várias linhas de pesquisa sugerem a possibilidade de que a personalidade ou o temperamento podem ser responsáveis por algumas das associações entre o estresse, a depressão e a hiperatividade do eixo HPA. Há evidência de que a personalidade pode influenciar a probabilidade de exposição a estressores. Além de alterar a exposição, a personalidade ou o temperamento, podem atribuir sensibilidade aos estressores. Do mesmo modo, uma tendência em vivenciar afeto negativo ou a ser socialmente inibido pode, em parte, resultar da sensibilidade psicológica ou fisiológica aos estressores.40,56-57

Nosso grupo de pesquisa relatou níveis mais baixos de Busca de Novidade que prediziam concentrações mais altas de cortisol em resposta ao teste DEX/CRH em adultos considerados saudáveis. Os achados deste estudo dão apoio à hipótese de que os fatores da personalidade, que podem refletir uma maior sensibilidade aos estímulos, são preditivos de ativação aumentada do eixo HPA. Baixos níveis de Busca de Novidade, que refletem um temperamento introvertido, rígido, foram preditivos de respostas mais altas de cortisol ao teste DEX/CRH.58

Discussão

Poderia a disfunção do eixo HPA ser vista como uma causa biológica fundamental da depressão maior ou é um fenômeno secundário? Há várias indicações em nossos dados e na literatura de que o eixo HPA possui um papel fundamental na predisposição e no início de depressão maior. O eixo HPA é um grande elemento do sistema do estresse e tanto o estresse agudo quanto o crônico podem eliciar a depressão maior.59 É interessante que o estresse no início da vida leva a persistentes adaptações neurobiológicas que se assemelham aos achados na depressão. Há uma correlação entre o estresse, o eixo HPA (responsável pela resposta ao estresse) e o desenvolvimento da depressão que está se tornando mais clara.

Holsboer et al. encontraram que o prejuízo do feedback do eixo HPA observado em pacientes com depressão também esteve presente em indivíduos saudáveis que estão em risco por possuírem um familiar de primeiro grau com uma doença afetiva.60 Ademais, este distúrbio mostrou-se estável em um período de quatro anos.61 Esses dados sugerem que alguns indivíduos possuem uma vulnerabilidade geneticamente determinada para desenvolver uma hiperativação crônica do eixo HPA e, possivelmente, depressão maior. Existe também um elo entre a genética, a função do eixo HPA e a vulnerabilidade à depressão.

Para compreender melhor o desenvolvimento da depressão podemos fazer uma relação entre muitos fatores, começando pelo genótipo que inclui a hereditariedade, ambiente vivido na infância que inclui possíveis traumas, temperamento que dá ao indivíduo a capacidade de lidar com o ambiente e a resiliência de alguns indivíduos, que pode explicar diferentes tipos de resposta aos mesmos eventos estressantes. O eixo HPA é um dos sistemas mais importantes a ser estudado para elucidar a etiologia da depressão, mas muitos outros fatores também precisam receber atenção.

O conhecimento nesta área de interesse está se tornando mais consistente. Sabemos mais sobre as limitações dos testes de estresse e sobre fatores de confusão nesta área de pesquisa. A hipótese de endofenótipo ligando muitos achados sobre os genes versus o meio ambiente está sendo estudada tendo como base não somente a depressão, mas também muitas outras doenças; esta é a tendência para o presente.

Conclusões

As observações acima são sugestivas de um papel etiológico do eixo HPA na depressão maior; no entanto, é importante ter claro que a depressão maior é um transtorno complexo e heterogêneo. Enquanto alguns subtipos de depressão maior, como a depressão maior psicótica, estão associados a altos índices de hiperatividade do eixo HPA, alguns pacientes deprimidos não exibem nenhum distúrbio do eixo HPA. Para uma melhor compreensão da complexa interação entre a natureza e o ambiente no desenvolvimento da depressão em adultos, estudos futuros devem considerar tantos fatores quanto possível para criar uma visão abrangente da interação entre genes e ambiente. Tal tipo de pesquisa conecta enfoques psicossociais e genéticos, psicológicos e biológicos para uma melhor compreensão das doenças mentais.

Financiamento: Inexistente

Conflito de Interesse: Inexistente

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2007
    • Data do Fascículo
      Maio 2007
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