RESUMO
Este trabalho tem como objetivo realizar a caracterização de cordões de solda obtidos por soldagem a arco submerso empregando corrente pulsada em frequências ultrassônicas (acima de 20 kHz). Para tanto, foram realizadas soldas em chapas de aço carbono ASTM A36, variando-se a corrente e a frequência de pulsação ultrassônica em 25 e 50 A e 20, 50 e 80 kHz, respectivamente. Foram realizadas análises de microscopia óptica e eletrônica de varredura, além de ensaios mecânicos de microdureza Vickers e Charpy. Como resultado, foi verificado que o emprego da pulsação ultrassônica da corrente resulta no aparecimento de placas laterais de ferrita Widmanstatten secundária na zona fundida, enquanto que na ZAC-GG, além do surgimento desta microestrutura houve o crescimento de grão conforme o aumento da frequência de pulsação ultrassônica. Em relação aos resultados dos ensaios Charpy, à temperatura ambiente a energia absorvida ao impacto foi crescente conforme o aumento da amplitude da corrente e frequência de pulsação ultrassônica, enquanto que para a temperatura subzero esse nível crescente de energia absorvida média foi perceptível apenas para a amplitude de 25 A. Estes resultados reforçam a hipótese de que o crescimento de grão pode ser devido ao resfriamento mais lento da solda, enquanto que a mudança microestrutural observada, ao efeito de propagação da energia ultrassônica no material.
Palavras-chave: Arco Submerso; Corrente pulsada; Frequências ultrassônicas; ASTM A36; Alterações microestruturais
ABSTRACT
This study aims to characterize the welds obtained by submerged arc welding using pulsed current in ultrasonic frequencies (above 20 kHz). To this end, welds were made on ASTM A36 carbon steel plates, varying the current and the frequency of the ultrasonic pulse in 25 to 50 A and 20, 50 and 80 kHz, respectively. Optical and scanning electron microscopy analysis were performed, as well as mechanical tests of Vickers hardness and Charpy. As a result, it was found that the use of ultrasonic pulse of current results in the appearance of side plates of secondary Widmanstätten ferrite in the melt zone while the HAZ-GG, besides the emergence of this microstructure it was grain growth with increasing frequency ultrasonic pulse. Regarding the results of Charpy tests at room temperature the energy absorbed in the impact has been increasing with increasing current amplitude and frequency of the ultrasonic pulse, while for the subzero temperature this increased level of absorbed average energy was noticeable only to the extent of 25 A. These results reinforce the hypothesis that the grain growth may be due to the slower cooling of the weld, while the microstructural changes, may be related to the effect of ultrasonic energy in the material.
Keywords: Submerged arc; pulsed current; Ultrasonic frequencies; ASTM A36; Microstructural changes
1. INTRODUÇÃO
Considerando a busca por maiores índices de produtividade oferecido pelos processos de soldagem e qualidade do cordão de solda resultante, a aplicação de corrente pulsada em frequências ultrassônica na soldagem a arco vem sendo estudada intensamente nas últimas décadas. De acordo com CUNHA [1], a utilização de corrente pulsada em frequências ultrassônicas consiste na excitação do arco em frequências acima de 20kHz. O arco excitado ultrassonicamente é obtido pela associação em paralelo de duas fontes de soldagem, uma que fornece a corrente principal de soldagem e outra responsável pela corrente de excitação ultrassônica, como pode-se ver na Figura 1 [2]. Ao estabelecer essa conexão em paralelo, consegue-se a modulação da corrente pulsada (em frequências acima de 20 kHz) na corrente principal, resultando na corrente que passa pelo arco de soldagem. Essa modulação da corrente ocasiona a mudança na corrente média, o que altera a energia de soldagem. No entanto, no caso do processo SAW, para arames de até 4 mm de espessura, onde normalmente utiliza-se fontes do tipo tensão constante esse efeito não ocorre, apesar de a fonte de excitação ser do tipo corrente constante. Isso se deve ao fato da fonte de tensão constante conseguir reestabelecer o equilíbrio graças ao seu auto ajuste (controle interno), mantendo a altura do arco. Por serem duas fontes distintas, tanto os controles do aporte de calor quanto da emissão ultrassônica se tornam independentes.
Na soldagem a arco submerso trabalhos como o de WU et al. [3] evidenciam que o emprego de ultrassom também pode melhorar a estabilidade de transferência metálica. No entanto, a maioria dos trabalhos disponíveis na literatura abordam os efeitos metalúrgicos advindos da corrente excitada ultrassonicamente. Neste contexto, a introdução de energia ultrassônica na poça fundida tem se mostrado promissora em relação ao aumento da qualidade de soldas resultantes. Embora o tamanho da ZAC cresça na medida em que a excitação ultrassônica aumenta [4], estudos como o de HE et al. [5] utilizando o processo de arco submerso para o aço Q235A, descrevem a redução do tamanho do grão na zona fundida e o estreitamento da região de grãos grosseiros na zona afetada pelo calor (ZAC), apresentando propriedades mecânicas melhores que aquelas do metal de base. Segundo ZHANG et al. [4] um tamanho de grão na ZAC-GG 50 % menor do que os obtidos sem ultrassom. Segundo estes autores há o aparecimento de mais ferrita acicular ao passo que a ferrita proeutetóide diminui. Os mesmos relatam também, a obtenção do refino da microestrutura de grãos grosseiros na zona parcialmente fundida (ZPF) na soldagem por arco submerso do aço ao níquel 09MnNiDR. Isso encontra justificativa devido a vibração ultrassônica acelerar a condução de calor aumentado assim a taxa de resfriamento da solda, fazendo com que o metal permaneça acima da temperatura AC3 por um menor período de tempo, resultando na redução do tamanho dos grãos na ZPF [4]. Em relação às propriedades mecânicas, ao ser empregada uma frequência de pulsação de 50 kHz, a resistência ao impacto na zona fundida foi melhorada em 47 % e em 82 % na zona afetada pelo calor quando comparada com os resultados obtidos sem ultrassom [6].
Percebe-se com base na literatura, uma série de benefícios decorrentes da introdução de energia ultrassônica na soldagem a arco. Contudo, a escassez de trabalho impede que o citado método seja empregado de fato. Isso aponta para a necessidade de estudo acerca da citada técnica de modo a compreender os efeitos quanto ao seu emprego. Baseado nisso, o presente trabalho visa realizar um estudo acerca da aplicação de corrente pulsada em frequências ultrassônica no processo de soldagem por arco submerso, com o intuito de caracterizar microestruturalmente e mecanicamente os cordões de solda resultantes.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
Visando a aplicação da técnica da corrente pulsada em frequências ultrassônicas na soldagem a arco submerso, uma bancada de ensaios foi montada. Esta é composta por uma fonte principal de soldagem e outra de excitação ultrassônica, reservatório de fluxo, bobina de arame, tocha de soldagem, osciloscópio, sistema de deslocamento de tocha, cabos e peça de trabalho, como mostra a Figura 2.
A fonte de soldagem principal é uma fonte eletrônica multiprocesso, configurada para operar no modo tensão constante a qual está conectada em paralelo com a fonte de excitação ultrassônica, que permite obter correntes com diversas formas de onda, pulsadas em frequências ultrassónicas.
A escolha do conjunto arame-fluxo, foi baseada na norma AWS 5.17 [7]. Optou-se pelo arame EM12K, sólido cobreado de 2,4 mm de diâmetro, caracterizado como neutro (basicidade em torno de 2,1), o qual provoca poucas alterações na composição química do metal de solda em relação ao arame utilizado e possui excelente tenacidade e resistência a trincas a baixa temperatura do metal de solda [8]. E o fluxo F7A6, que produzirá um metal de solda que, na condição soldada, terá uma resistência à tração superior de 70000 psi a 95000 psi (482 a 655 MPa) e resistência ao impacto Charpy com entalhe em V de, pelo menos, 20 ft-lbf (27,12 J) a −60 °C quando depositado com arame EM12K [8].
Como material de base, foram utilizadas chapas de aço ASTM A36, com dimensões de 300 × 110 mm e 10 mm de espessura. A composição química de todos os materiais utilizados (arame [9], metal depositado [9] e aço ASTM A36 [10]) são apresentadas na Tabela 1.
A obtenção dos cordões de solda se deu pela abertura do arco pela fonte de corrente ultrassónica e, posteriormente, a habilitação da fonte principal para a execução da soldagem a arco submerso a uma velocidade de 60 cm/min controlada pelo sistema de deslocamento da tocha de soldagem. Ao todo foram realizados 7 ensaios de soldagem, com a deposição de solda sobre as chapas, sem a realização de chanfros nem pré-aquecimento das chapas.
A fonte principal de soldagem foi regulada para uma velocidade de alimentação de arame (Va) de 2,5 m/min e tensão de soldagem de 30 V, enquanto a corrente de excitação ultrassónica (de pico a pico) em 25 e 50 A para frequências de 20, 50 e 80 kHz. Estas variáveis foram ajustadas, enquanto que a corrente principal foi monitorada. Em todos os ensaios a corrente média de soldagem foi mantida a mesma. Em um dos ensaios não foi aplicada a pulsação da corrente, com o intuito de utilizá-lo como referência. Com o auxílio de um sistema de aquisição de dados para soldagem (SAP V4), foram coletadas informações referentes a corrente da fonte principal de soldagem, e por meio de um osciloscópio e um sensor do tipo Hall conforme a configuração proposta por CUNHA [1], os dados da corrente de excitação ultrassônica foram coletados. A Tabela 2 apresenta o conjunto de parâmetros aplicados a cada ensaio.
De cada corpo de prova foram retiradas três amostras, sendo a primeira a 90 mm do início do cordão e as demais com espaçamento de 40 mm. As amostras foram submetidas a um processo de preparação metalográfica, que consistiu primeiramente no lixamento com as lixas de granulação 80, 120, 220, 320, 400, 600, 800 e 1200 e o polimento com alumina e pasta de diamante. Na sequência, as amostras foram atacadas com nital 3,5 % permitindo a captura das imagens por intermédio de um microscópio nas ampliações de 200, 500 e 1000 vezes, para detalhar as três principais regiões – zona fundida (ZF), zona afetada pelo calor (ZAC) e metal de base (MB).
Na sequência, a partir dessas amostras, foram realizados novos cortes de forma a produzir amostras para os ensaios tanto de microdureza Vickers quanto de microscopia eletrônica de varredura (MEV). Estas amostras possuem dimensões de 25 mm de comprimento, centralizado no cordão de solda, por 10 mm de largura. Estas foram embutidas a quente com baquelite. Estas amostras passaram novamente por um processo de preparação metalográfica, com lixas de granulação 80, 120, 320, 600 e 1200, polimento com pasta de diamante do tipo 3μ e 1μ respectivamente, e por fim o ataque com nital 4%.
Nos ensaios de microdureza Vickers (HV) foram aplicadas cargas de 200g (0,2 kgf) por um período de tempo de 10 segundos com espaçamento de 0,5 mm entre as endentações de acordo com a norma ASTM E384-11e1 [11]. Assim, foi traçado um perfil de dureza longitudinal, a partir do centro do cordão de solda até o metal de base, passando pela ZAC.
Também foram obtidas amostras para ao ensaio Charpy com o intuito de se avaliar a energia absorvida ao impacto na zona fundida para cada uma das amostras. A obtenção destas amostras se deu de acordo com a norma ASTM E23 [12], possuindo 55 mm de comprimento e seção transversal quadrada com 10 mm, retiradas transversalmente ao sentido de laminação das chapas. Nestes, foram realizados o entalhe no ponto médio do comprimento em forma de V. Os ensaios Charpy ocorreram primeiramente em temperatura ambiente, aproximadamente 26° C, onde foram ensaiadas 7 amostras, uma para cada condição avaliada neste trabalho. A carga aplicada foi definida pelo peso do próprio martelo utilizado para o impacto, nesse caso, 30 kg. Em seguida, foi realizado o ensaio à temperatura subzero com nitrogênio líquido, seguindo a norma AWS D1.1 [13], a uma temperatura de −18 °C indicada para este tipo de material, para avaliar o quão sensível o este é em relação à mudança de temperatura. Para isso, foi utilizado um tempo de homogeneização de 10 minutos, para um total de 21 amostras, 3 para cada condição de soldagem. Para o tratamento destes resultados, foi descartado o ponto mais discrepante para compor a média de absorção de energia em cada condição, e foi utilizado o valor máximo e mínimo de energia absorvida para construir a barra de erros.
3. RESULTADOS
As micrografias da zona fundida das amostras para as condições de corrente de 25 e 50 A, e frequências de 20, 50 e 80 kHz e da amostra de referência são mostradas na Figura 3.
Micrografias da zona fundida, com ampliação de 200X, para diferentes frequências de pulsação (fultra) e amplitudes da corrente de excitação ultrassônica (Iultra). Fw – Ferrita Widmanstätten; Fws - - Ferrita Widmänstatten serrilhada; Fm – Ferrita Massiva; Pf - Perlita Fina.
Conforme se pode ver na Figura 3 todas as amostras apresentam em sua constituição principal estruturas de ferrita Widmanstatten, tanto do tipo serrilhada quanto de placas laterais primária e secundária. A ferrita Widmanstätten serrilhada possui uma morfologia que se assemelha a serras. Já as placas de ferrita Widmanstatten primária tem origem nos contornos de grãos de uma ferrita, enquanto as placas de ferrita Widmanstätten secundária a partir de uma ferrita pré-existente em contorno. A diferença está que na amostra REF há uma maior presença de ferrita Widmanstätten serrilhada enquanto que nas amostras obtidas com pulsação ultrassônica da corrente, percebe-se a predominância de placas laterais de ferrita Widmanstätten secundária. Esta diferença entre os tipos de ferrita, está relacionada diretamente com a taxa de resfriamento. A ferrita Widmanstätten serrilhada tende a se formar a partir de um resfriamento controlado (mais lento), enquanto a secundária, surge devido um resfriamento mais rápido. Isso evidencia que apesar do aporte de energia de soldagem ser praticamente o mesmo para todas as amostras, ao aumentar os níveis de frequência (acima de 20 kHz) acelera-se a taxa de resfriamento. Com a presença de ferrita Widmanstätten há uma grande probabilidade de comportamento com ruptura frágil, comprometendo a ductibilidade da região. Isso por que este tipo de ferrita é um constituinte microestrutural capaz de provocar tensão interna no material comprometendo a integridade física do mesmo.
A zona fundida é uma zona de crescimento competitivo, neste caso, de grãos colunares de ferrita Widmanstätten. Relativo a isto, é possível verificar que na amostra 5080 há uma fração volumétrica maior de ferrita Widmanstätten e uma microestrutura mais grosseira, enquanto que na amostra 5050 uma menor fração volumétrica de ferrita Widmanstätten e microestrutura mais refinada.
Há também o aparecimento de perlita fina em todas as amostras, sendo que a diferença está na quantidade e não no tamanho da microestrutura, por exemplo, a amostra REF possui mais perlita fina que as obtidas com pulsação ultrassónica. Sabe-se que quanto maior a quantidade de perlita, maior será a dureza do material e que a dureza da perlita está associada à quantidade de carbono que está saturando o local onde se forma os pontos de cementita. No entanto, acredita-se que mesmo com a menor quantidade de perlita fina nas amostras em que se aplicou pulsação ultrassónica da corrente, a sua dureza pode não ter sido comprometida devido à presença de ferrita Widmanstätten. Esta pode provocar o aumento de dureza a partir da geração de tensões internas causadas pela sua morfologia. Os feixes da fase acicular causam deformação plástica na fase de partida, proporcionando a tensão interna que fica circunvizinha a ela. Aqui há uma transformação de fase que está entre uma transformação de fase de equilíbrio, onde se tem uma perlita fina distribuída com mais difusão atómica, e outra fora do equilíbrio onde há o cisalhamento do material pela ferrita Widmanstätten. Outra microestrutura encontrada nas amostras foi a ferrita massiva, principalmente nas condições com frequência ultrassônica de 80 kHz, o que pode contribuir para o aumento de tenacidade do material devido a sua morfologia grosseira.
Além das microestruturas citadas, as quais tendem a manter um certo padrão para as amostras sujeitadas a pulsação ultrassônica da corrente, ao contrário das demais, a condição específica de pulsação com 25 A de amplitude e 20 kHz de frequência apresentou um comportamento microestrutural na zona fundida completamente diferente das demais (Figura 3). Essa possui uma transformação bainítica com a presença de vários precipitados de cementita.
Para a análise da zona afetada pelo calor, optou-se por se concentrar na região da ZAC-GG visto que essa é a região que pode apresentar as variações mais significativas uma vez que está sujeita às maiores temperaturas, porém, abaixo da temperatura de fusão do material de base. As micrografias da ZAC-GG das amostras para as condições de corrente de 25 e 50 A, e frequências de 20, 50 e 80 kHz e da amostra de referência são apresentadas na Figura 4.
Micrografias da ZAC-GG para diferentes frequências de pulsação (fultra) e amplitudes da corrente de excitação ultrassônica (Iultra). Ampliação de 200X.
As micrografias da zona afetada pelo calor, logo abaixo linha de transição da zona fundida, para todas as condições de correntes e frequências ultrassônicas, apresentam configurações bem homogêneas e, assim como a zona fundida, há presença predominante de microestruturas de ferrita Widmanstätten.
Ao comparar as amostras em que se aplicou a pulsação com frequência ultrassônica, percebe-se que o comportamento microestrutural no geral não difere muito de uma amostra para outra. No entanto, conforme se aumenta a frequência, maior o tamanho de grão, levando a uma possível perda de tenacidade e ductibilidade. O que seria justificável uma vez que ao aumentar a frequência pode-se conferir uma condição de aporte térmico no material alterando o crescimento de grão. Quanto mais tempo o material permanecer em uma condição de alta temperatura, mais tempo de mobilidade os contornos de grão terão para fazer com que este cresça. Contudo, sabendo que os ensaios foram efetuados com a mesma corrente média e velocidade de soldagem, e mesma tensão de arco, ou seja, mesmo aporte de energia, espera-se que o ciclo térmico permaneça igual. Porém, a literatura cita que ao utilizar correntes pulsadas com frequência de pulsação acima de 20 kHz, a corrente ultrassônica consegue se propagar dentro do metal pela rede cristalina excitando-o [4]. Ao pulsar a corrente em frequências acima de 20KHz, o arco oscila na frequência ultrassônica introduzindo energia ultrassônica na peça, fazendo com que a matriz metálica tenha regiões de compressão e rarefação. Essas regiões criam gradientes de temperatura interno na matriz metálica aumentando a condução de calor [4], permitindo o crescimento dos grãos.
A condição para que um reticulado cristalino se movimente é a exposição dos átomos a altas temperaturas, assim esses adquirem mobilidade graças à frequência de vibração atômica nos pontos em que teoricamente estariam em equilíbrio. Já em relação à técnica da pulsação ultrassônica da corrente, acredita-se que a própria condição de frequência promove essa excitação atômica, não pela temperatura, mas devido à propagação da energia ultrassônica. Isso configura uma forma de excitação mecânica, onde a fonte de energia não é a deformação plástica como acontece em um processo de compressão ou estiramento, e sim o ultrassom. Dito isso, percebe-se que os resultados obtidos são conflitantes, visto que, teoricamente, a mudança na morfologia do grão de uma amostra para outra se deu pelo resfriamento mais rápido. No entanto, os resultados obtidos na ZAC-GG confirmam aqueles observados na ZF, pois na ZAC-GG os grãos também cresceram, indicando uma taxa de resfriamento mais lenta. Diante disso, é possível que outro mecanismo, possivelmente devido à introdução de energia ultrassônica, esteja fazendo com que haja essa mudança na morfologia do grão.
Ao analisarmos as micrografias das amostras obtidas com frequência de pulsação de 20 kHz tanto para a amplitude de corrente de 25 A quanto para 50 A, houve um crescimento menor dos grãos em relação às amostras obtidas com frequências maiores. Uma explicação para isto diz respeito ao fato de que quando a energia de excitação ultrassônica se propaga pelo material, esta quebra as pontas das dendritas, a partir do qual inicia a nucleação de novos grãos. No entanto, para frequências mais elevadas, a excitação ultrassônica parece perder a capacidade de quebrar as pontas das dendritas, fazendo o grão crescer.
Comparando os resultados obtidos nas amostras com pulsação em relação à amostra de referência, percebe-se que com frequência de 20 kHz os grãos têm tamanhos compatíveis com a amostra de referência, e a medida que a frequência aumenta, o grão cresce. No geral, não há grandes alterações de uma condição para a outra. Isso leva a acreditar que a técnica proposta não é interessante para aplicações nas condições estudadas neste trabalho, visto que a microestrutura não diferencia muito. E também, a microestrutura se mostra grosseira ao aumentar a frequência de pulsação ultrassônica, não proporcionando então o ganho expressivo em propriedades mecânicas como citado pela literatura [4]. Entretanto, se o material de base possuir uma tendência ao bandeamento pode existir bandas de deformação. Em uma banda de deformação há uma micro- estrutura bandeada e outra recristalizada, característico de materiais que passaram por um processo de resfriamento controlado durante a laminação a quente ou por recozimento contínuo após laminação a frio. A banda é um local da microestrutura onde ainda predomina energia interna de deformação e que não passou pelo processo de recristalização. Neste ponto, onde há uma energia de deformação acumulada, há um potencial local de nucleação de novos grãos quando submetido a um ciclo térmico. Na soldagem o ciclo térmico gerado cria uma condição de nucleação e crescimento primeiramente nas bandas de deformação e, posteriormente, nos grãos que já estão recristalizados e que podem crescer, resultando em uma microestrutura mais heterogênea, com grãos finos e grosseiros. Os grãos grosseiros já estão recristalizados, enquanto que os finos são decorrentes de um processo de recristalização que ocorrerá durante o aporte térmico que se desenvolve no processo de soldagem. Ou seja, a técnica nesse caso se mostra interessante, primeiramente por que os grãos que estavam presentes na estrutura antes do ciclo térmico já estariam recristalizados e não iriam crescer tanto, e segundo, os grãos que irão nuclear e crescer a partir das bandas preexistentes irão continuar nucleando e crescendo, mas não tanto como no modo convencional.
A fim de averiguar o quanto os resultados das micrografias refletiam em ganhos de propriedades mecânicas, foram realizados ensaios de microdureza (Figura 5). Nesta figura encontram-se as três regiões onde ocorreram as indentações (metal de base – MB, zona afetada pelo calor – ZAC e zona fundida – ZF), com as respectivas indicações da posição das indentações em milímetros tendo como referencia o primeiro ponto realizado no metal de base (0 mm).
Perfis de microdureza obtidos para diferentes amostras. Carga de 200g e tempo de aplicação de 10s.
Analisando a Figura 5 observa-se que o perfil de microdureza apresenta-se de forma contínua, não havendo diferenças nos níveis de dureza quando comparada a amostra REF em relação as amostras que se aplicou a pulsação da corrente. Na amostra de referência (REF), o primeiro ponto de pico inferior (posição 3,5 mm) é justificado pela indentação ter ocorrido em cima de uma estrutura ferrítica, já o segundo ponto de pico inferior (posição 5 mm) está localizado logo após a linha de transição entre a ZF e a ZAG, enquanto que o ponto de pico superior (posição 4 mm) ocorreu em uma estrutura perlítica. Isto é confirmado pelas imagens obtidas da região onde foram realizas estas indentações (Figura 6).
Locais de indentação da amostra REF com picos inferiores e superiores de dureza em relação as demais amostras.
Assim, apesar das alterações microestruturais observadas, isso não reflete na microdureza. Mesmo a ferrita Widmanstätten possuir dureza maior (cerca de 300 HV) que os outros tipos de ferrita, esse nível de dureza não é muito diferente daquele típico encontrado em um aço baixo carbono. As tensões internas que a ferrita Widmanstatten produz, podem não ser reportadas em um ensaio de microdureza, mas sim em um ensaio de tração, pois as fibras do material durante a deformação podem ser mais estressadas pelo formato da ferrita.
Os resultados do ensaio Charpy à temperatura ambiente de 26 °C e à temperatura subzero de −18 °C são apresentados na Figura 7.
Como resultado, no ensaio Charpy à temperatura ambiente obteve-se o aumento de energia absorvida crescente em relação à amostra de referência (REF), chegando a 34,33 % para a amostra 5080, concordando com o resultado encontrado por ZHANG et al. [6]. Esse aumento está diretamente relacionado com a quantidade de ferrita Widmanstätten. Pois, quanto menor for a quantidade desta, mais dúctil e tenaz será a microestrutura. No entanto, como discutido anteriormente, a fração volumétrica de ferrita Widmanstatten tende a aumentar conforme a frequência de pulsação aumenta. Contudo, percebe-se na Figura 3, que ao passo que a fração volumétrica de ferrita Widmanstätten aumentou, sua microestrutura se tornou mais grosseira, com grãos maiores, justificando o aumento de absorção de energia ao impacto. Esse crescimento está associado a um resfriamento mais lento, o que proporciona mais tempo para a fase crescer.
Já os resultados do ensaio Charpy à temperatura subzero, apresentam níveis de absorção de energia menores do que aqueles do ensaio Charpy à temperatura ambiente. Esta redução nos níveis de absorção de energia era esperada, uma vez que para o material que já não apresenta elevada ductibilidade na temperatura ambiente, esse tende a absorver menos energia a uma temperatura abaixo de zero. Com estes resultados, consegue-se perceber a real absorção de energia ao impacto, em função da sensibilidade a temperatura. Nestas condições, o aumento de energia absorvida chega a aproximadamente 162% para a amostra 5020 em relação à amostra de referência (REF). Enquanto o ensaio Charpy à temperatura ambiente apresenta uma curva crescente de energia absorvida média, no ensaio Charpy subzero esse comportamento é perceptível apenas para amplitude de 25 A, não se repetindo para amplitudes maiores.
Com base em ambas as análises realizadas em torno dos ensaios Charpy (à temperatura ambiente e subzero), têm-se reiterada a ideia de que existe outro mecanismo responsável pela alteração da microestrutura que não é o resfriamento. Visto que, sob a ótica de análise de morfologia do grão, percebe-se o aumento da fração volumétrica de ferrita Widmanstätten na zona fundida, e considerando o aspecto de formação dos diferentes tipos dessas microestruturas, a utilização da técnica acelerou a taxa de resfriamento da zona fundida. No entanto, se não analisarmos a morfologia do grão, e sim sob a ótica de tamanho do grão, o grão obtido é maior, contrariando a hipótese de resfriamento mais rápido, dado que o crescimento de grão decorre de um resfriamento mais lento. Tem-se, portanto, um resultado conflitante. Os motivos para isso não são conhecidos, e não foram explorados no âmbito deste trabalho. A questão do crescimento do grão pode ser devido ao resfriamento mais lento, já a questão da mudança da microestrutura, pode não estar relacionada diretamente ao efeito térmico, mas talvez ao efeito de propagação da onda ultrassônica no material, o qual não faz parte do escopo deste trabalho.
4. CONCLUSÕES
Com a realização deste trabalho é possível concluir que:
A utilização da técnica da pulsação da corrente ultrassônica alterou a microestrutura dos grãos de ferrita Widmanstätten serrilhada para ferrita Widmanstätten de placas laterais secundárias, indicando a presença de um resfriamento mais rápido.
A introdução de energia ultrassônica, nas condições testadas, conduz a formação de estruturas de ferrita Widmanstätten do tipo placas laterais secundárias tanto na zona fundida quanto na zona termicamente afetada pelo calor.
A amostra 2520 apresentou comportamento microestrutural na zona fundida diferente das demais amostras analisadas. Ao que tudo indica, essa alteração microestrutural é devido ao surgimento de transformação bainítica com a presença de precipitados de cementita.
Quanto maior o valor de frequência de pulsação empregada, maior é o tamanho do grão resultante na região da ZF e ZAC-GG. A microestrutura mais grosseira resultante, acarretou em aumento de tenacidade à fratura se comparado com a amostra REF.
Apesar da corrente de excitação com frequência de pulsação de 20 kHz resultar em um crescimento menor de grão na ZAC-GG, se comparada as demais amostras em frequências maiores, esse efeito não é tão significativo em relação à amostra REF.
Não há diferenças expressivas quanto ao perfil de microdureza Vickers em função da aplicação da pulsação ultrassónica da corrente.
O ensaio Charpy à temperatura ambiente apresentou um comportamento crescente no nível de absorção de energia ao impacto para as amostras onde se aplicou a técnica da pulsação da corrente ultrassônica, chegando a 33,4% para a condição em maior corrente e frequência (5080) em relação à amostra REF.
Já no ensaio Charpy à temperatura subzero, esse mesmo comportamento é perceptível apenas para amplitude de 25 A, mas para amplitudes maiores isso não se repete, com destaque para a amostra 5020, a qual apresentou aumento de 162% em relação a amostra de referência.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a colaboração das instituições UFSC, SENAI SC, UNISOCIESC e PUC-PR e a empresa Tupy por permitirem a utilização de seus laboratórios para realização dos ensaios.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
2017
Histórico
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Recebido
08 Nov 2016 -
Aceito
07 Abr 2017