Resumo
O presente trabalho é um estudo sobre o ethos discursivo da seção “Nossa Conversa” da coluna feminina “Só para mulheres”. O objetivo é investigar, descrever e analisar a construção desse ethos discursivo, considerando uma particularidade da coluna: o procedimento de ghostwriting, já que a coluna em questão era escrita por Clarice Lispector e assinada por Ilka Soares, atriz e modelo dos anos 1950 e 1960. Para tal, utilizamos o arcabouço teórico-metodológico da Análise do Discurso Semiolinguística de modo a levantar os procedimentos estratégicos de construção desse ethos. Os resultados apontam quatro procedimentos para encenar que o sujeito enunciador criado pela escritora Clarice Lispector (o sujeito comunicante) procura reafirmar o ethos pré-construído da atriz Ilka Soares.
Palavras-chave:
Ethos discursivo; Análise do Discurso; Teoria Semiolinguística; Clarice Lispector; Ilka Soares
Abstract
The present work is a study on the discursive ethos of the “Nossa Conversa” section of the women’s column “Só para Mulheres”. Our objective is to investigate, describe and analyze the construction of this discursive ethos considering a particularity of this column: the ghostwriting procedure, since the column in question was written by Clarice Lispector and signed by Ilka Soares, actress and model from the 1950s and 1960s. To this end, we used the theoretical-methodological framework of the Semiolinguistic Theory in order to raise the strategic procedures for the construction of this ethos. Our results point to four procedures for staging that the enunciating subject created by the writer Clarice Lispector (our communicant subject) seeks to reaffirm the pre-constructed ethos of the actress Ilka Soares.
Keywords:
Discursive Ethos; Discourse Analysis; Semiolinguistics Theory; Clarice Lispector; Ilka Soares
Resumen
El presente trabajo es un estudio sobre el ethos discursivo de la sección “Nossa Conversa” de la columna femenina “Só para mulheres”. Nuestro objetivo es investigar, describir y analizar la construcción de este ethos discursivo, considerando una particularidad de esta columna: el procedimiento de escritura fantasma, ya que la columna en cuestión fue escrita por Clarice Lispector y firmada por Ilka Soares, actriz y modelo de las décadas de 1950 y 1960. Para ello, utilizamos el marco teórico-metodológico de la Teoría Semiolingüística para identificar los procedimientos estratégicos de construcción de este ethos. Nuestros resultados señalan cuatro procedimientos a través de los cuales el sujeto enunciador creado por la escritora Clarice Lispector (nuestro sujeto comunicante) busca reafirmar el ethos preconstruido de la actriz Ilka Soares.
Palabras clave:
Ethos discursivo; Análisis del Discurso; Teoría Semiolingüística; Clarice Lispector; Ilka Soares
1 INTRODUÇÃO
No âmbito da literatura brasileira, Clarice Lispector é conhecida como uma das mais significativas escritoras do modernismo. Entretanto, a produção de Clarice foi além e alcançou outros campos de atividade que não só o literário. Com efetiva participação no meio jornalístico, a escritora produziu diversos tipos de colunas, dentre as quais se destacavam as colunas femininas. Em sua carreira jornalística, a escritora publicou três colunas femininas: “Entre Mulheres”, coluna do tabloide Comício, publicada entre maio e setembro de 1952; “Correio Feminino - Feira de Utilidades”, produzida entre agosto de 1959 e fevereiro de 1961, para o jornal Correio da Manhã; e “Só para Mulheres”, publicada entre abril de 1960 e março de 1961, para o jornal Diário da Noite. Em nenhum momento, porém, o nome Clarice Lispector figurava como a autora de alguma dessas páginas, pois ou a escritora adotava algum pseudônimo (por exemplo, em “Entre Mulheres”, ela assinou como Tereza Quadros), ou era ghostwriter de alguma celebridade - fato unicamente constado em “Só para Mulheres”, em que ela se fez passar pela atriz e manequim Ilka Soares.
Neste último caso, o fato de ser ghostwriter de uma celebridade como Ilka Soares é aspecto interessante a ser estudado, uma vez que, para se passar por Ilka, Clarice provavelmente se valeu do ethos prévio da atriz, ou seja, da imagem pré-construída1 1 Pré-construída no sentido de ser preexistente àquela enunciação referente à coluna. de Ilka no interior da comunidade discursiva. Com isso, Clarice, nos textos de “Só para mulheres”, deveria produzir um discurso que fosse verossímil relativamente ao que era divulgado, à época, sobre Ilka Soares. Em outras palavras: Clarice, para se passar discursivamente por Ilka, deveria assumir vários elementos do discurso de Ilka ou sobre Ilka. Logo, provavelmente, nesse jogo linguageiro de se passar por uma celebridade (ao mesmo tempo que mascara sua própria identidade psicossocial, há que se ressaltar), o sujeito enunciador criado por Clarice Lispector na coluna “Só para Mulheres” deve ter-se valido de algumas estratégias discursivas para cumprir o propósito linguageiro.
Considerando essa mise-en-scène discursiva, realizamos este trabalho com o intuito de investigar, descrever e analisar a construção do ethos discursivo da coluna “Só para Mulheres”. Para tal, selecionamos alguns textos da seção “Nossa Conversa” - uma seção recorrente na coluna, conforme apontamentos de Nunes (2006NUNES, A. M. Clarice Lispector jornalista: páginas femininas e outras páginas. São Paulo: Ed. Senac, 2006.). Utilizando o arcabouço teórico-metodológico da Análise do Discurso Semiolinguística, conjugado com algumas abordagens do conceito de ethos, procuramos descrever e analisar as estratégias utilizadas por Clarice Lispector para construir um ethos diferente do seu, bem como apreender as estratégias de mascaramento identitário utilizadas pela escritora para a encenação desse ethos discursivo.
É importante ressaltar que esta pesquisa dialoga com outros trabalhos a respeito das colunas femininas escritas por Clarice Lispector nas décadas de 1950 e 1960 produzidos individualmente ou em coautoria pelo autor. Assim, este trabalho procura investigar outra problemática observada nos textos dessas colunas: a questão etóica e sua encenação no discurso. Esperamos que, ao final da leitura deste artigo, possamos responder às questões que norteiam este trabalho.
2 O ETHOS NA TEORIA SEMIOLINGUÍSTICA
Todo ato de tomar a palavra implica, da parte do sujeito enunciador (EUe), a construção de uma imagem de si próprio através desse ato. No âmbito da Teoria Semiolinguística, o processo de construção de uma imagem de si é denominado processo de identificação (ver figura 1). Tal processo remete ao ethos da tradição retórica e diz respeito ao autorretrato que o enunciador faz a partir de seu dizer, de seu estilo, de sua competência linguística e enciclopédica e de suas crenças implícitas, bem como da imagem prévia do sujeito comunicante que circula em seu grupo social. Essa representação construída no e pelo discurso faz parte do projeto de fala do EUe, pois ela permite que o locutor seja julgado e avaliado pelo destinatário como digno de crédito.
A seguir, apresentamos uma imagem (figura 1), extraída de Charaudeau (2008CHARAUDEAU, P. L’argumentation dans une problématique d’influence. Argumentation et Analyse du Discours, n. 1, 2008. Disponível em: http://aad.revues.org/index193.html. Acesso em: 12 nov. 2008.
http://aad.revues.org/index193.html...
) - com os termos traduzidos por nós - para compreendermos o processo de tomada de palavra e o lugar do processo de identificação e do ethos na encenação discursiva de um determinado ato de linguagem:
Dessa maneira, para Charaudeau (2006CHARAUDEAU, P. Discurso político. Trad. de Angela M. S. Corrêa. São Paulo: Contexto, 2006.) o ethos constitui-se como um dos processos linguageiros diante dos quais o enunciador é colocado quando toma a palavra para influenciar seu destinatário. Porém, esse processo de identificação vale-se de uma imagem prévia do sujeito-comunicante que circula no grupo social ao qual ele pertence. Logo, Charaudeau (2006b), assim como Maingueneau (2005MAINGUENEAU, D. Ethos, cenografia, incorporação. In: Amossy, R. (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. Trad. de Dílson Ferreira da Cruz, Fabiana Komesu e Sírio Possenti. São Paulo: Contexto, 2005. p. 69-92., 2008) e Amossy (2005cAMOSSY, R. O ethos na intersecção das disciplinas: retórica, pragmática e sociologia dos campos. In: AMOSSY, R. Imagens de si no discurso: a construção do ethos. Trad. de Dílson Ferreira da Cruz, Fabiana Komesu e Sírio Possenti. São Paulo: Contexto, 2005c. p. 119-144.), também admite que o ethos possui uma dupla dimensão: uma dimensão discursiva, denominada ethos discursivo ou ethos construído, e uma dimensão pré-discursiva, denominada ethos pré-construído. Assim, Charaudeau (2006b) entende o ethos como:
De fato, o ethos, enquanto imagem que se liga àquele que fala, não é uma propriedade exclusiva dele; ele é antes de tudo a imagem de que se transveste o interlocutor a partir daquilo que diz. O ethos relaciona-se ao cruzamento de olhares: olhar do outro sobre aquele que fala, olhar daquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro o vê. Ora, para construir a imagem do sujeito que fala, esse outro se apoia ao mesmo tempo nos dados preexistentes ao discurso - o que ele sabe a priori do locutor - e nos dados trazidos pelo próprio ato de linguagem (Charaudeau, 2006CHARAUDEAU, P. Discurso político. Trad. de Angela M. S. Corrêa. São Paulo: Contexto, 2006., p. 115).
A noção dialoga com o esquema enunciativo que Charaudeau (1983CHARAUDEAU, P. Langage et discours - éléments de sémiolinguistique (théorie et pratique). Paris: Hachette, 1983.) propõe para compreender o ato de linguagem, ou seja, a noção de ethos proposta volta-se para a questão da identidade do sujeito falante desdobrada em dois componentes. Assim, temos que o ethos pré-construído liga-se à identidade do sujeito como ser psicossocial; em outras palavras, o ethos pré-construído é um dado que remete ao sujeito comunicante (EUc) do ato de linguagem. Já o ethos discursivo dialoga com a identidade do sujeito enquanto ser discursivo, ou seja, enquanto sujeito enunciador (EUe).
Assim, o sujeito que enuncia constrói para si uma identidade discursiva que se atém aos papéis que atribui a si próprio em seu ato de linguagem, conforme coerções impostas pela situação de comunicação e pelas estratégias que ele, enquanto EUe, escolhe seguir. O locutor constrói seu ethos discursivo em função de seu ethos pré-construído: ele tenta consolidá-lo, retificá-lo, retrabalhá-lo ou atenuá-lo.
Portanto, a imagem do sujeito falante, ou locutor, isto é, o seu ethos, aparece a seu interlocutor como uma identidade psicológica e social que lhe é atribuída, e, ao mesmo tempo, com uma identidade discursiva construída por ele para a eficácia de seu discurso. Desta forma, o sentido que o locutor veicula em suas palavras depende ao mesmo tempo daquilo que ele é, enquanto ser psicossocial, e daquilo que ele diz enquanto ser discursivo; e o ethos, como resume Charaudeau (2006CHARAUDEAU, P. Discurso político. Trad. de Angela M. S. Corrêa. São Paulo: Contexto, 2006.), é essa dupla identidade que termina por se fundir em uma só.
3 CORPUS: PROCEDIMENTOS DE COLETA
A coleta do corpus realizou-se a partir de três principais fontes: a) da coletânea Correio Feminino, organizada pela professora Aparecida Maria Nunes e publicada pela editora Rocco em 2006NUNES, A. M. Clarice Lispector jornalista: páginas femininas e outras páginas. São Paulo: Ed. Senac, 2006.; b) da coletânea Só para Mulheres, também organizada por Aparecida Maria Nunes e publicada pela mesma editora em 2008; e c) de fac-símiles concedidos pela pesquisadora Aparecida Maria Nunes2 2 Gostaríamos de agradecer à pesquisadora Aparecida Maria Nunes pela concessão dos referidos fac-símiles, com os quais pudemos visualizar melhor nosso corpus e a situação de comunicação à qual nossos textos estão vinculados. .
As duas primeiras fontes, as coletâneas Correio Feminino e Só para Mulheres, reúnem, respectivamente, um total de 178 e 295 textos publicados nas três colunas femininas escritas por Clarice Lispector. Utilizando os índices analíticos dessas coletâneas, fizemos um levantamento dos textos que pertencem à seção com a qual estamos trabalhando. O quadro 1 apresenta a quantidade de textos encontrada nas duas coletâneas selecionadas.
A última fonte corresponde a dois fac-símiles da coluna, gentilmente concedidos pela pesquisadora Aparecida Maria Nunes: o primeiro corresponde à primeira edição da coluna em 21 de abril de 1960; o segundo à edição de 9 de novembro de 1960 (última aparição da seção “Nossa Conversa”). O texto da seção “Nossa Conversa” da primeira edição (intitulado “Nossa Primeira Conversa”) não consta em nenhuma das outras duas fontes do corpus e, por isso, foi incluído na pesquisa; já o texto da edição de 9 de novembro, “Em Sociedade”, está presente na coletânea Correio Feminino. Assim, o total de textos selecionados para este trabalho corresponde a 64 textos de “Nossa conversa” (incluindo os 63 textos da coletânea mais o fac-símile da primeira edição).
Após o levantamento dos textos, procuramos organizá-los cronologicamente, numerando-os com códigos para que, ao longo do trabalho, não precisássemos repetir os títulos. A enumeração seguiu o código TEX.a, em que a representa o número do texto segundo a cronologia construída.
4 A COLUNA FEMININA “SÓ PARA MULHERES” E A SEÇÃO “NOSSA CONVERSA”: DESCREVENDO O CORPUS
Os 64 textos que compõem nosso corpus foram publicados na seção “Nossa Conversa” da coluna feminina “Só para Mulheres”, escrita por Clarice Lispector e assinada por Ilka Soares para o vespertino carioca Diário da Noite, no início da década de 1960.
De acordo com Nunes (2006NUNES, A. M. Clarice Lispector jornalista: páginas femininas e outras páginas. São Paulo: Ed. Senac, 2006.), o início da década de 1960, para o jornal Diário da Noite (DN), foi bastante conturbado. Nessa época, o DN passava por um período de intenso desprestígio social, agravado pela forte concorrência com os matutinos Última Hora e O Globo. A solução encontrada pelos diretores do jornal foi a contratação do editor-geral do Última Hora, Alberto Dines, que prometeu fazer uma revolução tanto no aspecto gráfico quanto no aspecto ideológico do diário.
No aspecto gráfico, Dines transformou o DN em um tabloide com características profissionais, formato não muito utilizado na região Sudeste do país, enquanto, no aspecto ideológico, a solução de Dines se concentrou na popularização do jornal através do prestígio de personalidades do cinema, da televisão, da música, do esporte, tais como Ilka Soares, Maysa, Carlos Machado, Nilton Santos e João Resende, que assinariam colunas do novo DN. Assim, este novo DN passou a publicar colunas de Esporte, assinadas por Nilton Santos, da Seleção Brasileira de Futebol; de Romantismo, assinada pela cantora Maysa Matarazzo; de Moda/Feminina, assinada pela manequim e atriz Ilka Soares, entre outros tipos de colunas. Entretanto, essas personalidades nunca haviam escrito uma coluna de jornal. Dines só viu uma solução: recrutar pessoas para fazê-lo. Clarice apareceu, então, como a escritora da coluna de moda, intitulada “Só para Mulheres”, atribuída a Ilka Soares. Clarice Lispector, assim, tornou-se uma ghostwriter, isto é, o escritor fantasma de uma celebridade famosa, Ilka Soares, cujo status e projeção social eram bastante conhecidos pelas leitoras da coluna.
De acordo com Nunes (2006NUNES, A. M. Clarice Lispector jornalista: páginas femininas e outras páginas. São Paulo: Ed. Senac, 2006.), a coluna “Só para Mulheres” ocupava uma página inteira do novo DN e era publicada de segunda a sábado (cf. anexo). Sua circulação no DN se deu de 21 de abril de 1960 a 28 de fevereiro de 1961. Seguindo a tendência desse tipo de coluna, “Só para mulheres” fazia uso de uma linguagem coloquial, com um tom geralmente didático, maternal e íntimo, bem como se organizava através de fotografias, desenhos e notas jornalísticas. As fotografias geralmente retratavam artistas de cinema e da televisão, mobiliários e pratos culinários e tinham proporções exageradas na página para, com isso, atrair a atenção das leitoras, fato esse característico de todo o tabloide.
As notas jornalísticas versavam sobre temas comuns à imprensa feminina, tais como moda, beleza, culinária, conselhos práticos, com um foco maior nas temáticas de moda, beleza e culinária. Além disso, conforme ainda nos aponta Nunes (2006NUNES, A. M. Clarice Lispector jornalista: páginas femininas e outras páginas. São Paulo: Ed. Senac, 2006.), algumas notas podiam se converter em curiosidades sobre o comportamento de artistas ou em prestação de serviços, como aquelas relacionadas à seção “Você e Eu nas Compras”, que objetivava trazer informações sobre produtos que “Ilka Soares” identificava ao fazer seu passeio pelos shoppings cariocas.
A coluna era aberta por um cabeçalho, trazendo o título Só para mulheres, bem como a assinatura Ilka Soares e a foto da artista. A figura 3 (cf. anexo) evidencia tal cabeçalho, bem como todo o aspecto gráfico-diagramático da coluna. Vale ressaltar que tal cabeçalho foi, ao longo de quase um ano de publicação da coluna, mudando, chegando a ter três diagramações diferentes.
A coluna de Moda/Feminina de Ilka Soares teve, também, algumas seções que geralmente tinham um caráter bastante efêmero. Dentre as seções mencionadas por Nunes (2006NUNES, A. M. Clarice Lispector jornalista: páginas femininas e outras páginas. São Paulo: Ed. Senac, 2006.), citamos: “Aulinhas de Sedução”; “Mercado de Jeitinho”; “O que É uma Mulher Bonita?”; “O Primeiro Encontro”; “Sempre Mulher através dos Tempos”; “Você e Eu nas Compras”; “Laboratório de Feitiçaria”.
Outra seção importante foi “Nossa Conversa”, nosso objeto de estudo. Segundo Nunes (2006NUNES, A. M. Clarice Lispector jornalista: páginas femininas e outras páginas. São Paulo: Ed. Senac, 2006. e 2008), essa seção, dentre as produzidas em “Só para Mulheres”, era a que tinha um caráter mais permanente, uma vez que apareceu de forma ininterrupta da primeira edição, em 21 de abril de 1960, até a edição de 9 de novembro de 1960.
Nela, a personalidade da televisão, do cinema e das passarelas, Ilka Soares, aproximava-se das leitoras, mostrando-se tão humana quanto estas últimas. A seção era definida por uma espécie de conversa (daí o título “Nossa Conversa”) que Ilka Soares - na verdade a personagem criada por Clarice Lispector - mantinha diariamente com as leitoras de “Só para Mulheres”. Havia, portanto, uma espécie de contato íntimo entre a “divindade”, vista como um modelo de elegância, beleza e juventude, e a mulher comum, a dona de casa simples, que toma conta da casa, do marido e dos filhos.
Em “Nossa Conversa”, Ilka/Clarice dava seus principais conselhos sobre moda, educação dos filhos, relacionamentos amorosos e casamentos, problemas e situações cotidianas, beleza e elegância, feminilidade entre outros, utilizando um tom bastante coloquial como se leitora e artista estivessem, de fato, conversando. Assim, a linguagem em “Nossa Conversa” não era muito diferente da utilizada em toda a coluna, porém, aqui, os textos sempre traziam uma característica de diálogo.
A diagramação da seção não saía do padrão da coluna. Geralmente os textos dela eram delimitados por linhas de espessuras e formatos variados, destacando-se dos demais. No final da seção, seguia-se uma assinatura com as iniciais I. S. de Ilka Soares.
5 METODOLOGIA
O presente trabalho orienta-se por uma metodologia qualitativa, voltada para uma interpretação do corpus a partir de uma perspectiva descritiva e representacional. Para realizar a análise e propor uma explicação cultural sobre os possíveis interpretativos (Charaudeau, 1983CHARAUDEAU, P. Langage et discours - éléments de sémiolinguistique (théorie et pratique). Paris: Hachette, 1983., p. 52) dos textos do corpus, considerando a situação psicossocial em que eles foram produzidos, estabelecemos duas etapas: uma denominada etapa de decomposição e descrição, em que decompusemos os textos no modo de organização enunciativo; e outra denominada etapa de interpretação, em que utilizamos os dados da etapa anterior, associando-os com aspectos psicossociais, situacionais e históricos, para interpretá-los à luz da Semiolinguística.
5.1 ETAPA DE DECOMPOSIÇÃO E DESCRIÇÃO
A denominação dessa etapa evidencia que nosso objetivo foi decompor os 64 textos do corpus no modo de organização enunciativo, bem como apreender as estratégias, em termos de processo de identificação (ethos), utilizadas pelo sujeito enunciador. Assim, tentamos responder às seguintes perguntas: quais são os comportamentos enunciativos predominantes nos textos? Quais são os recursos que os auxiliam na construção do ethos discursivo “Ilka Soares”? Como esse ethos discursivo se relaciona com o ethos prévio de Ilka?
Como os objetivos dessa etapa são de diversas ordens, realizamos um procedimento em níveis de análise. Em princípio, decompusemos os textos no modo de organização enunciativo, procurando levantar, de maneira geral, os comportamentos enunciativos predominantes nos 64 textos. Em seguida, desenhamos, a partir dos dados arrolados no primeiro nível de análise, um quadro enunciativo que permitisse visualizar, de um modo geral, os desdobramentos discursivos dos sujeitos engajados no ato de linguagem. O quadro enunciativo demonstrou os sujeitos comunicante (EUc), enunciador (EUe), destinatário (TUd) e interpretante (TUi) do ato de linguagem.
O último nível dessa etapa concentrou-se na análise do processo de construção da imagem do enunciador, isto é, do ethos encenado nesses discursos. Assim, partindo da hipótese de que o ethos encenado vai ao encontro do ethos pré-construído de Ilka (e não de Clarice), procuramos confirmá-la ou refutá-la a partir da análise dos textos. Para corroborar nossa análise, valemo-nos também da leitura de textos de três temáticas: a) do ethos, utilizando os trabalhos de Amossy (2005aAMOSSY, R. (Org.) Imagens de si no discurso: a construção do ethos. Trad. de Dílson Ferreira da Cruz, Fabiana Komesu e Sírio Possenti. São Paulo: Contexto, 2005a.; 2005b e 2005c), Charaudeau (2006CHARAUDEAU, P. Discurso político. Trad. de Angela M. S. Corrêa. São Paulo: Contexto, 2006. e 2008), Maingueneau (2005MAINGUENEAU, D. Ethos, cenografia, incorporação. In: Amossy, R. (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. Trad. de Dílson Ferreira da Cruz, Fabiana Komesu e Sírio Possenti. São Paulo: Contexto, 2005. p. 69-92. e 2008); b) da vida e obra de Clarice Lispector, utilizando os trabalhos de Costa Lima (1986), Gotlib (1995GOTLIB, N. B. Clarice: uma vida que se conta. Rio de Janeiro: Ática, 1995.), Lispector (1998a; 1998b; 1998c; 1998d; 1998e; 1998f e 2005), Nunes (1995NUNES, B. O drama da linguagem. Uma leitura de Clarice Lispector. 2. ed. São Paulo: Ática, 1995.) e Nunes (2005, 2008); c) da vida de Ilka Soares, utilizando o trabalho de Assis (2005ASSIS, W. Ilka Soares: a bela da tela. São Paulo: Imprensa Oficial. 2005.).
5.2 ETAPA DE INTERPRETAÇÃO
A última etapa de nossa pesquisa, que denominamos etapa de interpretação, consistiu em um estudo interpretativo dos dados obtidos na primeira etapa, constituindo um estudo qualitativo desses dados. Ela tentou responder às seguintes perguntas: por que tais estratégias foram utilizadas? Quais os efeitos pretendidos pelo sujeito-enunciador com elas?
Na interpretação dos dados obtidos, cruzamos informações sobre o contexto histórico no qual tais textos se inserem com os dados psicossociais que configuram os atos de linguagem analisados.
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Expomos, em um primeiro momento, os dados a respeito da etapa de decomposição dos textos no modo de organização enunciativo, juntamente com a configuração do quadro enunciativo dos atos de linguagem em estudo. Em seguida, fazemos a interpretação de tais dados apontando as estratégias de construção discursiva do ethos do sujeito enunciador e estabelecendo um diálogo tanto com os elementos provenientes do contexto sócio-histórico, quanto com as identidades sociais dos sujeitos envolvidos nessa mise-en-scène.
6.1 ETAPA DE DECOMPOSIÇÃO E DESCRIÇÃO: O MODO DE ORGANIZAÇÃO ENUNCIATIVO E SEUS RESULTADOS
A figura 2 é um quadro enunciativo que mostra, de maneira geral, a organização enunciativa dos textos levantados para o corpus, cuja publicação se deu no interior da seção “Nossa Conversa” da coluna feminina “Só para Mulheres” do tabloide carioca Diário da Noite:
Explicando em linhas gerais, a figura 2 refere-se à organização enunciativa de todos os textos no âmbito da coluna “Só para Mulheres”, isto é, aqui expomos um quadro enunciativo que pode ser adotado para compreender qualquer um dos 64 textos pertencentes ao corpus.
Com base na figura 2, observamos que os sujeitos da linguagem da coluna “Só para mulheres” são os seguintes: do ponto de vista do processo de produção, o EUc3 3 As siglas EUc, EUe (1), EUe (2), TUd e TUi referem-se, respectivamente, aos seguintes sujeitos: sujeito comunicante, sujeito enunciador (1), sujeito enunciador (2), sujeito destinatário e sujeito interpretante. é o conjunto de atores psicossociais envolvidos na prática jornalística, tais como os diretores da empresa, os redatores, os revisores, os colunistas convidados e também os ghostwriters, o que pressupõe que tanto Ilka quanto Clarice sejam parte integrante desse EUc; o EUe (1) é o sujeito elaborador dos textos e, nesse caso, Ilka Soares não aparece, pois quem realmente elabora os textos é Clarice4 4 Vale ressaltar, contudo, que, como elaboradora dos textos, Clarice, que não assume aqui sua identidade prévia de escritora, não é mais o ser psicossocial que constitui o EUc, mas um ser discursivo responsável pela encenação discursiva, que recebe influência deste último. ; o EUe (2) é a personagem criada pelo EUe (1) para encenar a identidade pré-construída de Ilka Soares, pois se pretende criar o efeito de que quem fala é o sujeito comunicante Ilka Soares. Logo, no plano discursivo, o EUe (2) é um ser estratégico e construído que representa, discursivamente, o desdobramento de um dos membros do EUc (daí as linhas pontilhadas para evidenciar tal desdobramento) mediado pelo EUe (1).
Do ponto de vista do processo de interpretação, o TUi são as mulheres que leem a coluna feminina, ou seja, o(s) verdadeiro(s) leitor(es) dos textos; o Tud, o destinatário-alvo dos atos de linguagem, correspondendo, de maneira geral, às mulheres que estão à procura de informações sobre Moda, Beleza, Feminilidade e Comportamento, etc.
Nesse quadro, percebemos ainda a presença de duas instâncias em relação de intersubjetividade: (i) a instância de produção midiática, formada pelo EUc, pelo EUe (1) e pelo EUe (2), e (ii) a instância de recepção, constituída pelos TUd e TUi. O EUe (2) deste quadro visa encenar a identidade pré-discursiva do EUc Ilka Soares, visto que a coluna “Só para Mulheres” lida com o procedimento denominado ghostwriting (representado na figura 2 pelo circuito intra-interno).
Esse procedimento pode ser explicado da seguinte maneira: um sujeito comunicante, no caso Clarice Lispector, através de seu sujeito enunciador (EUe (1)), cria um personagem que representa a imagem prévia de um outro sujeito comunicante, no caso Ilka Soares (há que ressaltar que o EUc sabe que quem escreve a coluna não é o mesmo sujeito que a assina). Assim, o EUe (2) desse quadro enunciativo representa, discursivamente, um ser psicossocial, a atriz e manequim Ilka Soares (que, na verdade, não é o enunciador dos textos). Essa representação leva o ato de linguagem a encenar um efeito de realidade no âmbito discursivo, visto que, para o TUi, a impressão é de que quem enuncia é a própria Ilka Soares. Na verdade, o público leitor não compartilha da ideia de que há um outro sujeito psicossocial escrevendo os textos da coluna no lugar de quem a assina; somente os sujeitos que formam a instância midiática compartilham esse saber. Logo, podemos falar de um procedimento estratégico de encenação identitária.
Tal tipo de estratégia discursiva é ainda importante para se compreender o processo de identificação do ato de linguagem, ou seja, o processo em que o enunciador constrói uma imagem de si no discurso. No caso de nosso corpus, este último sujeito deseja ser encarado como um outro sujeito que não seu respectivo comunicante. Logo, o enunciador Clarice, valendo-se dos discursos de representação de Ilka Soares preexistentes ao ato de linguagem, constrói, por meio de diferentes estratégias enunciativas, uma personagem que representa este último sujeito, encenando, desse modo, um ethos discursivo condizente com o ethos prévio de Ilka e levando o TUi a acreditar que quem fala é a própria Ilka e não Clarice. Tal é a lógica do procedimento enunciativo denominado ghostwriting.
6.2 O ETHOS FORJADO: CONSTRUINDO E REPRESENTANDO ILKA SOARES
Na figura 2, vimos que o EUe (1) se desdobra em um outro sujeito enunciador (EUe (2)) que tem a função de encenar a identidade do sujeito psicossocial Ilka Soares. Esse aspecto do quadro enunciativo é bastante interessante, principalmente quanto à questão de construção de uma imagem de si, isto é, da encenação de um ethos discursivo.
A noção de ethos apresentada por Charaudeau (2006CHARAUDEAU, P. Discurso político. Trad. de Angela M. S. Corrêa. São Paulo: Contexto, 2006.) dá conta de apreender o ethos em nosso corpus na medida em que a Análise do Discurso Semiolinguística considera que este deve ser analisado na interseção entre um ethos pré-construído, ou seja, um ethos que circula no grupo social dos parceiros da troca e diz respeito à imagem prévia do sujeito comunicante, e um ethos discursivo, isto é, um ethos construído no interior da encenação discursiva, mas que não deixa de lado as características desse ethos prévio, uma vez que ele tenta afirmá-lo ou refutá-lo.
Em relação a nosso corpus, o ethos pré-construído suscitado por essa situação de comunicação diz respeito à imagem que Ilka Soares representa no interior da sociedade brasileira, durante o início da década de 1960, época de publicação dos textos.
Nesse período, Ilka Soares era conhecida como uma famosa atriz de cinema, como artista de televisão e também como modelo da Casa Canadá. Segundo Assis (2005ASSIS, W. Ilka Soares: a bela da tela. São Paulo: Imprensa Oficial. 2005.), de 1949 - ano da estreia de Ilka no cinema - até 1960, Ilka Soares já havia estrelado, na Atlântida Cinematográfica do Rio de Janeiro/RJ e na Vera Cruz de São Paulo/SP, onze filmes, entre eles os famosos Iracema (1949), Katucha (1950), Modelo 19 (1952), Esquina da Ilusão (1953) e Pintando o Sete (1960), bem como era modelo contratada da maior casa de moda do Brasil, a Casa Canadá do Rio de Janeiro. Tais fatos associaram Ilka a um estereótipo de beleza e elegância, tornando-a representante do ideal de mulher brasileira bela e elegante das décadas de 1950 e 1960.
Em outra direção, Clarice Lispector já era, nesse mesmo período, também conhecida pela sociedade brasileira, sobretudo no âmbito intelectual e literário, visto que havia publicado cinco livros, três romances e dois livros de contos5 5 De acordo com Gotlib (1995), até o início da década de 1960 Clarice Lispector publicou cinco livros: Perto do Coração Selvagem, primeiro romance da escritora, sendo publicado aos fins de 1943; O Lustre, publicado em 1946 pela editora Agir, A cidade sitiada, de 1949, publicado pela editora de seu primeiro romance A Noite; Alguns Contos (1952), coletânea de contos organizada pelo Ministério da Educação e do Desporto, e Laços de Família, livro de contos publicado pela Editora Francisco Alves em 1960. , que, em certo sentido, promoveram uma discussão sobre a narrativa ficcional no âmbito da crítica literária brasileira. Conforme os apontamentos de Nunes (1995NUNES, B. O drama da linguagem. Uma leitura de Clarice Lispector. 2. ed. São Paulo: Ática, 1995.), a concepção de mundo das obras literárias de Clarice e seu estilo tocam na questão da experiência interior de quem narra e dos personagens. Tal fato associava Clarice a uma imagem de escritora hermética e introspectiva, sendo comumente representada pela mídia e pela crítica literária com tais características.
A partir desses atributos, percebemos que os ethé6 6 Ethé, em grego, é o plural de ethos. pré-construídos desses dois sujeitos psicossociais estão em polos opostos: de um lado, Ilka é representada como uma artista de cinema, uma celebridade que possui atributos ligados à beleza e à elegância; de outro lado, Clarice é representada como uma escritora introspectiva e mística, cuja popularidade vinha crescendo ao longo de suas publicações. Cada um desses ethé pré-construídos suscita, nos termos de Maingueneau (2008MAINGUENEAU, D. A noção de ethos discursivo. In: MOTTA, A. R.; SALGADO, L. Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. p. 11-32.), mundos éticos completamente diferentes: o primeiro, o mundo ético das mídias, da moda, da beleza; o segundo, o mundo ético da literatura e da crítica literária.
Diante do processo de tornar Clarice uma ghostwriter de Ilka, na confecção da coluna “Só para mulheres”, a questão do ethos discursivo é, de fato, estratégica, já que, ao se desdobrar no EUe (1), o comunicante deveria afirmar o ethos pré-construído de Ilka Soares (e não o ethos pré-construído da escritora Clarice Lispector, diga-se de passagem).
Considerando os 64 textos deste trabalho, percebemos que tal procedimento de construção discursiva do ethos ocorre através de quatro principais procedimentos enunciativos, delineados sob a forma de estratégias discursivas.
Em primeiro lugar, a encenação do ethos prévio de Ilka se dá a partir das temáticas a que os 64 textos se vinculam (ver tabela 1). Todas elas estão de acordo com as representações sociodiscursivas de Ilka Soares. Como dissemos, o mundo ético de Ilka é o mundo da beleza, do glamour, das celebridades, dos sets de cinemas, das passarelas de moda, das roupas de estação. As temáticas dos textos suscitam, de diversas formas, esse mundo ético, isto é, tocam na representação prévia de Ilka. Até mesmo os propósitos temáticos de Educação dos filhos e Relacionamentos amorosos e casamento, que em princípio parecem não poder ser vinculados ao ethos pré-construído de Ilka, vão ao encontro de tal imagem, visto que, à época de publicação da coluna “Só para Mulheres”, Ilka Soares, conforme Assis (2005ASSIS, W. Ilka Soares: a bela da tela. São Paulo: Imprensa Oficial. 2005.), já era casada com o ator Anselmo Duarte e tinha com ele dois filhos: Anselmo Duarte Júnior e Lydia Soares Duarte.
Em segundo lugar, alguns textos procuram encenar possíveis falas de Ilka Soares. Nos textos que utilizam o comportamento elocutivo, tal estratégia de construção da imagem de si, condizente com uma imagem prévia, é bastante visível, pois o EUe (1) cria falas para o EUe (2) que sugerem a ideia de que a voz emitida por meio da encenação discursiva é a voz de Ilka Soares, uma vez que tais falas evidenciam o lugar sociodiscursivo do EUc Ilka, bem como os pontos de vista, socialmente esperados, de Ilka sobre os propósitos dos textos.
Para sermos mais claros, nesses exemplos o sujeito enunciador, através de seu personagem, fala de situações que, de acordo com o imaginário sociodiscursivo compartilhado pelos sujeitos inscritos no ato, ocorrem com um sujeito psicossocial que vive de moda e do cinema e não como uma escritora de textos ficcionais. Consideremos os exemplos abaixo:
Dia de tirar retrato, para quem não está habituada, é coisa séria. (TEX.30)
Nem mesmo em desfiles eu uso certo tipo de maquiagem que só é aplicada por causa das fortes luzes que iluminam os ambientes de filmagens (TEX.12)
Não sei se você está tendo algum probleminha na procura de um modelo de vestido ou na procura de uma “ideia” - dessas que puxam outra e vão terminar bem longe. Vou falar, então, meio a torto e a direito, e é capaz de alguma carapuça lhe servir. (TEX.37)
Os exemplos mostram que o sujeito enunciador, seja por meio do comportamento elocutivo (exemplos 2 e 3), seja por meio do comportamento delocutivo (exemplo 1), constrói, através de seu personagem, o EUe (2), uma imagem discursiva de um sujeito que entende de beleza e de moda. Em outras palavras, o ethos discursivo reflete a imagem de um sujeito que conhece as tendências da moda e os padrões de beleza exigidos pela sociedade. Mesmo quando a enunciação é concebida de maneira delocutiva, isto é, sem implicação do Eu e do Tu, tal construção é realizada, uma vez que o delocutivo incide sobre o dito - dando a ele um aspecto de verdade geral - e não sobre quem diz; na verdade, quando o EUe (1), através do EUe (2), enuncia o dito de forma delocutiva, ele se mostra como um ser que compartilha do saber emitido pelo dizer e, ao mesmo tempo, como conhecedor desse saber. Assim, as imagens construídas pela enunciação elocutiva e delocutiva coadunam com a imagem prévia de Ilka Soares.
Em terceiro lugar, a construção enunciativa desses atos de linguagem coloca em cena o discurso de terceiros, isto é, o EUe (1), encenando a imagem do EUc Ilka Soares por meio do EUe (2), constrói seu dizer fazendo uso, em vários textos, do discurso relatado de outras personalidades e celebridades, tais como as atrizes americanas Marlene Dietrich, Paulette Goddard, Claudette Colbert, entre outras, que pertencem ao mesmo mundo ético de Ilka. Vejamos alguns exemplos:
Miss Colbert, conhecida pelo seu charme e bom gosto, aconselha “o estudo da própria imagem. “Você”, diz ela, “precisa conhecer suas qualidades, para acentuá-las, e seus defeitos, para corrigi-los.” (TEX.40)
Robert Palmer, um dos juízes em concursos de “Miss Universo”, diz que nesses concursos o que ele às vezes considerava uma beleza de tirar a respiração era considerado por outro juiz como um desastre. (TEX.32)
Marlene Dietrich: “Ser bela é faca de dois gumes. É preciso evitar que ela se vire contra você com o correr do tempo. Eu compreendi muito cedo que a beleza não era o bastante para ser amada toda a vida. E comecei então a lutar...” (TEX.56)
Nesse sentido, o discurso reportado de tais celebridades constrói o ethos discursivo de Ilka não só pelo que é dito (o que, de certa, é também importante na medida em que todos esses discursos falam de assuntos de interesse da coluna: moda, beleza, etc.), mas, sobretudo, pela voz que emite tais discursos, ou seja, pela origem enunciativa. Esta última faz emergir, na encenação discursiva, o mundo ético das celebridades, das artistas de cinema, da moda, da elegância, do glamour, mundo esse do qual Ilka também é peça pregnante - para usar o termo de Maingueneau (2008MAINGUENEAU, D. A noção de ethos discursivo. In: MOTTA, A. R.; SALGADO, L. Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. p. 11-32.) -, permitindo, através dos imaginários sociodiscursivos, associar a imagem de Ilka àquelas das celebridades.
Além disso, o uso de tais discursos reportados funciona, em termos argumentativos, como um argumento de autoridade para o fazer crer, na medida em que ele legitima o dizer, visto que os sujeitos enunciadores desses discursos são autoridades no domínio da moda, beleza e elegância.
Em quarto lugar, o uso das iniciais I. S., ao final dos textos da seção “Nossa Conversa”, a assinatura e a foto de Ilka Soares no cabeçalho da coluna “Só para Mulheres” (ver figura 3 em anexo) - elementos esses paratextuais - contribuem também para encenar um ethos discursivo condizente com o ethos prévio de Ilka e não com o de Clarice Lispector, permitindo ao sujeito destinatário identificar, no processo de interpretação do ato de linguagem, o sujeito enunciador como sendo o sujeito comunicante Ilka. Porém, no processo de produção do ato de linguagem, a instância midiática sabe que a encenação discursiva aqui descrita é realizada por um sujeito enunciador, o EUe (1), que cria uma personagem, o EU (2), que encena um ethos discursivo coadunante com o ethos prévio de Ilka Soares, já que nessa encenação o EUc Clarice Lispector é o ghostwriter do EUc Ilka Soares.
Não compartilhando com a instância midiática do saber acima supracitado e, ao visualizar a foto de Ilka no topo da coluna, a assinatura dela, as iniciais I. S. na seção “Nossa conversa”, os propósitos temáticos, as falas “típicas” de uma modelo e atriz, além dos discursos reportados de celebridades da moda e famosos do cinema estadunidense, o sujeito destinatário (TUd) constrói, por meio de suas competências, uma imagem do sujeito enunciador, um ethos, que corresponde à imagem preexistente de Ilka Soares e aos estereótipos a ela associados. Dessa forma, o TUd entra nessa mise- en-scène sem imaginar que, por trás dessa Ilka encenada nos textos (a que nos referimos como o EUe (2)), há um outro sujeito “brincando” com ele7 7 Isso não pressupõe que o TUi, o sujeito interpretante do ato de linguagem, não possa imaginar que o enunciador é Clarice, pois tal sujeito é independente do destinatário, já que este último é a imagem que o sujeito comunicante faz do interpretante como sendo aquele passível de ser influenciado pelo ato de linguagem, ou seja, o alvo “perfeito” do ato. . Assim, o TUd é levado pela instância midiática ao objetivo dessa última: fazer crer que os textos publicados são escritos e enunciados por Ilka Soares.
Em suma, através desses quatro procedimentos, percebemos que o processo de identificação realizado pelo EUe (1), através do EUe (2), constrói uma imagem discursiva, um ethos discursivo, que vai ao encontro das representações sociodiscursivas criadas ao redor de Ilka Soares. Esses procedimentos trazem elementos que, no discurso, identificam aspectos e atributos associados a Ilka e ao universo a que ela pertence, seu mundo ético, no dizer de Maingueneau (2008MAINGUENEAU, D. A noção de ethos discursivo. In: MOTTA, A. R.; SALGADO, L. Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. p. 11-32.).
Em termos de estilo linguístico, percebemos que o estilo de Ilka, emanado dos textos, é também uma representação. Expliquemos melhor: no interior dessa encenação discursiva, Ilka Soares (o EUe (2)) é uma personagem criada pelo sujeito comunicante Clarice (EUc), através de seu enunciador (EUe (1)), ou seja, a fala de Ilka nos textos é criada por Clarice, que, por sua vez, utiliza-se de uma óptica literária e midiática para tal. Esse aspecto também vai ao encontro da imagem prévia de Ilka: em suas atividades no cinema e na televisão, Ilka dizia falas e representava personagens criadas por outros sujeitos, no caso os roteiristas de filmes e escritores de telenovelas. Sua linguagem é, portanto, uma representação construída por diversos sujeitos. Tal fato possibilitou a Clarice criar, pelo procedimento de ghostwriting, uma personagem Ilka na encenação discursiva em questão.
Todavia, ressaltamos que o uso dos recursos linguísticos para construir uma subjetividade que constitui parte do ethos pré-discursivo do sujeito Clarice está presente na coluna analisada, isto é, Clarice, de certa forma, está presente nos textos. Nunes (2006NUNES, A. M. Clarice Lispector jornalista: páginas femininas e outras páginas. São Paulo: Ed. Senac, 2006.) faz várias considerações a respeito, apontando que, mesmo tentando disfarçar-se por trás de um pseudônimo ou tentando criar uma personagem que represente uma celebridade, é possível perceber elementos do discurso da escritora Clarice nas colunas femininas “Entre Mulheres”, “Correio Feminino - Feira de Utilidades” e “Só para Mulheres”, sobretudo em relação à linguagem metafórica e dissimulada de Clarice que diz mais do que realmente ela quer dizer.
Em nosso corpus, observamos que essa análise de Nunes (2006NUNES, A. M. Clarice Lispector jornalista: páginas femininas e outras páginas. São Paulo: Ed. Senac, 2006.) é válida, uma vez que muitos dos textos fazem uso de uma linguagem que é ao mesmo tempo simples, metafórica e engenhosa. Simples, pelo fato de que os textos têm um caráter coloquial, reproduzindo, em vários momentos, um diálogo; metafórica pelo fato de alguns textos utilizarem metáforas para encenar o ponto de vista do sujeito enunciador; engenhosa - no sentido da “armadilha” linguística do qual nos fala Costa Lima (1986) -, pois a aparente simplicidade presente na superfície linguística diz muito mais do que ela tem explicitamente a dizer. É nesse ponto que o discurso encenado nos textos da coluna pode ser tido como irônico. Vejamos os exemplos 7 e 8 abaixo:
Lembre-se de que sua arte de dissimular teria que ser exímia - para enfrentar os olhos alheios. Pois estes, quando não são bons, recorrem a óculos...E você, se tiver “mascarada”, fica mesmo exposta. A menos que, diante da curiosidade alheia, você se retire e lave o rosto... (TEX.12)
Não vou lhe dizer o que você deve fazer para melhorar de aparência. Não tenho a pretensão de ensinar peixe a nadar. E só uma coisa é que você não sabe: que você sabe nadar. Quero dizer, se você tiver confiança em você mesma, descobrirá que sabe muito mais do que pensa. Mas, de qualquer modo, estarei por aqui para ajudar você a não esquecer que sabe. (TEX.04)
Assim, pela análise do estilo linguístico emanado pelos textos da coluna, podemos afirmar que a Ilka Soares presente nos textos analisados é, da mesma forma que as diversas personagens claricianas de seus textos literários, uma personagem feminina que é construída sob a óptica literária, já que a escritora está, de certa forma, presente nos textos através de seu estilo linguístico, e pela óptica midiática, uma vez que, para construir a personagem Ilka Soares, Clarice vale-se da imagem pré-discursiva de Ilka pela mídia, criando um ethos discursivo que, de certo modo, reafirma o ethos pré-discursivo circulante. Assim, há, ao longo dos textos, várias pistas linguísticas que evidenciam a existência de um ghostwriter por detrás da imagem encenada pela personagem do EU (1).
Nos 64 textos de nosso corpus, os procedimentos estratégicos selecionados pelo sujeito enunciador tenta encenar, através da personagem (EUe (2)) criada pelo procedimento de ghostwriter, um ethos discursivo que não corresponde ao ethos pré-discursivo de seu respectivo sujeito comunicante, Clarice Lispector, mas que, por outro lado, é coadunante com o ethos prévio de um outro sujeito comunicante, o da atriz Ilka Soares, sujeito esse que faz parte da mesma instância midiática do primeiro e que, por isso, compartilha com ele os saberes sobre os efeitos que tal instância deseja provocar no destinatário. Contudo, mesmo encenando o ethos de Ilka, por meio de EUe (2), o enunciador (1) está presente no texto, já que Ilka é uma personagem deste último criada por um procedimento estratégico ditado pela instância midiática que, por sua vez, visava provocar certos efeitos de sentido em seu destinatário.
Porém, considerando o todo da situação de comunicação a que os textos analisados se vinculam, observamos que os quatros procedimentos estratégicos analisados possuem um valor, em termos de princípio de influência, mais forte que os recursos estilísticos levantados. Tal fato ocorre por duas razões: a) o contrato que subjaz à situação de comunicação em estudo pressupõe que, em termos de identidade, o sujeito enunciador seja uma atriz que entenda das tendências de moda e que saiba deixar uma mulher mais bela; b) os destinatários do ato não compartilham com a instância midiática o fato de a coluna ser assinada por um sujeito e escrita por outro, permitindo que eles sejam conduzidos por essa instância.
O ethos discursivo encenado pelo EUe (1), através da personagem do EUe (2), joga ainda um papel importante na encenação argumentativa dos textos8 8 Para uma análise mais detalhada da organização e encenação argumentativa desse corpus, sugerimos a leitura do relatório de pesquisa de Corrêa-Rosado (2010), Nas teias da sedução: argumentação, emoção e ethos na seção “Nossa Conversa” de Clarice Lispector. na medida em que ele funciona como uma espécie de argumento de autoridade do dizer. O projeto de Dines, editor-chefe do Diário da Noite, era bastante objetivo nesse ponto: ele chamava personalidades de diversos domínios sociais, autorizadas em seu fazer, para assinar certas colunas e, dessa forma, captar o leitor e aumentar a credibilidade do jornal; porém, pelo fato de que essas personalidades não tinham a experiência da prática jornalística, ele “recrutava” outras pessoas para serem ghostwriters dessas celebridades, sem que estas fossem responsabilizadas pelas ideias vinculadas nessas colunas. Assim, para a coluna feminina “Só para Mulheres”, ele chamou alguém que fosse capaz de realizar os seguintes procedimentos: a) criar uma personagem que representasse a atriz e manequim Ilka Soares; b) ter a experiência de escrever textos jornalísticos que falem do universo feminino sob uma óptica midiática e literária. Clarice Lispector, por suas experiências anteriores com a coluna “Entre Mulheres” (Comício, 1952) e com a coluna “Correio Feminino - Feira de Utilidades” (Correio da Manhã, 1959-1961), foi uma escolha assertiva.
Desse modo, diante de uma problemática de influência, esse tipo de processo de construção de uma imagem discursiva faz acreditar ao sujeito destinatário que quem enuncia os textos é a própria Ilka Soares e não Clarice Lispector. Logo, o ethos discursivo encenado se entrelaça com os demais processos linguageiros do ato de linguagem, processo de regulação, processo de dramatização e processo de racionalização, finalizando a atividade linguageira e a visada de influência que o enunciador deseja ver concretizada. Assim, a racionalização argumentativa possibilita que o TUd creia, por meio da seleção de argumentos e de estratégias argumentativas específicas, no ponto de vista encenado no discurso, tocando, desse modo, no que o TUd deve pensar; a dramatização, através da pathemização, encena aquilo que o TUd deve sentir de forma a aderir sem resistência ao ponto de vista do sujeito; e, por fim, a identificação amarra os demais na medida em que a imagem discursiva encenada legitima o dizer permitindo que a racionalização seja aceita como digna de crédito e a dramatização suscite o universo pathêmico visado.
Nos 64 textos selecionados para este trabalho, o processo de identificação do sujeito ocorria, então, de forma a construir um ethos discursivo condizente com a imagem prévia de Ilka Soares construída pela mídia, imagem essa que habitava o imaginário sociodiscursivo dos parceiros do dizer. Ao suscitar essa imagem prévia através da encenação discursiva, o sujeito enunciador (1) construía um personagem que trazia à tona um universo de discurso, um mundo ético, que permitia reforçar o projeto de fala de toda a instância midiática em questão.
Portanto, podemos falar, a partir dos procedimentos adotados pelo sujeito enunciador (1) para a construção do ethos discursivo, em um ethos forjado, isto é, em um ethos discursivo que assimila os discursos de representação, pré-construídos e partilhados pelo grupo social, de um outro sujeito comunicante, no caso Ilka Soares, que não são os mesmos de Clarice Lispector (enquanto escritora literária) para encenar a identidade desse outro sujeito comunicante, através da criação de uma personagem.
Para realizar tal procedimento enunciativo, é necessário forjar, ou seja, imitar, em termos de estratégias discursivas, representações desse sujeito comunicante de modo que o destinatário reconheça-o como sendo o enunciador do ato de linguagem; em outras palavras, o enunciador (1) imita o ethos prévio do sujeito comunicante Ilka através da personagem do EUe (2) com o intuito de levar o TUd a acreditar que o EUe (2) é o enunciador dos textos e o responsável pelas ideias vinculadas nos mesmos.
Desse modo, há na encenação discursiva aqui analisada a presença de três elementos: a) uma personagem, o EUe (2), criada pelo EUe (1), representando a imagem pré-construída de Ilka Soares, (este personagem deve ser tomado, pelo TUd, como o responsável pelas ideias dos textos); b) sujeito enunciador, o EUe (1), que cria a personagem citada e que não deve ser tomado como o responsável pelas ideias vinculadas no texto; e c) dois sujeitos comunicantes: um que se desdobre no enunciador (1) dos textos, o outro a quem o ethos pré-construído mobilizado pelo EUe (2) possa ser associado ao ethos discursivo encenado por esse personagem.
Diante de uma complexidade enunciativa como a apresentada neste trabalho, podemos afirmar que o ato de linguagem é de fato uma mise-en-scène, uma encenação - tal como propõe Charaudeau (1983CHARAUDEAU, P. Langage et discours - éléments de sémiolinguistique (théorie et pratique). Paris: Hachette, 1983.) -, na qual o enunciador constrói, através dos diversos processos que constituem o procedimento de semiotização do mundo, uma imagem, um discurso, uma representação sociodiscursiva.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho consistiu num estudo discursivo do ethos em 64 textos extraídos da seção “Nossa Conversa”, da coluna feminina “Só para Mulheres”, publicada nos os anos de 1960 e 1961 no vespertino carioca Diário da Noite (DN), escrita por Clarice Lispector e assinada pela atriz e manequim Ilka Soares.
Esperamos que este trabalho possa trazer uma contribuição ao campo da Análise do Discurso, sobretudo para os estudos relativos à representação de si no discurso, na medida em que ele evidencia que a construção de um determinado ethos nem sempre é uma imagem desdobrada do próprio sujeito enunciador. Na verdade, ela pode, em situações específicas de comunicação e diante de um contrato comunicacional que permita a utilização desses procedimentos discursivos, encenar uma outra identidade de um outro sujeito psicossocial que não o sujeito comunicante real do ato. É nesse sentido que falamos de ethos forjado: um ethos que imita, em comum acordo, a imagem pré-construída de um outro sujeito, por meio do procedimento de ghostwriting.
Portanto, um estudo do ethos discursivo em textos como os do corpus pode contribuir com os estudos discursivos, de base pragmática e enunciativa, na medida em que ele pode nos revelar os implícitos discursivos, sobretudo em relação à maneira como o enunciador constrói sua imagem, para levar seu destinatário a acreditar que o que ele diz é o que é comumente aceito pelos demais membros do grupo social no qual os protagonistas do ato de linguagem se inserem.
REFERÊNCIAS
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» https://www.scielo.br/j/ld/a/g6cdmz8G8vzMhntdxZzBRsL/?format=pdf - COSTA LIMA, L. Clarice Lispector. In : COUTINHO, A ; COUTINHO, E. F. (org.) A literatura no Brasil. V. 5. 3 ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Universidade Federal Fluminense, 1986. p. 526-553.
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- NUNES, B. O drama da linguagem. Uma leitura de Clarice Lispector. 2. ed. São Paulo: Ática, 1995.
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1
Pré-construída no sentido de ser preexistente àquela enunciação referente à coluna.
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2
Gostaríamos de agradecer à pesquisadora Aparecida Maria Nunes pela concessão dos referidos fac-símiles, com os quais pudemos visualizar melhor nosso corpus e a situação de comunicação à qual nossos textos estão vinculados.
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3
As siglas EUc, EUe (1), EUe (2), TUd e TUi referem-se, respectivamente, aos seguintes sujeitos: sujeito comunicante, sujeito enunciador (1), sujeito enunciador (2), sujeito destinatário e sujeito interpretante.
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4
Vale ressaltar, contudo, que, como elaboradora dos textos, Clarice, que não assume aqui sua identidade prévia de escritora, não é mais o ser psicossocial que constitui o EUc, mas um ser discursivo responsável pela encenação discursiva, que recebe influência deste último.
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5
De acordo com Gotlib (1995GOTLIB, N. B. Clarice: uma vida que se conta. Rio de Janeiro: Ática, 1995.), até o início da década de 1960 Clarice Lispector publicou cinco livros: Perto do Coração Selvagem, primeiro romance da escritora, sendo publicado aos fins de 1943; O Lustre, publicado em 1946 pela editora Agir, A cidade sitiada, de 1949, publicado pela editora de seu primeiro romance A Noite; Alguns Contos (1952), coletânea de contos organizada pelo Ministério da Educação e do Desporto, e Laços de Família, livro de contos publicado pela Editora Francisco Alves em 1960.
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6
Ethé, em grego, é o plural de ethos.
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7
Isso não pressupõe que o TUi, o sujeito interpretante do ato de linguagem, não possa imaginar que o enunciador é Clarice, pois tal sujeito é independente do destinatário, já que este último é a imagem que o sujeito comunicante faz do interpretante como sendo aquele passível de ser influenciado pelo ato de linguagem, ou seja, o alvo “perfeito” do ato.
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8
Para uma análise mais detalhada da organização e encenação argumentativa desse corpus, sugerimos a leitura do relatório de pesquisa de Corrêa-Rosado (2010), Nas teias da sedução: argumentação, emoção e ethos na seção “Nossa Conversa” de Clarice Lispector.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Fev 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
03 Nov 2023 -
Aceito
05 Dez 2023