EDITORIAIS E COMENTÁRIOS
Programa de Triagem Neonatal de Hemoglobinopatias - uma reflexão
Neonatal Hemoglobin Screening Program - considerations
Claudia R. Bonini-Domingos
Correspondência Correspondência: Claudia Regina Bonini-Domingos Rua Cristóvão Colombo, 2265_ Jardim Nazareth 15054-000 _ São José do Rio Preto-SP _ Brasil E-mail: claudiabonini@yahoo.com.br
A triagem neonatal é uma ação preventiva que permite fazer o diagnóstico de diversas doenças congênitas ou infecciosas, assintomáticas no período neonatal, a tempo de se interferir no curso da doença, permitindo, desta forma, a instituição do tratamento precoce específico e a diminuição ou eliminação das sequelas associadas a cada doença. A Lei nº 8069 de 13/07/1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 10° diz: "Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a proceder a exames visando ao diagnóstico e à terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais". Com base nessas considerações e visando a detecção precoce, o diagnóstico definitivo, o acompanhamento clínico e o tratamento com uma relação custo-benefício economicamente viável e socialmente aceitável, foi instituído, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Triagem Neonatal - PNTN (Portaria GM/MS nº 822/GM).1
A implantação do programa em fases, segundo as características regionais e condições de suprir a população com a atenção global a cada uma das condições rastreadas, permitiu traçar, no País, um panorama nunca antes realizado para as hemoglobinopatias. Segundo Ramalho et al.,2 essa medida restaurou um dos princípios fundamentais da Ética Médica, que é o da igualdade, garantindo acesso igualitário aos testes de triagem a todos os recém-nascidos brasileiros, independentemente da origem geográfica, raça e classe socioeconômica. Além disso, tal portaria também corrigiu uma antiga distorção ao adequar a triagem neonatal de distúrbios metabólicos às características étnicas da população brasileira.
Com o passar dos anos e adaptação às diversas realidades, profissionais e sociais, reflexões são naturais e salutares e muitos autores reportam suas realidades.3,4,5 O artigo dessa edição intitulado "Programa de Triagem Neonatal de Hemoglobinopatias em Dourados-MS _ uma análise", mostra a realidade de uma região do Brasil em termos de frequência de casos, em especial evidenciando que, em cinco anos de triagem (de 2000 a 2005), foram encontrados 242 casos de heterozigoses e nenhum de homozigose, com uma cobertura de 81,4% dos nascidos vivos.6 Autoavaliações como essa são benéficas e importantes para as diretrizes de política pública de saúde, considerando o impacto da doença para os serviços e no custo dos municípios, mostrando a maturidade do programa implantado. A preocupação levantada pelos autores quanto à orientação de pais e portadores mostra a necessidade de que a Triagem Neonatal seja inserida na atenção básica do município, utilizando-se a Estratégia de Saúde da Família (ESF) para que o agente comunitário tenha a formação profissional e educação continuada adequadas para a ação nos casos identificados. Essas ações permitem uma melhor abordagem às famílias portadoras e reforçam um dos princípios do Programa Nacional de Triagem Neonatal no Brasil, que é a constante capacitação profissional como parte do processo educacional, respeitadas as diferenças regionais e socioculturais de nosso país.
Reflexões sobre a efetividade de amplos programas de diagnóstico e orientação sobre hemoglobinopatias, com sugestões de estratégias que sejam adaptadas às diferenças regionais, não são exclusivas de um país como o Brasil. Encontramos, na literatura indexada, artigos que remetem a autoavaliações de seus programas de diagnóstico neonatal regionais ou nacionais.7 Sugestões de ampliação de ações e de novas formas de diagnóstico são amplamente discutidas, trazendo sempre a preocupação quanto à qualidade de vida das pessoas que vivem com doença falciforme. Para o Brasil, fica evidente que falar sobre nossas realidades tão distintas só nos fará amadurecer quanto aos programas atualmente em ação e criar alternativas adaptadas às nossas diferenças, respeitando cada uma das interfaces.
Unesp,LHGDH _ Laboratório de Hemoglobinas e Genéticas das Doenças Hematológicas, Departamento de Biologia _ São José do Rio Preto-SP.
Recebido: 02/12/2009
Aceito: 07/12/2009
Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.
Referências bibliográficas
- 1 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Coordenação-Geral de Atenção Especializada. Manual de Normas Técnicas e Rotinas Operacionais do Programa Nacional de Triagem Neonatal/Ministério da Saúde, Secretaria de Assistência à Saúde, Coordenação-Geral de Atenção Especializada. Brasília: Ministério da Saúde, Portaria GM/MS n.º 822/GM. Junho, 2001.
- 2. Ramalho AS, Magna LA, Paiva e Silva RB. A Portaria MS n.º 822/01 e a triagem neonatal das hemoglobinopatias. Rev Bras Hematol Hemoter. 2002;24(4)244-50.
- 3. Mendonça AC, Garcia JL, Almeida CM, Megid TBC, Fabron Junior A. Muito além do "teste do pezinho". Rev Bras Hematol Hemoter. 2009;31(2):88-93.
- 4. Melo LMS, Siqueira FAM, Fett-Conte AC, Bonini-Domingos CR. Rastreamento de hemoglobinas variantes e talassemias com associação de métodos de diagnóstico. Rev Bras Hematol Hemoter. 2008;30(1):12-7.
- 5. Bandeira FMGC, Bezerra MAC, Santos MNN, Gomes YM, Araujo AS, Abath FGC. Importância dos programas de triagem para o gene da hemoglobina S. Rev Bras Hematol Hemoter. 2007; 29(2):179-84.
- 6. Souza RAV, Pratesi R, Fonseca SF. Programa de Triagem Neonatal para Hemoglobinopatias em Dourados, MS _ uma análise. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010;32(2):126-30.
- 7. Benson JM, Therell BL Jr. History and current status of newborn screening for hemoglobinopathies. Semin Perinatol. 2010;34(2): 134-44.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Jul 2010 -
Data do Fascículo
2010