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Agências de mulheres nas independências: das lutas bolivarianas aos levantes brasileiros

Women’s agencies in independence fights: from Bolivarian struggles to Brazilian uprisings

Resumo

Focamos na agência de mulheres em movimentos de independência do colonialismo ibérico. Na trajetória política de Manuela Sáenz, buscamos recuperar a diversidade de papéis desempenhados por mulheres na independência da coroa espanhola. No caso brasileiro, as contribuições de Bárbara de Alencar à revolução de Pernambuco, de Maria Quitéria de Jesus Alves e de Maria Felipa de Oliveira à libertação da Bahia. Embora essas trajetórias se diferenciem temporalmente, a subordinação que lhes é atribuída na historiografia é comum, daí a relevância do debate articulado de suas agências. A apropriação de saberes proibidos aponta para os esforços individualizados pelo deslocamento das condições de subordinação patriarcal. Sua ação, contudo, foi restringida pelos padrões patriarcais, obrigando-as a travestir-se ou relegando sua relevância histórica a personagens masculinos de suas relações.

Palavras-chave
patriarcado; androcentrismo; historiografia; gênero

Abstract

In this paper, the focus is on women's agency in movements for independence from Iberian colonialism. We begin with the political trajectory of Manuela Sáenz, also seeking to recover the diversity of the roles played by women in the wars of independence against the Spanish crown. Then, for the Brazilian case, we describe the contributions of Bárbara de Alencar to the Pernambuco revolution (in Crato), Maria Quitéria de Jesus Alves and Maria Felipa de Oliveira to the liberation of Bahia. These trajectories differ, among other aspects, by their time frame, however the subordination attributed in historical narratives is a common feature. The appropriation of knowledge then forbidden for women points to the individualized efforts to break and shift the conditions of subordination. Their performance, however, is restricted by patriarchal standards, forcing them to cross-dress, in some cases, or the relevance of their historical role is relegated to some male character in their relationships.

Keywords
patriarchy; androcentrism; historiography; gender

Introdução

Neste artigo, voltamo-nos para a agência de mulheres em movimentos de independência do colonialismo ibérico, espanhol e português.1 1 Agradecemos à parecerista anônima que revisou versão anterior deste artigo nos brindando com seu tempo e suas preciosas reflexões. Pareceres como o que recebemos dão mostra de engajamento respeitoso e colaborativo. Somos gratas também à Acolhetiva, grupo acadêmico de afeto e amadurecimento intelectual no âmbito do Laboratório de Estudos Críticos do Discurso da UnB, que desde 2019 nos presenteia com escuta ativa, observações e palpites durante o processo de escrita deste e de outros trabalhos. Esses processos históricos diferenciam-se, dentre outros aspectos, por seu marco temporal, entretanto, têm em comum o apagamento nas narrativas históricas. O influxo patriarcal priorizou a agência masculina, privilegiando o indivíduo biológico racializado (branquitude), elitizado (classe dominante) e racional (letrado). Essa influência, relativamente constante no tempo, desdobra-se em naturalização da subalternização das mulheres, inclusive na pesquisa social. Procuramos apresentar uma visão sociológica sobre a historiográfica das independências destacando nelas a agência de mulheres.

Uma reflexão sobre os engajamentos das mulheres nos levantes brasileiros e nos movimentos na América hispânica se justifica por serem agenciamentos contra a dominação colonial ibérica. São também expressões diversas da colonialidade de gênero que domina e vitimiza a partir de pressupostos binários, dicotômicos e hierárquicos (Maria Lugones, 201421 LUGONES, María. Colonialidad y género: hacia un feminismo descolonial. In: MIGNOLO, W. et. Al. (org.). Género y descolonialidad. Buenos Aires: Del Signo, 2014. p 13-42.). Resgatar a experiência histórica das mulheres e o legado de suas ações na vida social permite questionar a permeabilidade da pesquisa social a estereótipos que ratificaram a ausência infundada. Assim, o artigo visa contribuir com o debate sociológico sobre os vieses androcêntricos do conhecimento histórico e social atrelado à proximidade do Bicentenário da Independência do Brasil. Para tanto, nesta introdução, tratamos brevemente sobre os conceitos de patriarcado, de androcentrismo intelectual, de colonialidade de gênero, e problematizações do termo América Latina.

De passagem coloca-se que a intelectualidade de língua espanhola nas Américas mostrou-se em sintonia para incorporar as ideias brasileiras embora sem grande entusiasmo. Isso porque até a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, o Brasil não era considerado parte da América Latina, apesar do “Pacto ABC” de 1915 e da criação da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL) em 1948 (Raquel Santos, 201439 SANTOS, Raquel. O impacto do projeto do Pacto ABC nas relações Brasil-Argentina durante o segundo Governo Vargas. OPSIS, v. 14, p. 38-59, 2014. http://dx.doi.org/10.5216/o.v14iEspecial.29893
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). Os Estados Unidos, ao contrário, a partir de 1920 considerava o Brasil como parte do subcontinente.2 2 No século XIX, os Estados Unidos usaram o termo Spanish America no contexto político das ações imperialistas contra o México. Foi na ocasião que anexaram 1,3 milhão de quilômetros quadrados do território mexicano que correspondia aproximadamente à metade daquele país, hoje Califórnia, Novo México, Utah, Nevada, Arizona e Colorado. Essa usurpação territorial se consolidou mediante o Tratado de Guadalupe Hidalgo (1848) que encerrou a guerra binacional ocorrida entre 1846 e 1848. No âmbito das reuniões da Cúpula das Américas, em Miami em 1994, o Brasil buscou ativamente “uma política de engajamento econômico e político com seus vizinhos da América do Sul”. A opção por esse termo, em detrimento de América Latina, indicava certa perda de “utilidade que talvez tenha tido [durante] o século XX” (Leslie Bethell, 20096 BETHELL, Leslie. O Brasil e a ideia de “América Latina” em perspectiva histórica. Estudos Históricos, v. 22, n. 44, p. 289-321, 2009. https://doi.org/10.1590/S0103-21862009000200001
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, p. 311 e 314).

A utilidade do termo América Latina requer ser analisada à luz de seu caráter polissêmico. Há quem atribua o surgimento do termo à diplomacia de Luís Bonaparte no século XIX, e outros ao poema de Torres Caicedo (Dilma Diniz, 20079 DINIZ, Dilma. O conceito de América Latina: uma visão francesa. Caligrama, v. 12, p. 129-148, 2007. http://dx.doi.org/10.17851/2238-3824.12.0.129-148
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). Na intervenção geopolítica estadunidense contra o comunismo, denotou o suposto de inferioridade e irracionalidade dos governos da região. Ganhou destaque com o desabrochar dos Latin American Studies, atividade profissional sustentada por uma extensa rede institucional composta por especialistas, currículos universitários, centros de pesquisa, periódicos, editoras, associações, conferências, subvenções e estruturas de financiamento nos centros de pesquisa e universidades estadunidenses (João Feres Júnior, 200412 FERES JÚNIOR, João. A consolidação dos Latin American Studies sob o imperativo da modernização. In: FERES, J. A história do conceito de “Latin America” nos Estados Unidos. Bauru: EDUSC, 2004. p. 79-131.). De outro lado, Waldo Ansaldi e Verónica Giordano (2006)4 ANSALDI, Waldo; GIORDANO, Verónica. Historia de América Latina: una perspectiva sociológico-histórica 1880-2006. Madri: Dastin, 2006. destacam as resistências políticas, econômicas e culturais que atribuem a essa expressão conotações de sentido e simbolismo enquanto unidade de pertencimento. Adiante veremos que esse senso de unidade latino-americana demarcou a experiência histórica e as ações de Manuela Sáenz (1797-1856), cujo legado revisitamos para evidenciar os silenciamentos de mulheres na história.

Segundo Damaris Elers (2016)10 ELERS, Damaris. Mujeres en las Guerras de Independencia: siempre a las órdenes de la querida patria. In: LANIER, O.; CASTILLO, D. Emergiendo del silencio: mujeres negras en la Historia de Cuba. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2016. p. 205-222., Ligia Prado e Stella Franco (2009, p. 179)29 PRADO, Maria L.; FRANCO, Stella. A participação das mulheres na independência da Nova Granada: gênero e construção de memórias nacionais. In: PAMPLONA, M.; MADER, M. E. (org.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas? Nova Granada, Venezuela e Cuba. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. Vol. 3, p. 171-236., na historiografia convencional, as mulheres tiveram lugar apenas quando referenciadas ou “associadas a um homem, quer seja noivo, marido ou irmão”. Ao privilegiar os líderes dos exércitos, a historiografia ocultou as múltiplas dimensões do engajamento de mulheres (Prado; Franco, 200929 PRADO, Maria L.; FRANCO, Stella. A participação das mulheres na independência da Nova Granada: gênero e construção de memórias nacionais. In: PAMPLONA, M.; MADER, M. E. (org.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas? Nova Granada, Venezuela e Cuba. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. Vol. 3, p. 171-236.). Assim como a historiografia operou esse apagamento (Judith González, 201016 GONZÁLEZ, Judith. Reimaginando y reinterpretando a las mujeres en la independencia: historiografía colombiana y género. Procesos Históricos, n. 17, p. 2-17, 2010.), também o pensamento científico (como o filosófico, político e religioso) (Elers, 201610 ELERS, Damaris. Mujeres en las Guerras de Independencia: siempre a las órdenes de la querida patria. In: LANIER, O.; CASTILLO, D. Emergiendo del silencio: mujeres negras en la Historia de Cuba. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2016. p. 205-222.; Carosio, 20177 CAROSIO, Alba. Perspectivas feministas para ampliar horizontes del pensamiento crítico latinoamericano. In: SAGOT, M. Feminismos, pensamiento crítico y propuestas alternativas en América Latina. Buenos Aires: CLACSO, 2017. p. 17-42.) atribuiu à autoria masculina as descobertas científicas (María Baeta, 20155 BAETA, María. Misoginia en el mundo científico: cultura androcentrista. Revista Estudios Culturales, v. 8, n 15, p. 71-83, 2015.).

O caráter sociológico deste trabalho se torna mais explícito ao demarcá-lo conceitualmente nas noções de gênero e agência. O primeiro é um conceito multidimensional que trata sobre relações de poder que dão sentido específico às concepções sobre corpo sexuado, sexualidade e diferenças – físicas, socioeconômicas, culturais e políticas – humanas em contextos socio-históricos determinados (González, 201016 GONZÁLEZ, Judith. Reimaginando y reinterpretando a las mujeres en la independencia: historiografía colombiana y género. Procesos Históricos, n. 17, p. 2-17, 2010.; Lugones, 201421 LUGONES, María. Colonialidad y género: hacia un feminismo descolonial. In: MIGNOLO, W. et. Al. (org.). Género y descolonialidad. Buenos Aires: Del Signo, 2014. p 13-42.). As abordagens de gênero revalorizaram as contribuições das mulheres, questionando a marginalização dos papéis de mulheres na história e apontando o androcentrismo intelectual. O androcentrismo, fruto do patriarcado, traveste-se de cientificidade e legitima práticas eficazes de marginalização da autoria feminina (Dolores Sánchez, 199936 SÁNCHEZ, Dolores. Androcentrismo en la ciencia. Una perspectiva desde el análisis crítico del discurso. In: BARRAL, M. J. et al. Interacciones ciencia y género: discursos y prácticas científicas de mujeres. Barcelona: Icaria. 1999. p. 161-184.), reificando e reproduzindo perspectivas masculinas na apreensão da realidade social. Resulta desse movimento a naturalização do campo científico como um lugar masculino por excelência (Nádia Lima, 200219 LIMA, Nádia. As mulheres nas ciências: o desafio de uma passagem. A passagem do privado para o público. In: COSTA, A.; SARDENBERG, C. Feminismo, ciência e tecnologia. Salvador: REDOR/NEIM-FFCH/UFBA, 2002. p. 51-66.). Em historiografia, argumentou-se que a carência de fontes justificou a ausência de mulheres nas análises. No entanto, como denunciado pelos movimentos de mulheres, essa lacuna resulta de estereótipos de longa duração (Carosio, 20177 CAROSIO, Alba. Perspectivas feministas para ampliar horizontes del pensamiento crítico latinoamericano. In: SAGOT, M. Feminismos, pensamiento crítico y propuestas alternativas en América Latina. Buenos Aires: CLACSO, 2017. p. 17-42.). Segundo González (2010)16 GONZÁLEZ, Judith. Reimaginando y reinterpretando a las mujeres en la independencia: historiografía colombiana y género. Procesos Históricos, n. 17, p. 2-17, 2010., exigir um lugar nessa narrativa equivale a manifestar-se contra as definições estabelecidas, por exemplo, o esforço profilático exercido sobre a noção de heroína. Enquanto a heroicidade masculina é reiterada como norma, o agenciamento das mulheres esvazia-se, embutindo-o de um caráter excepcional e irrepetível.

A escritora venezuelana Teresa de la Parra, na segunda década do século XX, destacou a “influência oculta e feliz que exerceram as mulheres durante a conquista, a colonização e a independência” (Eduardo Valdés, 200042 VALDÉS, Eduardo. Los temas de las mujeres: inferioridad y expresión. In: VALDÉS, E. Del Ariel de Rodó a la Cepal 1900-1950 [El Pensamiento Latinoamericano en el siglo XX entre la modernización y la identidad]. Buenos Aires: Biblos. 2000. Vol. 1, p. 243-252., p. 249, tradução nossa). Para ela, as mulheres da independência tornaram-se inspiradoras pela sua capacidade de realização. Assim como no registro histórico, os apagamentos científicos são construídos socialmente, podendo servir a determinados fins em detrimento de outros (Perdia, 201228 PERDÍA, Amor. Mujeres visibles e invisibles en la historia de la Independencia. In: HOYOS, F. M. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo, 2012. p. 226-261.). Esse ocultamento da agência das mulheres na historiografia circunscreve-se ao paradigma androcêntrico, dualista (homem/mulher) e hierárquico (superioridade masculina) que garante sua manutenção mediante formas específicas de dominação.

Para Selznick (1992, p. 238)40 SELZNICK, Philip. The moral commonwealth: social theory and the promise of community. Berkeley: University of California Press, 1992., a “agência denota competência, intencionalidade e calculabilidade. Ser um agente é atuar com propósito”. Segundo Giddens (1984)15 GIDDENS, Anthony. The constitution of society. Berkeley: University of California Press, 1984., o poder e a habilidade de fazer são mais relevantes que a intencionalidade e a sequência de realização. O conceito de agência engloba poder decisório, processos de resistência, barganha, negociação, manipulação e rejeição. Demandam inteligibilidades, habilidades, potencialidades, escolhas e realizações, que são dimensões constituídas socioculturalmente. As propriedades distintivas da agência incidem em capacidades de ação em âmbitos específicos. Assim, os agenciamentos emergem como produtos históricos derivados de conflitos, aprendizados e cooperação, cuja legitimidade se atrela tensionando as regulações vigentes. A partir desse entendimento, delimitamos nossa abordagem da participação de mulheres nas lutas por independência da colonização ibérica.

Adrienne Rich (2007)34 RICH, Adrienne. Compulsory heterosexuality and lesbian existence. In: PARKER, Richard; AGGLETON, P. (ed.). Culture, society and sexuality. Londres: Routledge, 2007. p. 225-252. alertou sobre as modalidades de dominação masculina em relação às mulheres: i) confinamento doméstico e restrição do acesso a espaços públicos; ii) códigos de vestimenta que limitam o movimento, p. ex., saltos e saias; iii) censura de exercícios que potencializam o desenvolvimento físico; iv) trabalho doméstico não remunerado; v) assédio sexual; vi) sexualização em transações masculinas p. ex., dote da noiva ou casamento arranjado; e vii) negação do agenciamento epistêmico. O silenciamento historiográfico sobre o agenciamento das mulheres nos movimentos independentistas bolivarianos e nos levantes brasileiros relaciona-se diretamente com a última modalidade listada. Entendemos que a pena de morte para a condenação por bruxaria, o impedimento do acesso à educação, a exploração intelectual por maridos ou representantes masculinos e o apagamento da autoria e contribuições das mulheres à história humana constituem manifestações patriarcais.

Nos debates acadêmicos, o conceito de patriarcado não é ponto pacífico. Como afirmam Marlise Matos e Clarisse Paradis (2014, p. 68)24 MATOS, Marlise; PARADIS, Clarisse. Desafios à despatriarcalização do Estado brasileiro. Cadernos Pagu, n. 43, p. 57-118, 2014., há que salientá-lo como não monolítico, transcendental, universal ou totalizante. Como o patriarcado, efetivamente, segue ainda predominante, mantendo por vezes intactas as formas de violência cotidiana sobre as mulheres, cumpre a nós pressionar pela sua desestabilização. Para fins deste artigo, conferimos prioridade às mulheres em alinhamento com Inés Quintero (2001)30 QUINTERO, Inés. Las mujeres de la independencia: ¿Heroínas o Trasgresoras? El caso de Manuelita Sáenz. In: POTTHAST, B.; SCARZANELLA, E. Mujeres y Naciones en América Latina. Problemas de inclusión o exclusión. Barcelona: Vervuert Iberoamericana, 2001. p. 57-76., para quem a historiografia da emancipação se propôs interpretar sua ação fora do marco restritivo e moralizante da categoria “heroína”, buscando recuperar sua historicidade e complexidade. Essa historiografia, inspirada nas ciências sociais, aumentou a abrangência das fontes e voltou-se para sujeitos de pesquisa e temas tidos como comuns/irrelevantes (Amanda Rodrigues, 200733 RODRIGUES, Amanda. As mulheres e as guerras de independência na América Latina no século XIX: invisíveis ou inexistentes? Ameríndia-História, cultura e outros combates, v. 2, n. 2, p. 1-10, 2007.).

Indagamos sobre o que nos ensinam as transgressões agenciadas por mulheres nas independências e em quais ações se materializam esses agenciamentos. Discutiremos a partir de Jenny Londoño (2008)20 LONDOÑO, Jenny. Manuela Sáenz: “mi patria es el continente de la América”. Cuadernos Americanos, n. 125, p. 67-85, 2008., Francisco Hoyos (2012)18 HOYOS, Francisco M. Las mujeres en la independencia peruana. In: HOYOS, F. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo. 2012. p. 125-153., Lucas Santos (2014)37 SANTOS, Lucas. Maria Felipa de Oliveira. Resgate da Memória, n. 2, p. 30-34, 2014., Jarid Arraes (2015)1 ARRAES, Jarid. Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis. São Paulo: Pólen, 2017., Damaris Elers (2016)10 ELERS, Damaris. Mujeres en las Guerras de Independencia: siempre a las órdenes de la querida patria. In: LANIER, O.; CASTILLO, D. Emergiendo del silencio: mujeres negras en la Historia de Cuba. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2016. p. 205-222. e Ariadne Araújo (2017)3 ARAÚJO, Ariadne. Bárbara de Alencar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2017. Vol. 14. para evidenciar essas agências em chave de ação política feminista.

A estrutura do artigo inclui duas seções além da introdução e da conclusão. Na primeira, analisamos as formas de engajamento, referindo brevemente a participação de algumas mulheres em movimentos independentistas da coroa espanhola. Adotamos a prática deliberada de atribuir nomes e sobrenomes para rompermos com o anonimato dessas narrativas. Na segunda parte, descrevemos os aportes de Bárbara de Alencar, Maria Quitéria de Jesus Alves, Maria Felipa de Oliveira.

Agências de mulheres nos movimentos contra a coroa espanhola

Na proximidade do bicentenário da independência da coroa espanhola, a intelectualidade se esforçou em ampliar a compreensão sobre o lugar das mulheres nesse momento histórico. Uma primeira decorrência desse trabalho intelectual foi o desvendamento da trajetória política de Manuela Sáenz, mulher com aprimorado senso geopolítico e perspectiva transfronteiriça latino-americana, além de ser a primeira exilada política do continente. Na época, “não era assunto de mulheres conspirar contra a ordem, menos ainda comprometer-se em política” (Quintero, 200130 QUINTERO, Inés. Las mujeres de la independencia: ¿Heroínas o Trasgresoras? El caso de Manuelita Sáenz. In: POTTHAST, B.; SCARZANELLA, E. Mujeres y Naciones en América Latina. Problemas de inclusión o exclusión. Barcelona: Vervuert Iberoamericana, 2001. p. 57-76., p. 68).

Nascida em Quito, Sáenz morou em Panamá, Lima e Paita (Peru), Bogotá, La Paz e Kingston (Jamaica). Essa vivência desdobrou-se em identidade continental: “acreditava na possibilidade de uma América do Sul livre [...] uma nação unida” (Quintero, 200130 QUINTERO, Inés. Las mujeres de la independencia: ¿Heroínas o Trasgresoras? El caso de Manuelita Sáenz. In: POTTHAST, B.; SCARZANELLA, E. Mujeres y Naciones en América Latina. Problemas de inclusión o exclusión. Barcelona: Vervuert Iberoamericana, 2001. p. 57-76., p. 70). No conflito entre o Peru e a Grã-Colômbia, aconselhou sobre a importância cultural e comercial do porto de Guayaquil, conseguindo sua anexação ao Peru a fim de diminuir as disparidades internas. Apoiou a criação da Bolívia, na época Alto Peru, objetivando o equilíbrio de forças entre Peru, Argentina e Grã-Colômbia (Emanuella Oliveira; Mônica Martins, 201627 OLIVEIRA, Emanuella; MARTINS, Mônica. Atuação de Manuela Sáenz na Guerra de Libertação da Grã-Colômbia no Século XIX. Revista Brasileira de Estudos de Defesa, v. 3, n.1, p. 153-173, 2016. https://doi.org/10.26792/rbed.v3n1.2016.61830
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). Foi desterrada após a morte de Bolívar, e viveu vinte e dois anos (1834-1846) no exílio, no porto peruano de Paita. Ali escreveu El diario de Paita, publicado em 1995 (Londoño, 200820 LONDOÑO, Jenny. Manuela Sáenz: “mi patria es el continente de la América”. Cuadernos Americanos, n. 125, p. 67-85, 2008.; Heather Hennes, 200917 HENNES, Heather. Los “diarios perdidos” de Manuela Sáenz y la formación de un icono cultural. Kipus: revista andina de letras, v. 26, n. 2, p. 109-132, 2009.).

Inés Quintero (2001)30 QUINTERO, Inés. Las mujeres de la independencia: ¿Heroínas o Trasgresoras? El caso de Manuelita Sáenz. In: POTTHAST, B.; SCARZANELLA, E. Mujeres y Naciones en América Latina. Problemas de inclusión o exclusión. Barcelona: Vervuert Iberoamericana, 2001. p. 57-76. adverte sobre a influência da doutrina cristã na definição das virtudes exigidas às mulheres: castidade, recato, prudência, moderação, discrição, obediência, submissão, fortaleza, generosidade, sacrifício e contenção. Esses atributos contrastam com aqueles usados para referir-se a Manuela Sáenz, dentre os quais “adúltera”, “amante do libertador”, “desrespeitosa moral”, “imoral”, “interesseira”, “lésbica”, “excêntrica” e “louca”. Segundo Ligia Prado e Stella Franco (2009)29 PRADO, Maria L.; FRANCO, Stella. A participação das mulheres na independência da Nova Granada: gênero e construção de memórias nacionais. In: PAMPLONA, M.; MADER, M. E. (org.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas? Nova Granada, Venezuela e Cuba. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. Vol. 3, p. 171-236., a historiografia anulou a sua ação política e pendeu para a dimensão privada, explorando sua relação afetiva com Simón Bolívar. Assim, censurou a transgressão das expectativas sociais em relação às mulheres protagonizada por Manuela Sáenz, ao buscar enquadrá-la ao inaceitável, ao irregular e ao inconveniente à época.

A historiografia sobre Manuela Sáenz adquiriu valor mítico, ocultou seu valor transgressor, deixando de evidenciar as contradições entre os arquétipos de heroísmo e virtude. Episódios desconfortáveis decorrentes de sua valentia e teimosia, e infracções às normativas morais e sociais foram atenuados, trivializando-os como extravagâncias e melindres e/ou convertendo-os em anedotas (Quintero, 200130 QUINTERO, Inés. Las mujeres de la independencia: ¿Heroínas o Trasgresoras? El caso de Manuelita Sáenz. In: POTTHAST, B.; SCARZANELLA, E. Mujeres y Naciones en América Latina. Problemas de inclusión o exclusión. Barcelona: Vervuert Iberoamericana, 2001. p. 57-76.). A história dos sucessos posteriores à morte de Bolívar não sinalizou as recomendações e juízos explícitos em sua correspondência, que indicam o inquebrantável propósito de seguir ativa na política do Equador.

Um segundo desdobramento diz respeito à visibilidade da pluralidade de contribuições das mulheres às independências: i) realizar ‘ofícios femininos’, dentre eles, aprovisionar mantimentos,3 3 Associadas a tropas patriotas, também serviam aos realistas, habitualmente acusadas de gastos desmedidos e consumo voraz de recursos. cozinhar, lavar, costurar e cuidar de feridos.4 4 Destacamos a Tía María ou “madre de la patria” e suas duas filhas, conhecidas como as crianças de Ayohuma. Foram apelidadas como “mulheres fáceis”, rabonas – mulheres indígenas ou mestiças –, tropeiras, juanas, guarichas e acompanhantes dos exércitos;5 5 As mulheres negras escravizadas buscavam barganhar a liberdade, aquelas empobrecidas, angariar o sustento familiar, e as elitizadas, tensionar o confinamento doméstico (Prado; Franco, 2009; González, 2010). ii) mulheres-oficiais6 6 Manuela Sáenz e Evangelista Tamayo alcançaram o grau de capitã, Antonia Santos executada publicamente pelo exército realista (Prado; Franco, 2009) e Juana Azurduy conquistou grau de coronela (Lília Macêdo, 2017). e soldadas ou mulheres-soldado no campo de batalha; iii) agir como espiãs, apelidadas de bomberas (Perdia, 201228 PERDÍA, Amor. Mujeres visibles e invisibles en la historia de la Independencia. In: HOYOS, F. M. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo, 2012. p. 226-261.); iv) atuar como correio de guerra; v) elaborar e distribuir propaganda patriótica;7 7 “Nada puede haber más perjudicial para las tropas que las mujeres que se dedican a seducir a [...] individuos y engañarlos contándoles mentiras fabulosas”. Essa declaração referia a ação de Carmem Gusman, quem, desde sua mercearia, divulgou ideias de emancipação aos soldados realistas. Como desdobramento, em 1820, o batalhão Numancia, desertou para integrar as tropas patriotas (Hoyos, 2012, p. 148). vi) recrutar soldados;8 8 Policarpa Salabarrieta, mulher alfabetizada, dona de comércio e hábil costureira, recrutou soldados, foi espiã e distribuiu correio da causa patriótica (Prado; Franco, 2009). Foi fuzilada em 1817 (Macêdo, 2017). vii) adquirir material bélico;9 9 Vicenta Eguino, de boa posição econômica, instalou em sua casa uma fábrica de munição. Foi acusada de abandonar a religião e de “prostituir seu pudor” (Hoyos, 2012). viii) alojar soldados e simpatizantes; ix) financiar a guerra; x) substituir os maridos na ausência de chefia masculina tradicional,10 10 Magdalena Ortega, esposa de Antonio Nariño, precursor dos movimentos de independência, assumiu durante uma década as responsabilidades do marido desterrado por traduzir e divulgar o livro Direitos do homem e cidadão (María Ramirez, 2012). e xi) promoção, mobilização e participação em encontros em mercearias para o caso de mulheres de origem menos abastada e de tertúlias para aquelas das elites.

Prado e Franco (2009)29 PRADO, Maria L.; FRANCO, Stella. A participação das mulheres na independência da Nova Granada: gênero e construção de memórias nacionais. In: PAMPLONA, M.; MADER, M. E. (org.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas? Nova Granada, Venezuela e Cuba. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. Vol. 3, p. 171-236. destacam a transgressão e a clandestinidade desses encontros, em que, segundo Perdia (2012)28 PERDÍA, Amor. Mujeres visibles e invisibles en la historia de la Independencia. In: HOYOS, F. M. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo, 2012. p. 226-261., participavam e exerciam influência, não sempre sutil, sobre decisões de transcendência pública. Manuela Sáenz, citada em Chiriños (2012, p. 194-195, tradução nossa)8 CHIRINOS, Juan Carlos. Manuela, la «amable loca». In: HOYOS, F. M. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo, 2012. p. 177-207.,11 11 Original: “yo supe utilizar a perfección toda esta situación […] junto a otras mujeres limeñas de alta sociedad […] Nuestros salones, encuentros, nuestras reuniones y conversaciones, nuestras amistades, pasaron a ser parte de ese juego de la vida o de la muerte, del complot, de la trama, del trabajo que poco a poco iba socavando los cimientos del Imperio Español”. afirmou:

eu soube utilizar à perfeição […] junto com outras mulheres limenhas de alta sociedade [...] nossos salões, encontros, reuniões, conversas, amizades [que] passaram a ser parte desse jogo de vida ou de morte, do complô, da trama, do trabalho que pouco a pouco foi esburacando os cimentos do império espanhol.

Assim, as tertúlias, inspiradas na sociabilidade europeia, ressignificaram-se como palcos de conspiração subversiva em que se destaca, por exemplo, a liderança da condessa Petronila Arias de Saavedra de Puente (Hoyos, 201218 HOYOS, Francisco M. Las mujeres en la independencia peruana. In: HOYOS, F. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo. 2012. p. 125-153.).

Esse repertório de contribuições de mulheres aos processos de independência bolivariana revela os ganhos da chave de gênero para a compreensão das lutas independentistas. Durante esse período histórico, em fissuras na opressão da agência das mulheres, emergiram espaços de agenciamento de sua existência e formas de ação coletiva atreladas à hospitalidade e à solidariedade. Como indicou Carosio (2017)7 CAROSIO, Alba. Perspectivas feministas para ampliar horizontes del pensamiento crítico latinoamericano. In: SAGOT, M. Feminismos, pensamiento crítico y propuestas alternativas en América Latina. Buenos Aires: CLACSO, 2017. p. 17-42., nesses âmbitos de invisibilidade surgem entroncamentos entre estratégias coletivas de sobrevivência, identidade e memória que se fundamentam na ética solidária e na reciprocidade econômica, social e cultural.

Na época, houve regulamentação específica para punir o envolvimento com o movimento patriota, enquadrado como rebelião, conspiração e/ou traição à pátria. Mulheres descobertas sofriam escárnio público,12 12 Simona Mazaneda, mulher mestiça, teve seus cabelos cortados e exibida nua (Hoyos, 2012). confisco de bens, prisão, tortura,13 13 Carmen Vásquez de Acuña, Juana Garcia e Candelaria Garcia doaram suas fortunas à revolução além de serem espiãs ao serviço dos patriotas. Foram presas e torturadas (Hoyos, 2012). desterro, regulamentados como mecanismos disciplinadores, e/ou condenação à morte por fuzilamento14 14 Antonia Santos (Quintero, 2001) e María Parado de Bellido foram fuziladas por não detratar a causa patriota (Hoyos, 2012). ou degola.15 15 Rosa Zárate foi decapitada pela participação no assassinato do Conde Ruiz de Castilla na primeira tentativa de independência de Quito; Manuela Espejo, irmã do precursor Eugenio Espejo; Manuela Cañizares; Josefa Tinajero; a escritora Mariana Matheu de Ascásubia, Maria Ontaneda y Larrayn; Antonia Salinas Josefa Escarcha; Maria de la Vega; Rosa Montúfar y Larrea e Maria de la Cruz Vieyra (Oliveira; Martins, 2017). Há registro de 44 mulheres fuziladas, 119 desterradas, 15 condenadas a trabalhos forçados etc. (Prado; Franco, 200929 PRADO, Maria L.; FRANCO, Stella. A participação das mulheres na independência da Nova Granada: gênero e construção de memórias nacionais. In: PAMPLONA, M.; MADER, M. E. (org.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas? Nova Granada, Venezuela e Cuba. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. Vol. 3, p. 171-236.). Além disso, o contexto dos movimentos pela independência como conflito armado impunha também o recrutamento forçado de mulheres (María Ramirez, 201231 RAMIREZ, María. Las mujeres en los procesos de la independencia de la Nueva Granada. In: HOYOS, F. M. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo, 2012. p. 76-102.).

Um terceiro aspecto iluminado pela perspectiva de gênero em associação com a crítica ao feminismo branco euro-estadunidense-centrado diz respeito ao ganho analítico de se incluírem as dimensões de classe e racialidade. Segundo Amor Perdia (2012)28 PERDÍA, Amor. Mujeres visibles e invisibles en la historia de la Independencia. In: HOYOS, F. M. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo, 2012. p. 226-261., enfatizar a pluralidade de sujeitos enquadrados na categoria mulher contribui para desmascarar a injustiça narrativa que equiparou esforços díspares de mulheres com histórias e características muito diferentes. Entre as várias contribuições de mulheres à independência anteriormente listadas, apenas a substituição dos maridos, a organização de tertúlias e a doação de dinheiro e joias poderiam entender-se como preferencialmente elitizadas.

Nesse recorte de classe, na independência colombiana, Hoyos (2012)18 HOYOS, Francisco M. Las mujeres en la independencia peruana. In: HOYOS, F. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo. 2012. p. 125-153. cita Josefa e Isabel Ogazón e Concepção Mexia como figuras femininas de maior poder econômico entre aquelas engajadas no movimento independentista, além de mulheres de outros países, como Andrea Bellido, Maria de la Encarnación Cacho, a poeta Isabel de Orbea, Andrea Ricaurte de Lozano, Juana Navas de Garcia Hevia, Carmen Rodriguez de Gaitán, Antonia Santos, Melchora Nieto, Simona Duque (González, 201016 GONZÁLEZ, Judith. Reimaginando y reinterpretando a las mujeres en la independencia: historiografía colombiana y género. Procesos Históricos, n. 17, p. 2-17, 2010.), Manuela Beltrán,16 16 Com 57 anos, era proprietária de uma mercearia na praza principal de Santa Fé. Em 1810, durante o movimento dos Comuneros, teria incentivado a revolta ao rasgar o aviso real de reajuste de impostos. Leona Vicario17 17 Seu ativismo esteve ligado à independência do território atualmente conhecido como México, doou sua fortuna ao exército patriota e liderou a elaboração de jornais de registro das tropas e dos acontecimentos da guerra. e Juana Ramírez, no movimento emancipador venezuelano (Ramirez, 201231 RAMIREZ, María. Las mujeres en los procesos de la independencia de la Nueva Granada. In: HOYOS, F. M. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo, 2012. p. 76-102.; Lília Macêdo, 201723 MACÊDO, Lília. O grito de independência das mulheres latino-americanas. Cadernos de Estudos Sociais e Políticos: Clássicas, v. 6, n. 11, p. 80-89, 2017. https://doi.org/10.12957/cesp.2017.32870
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). Esses nomes são significativos à luz da lista de financiadores do exército patriota em que, de um total de 72, 17 eram mulheres (Hoyos, 201218 HOYOS, Francisco M. Las mujeres en la independencia peruana. In: HOYOS, F. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo. 2012. p. 125-153.).

Sobre a independência de Argentina, Chile e Peru, Amor Perdia (2012)28 PERDÍA, Amor. Mujeres visibles e invisibles en la historia de la Independencia. In: HOYOS, F. M. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo, 2012. p. 226-261. menciona a participação de Carmen Quintanilla de Alvear, de origem espanhola e esposa de um crioulo; Estefanía Dominga Riglos, Melchora Sarratea, Casilda Igarzábal de Rodríguez Peña, María Guadalupe Cuenca e Maria de Todos los Santos Sánchez de Thompson, também conhecida como Mariquita Sánchez de Thompson. Segundo a autora, essas mulheres conseguiram se fazer audíveis e visíveis, rompendo categoricamente com o destino demarcado pela delicadeza feminina. Assim, a partir de suas ponderações políticas nos debates sobre a revolução de independência, mulheres com privilégios de classe romperam as fronteiras do confinamento doméstico.

Essas mulheres de elite tiveram as condições para aprenderem a ler e escrever, além de receberem formação política e histórica com o intuito de transformá-las em excelentes conversadoras. Com sólida formação intelectual e cultural, conspiraram e pelejaram, alcançando ativa participação junto aos seus compatriotas homens nas lutas independentistas. Destacamos a transgressão desse projeto patriarcal, consistente no investimento na formação político-intelectual dessas mulheres, porém voltado para o casamento (Quintero, 200130 QUINTERO, Inés. Las mujeres de la independencia: ¿Heroínas o Trasgresoras? El caso de Manuelita Sáenz. In: POTTHAST, B.; SCARZANELLA, E. Mujeres y Naciones en América Latina. Problemas de inclusión o exclusión. Barcelona: Vervuert Iberoamericana, 2001. p. 57-76.; Prado; Franco, 200929 PRADO, Maria L.; FRANCO, Stella. A participação das mulheres na independência da Nova Granada: gênero e construção de memórias nacionais. In: PAMPLONA, M.; MADER, M. E. (org.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas? Nova Granada, Venezuela e Cuba. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. Vol. 3, p. 171-236.; González, 201016 GONZÁLEZ, Judith. Reimaginando y reinterpretando a las mujeres en la independencia: historiografía colombiana y género. Procesos Históricos, n. 17, p. 2-17, 2010.; Ramirez, 201231 RAMIREZ, María. Las mujeres en los procesos de la independencia de la Nueva Granada. In: HOYOS, F. M. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo, 2012. p. 76-102.).

Mulheres menos abastadas, no entanto, como Manuela Beltrán, Melchora Nieto e Francisca Guerra, proprietárias de pequenas mercearias (Ramirez, 201231 RAMIREZ, María. Las mujeres en los procesos de la independencia de la Nueva Granada. In: HOYOS, F. M. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo, 2012. p. 76-102.), contribuíram com quase todas as modalidades de apoio à independência. Contrastando, destacam-se também as contribuições de mulheres interioranas ou naturais dos territórios rurais, como Gregoria Pérez Denis, conhecida pelo serviço de alojamento para soldados independentistas; Tiburcia Haedo de Paz, por suas doações em ouro; Dolores Prats de Huysi, Jerónima San Martin, Martina Silva de Gurruchaga, Juana Moro de López, Gertrudis Medeiros de Cornejo, Maria Loreto Sánchez de Peón e Magdalena Güemes de Tejada, conhecida como Macacha, as três últimas envolvidas com espionagem para o exército patriota.

Buscando destacar a racialidade, citamos os nomes de sete mulheres negras que contribuíram com os movimentos de independência: Pascuala Meneses; Juana María González; Juana Agustina González, que foram descobertas travestidas de homem-soldado e expulsas pelo general Belgrano do exército de José de San Martin; La Pancha, esposa do Sargento Dionisio Hernández, que contava com autorização de San Martin para atuar como soldada; Josefa Tenório, mulher escravizada que obteve autorização do general Gregorio Las Heras para lutar, almejando sua liberdade; Juana Robles, também mulher escravizada, foi quem anunciou a rendição do exército realista, e María Remedios del Valle ou Remedios Rosas, que entrou na tropa acompanhada de seu marido e dois filhos, atuou como enfermeira, espiã e soldada, tendo alcançado o grau de capitã18 18 Em 1826, uma década e meia após seu envolvimento com a independência, em situação de mendicidade em Buenos Aires (Argentina), foi reconhecida pelo general Juan José Viamonte, que apoiou a solicitação de seu direito à aposentadoria pelos serviços prestados ao exército patriota. Em 1830 obteve o ascenso como sargento maior. Morreu em 1847 (Perdia, 2012). (Perdia, 201228 PERDÍA, Amor. Mujeres visibles e invisibles en la historia de la Independencia. In: HOYOS, F. M. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo, 2012. p. 226-261.).

A análise sociológica e a contextualização histórica das formas de ação e engajamento contra o colonialismo espanhol acima apresentadas contribuem desvirtuando a ideia errônea sobre a ausência de mulheres nas lutas pela independência do colonialismo ibérico. Extrapolando os afazeres atribuídos conforme as expectativas sociais da época – cozinhar, lavar e enfermagem –, apropriaram-se de ações masculinizadas – recrutamento, ação em batalhas, espionagem, financiamento e regulação doméstica. Dados os atravessamentos de classe e étnico-raciais, esses agenciamentos também dizem respeito às desigualdades socialmente determinadas. A emergência de específica regulamentação disciplinadora para compelir essas agências revela a ação patriarcal orientada para a manutenção do status quo.

Agências de mulheres nos movimentos independentistas no Brasil

A discussão sobre a agência de mulheres nos levantes brasileiros, em perspectiva aos movimentos de independência da coroa espanhola, visa contribuir ao esforço pelo reconhecimento das desigualdades de gênero produzidas pelo patriarcado e reproduzidas na historiografia e na pesquisa social, na temática específica desses movimentos. A historiografia oficial compreendeu a independência brasileira como “uma transição suave, sem conflitos [...]. Essa versão serviu para construir a legitimidade” (Miriam Santos, 201038 SANTOS, Miriam. As mulheres nas lutas da independência do Brasil: contestando a história oficial. In: GUARDIA, S. Las mujeres en la independencia de América Latina. Lima: CEMHAL. 2010. p. 105-110., p. 106). No entanto, as últimas décadas do século XVIII foram marcadas por movimentos de emancipação contra o sistema colonial, com destaque para as rebeliões na Bahia, em Minas Gerais e em Pernambuco. As abordagens históricas se caracterizam pelo esquecimento proposital e um “agudo silenciamento das mulheres combatentes, rebeldes e revolucionarias” (Santos, 201038 SANTOS, Miriam. As mulheres nas lutas da independência do Brasil: contestando a história oficial. In: GUARDIA, S. Las mujeres en la independencia de América Latina. Lima: CEMHAL. 2010. p. 105-110., p. 106). Na reconstituição das trajetórias de mulheres, tornou-se peremptória a memória oral para contornar a ausência relativa de fontes documentais.

O detalhamento das trajetórias e contribuições19 19 A Lei Federal nº 13.697 de 2018 reconheceu a participação das mulheres na Independência do Brasil, incluindo no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, dentre outras, a Maria Quitéria de Jesus Medeiros, Maria Felipa de Oliveira e Sóror Joana Angélica de Jesus. de Maria Felipa de Oliveira – mulher negra liberta e pescadora –, e de Maria Quitéria de Jesus Alves e Bárbara de Alencar – ambas brancas elitizadas e letradas – aos levantes pela emancipação do Brasil permitem o contraste dos limites e possibilidades de seus agenciamentos perante o “nó” (Heleieth Saffioti, 197835 SAFFIOTI, Heleieth. Woman in class society. Nova York: Monthly Review Press, 1978.) indissociável entre racialidade,20 20 Refere-se a subjetividade colonial e a interiorização do imperativo da branquitude europeia como marcadores de superioridade social. classe social e gênero. A seguir, apresentamos sucintamente os perfis de cada uma dessas três mulheres.

Maria Quitéria de Jesus Alves

O regente português Dom Pedro convocou mulheres voluntárias para compor o Exército da Liberdade. Todavia, as baianas reportavam, desde 1821, modos de organização contra as ofensivas lusitanas (Eny Farias, 201011 FARIAS, Eny. Maria Felipa de Oliveira: heroína da Independência da Bahia. Salvador: Quarteto, 2010.). A libertação da província da Bahia, em 2 de julho de 1823, concretizou a independência do Brasil, proclamada pelo regente português em 7 de setembro de 1822. Porém, governadores portugueses, com o auxílio de tropas lusitanas, empreenderam esforços pela retomada do território emancipado (Henriqueta Galeno, 195414 GALENO, Henriqueta. Maria Quitéria de Jesus, Heroína Brasileira. Revista da academia cearense de letras, p. 135-147, 1954.).

A busca por soldadas para as tropas da Liberdade levou os recrutadores à propriedade de Gonçalo Alves, que, indiferente, afirmou não existirem voluntárias para a causa. No entanto, Maria Quitéria de Jesus (1792-1853), filha primogênita, se dispôs a vincular-se apesar da reprimenda do pai, para quem “mulheres bordam e não vão à guerra” (Galeno, 195414 GALENO, Henriqueta. Maria Quitéria de Jesus, Heroína Brasileira. Revista da academia cearense de letras, p. 135-147, 1954., p. 137). Ao saber do alistamento da filha, Gonçalo Alves a deserdou e a amaldiçoou. A ação do patriarca desvela o lugar das mulheres circunscrito ao ambiente doméstico, além da rígida segmentação sexual do trabalho. De outro lado, a manifestação de uma resolução contrária às disposições do pai adverte sobre a transgressão.

Segundo Galeno (1954)14 GALENO, Henriqueta. Maria Quitéria de Jesus, Heroína Brasileira. Revista da academia cearense de letras, p. 135-147, 1954., Maria Quitéria, que sabia usar armas de fogo, optou por voluntariar-se como soldada, mas disfarçada de homem, contando com o apoio de Teresa, sua irmã, que lhe emprestou roupas de seu marido, José Medeiros, de quem adotaria o sobrenome na vida como soldada. Sob o disfarce de soldado Medeiros, foi designada ao batalhão de caçadores Voluntários do Príncipe Dom Pedro, posteriormente conhecido como batalhão dos Periquitos (Lima, 200219 LIMA, Nádia. As mulheres nas ciências: o desafio de uma passagem. A passagem do privado para o público. In: COSTA, A.; SARDENBERG, C. Feminismo, ciência e tecnologia. Salvador: REDOR/NEIM-FFCH/UFBA, 2002. p. 51-66.).

Travestir-se21 21 Escritoras utilizaram-se de pseudônimos masculinos para terem suas obras apreciadas e/ou divulgadas. Apesar do sucesso dessa transgressão aos empecilhos retrógrados do patriarcado, isso evidencia o cerceamento epistêmico às mulheres. em vestuário masculino contribuiu para confirmar a exclusividade masculina no campo de guerra. Com a identidade de gênero e os atributos de mulher mantidos sob sigilo, galgou espaço, confirmou a arbitrariedade da divisão sexual do trabalho e tensionou a desigualdade que favorece aos homens. Porém, segundo Helder Maia (2018)22 MAIA, Helder. Transgressões canônicas: queerizando as donzelas-guerreiras. Cadernos de Literatura Comparada, n. 39, p. 91-108, 2018. https://doi.org/10.21747/21832242/litcomp39a6
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, as “mulheres guerreiras” sobreviventes, apesar de terem exercido tarefas típicas da masculinidade, tiveram de retornar aos papéis de gênero da feminilidade.

Maria Quitéria foi a primeira mulher militar do Brasil (Lima, 200219 LIMA, Nádia. As mulheres nas ciências: o desafio de uma passagem. A passagem do privado para o público. In: COSTA, A.; SARDENBERG, C. Feminismo, ciência e tecnologia. Salvador: REDOR/NEIM-FFCH/UFBA, 2002. p. 51-66.), mas não a única, como se infere da expressão “grupo de heroicas mulheres baianas” nos relatos historiográficos de Bernardino Souza (1936)41 SOUZA, Bernardino. Heroínas bahianas. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio, 1936., Reis Junior (1953)32 REIS JUNIOR, Manuel P. Maria Quitéria. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1953. e Galeno (1954)14 GALENO, Henriqueta. Maria Quitéria de Jesus, Heroína Brasileira. Revista da academia cearense de letras, p. 135-147, 1954.. Como soldada, agiu na defesa da foz do rio Paraguaçu, impedindo o desembarque de tropas portuguesas. Entrou em combate pela primeira vez em novembro de 1822 (Neuracy Moreira, 201426 MOREIRA, Neuracy. Maria Quiteria. Resgate da Memória, n. 2, p. 34-36, 2014.) e sua aptidão no uso de armas de fogo, “montaria admirável e indômita bravura” encorajaram Galeno (1945, p. 140)14 GALENO, Henriqueta. Maria Quitéria de Jesus, Heroína Brasileira. Revista da academia cearense de letras, p. 135-147, 1954. a qualificá-la como “varonil sertaneja”.

Como recompensa por sua coragem e desempenho, recebeu a espada e acessórios, além de um uniforme com “acréscimo de uma saia” (Lima, 200219 LIMA, Nádia. As mulheres nas ciências: o desafio de uma passagem. A passagem do privado para o público. In: COSTA, A.; SARDENBERG, C. Feminismo, ciência e tecnologia. Salvador: REDOR/NEIM-FFCH/UFBA, 2002. p. 51-66., p 15). O general Labatut outorgou-lhe a honraria de Primeira Cadete (Moreira, 201426 MOREIRA, Neuracy. Maria Quiteria. Resgate da Memória, n. 2, p. 34-36, 2014.) e foi condecorada com a insígnia de Cavalheiro da Imperial Ordem do Cruzeiro (Galeno, 195414 GALENO, Henriqueta. Maria Quitéria de Jesus, Heroína Brasileira. Revista da academia cearense de letras, p. 135-147, 1954.). Em 1966, honraram-na como Alferes de Linha e como Patronesse do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro.

Após alcançada a pacificação da Bahia, Dona Maria de Medeiros, como passou a ser chamada, demandou de Dom Pedro uma carta de solicitação do perdão de seu pai. Retornou à Serra da Agulha com a medalha ou insígnia militar e a carta de perdão. Não permaneceu muito tempo na propriedade familiar; com ajuda financeira do pai, foi morar sozinha. Após alguns anos, casou-se e teve uma filha (Lima, 200219 LIMA, Nádia. As mulheres nas ciências: o desafio de uma passagem. A passagem do privado para o público. In: COSTA, A.; SARDENBERG, C. Feminismo, ciência e tecnologia. Salvador: REDOR/NEIM-FFCH/UFBA, 2002. p. 51-66.). Morreu em 21 de setembro de 1853, aos 61 anos (Moreira, 201426 MOREIRA, Neuracy. Maria Quiteria. Resgate da Memória, n. 2, p. 34-36, 2014.).

Maria Felipa de Oliveira

Maria Felipa de Oliveira (1799-1873) era negra liberta, descendente de sudaneses escravizados, e nasceu na Ilha de Itaparica, onde trabalhava como pescadora de mariscos e baleias. Sua trajetória permaneceu à margem da narrativa historiográfica por quase dois séculos, porém ancorada na memória oral dos Itaparicanos. Segundo Lucas Santos (2014)37 SANTOS, Lucas. Maria Felipa de Oliveira. Resgate da Memória, n. 2, p. 30-34, 2014., reconhecida pela liderança na sua comunidade, destacou-se também na organização da resistência nas batalhas pela independência em Itaparica, sendo apelidada como a “Heroína Negra da Independência”.

Especula-se que era uma “capoeirista habilidosa” (Katiuscia Figuerôa; Marcelo Moraes, 201413 FIGUERÔA, Katiuscia; MORAES, Marcelo. Impressões femininas sobre a presença da mulher na capoeira. The Journal of the Latin American Socio-cultural Studies of Sport, v. 4, n. 2, p. 16-31, 2014. http://dx.doi.org/10.5380/alesde.v4i2.37220
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, p. 19) e que, em pleno regime escravocrata, saía de Itaparica para jogar capoeira no cais de Salvador (Frederico Abreu, 20052 ABREU, Frederico. Capoeiras. Bahia, século XIX: imaginário e documentação. Salvador: Vogal, 2005.). Teria aprendido capoeira como estratégia de defesa pessoal. Com aproximadamente 20 anos de idade, voluntariou-se como soldada da Campanha da Independência e liderou um grupo de 40 mulheres, apelidado as Vedetas, do qual se conhecem os nomes de Joana Soaleira, Brígida do Vale e Marçolina. Vigias das praias, sua função primordial, como sentinelas, era alertar antecipadamente sobre possíveis ataques ou desembarque de tropas inimigas (Farias, 201011 FARIAS, Eny. Maria Felipa de Oliveira: heroína da Independência da Bahia. Salvador: Quarteto, 2010.).

Cabe problematizar a dupla significação do termo “vedeta”. Por um lado, designava a função de sentinela que o grupo efetivamente desempenhava, mas que, por outro lado, era usado para referir-se a artistas de cinema, teatro ou, em geral, do universo do espetáculo. Pode-se imaginar que, nesse caso, o termo estivesse imbuído de certo caráter moralizante, delimitando a segmentação sexista do trabalho, pois, à época, não era totalmente aceita essa incursão profissional das mulheres.

Lideradas por Maria Felipa de Oliveira e junto com Maria Quitéria de Jesus Alves, venceram as tropas portuguesas graças ao conhecimento da foz do rio do Paraguaçu, que, como pescadoras, possuíam (Farias, 201011 FARIAS, Eny. Maria Felipa de Oliveira: heroína da Independência da Bahia. Salvador: Quarteto, 2010.). A revolução da Bahia durou 75 dias, entre 6 de março e 20 de maio de 1817 (Araújo, 20173 ARAÚJO, Ariadne. Bárbara de Alencar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2017. Vol. 14.). Segundo Lucas Santos (2014)37 SANTOS, Lucas. Maria Felipa de Oliveira. Resgate da Memória, n. 2, p. 30-34, 2014., armadas com peixeiras e galhos, as vedetas atacaram o exército português e incendiaram 42 embarcações. “Conta-se que atuava também como enfermeira, chegando a resgatar os feridos no meio da luta” (Santos, 201038 SANTOS, Miriam. As mulheres nas lutas da independência do Brasil: contestando a história oficial. In: GUARDIA, S. Las mujeres en la independencia de América Latina. Lima: CEMHAL. 2010. p. 105-110., p. 109).

Liderou a tomada da Armação de Pesca Araújo Mendes, posteriormente à cerimônia de hasteamento da bandeira nacional após a independência. Essa ação denotou que os conflitos na Ilha de Itaparica não minguaram com a finalização das batalhas pela independência. No epicentro dessas disputas, havia ainda o descontentamento da população negra (Santos, L., 201437 SANTOS, Lucas. Maria Felipa de Oliveira. Resgate da Memória, n. 2, p. 30-34, 2014.). Contudo, os levantes na Bahia foram importantes por seu pioneirismo em questionar o pacto colonial (Santos, 201038 SANTOS, Miriam. As mulheres nas lutas da independência do Brasil: contestando a história oficial. In: GUARDIA, S. Las mujeres en la independencia de América Latina. Lima: CEMHAL. 2010. p. 105-110.).

O apagamento e anonimato das mulheres na Independência da Bahia nas narrativas historiográficas é atribuído às questões raciais (Macêdo, 201723 MACÊDO, Lília. O grito de independência das mulheres latino-americanas. Cadernos de Estudos Sociais e Políticos: Clássicas, v. 6, n. 11, p. 80-89, 2017. https://doi.org/10.12957/cesp.2017.32870
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) e de classe que subalternizaram as mulheres negras empobrecidas. A historiografia não escapa às relações de poder, apesar da inclusão obrigatória da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” nos currículos oficiais no Brasil, através das Leis nº 10.639/2003 e nº 11. 645/2008. Por isso, é fundamental refletir não apenas sobre as práticas didáticas para abordar o tema, mas, principalmente, sobre os constrangimentos na produção desse conteúdo.

Bárbara Pereira de Alencar

A revolução de Pernambuco, ocorrida em 1817, apesar de duramente reprimida pelo exército, foi uma tentativa de mudança com moldes republicanos. Ideais separatistas e republicanos estiveram presentes e percorreram o território brasileiro em movimentos como a Inconfidência Mineira (1780) e a Conjuração Baiana (1797-1798). Pernambuco era uma das regiões mais ricas da época, graças à produção de açúcar, e sofria com os tributos altos e o aumento progressivo. Havia também insatisfação popular porque os portugueses ocupavam quase a totalidade dos cargos públicos. De outro lado, a seca e o colapso do mercado do açúcar desencadearam uma crise econômica que provocou fome e miséria.

A revolução pernambucana também teve reflexos no interior do Ceará. Bárbara Pereira de Alencar, ou Dona Bárbara do Crato (1760-1832), como ficou conhecida, era austera nos costumes e tinha personalidade forte. Os registros históricos confirmam sua ascendência em prestigiosa família cearense e exaltam sua vida pessoal e vivência no âmbito familiar, corroborando seu confinamento restrito ao âmbito doméstico, aspecto que reforça as expectativas de gênero impostas pelo patriarcado. Casada com o comerciante português José Gonçalves dos Santos, ficou viúva e teve de assumir a administração da casa e das fazendas. Segundo Ariadne Araújo (2017)3 ARAÚJO, Ariadne. Bárbara de Alencar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2017. Vol. 14., o dia a dia de uma chefe de família-matrona rica, prestigiada e poderosa incluía, cedo de manhã, a ordenha das vacas e a confecção da coalhada; de tarde, “o cochilo na rede com cheiro do massapê no canavial” (Araújo, 20173 ARAÚJO, Ariadne. Bárbara de Alencar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2017. Vol. 14., p. 10).

No contexto da revolução, Bárbara de Alencar tinha 57 anos e compactuava com o ouvidor Rodrigues de Carvalho, quem liderava o movimento conspirador insinuando-se e atraindo famílias importantes para a causa (João Montenegro, 199525 MONTENEGRO, João. Bárbara de Alencar. Revista do Instituto do Ceará, v. CIX, p. 135-149, 1995.). Em abril de 1817, seu filho José Martiniano de Alencar retornou ao Sítio Pau-seco, local da residência familiar, vindo do Recife. Sua missão, “espinhosa e nada modesta”, consistia em “revolucionar o Ceará e depois libertar o país do jugo português”; para tanto, solicitou a adesão da família (Araújo, 20173 ARAÚJO, Ariadne. Bárbara de Alencar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2017. Vol. 14., p. 15).

Em 3 de maio de 1817, dia da Santa Cruz, na igreja matriz do Crato, José Martiniano de Alencar discursou o manifesto da revolução e saudou a Revolução. Foi hasteada a bandeira branca, símbolo da independência, e “sob fogos e disparos comemoram a vitória do levante”. À noite, Bárbara de Alencar ofereceu em sua casa um banquete comemorativo aos revolucionários. Dois dias depois, o governador Manuel Inácio de Sampaio organizou a contrarrevolução. Em 11 de maio, as lideranças do motim estavam no cárcere, incluídos os filhos de dona Bárbara do Crato – José Martiniano e Tristão Gonçalves – e seu irmão, Leonel Pereira. A revolução no Ceará teve apenas oito dias de duração, enquanto chegou a contar 75 dias em Pernambuco (Araújo, 20173 ARAÚJO, Ariadne. Bárbara de Alencar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2017. Vol. 14., p. 16).

A presença e o engajamento de Dona Bárbara do Crato animaram os indecisos e os revoltosos contra a opressão portuguesa. Segundo Montenegro (1995, p. 147)25 MONTENEGRO, João. Bárbara de Alencar. Revista do Instituto do Ceará, v. CIX, p. 135-149, 1995., “a mulher que fosse audaciosa, era logo atacada, cercando-a de apodos, de histórias sem fundamento”. Foi acusada de amásia do padre Miguel Carlos da Silva Saldanha, vigário do Crato, amigo próximo da família e padrinho de José Martiniano de Alencar (Araújo, 20173 ARAÚJO, Ariadne. Bárbara de Alencar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2017. Vol. 14.), com quem se encontrava no momento da captura, em 1817. Essa injúria ainda teria sido repetida pelo Secretário do Instituto Arqueológico Mário de Mello durante as comemorações do centenário do movimento de 1817 (Montenegro, 199525 MONTENEGRO, João. Bárbara de Alencar. Revista do Instituto do Ceará, v. CIX, p. 135-149, 1995.).

Recebeu voz de prisão em outubro de 1817, após a sufocação da revolução no Ceará. Araripe Júnior (apud Araújo, 20173 ARAÚJO, Ariadne. Bárbara de Alencar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2017. Vol. 14., p. 6) afirma que Barbara Alencar “tinha cogitações e deslumbramentos além do seu sexo”. Em similar sentido, Montenegro (1995, p. 147)25 MONTENEGRO, João. Bárbara de Alencar. Revista do Instituto do Ceará, v. CIX, p. 135-149, 1995. descreve o preço de tais alcances para as mulheres da época:

A mulher que demonstrasse inteligência, suplantando, em meio ao machismo dominante, os homens; estes de imediato caíam sobre ela com mil insultos, destratando-a constantemente. Na mulher, a inteligência era comparada à insânia, à leviandade; e um sentido mais elevado de moral cheirava a libertinagem.

O Estado confiscou seus bens, foi encarcerada e torturada, sendo considerada a primeira presa política do Brasil. “Se [uma mulher] ingressava na política, o escândalo se tornava completo, principalmente quando ocupava posição de liderança” (Montenegro, 199525 MONTENEGRO, João. Bárbara de Alencar. Revista do Instituto do Ceará, v. CIX, p. 135-149, 1995., p. 148). Em 1818, a única mulher do grupo vestida de saia e camisa havia percorrido aproximadamente 500 quilômetros entre a Vila do Crato e Fortaleza (Ceará). Acusada de “agitadora, revoltosa, liberal, conspiradora, conjurada” (Araújo, 20173 ARAÚJO, Ariadne. Bárbara de Alencar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2017. Vol. 14., p. 5), foi pressa na velha fortaleza de Nossa Senhora da Assunção do Ceará e foi confinada sozinha, sob ordem de falar com ela na distância de dez passos. Em 1821, foi libertada junto com outros prisioneiros após a nulidade das acusações pelo Tribunal da Relação da Bahia (Montenegro, 199525 MONTENEGRO, João. Bárbara de Alencar. Revista do Instituto do Ceará, v. CIX, p. 135-149, 1995.).

Ganhou lugar na narrativa histórica como heroína de Pernambuco. Apesar de constar como heroína nacional, graças a iniciativa da deputada Ana Arraes (PSB de Pernambuco), sua figura é habitualmente associada aos filhos José Martiniano de Alencar Pereira e Tristão Gonçalves, revolucionários relevantes para os desfechos da revolução. Também é frequentemente referida por ser avó do romancista José de Alencar, reconhecido na atualidade como importante autor da literatura brasileira. De acordo com Ruth de Alencar (apud Montenegro, 199525 MONTENEGRO, João. Bárbara de Alencar. Revista do Instituto do Ceará, v. CIX, p. 135-149, 1995., p. 151), as mulheres posteriores legaram de dona Bárbara de Alencar “um novo campo, fertilíssimo onde se podia mostrar o valor cívico e patriótico do espírito feminino”.

As contribuições das mulheres aos levantes contra Portugal podem ser agrupadas em três modalidades: i) soldadas e espionagem; ii) enfermaria; e iii) mobilização político-militar. Diferentemente das independências da coroa espanhola, nos levantes brasileiros não houve registros de mulheres envolvidas com correio de guerra, propaganda, financiamento e alojamento de soldados. Inferimos que as diferenças históricas, principalmente a menor duração dos períodos de insurgência contra a coroa portuguesa, incidem nesse quadro. Contudo, as trajetórias estudadas evidenciam o caráter múltiplo do engajamento sociopolítico das mulheres contra o colonialismo português.

As formas de agenciamento mostram transgressões às imposições patriarcais da época, por exemplo, as competências como capoeiristas e no uso de armas de fogo, até então consideradas exclusivas do universo masculino. A apropriação dessas habilidades sugere tensionamentos ou negociações das condições de subordinação de gênero. Embora o contexto político englobante fosse a luta contra a colonização ibérica, as agências das mulheres tensionam o repertorio de opressões patriarcais seja para subvertê-lo ou readaptando-se. O caráter revolucionário desses agenciamentos fica evidente ao equacionar o deslocamento entre as ações permitidas pelo patriarcado, por exemplo bordar, e as proscritas e consideradas masculinas, como alistar-se no exército e galgar lugares na hierarquia militar.

Conclusão

Os agenciamentos de mulheres nos contextos aqui abordados se materializaram em um amplo repertório de ação política, militar e econômica, fundamentais para os movimentos de independência. Os engajamentos que subjazem da análise revelaram-nas como possuidoras de competências, como a capoeira e o uso de armas de fogo, exclusivas do universo masculino. A apropriação desses saberes indica esforços em prol do deslocamento da subordinação patriarcal. Sua ação, contudo, foi circunscrita pelos padrões patriarcais, obrigando-as a travestir-se, em alguns casos, ou relegando a relevância de seu papel histórico a algum personagem masculino de suas relações. Seu julgamento, frequentemente, ultrapassa os limites da rebeldia política para incluir aspectos de conduta moral vinculados ao patriarcado.

Ao nos debruçarmos sobre os desdobramentos pessoais desses engajamentos, compreendemos que, desde sua individualidade, sempre única, porém insuflada pelo meio, conseguiram tensionar o confinamento doméstico. Foi o caso de Maria Quitéria Alves, que obteve permissão para morar sozinha após a revolução. Se as dimensões individual e coletiva se interpenetram, ora em harmonia ora em oposição, cabe questionar sobre as significações desse feito para outras mulheres. A análise trouxe a pluralidade de classes sociais e pertencimentos étnico-raciais dessas mulheres. A opção por vários casos para análise se justifica em prol de uma visão geral que condicionou a compreensão verticalizada.

As transgressões agenciadas nas independências no século XIX ensinam-nos sobre a incidência política de mulheres comuns. Dois séculos depois, nos motivam a repensar nosso envolvimento pessoal com a ação política feminista em sociedades pretensamente democráticas, porém esmagadoras da diversidade. Para tanto, este artigo soma-se ao esforço intelectual que busca a desestabilização do androcentrismo na pesquisa social. Ao recuperarmos esses agenciamentos em contextos avessos às mulheres, almejamos ampliar as possibilidades de compreensão, principalmente sobre a produção dos apagamentos no campo científico, notadamente o historiográfico. Trágicos e definitivos são os apagamentos da agência de mulheres que ocorreram e ocorrem sem deixar nenhum rastro concretamente resgatável. Eis os imponderáveis limites do arquivo, do rastro perdido, ao longo da história, de existências de seres humanos comuns como somos a maioria de nós.

Finalmente, ao reconstruirmos os agenciamentos de mulheres nas independências perante o colonialismo ibérico, mostramos as armadilhas ideológicas por vezes irrefletidas no debate intelectual. O uso irrefletido de denominações subalternizadoras, as barreiras linguísticas e as diferenças históricas operam como heranças coloniais que nos impedem de compreender o que nos diferencia e nos aproxima enquanto América do Sul “livre e unida” – anseio geopolítico de Manuela Sáenz.

  • 1
    Agradecemos à parecerista anônima que revisou versão anterior deste artigo nos brindando com seu tempo e suas preciosas reflexões. Pareceres como o que recebemos dão mostra de engajamento respeitoso e colaborativo. Somos gratas também à Acolhetiva, grupo acadêmico de afeto e amadurecimento intelectual no âmbito do Laboratório de Estudos Críticos do Discurso da UnB, que desde 2019 nos presenteia com escuta ativa, observações e palpites durante o processo de escrita deste e de outros trabalhos.
  • 2
    No século XIX, os Estados Unidos usaram o termo Spanish America no contexto político das ações imperialistas contra o México. Foi na ocasião que anexaram 1,3 milhão de quilômetros quadrados do território mexicano que correspondia aproximadamente à metade daquele país, hoje Califórnia, Novo México, Utah, Nevada, Arizona e Colorado. Essa usurpação territorial se consolidou mediante o Tratado de Guadalupe Hidalgo (1848) que encerrou a guerra binacional ocorrida entre 1846 e 1848.
  • 3
    Associadas a tropas patriotas, também serviam aos realistas, habitualmente acusadas de gastos desmedidos e consumo voraz de recursos.
  • 4
    Destacamos a Tía María ou “madre de la patria” e suas duas filhas, conhecidas como as crianças de Ayohuma.
  • 5
    As mulheres negras escravizadas buscavam barganhar a liberdade, aquelas empobrecidas, angariar o sustento familiar, e as elitizadas, tensionar o confinamento doméstico (Prado; Franco, 200929 PRADO, Maria L.; FRANCO, Stella. A participação das mulheres na independência da Nova Granada: gênero e construção de memórias nacionais. In: PAMPLONA, M.; MADER, M. E. (org.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas? Nova Granada, Venezuela e Cuba. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. Vol. 3, p. 171-236.; González, 201016 GONZÁLEZ, Judith. Reimaginando y reinterpretando a las mujeres en la independencia: historiografía colombiana y género. Procesos Históricos, n. 17, p. 2-17, 2010.).
  • 6
    Manuela Sáenz e Evangelista Tamayo alcançaram o grau de capitã, Antonia Santos executada publicamente pelo exército realista (Prado; Franco, 200929 PRADO, Maria L.; FRANCO, Stella. A participação das mulheres na independência da Nova Granada: gênero e construção de memórias nacionais. In: PAMPLONA, M.; MADER, M. E. (org.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas? Nova Granada, Venezuela e Cuba. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. Vol. 3, p. 171-236.) e Juana Azurduy conquistou grau de coronela (Lília Macêdo, 201723 MACÊDO, Lília. O grito de independência das mulheres latino-americanas. Cadernos de Estudos Sociais e Políticos: Clássicas, v. 6, n. 11, p. 80-89, 2017. https://doi.org/10.12957/cesp.2017.32870
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    ).
  • 7
    Nada puede haber más perjudicial para las tropas que las mujeres que se dedican a seducir a [...] individuos y engañarlos contándoles mentiras fabulosas”. Essa declaração referia a ação de Carmem Gusman, quem, desde sua mercearia, divulgou ideias de emancipação aos soldados realistas. Como desdobramento, em 1820, o batalhão Numancia, desertou para integrar as tropas patriotas (Hoyos, 201218 HOYOS, Francisco M. Las mujeres en la independencia peruana. In: HOYOS, F. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo. 2012. p. 125-153., p. 148).
  • 8
    Policarpa Salabarrieta, mulher alfabetizada, dona de comércio e hábil costureira, recrutou soldados, foi espiã e distribuiu correio da causa patriótica (Prado; Franco, 200929 PRADO, Maria L.; FRANCO, Stella. A participação das mulheres na independência da Nova Granada: gênero e construção de memórias nacionais. In: PAMPLONA, M.; MADER, M. E. (org.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas? Nova Granada, Venezuela e Cuba. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. Vol. 3, p. 171-236.). Foi fuzilada em 1817 (Macêdo, 201723 MACÊDO, Lília. O grito de independência das mulheres latino-americanas. Cadernos de Estudos Sociais e Políticos: Clássicas, v. 6, n. 11, p. 80-89, 2017. https://doi.org/10.12957/cesp.2017.32870
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    ).
  • 9
    Vicenta Eguino, de boa posição econômica, instalou em sua casa uma fábrica de munição. Foi acusada de abandonar a religião e de “prostituir seu pudor” (Hoyos, 201218 HOYOS, Francisco M. Las mujeres en la independencia peruana. In: HOYOS, F. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo. 2012. p. 125-153.).
  • 10
    Magdalena Ortega, esposa de Antonio Nariño, precursor dos movimentos de independência, assumiu durante uma década as responsabilidades do marido desterrado por traduzir e divulgar o livro Direitos do homem e cidadão (María Ramirez, 201231 RAMIREZ, María. Las mujeres en los procesos de la independencia de la Nueva Granada. In: HOYOS, F. M. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo, 2012. p. 76-102.).
  • 11
    Original: “yo supe utilizar a perfección toda esta situación […] junto a otras mujeres limeñas de alta sociedad […] Nuestros salones, encuentros, nuestras reuniones y conversaciones, nuestras amistades, pasaron a ser parte de ese juego de la vida o de la muerte, del complot, de la trama, del trabajo que poco a poco iba socavando los cimientos del Imperio Español”.
  • 12
    Simona Mazaneda, mulher mestiça, teve seus cabelos cortados e exibida nua (Hoyos, 201218 HOYOS, Francisco M. Las mujeres en la independencia peruana. In: HOYOS, F. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo. 2012. p. 125-153.).
  • 13
    Carmen Vásquez de Acuña, Juana Garcia e Candelaria Garcia doaram suas fortunas à revolução além de serem espiãs ao serviço dos patriotas. Foram presas e torturadas (Hoyos, 201218 HOYOS, Francisco M. Las mujeres en la independencia peruana. In: HOYOS, F. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo. 2012. p. 125-153.).
  • 14
    Antonia Santos (Quintero, 200130 QUINTERO, Inés. Las mujeres de la independencia: ¿Heroínas o Trasgresoras? El caso de Manuelita Sáenz. In: POTTHAST, B.; SCARZANELLA, E. Mujeres y Naciones en América Latina. Problemas de inclusión o exclusión. Barcelona: Vervuert Iberoamericana, 2001. p. 57-76.) e María Parado de Bellido foram fuziladas por não detratar a causa patriota (Hoyos, 201218 HOYOS, Francisco M. Las mujeres en la independencia peruana. In: HOYOS, F. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo. 2012. p. 125-153.).
  • 15
    Rosa Zárate foi decapitada pela participação no assassinato do Conde Ruiz de Castilla na primeira tentativa de independência de Quito; Manuela Espejo, irmã do precursor Eugenio Espejo; Manuela Cañizares; Josefa Tinajero; a escritora Mariana Matheu de Ascásubia, Maria Ontaneda y Larrayn; Antonia Salinas Josefa Escarcha; Maria de la Vega; Rosa Montúfar y Larrea e Maria de la Cruz Vieyra (Oliveira; Martins, 201727 OLIVEIRA, Emanuella; MARTINS, Mônica. Atuação de Manuela Sáenz na Guerra de Libertação da Grã-Colômbia no Século XIX. Revista Brasileira de Estudos de Defesa, v. 3, n.1, p. 153-173, 2016. https://doi.org/10.26792/rbed.v3n1.2016.61830
    https://doi.org/10.26792/rbed.v3n1.2016....
    ).
  • 16
    Com 57 anos, era proprietária de uma mercearia na praza principal de Santa Fé. Em 1810, durante o movimento dos Comuneros, teria incentivado a revolta ao rasgar o aviso real de reajuste de impostos.
  • 17
    Seu ativismo esteve ligado à independência do território atualmente conhecido como México, doou sua fortuna ao exército patriota e liderou a elaboração de jornais de registro das tropas e dos acontecimentos da guerra.
  • 18
    Em 1826, uma década e meia após seu envolvimento com a independência, em situação de mendicidade em Buenos Aires (Argentina), foi reconhecida pelo general Juan José Viamonte, que apoiou a solicitação de seu direito à aposentadoria pelos serviços prestados ao exército patriota. Em 1830 obteve o ascenso como sargento maior. Morreu em 1847 (Perdia, 201228 PERDÍA, Amor. Mujeres visibles e invisibles en la historia de la Independencia. In: HOYOS, F. M. Heroínas incomodas. La mujer en la independencia de Hispanoamérica. Barcelona: Rubeo, 2012. p. 226-261.).
  • 19
    A Lei Federal nº 13.697 de 2018 reconheceu a participação das mulheres na Independência do Brasil, incluindo no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, dentre outras, a Maria Quitéria de Jesus Medeiros, Maria Felipa de Oliveira e Sóror Joana Angélica de Jesus.
  • 20
    Refere-se a subjetividade colonial e a interiorização do imperativo da branquitude europeia como marcadores de superioridade social.
  • 21
    Escritoras utilizaram-se de pseudônimos masculinos para terem suas obras apreciadas e/ou divulgadas. Apesar do sucesso dessa transgressão aos empecilhos retrógrados do patriarcado, isso evidencia o cerceamento epistêmico às mulheres.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2021
  • Aceito
    10 Ago 2022
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