Resumos
Países periféricos, também denominados como países do Sul Global, apesar de ainda manterem traços de instabilidade política e econômica, são atualmente considerados como países emergentes, uma derivação do rótulo de mercados emergentes recebido no início dos anos 1990. Encaixam-se nessa descrição Brasil e Índia. Tais países fazem parte de uma grande engrenagem que tende a alterar a dinâmica política e econômica global. No texto a seguir, apresentam-se as principais contribuições de pesquisadores que vislumbram a Índia no cenário internacional e, principalmente, sua relação com o Brasil dentro deste mesmo novo mundo em construção. Destaque para a simultaneidade de fatores positivos e negativos existente em ambas as nações e como se entrelaçam no desenho de uma relação sul-sul.
Cooperação internacional; Relações Brasil-Índia; Marcos Costa Lima
Peripheral countries, also known as the Global South, while still maintaining traces of political and economic instability, are currently considered emerging countries, a derivation of the label of emerging markets received in early 1990s. Both Brazil and India fit to that description. These countries are part of a major mechanism that tends to change global political and economic dynamics. This text presents the main contributions of researchers who have been examining India's performance in the international context and, especially, its relationship with Brazil, within this same new world under construction. Emphasis is given to the simultaneity of positive and negative factors existing in both nations and to how these later intertwine in the design of a South-South relationship.
International cooperation; Brazil-India relations; Marcos Costa Lima
LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012.
O atual cenário mundial encontra-se marcado pela ascensão dos países antes denominados periféricos, e mais recentemente chamados de emergentes ou em desenvolvimento. A periferia, também reconhecida como "Sul", a despeito de traços de instabilidade política, vulnerável a choques externos adversos que ressaltam suas contradições e debilidades internas, tem obtido resultados notáveis no que concerne ao seu processo de inserção internacional. O crescimento de seus mercados, a pujança de alguma economia e a busca por uma participação mais ativa na agenda internacional tem concedido destaque a nações que há pouco tempo jogavam na posição de peões no tabuleiro internacional. Estimulados pelo objetivo comum de galgar o desenvolvimento, esses países buscam uma nova posição na cena internacional mediante a estruturação de um esquema de cooperação mais inclusivo, tratado pela literatura das ciências políticas e das relações internacionais como Cooperação Sul-Sul. Essa forma de organização entre as nações tem o intuito de superar os obstáculos que impedem a igualdade nas relações políticas e econômicas entre os países, diferenciando-os no jogo internacional, segregando as nações em países desenvolvidos e países em desenvolvimento ou emergentes.
O livro organizado por Marcos Costa Lima, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco e atual presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS, é uma oportuna publicação, considerando o atual cenário da política internacional, marcado pela ascensão dos países emergentes e seu respectivo esforço no sentido de alcançar maior protagonismo internacional. Nesse cenário, Brasil e Índia, acompanhados pela República Popular da China, entre outros, passam a receber maior destaque nas relações internacionais, considerando a relevância econômica dessas nações e a busca por uma posição onde sua voz faça eco na construção de uma agenda internacional mais inclusiva. Marcos Costa Lima na companhia de autores tais como François Chesnais, Amit Bhaduri, Pradipta Chaudhury e Sebastião Velasco Cruz, dentre outros, contribui para elevar o conhecimento a respeito de um ator importante das relações internacionais conjunturais, a saber: a Índia. O esforço de Marcos Costa Lima e demais autores que compõe o livro não cessa na caracterização histórica e estrutural da Índia dentro da cena internacional recente. Recebe destaque a relação existente entre Índia e Brasil, sob o signo da cooperação sul-sul, vislumbrando uma ascensão internacional menos vulnerável e dependente dos países desenvolvidos.
O que torna a Índia um ator relevante no mundo contemporâneo? Sebastião Velasco Cruz em seu artigo nos ajuda a esclarecer tal dúvida. Segundo Cruz (2012)2. CRUZ, Sebastião Velasco. Reformas Econômicas em perspectiva comparada: o caso indiano. In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012., a Índia, país pobre, marcado por desigualdades sociais profundas, teve seu desenvolvimento econômico tolhido pelo fardo de uma cultura fortemente hostil aos valores capitalistas. Ademais, a ação do Estado, de forma intrusiva e de dimensões desmesuradas, não foi construída em uma fonte promotora do desenvolvimento, ao contrário, consistia em um grande peso atrasando o desenvolvimento indiano. Ainda segundo a concepção de Sebastião Velasco, isso é passado. Tendo adotado uma política de liberalização econômica e realizado esforços reais em prol da integração internacional, a partir de meados da década passada a Índia passa a obter resultados expressivos no que tange ao crescimento econômico e avanço em seu processo de industrialização. Tal evolução e os recursos que sustentam suas capacidades internas permite colocar a Índia na disputa por um lugar de destaque regional e mundial.
Claro que não se pode furtar de se expor que o resultado obtido nas últimas duas décadas ainda não eliminou condicionantes internos conforme exposto por Bhaduri (2012, p. 20)1. BHADURI, Amit. O Crescimento Predatório. In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012.. De acordo com o autor supracitado, a Índia desde muito tempo tem estado acostumada a uma pobreza que se amplia, coexistindo com crescimento, com ou sem 'padrão socialista'. Bhaduri argumenta que o crescimento indiano, por intermédio de um forte estímulo a industrialização, sustenta-se no crescimento da produtividade da mão de obra, que por sua vez, deve-se a mecanização (inserção da tecnologia) e a longas jornadas de trabalho. Porém, o crescimento da produtividade deveria trazer crescimento correspondente no nível médio dos salários, o que de fato não acontece. Logo, fenômenos como o crescimento do setor informal acompanhado pela subcontratação contribuem para a desigualdade1 1 Ver Lima (2012). . Constata-se crescimento sem desenvolvimento. Nesse mesmo cenário, a redução de participação do Estado é associada à redução dos gastos públicos, especialmente em serviços essenciais tais como saúde preventiva, educação e políticas voltadas a melhor distribuição de renda. Portanto, na percepção de Bhaduri, o baixo nível de crescimento do emprego e a débil ação governamental exacerba a desigualdade, criando uma situação na qual a partilha do produto nacional e da renda mantém desproporcional, na qual grande parcela da renda gerada concentra-se nas mãos de 20% da população mais rica da Índia.
Os dois parágrafos anteriores ilustram diferentes percepções de um mesmo fato e, a despeito de contribuir com um melhor conhecimento a respeito da Índia e fomentar o debate, ainda não respondem a indagação a respeito do que torna a Índia um importante player no mundo contemporâneo. Um artigo que pode auxiliar na construção de uma resposta mais contundente destaca a posição indiana no complexo regional de segurança asiático tendo como sustentáculo o foco na indústria de defesa indiana e sua política de segurança adotada a partir de 1958, mas mais decisivamente pós-1962 em decorrência da Guerra Sino-Indiana. Silva (2012) sustenta que a percepção de segurança indiana alterou-se drasticamente a partir do conflito Sino-Indiano de 1962. Depois desse evento, segue o autor, a questão da segurança internacional e a discussão a respeito da defesa nacional passaram a ser consideradas como alta prioridade pelo governo. Vários são os fatores que levaram a Índia a adotar essa postura, com destaque a disputa fronteiriça com o Paquistão, os conflitos regionais, notadamente com a China e a interferência de potências externas à região em conflitos ocorridos. Como era, assim como ainda é, objetivo da Índia ser tratada e reconhecida como uma grande potência regional, o projeto de desenvolvimento da política militar-industrial indiano priorizou a criação de um "símbolo" de poder, ou seja, seu programa nuclear. Durante e depois da Guerra Fria, a Índia investiu no desenvolvimento de seu aparato de segurança e passou a adotar uma postura "isolacionista" no que tange a algumas questões relativas à segurança internacional, tal como sua recusa em assinar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP). O que se pode retirar da contribuição do artigo de Antônio Henrique Lucena Silva é que a Índia torna-se relevante no cenário internacional não exclusivamente por conta de seu crescimento, dos seus investimentos em um parque industrial de tecnologia avançado e das parcerias estabelecidas com nações do eixo Sul, mas também porque a Índia, além de ser uma potência nuclear, está localizada em uma região palco de conflitos acalorados.
Resta ainda passar por dois tópicos essenciais que constituem a obra: a questão da cooperação como esforço para reduzir os obstáculos colocados pelas nações desenvolvidas e a estratégia voltada para a superação da condição de periferia por intermédio da criação de uma estrutura industrial focada na inovação.
No que diz respeito à cooperação, especialmente à cooperação entre Índia e Brasil, as contribuições de Lima (2012)3. LIMA, Marcos Costa. Índia: avanços, problemas e perspectivas. In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012. e Menezes e Lima (2012)6. MENEZES, Augusto, LIMA, Marcos Costa. Cooperação, regionalismo e desenvolvimento econômico: Brasil, Índia e Coréia do Sul comparados. In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012. buscam compreender como Brasil e Índia estão atuando no sentido de alcançar o desenvolvimento, notadamente, econômico e social. Cabe observar que os resultados na área social obtidos por Brasil e Índia são distintos, bem como a condução de suas políticas internas. Os processos de abertura engendrados por Brasil e Índia têm diferenças consistentes a despeito do modelo de industrialização ser simultaneamente tardia e apoiada em um processo de substituição de importação. Ambas as nações ressaltam em seus posicionamentos externos a preferência e tendência ao multilateralismo nas relações internacionais e apoiam a constituição de um cenário favorável a acordos de livre-comércio. Entretanto, um olhar atento ao cenário não comprova que tais esforços estejam logrando êxito. O comércio internacional mantém-se altamente desigual, a divisão internacional do trabalho impera no mercado e países desenvolvidos, devido a um cenário econômico desfavorável a partir do final dos anos 1990, tem se inclinado para a adoção de medidas protecionistas e restritivas ao livre comércio. A distribuição da riqueza em âmbito internacional também não tem apresentado grande evolução, mantendo um padrão assimétrico na participação das nações na geração e distribuição da riqueza mundial. Assim, o regionalismo e a cooperação entre países de posição semelhante têm surgido como uma forma de atenuar a pressão exercida pelos obstáculos do mercado e da distribuição de poder desigual. Logo, o contexto regional e geopolítico que circunda Brasil e Índia acaba por exercer influência favorável a essa forma de cooperação, reduzindo os limites ao desenvolvimento das nações emergentes.
Nessa parte da obra é concedido destaque a área de geração de tecnologia, conhecimento e inovação, área essa que tem figurado nas conversas mantidas entre Brasil e Índia como um dos principais meios para se debelar o atraso e atingir novos patamares de desenvolvimento. É essa a questão contemplada na terceira parte da obra. Quanto a esse quesito cabe destacar que Lima (2012)3. LIMA, Marcos Costa. Índia: avanços, problemas e perspectivas. In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012. e Lima e Saha (2012)5. LIMA, Marcos Costa, SAHA, Suranjit Kumar. Elementos para a construção de uma cooperação Brasil-Índia: inovação tecnológica e comércio internacional. In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012. atribuem destaque a função desempenhada pelos processos de mudança na produção de ciência e tecnologia, tal qual a difusão de inovação para o desenvolvimento de uma nação. Assim como já demonstrado por autores clássicos do desenvolvimento2 2 Para exemplificar, vale citar as contribuições de A. Smith, K. Marx, G. List, J. Schumpeter, C. Furtado entre outros. Mais recentemente, vale destacar a escola Neoschupeteriana, representada entre outros por C. Freeman, L. Soete, J. Cassiolato e H. Lastres e G. Dosi. , a geração de conhecimento sustentado por um sistema nacional de inovação dita o ritmo do processo de acumulação e do desenvolvimento mundial. É nesse sentido que merece destaque o estudo a respeito da estruturação das políticas industriais, principalmente quando bem orquestradas e voltadas para as áreas de Ciência e Tecnologia - C&T. Cabe ressaltar que C&T, demanda investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento - P&D, o que por sua vez, conforme ressaltam os autores presentes no livro, bem como os autores clássicos da literatura, depende de uma ação organizada conjunta que envolva o Estado, a iniciativa privada e instituições direcionadas a P&D. Para o caso específico de Brasil e Índia, a obra traz relatos e estudos relevantes a esse respeito, especialmente na ação cooperativa de ambos os países na indústria de softwares e na parceria técnica em áreas de geração de tecnologia e prestação de serviços técnicos específicos.
A estrutura da obra segue uma lógica construtiva e cumulativa de informação direcionada ao leitor. Parte da dimensão contemporânea da política na Índia e de suas macro-características, situando-a no mundo político-econômico, ressaltando os avanços indianos e também suas fragilidades, tal como a abismal desigualdade de renda entre as classes sociais indianas. A obra conduz o leitor à compreensão de que uma cooperação sul-sul mais qualificada e estruturada permitirá aos países emergentes avançar rumo a um desenvolvimento mais autônomo e sustentável. Para tanto, entram em cena as parcerias políticas e econômicas, tendo significativa participação as parcerias técnico-científicas.
Em suma, a obra organizada por Marcos Costa Lima constitui-se em uma análise sistêmica das reformas indianas, aglutinando as mudanças econômicas e políticas, em direção a um novo modelo de cunho mais liberal. A despeito da opção indiana no que concerne ao seu modelo econômico, as iniciativas de parcerias e a concretização de ações conjuntas com o Brasil têm avançado trazendo o resultado almejado por ambas as nações: o desenvolvimento. A estratégia adotada pelo Brasil apresenta-se coerente com o discurso estratégico brasileiro de diversificar e universalizar suas parcerias tendo como meta uma posição ativa na política internacional e de buscar o desenvolvimento pela via da cooperação com países em igualdade de condições diante dos países desenvolvidos.
Referências
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1BHADURI, Amit. O Crescimento Predatório. In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012.
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2CRUZ, Sebastião Velasco. Reformas Econômicas em perspectiva comparada: o caso indiano. In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012.
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3LIMA, Marcos Costa. Índia: avanços, problemas e perspectivas. In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012.
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4LIMA, Marcos Costa. Índia e Brasil: entre o sono e o despertar. Será o crescimento desigual a única via? In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012.
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5LIMA, Marcos Costa, SAHA, Suranjit Kumar. Elementos para a construção de uma cooperação Brasil-Índia: inovação tecnológica e comércio internacional. In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012.
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6MENEZES, Augusto, LIMA, Marcos Costa. Cooperação, regionalismo e desenvolvimento econômico: Brasil, Índia e Coréia do Sul comparados. In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012.
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7SILVA, Antonio Henrique Lucena. As relações militares internacionais da Índia: industria de defesa e o contexto de segurança regional. In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012.
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8SILVA, Marconi Aurélio e. Navegando pela nova expansão digital: atores e políticas de incentivo à industria de software no Brasil e na Índia. In. LIMA, Marcos Costa (org.). Política Internacional Comparada: O Brasil e a Índia nas novas relações sul-sul. São Paulo: Editora Alameda, 2012.
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Ver Lima (2012).
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Para exemplificar, vale citar as contribuições de A. Smith, K. Marx, G. List, J. Schumpeter, C. Furtado entre outros. Mais recentemente, vale destacar a escola Neoschupeteriana, representada entre outros por C. Freeman, L. Soete, J. Cassiolato e H. Lastres e G. Dosi.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Apr 2015
Histórico
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Recebido
22 Jan 2014 -
Aceito
10 Mar 2014