Resumos
Xylocopa (Monoxylocopa) abbreviata Hurd & Moure nidifica nas hastes de inflorescências de Encholirium spectabile (Bromeliaceae), que crescem expostas ao sol nos afloramentos rochosos das caatingas do semi-árido. No maior agregado, a densidade de X. abbreviata pode alcançar 1,7 ninho/haste e 20 ninhos/ha. Cada haste pode abrigar ninhos por cerca de três meses, apenas, mas a floração contínua e assincrônica na população de E. spectabile assegura oferta ao longo do ano todo. A haste é compacta, porém macia, e a fêmea escava uma única galeria linear em poucos dias. A galeria linear abriga, em média, cinco células de cria sem revestimento interno, que são separadas entre si por divisória elaborada com o material triturado do próprio substrato. A galeria fica isolada do meio externo por uma fina parede da haste. Quando perturbada, a fêmea fundadora bloqueia totalmente a entrada circular do ninho, com o dorso do seu abdome. Embora use um substrato de nidificação efêmero, esta espécie de Xylocopa apresenta várias gerações ao longo do ano. Colocam-se em perspectiva as restrições comportamentais e ecológicas relacionadas à escolha desse tipo de substrato conspícuo e efêmero. Argumenta-se que a escolha das hastes de Encholirium restringe a distribuição a porções de hábitats restritos do semi-árido e determina a relativa raridade de X. abbreviata nessa região do Brasil.
Comportamento social; abelha carpinteira; nidificação; distribuição espacial
Females of Xylocopa (Monoxylocopa) abbreviata Hurd & Moure build their nests in the flower stalks of Encholirium spectabile (Bromeliaceae). This bromeliad grows clumped on rock outcrops exposed to direct sunlight in the semi-arid tropical caatingas of northeastern Brazil. In the largest aggregation of E. spectabile, X. abbreviata reached 1,7 nests/stalk and around 20 nests/ha. The stalks are available as nest site after fruiting, and can be used for three months before final decaying. However the flowering asynchronism within local population assures good stalks almost all year round. The flower stalk is filled with a soft pulp where the female dig a single linear nest gallery in a few days. The single linear gallery keeps five brood cells, on average. The top of each cell is delimitated with the powdered material from the stalk pulp, and no lining bee material was observed on the inner cell walls. The cell gallery is isolated from the outside by a thin stalk wall that is exposed to direct sunlight. When disturbed the founder female blocks the entrance with the dorsum of its abdomen. Although using an ephemeral nesting substrata, X. abbreviata presented several generations all year round. Ecological and behavioral constraints upon this Xylocopa species are discussed concerning the tight association with the conspicuous and ephemeral stalks of E. spectabile. This association is also assumed to determine the patchy distribution and the rarity of X. abbreviata in the semi-arid region.
Social behavior; carpenter bee; nest structure; spatial distribution
ECOLOGIA, COMPORTAMENTO E BIONOMIA
Xylocopa (Monoxylocopa) abbreviata Hurd & Moure (Hymenoptera: Apidae) e Encholirium spectabile (Bromeliaceae): uma associação estreita no semi-árido do Brasil tropical
Xylocopa (Monoxylocopa) abbreviata Hurd & Moure (Hymenoptera: Apidae) and Encholirium spectabile (Bromeliaceae): a tight association at the semi-arid of Brazil
Mauro RamalhoI; Milson A. BatistaI,II; Maise SilvaI
ILab. Ecologia da Polinização - ECOPOL IBIO/UFBA, 40170-290, Ondina, Salvador, BA, e-mail: ramauro@ufba.br
IIFac. Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP), 14040-970, Ribeirão Preto - SP
RESUMO
Xylocopa (Monoxylocopa) abbreviata Hurd & Moure nidifica nas hastes de inflorescências de Encholirium spectabile (Bromeliaceae), que crescem expostas ao sol nos afloramentos rochosos das caatingas do semi-árido. No maior agregado, a densidade de X. abbreviata pode alcançar 1,7 ninho/haste e 20 ninhos/ha. Cada haste pode abrigar ninhos por cerca de três meses, apenas, mas a floração contínua e assincrônica na população de E. spectabile assegura oferta ao longo do ano todo. A haste é compacta, porém macia, e a fêmea escava uma única galeria linear em poucos dias. A galeria linear abriga, em média, cinco células de cria sem revestimento interno, que são separadas entre si por divisória elaborada com o material triturado do próprio substrato. A galeria fica isolada do meio externo por uma fina parede da haste. Quando perturbada, a fêmea fundadora bloqueia totalmente a entrada circular do ninho, com o dorso do seu abdome. Embora use um substrato de nidificação efêmero, esta espécie de Xylocopa apresenta várias gerações ao longo do ano. Colocam-se em perspectiva as restrições comportamentais e ecológicas relacionadas à escolha desse tipo de substrato conspícuo e efêmero. Argumenta-se que a escolha das hastes de Encholirium restringe a distribuição a porções de hábitats restritos do semi-árido e determina a relativa raridade de X. abbreviata nessa região do Brasil.
Palavras-chave: Comportamento social, abelha carpinteira, nidificação, distribuição espacial
ABSTRACT
Females of Xylocopa (Monoxylocopa) abbreviata Hurd & Moure build their nests in the flower stalks of Encholirium spectabile (Bromeliaceae). This bromeliad grows clumped on rock outcrops exposed to direct sunlight in the semi-arid tropical caatingas of northeastern Brazil. In the largest aggregation of E. spectabile, X. abbreviata reached 1,7 nests/stalk and around 20 nests/ha. The stalks are available as nest site after fruiting, and can be used for three months before final decaying. However the flowering asynchronism within local population assures good stalks almost all year round. The flower stalk is filled with a soft pulp where the female dig a single linear nest gallery in a few days. The single linear gallery keeps five brood cells, on average. The top of each cell is delimitated with the powdered material from the stalk pulp, and no lining bee material was observed on the inner cell walls. The cell gallery is isolated from the outside by a thin stalk wall that is exposed to direct sunlight. When disturbed the founder female blocks the entrance with the dorsum of its abdomen. Although using an ephemeral nesting substrata, X. abbreviata presented several generations all year round. Ecological and behavioral constraints upon this Xylocopa species are discussed concerning the tight association with the conspicuous and ephemeral stalks of E. spectabile. This association is also assumed to determine the patchy distribution and the rarity of X. abbreviata in the semi-arid region.
Key words: Social behavior, carpenter bee, nest structure, spatial distribution
São conhecidas mais de 700 espécies de abelhas do gênero Xylocopa (Hurd & Moure 1963), com distribuição predominantemente tropical ou subtropical. A maioria nidifica em ramos ou troncos de plantas lenhosas mortas ou outros produtos vegetais, daí o nome de abelhas carpinteiras. Poucas espécies de pequeno porte nidificam em talos de grandes herbáceas, hastes de inflorescências (de Aloe, Yucca e plantas afins) ou colmos de bambu. Apenas as espécies do pequeno e primitivo subgênero Proxylocopa nidificam no solo. Detalhes do hábito de nidificação e a natureza dos substratos selecionados são ainda desconhecidos para espécies de 21 subgêneros dos 48 listados em 1963 por Hurd & Moure (Gerling et al. 1989).
O conhecimento da biologia de nidificação é importante na análise de tendências evolutivas e de relações filogenéticas em Xylocopa. Hurd & Moure (1963) argumentaram que a escolha do substrato de nidificação seria um dos fatores mais importantes da ecologia de Xylocopa, influenciando a evolução e a distribuição dessas abelhas. De maneira mais abrangente, Velthuis (1987) e Gerling et al. (1989) consideram que para se compreenderem as restrições (ecológicas, comportamentais e/ou filogenéticas) sobre a evolução da socialidade em Xylocopa devem ser levados em conta os seguintes parâmetros básicos: a especialização ou flexibilidade no uso de substratos de nidificação, a estrutura linear ou ramificada dos ninhos, a longevidade da fêmea fundadora e o ciclo de vida.
Hurd & Moure (1963) descreveram a espécie Xylocopa (Monoxylocopa) abbreviata por ocasião de uma síntese sobre a classificação das abelhas carpinteiras de grande porte (Xylocopini). Com base nas características da fêmea criaram esse subgênero monotípico, argumentando a favor da maior afinidade com o subgênero Diaxylocopa, a despeito de características em comum com Schonnherria (Hurd & Moure op.cit.). A expectativa é de que as características dos ninhos aqui descritas e dos machos amostrados em campo contribuam para esclarecer essas afinidades.
Neste estudo, são descritos os ninhos de X. abbreviata nas hastes de inflorescências de Encholirium, um gênero de bromélia terrestre restrito aos trópicos do Brasil oriental. Coloca-se em perspectiva as conseqüências desta associação para a distribuição de X. abbreviata, confrontando registros da espécie em levantamentos regionais. Há raros casos demonstrados de que a associação especializada com substratos de nidificação e eventuais especializações da mandíbula limitam a distribuição de espécies de Xylocopa (Hurd & Moure 1963, Gerling et al. 1989). Também são feitas considerações preliminares sobre as restrições ecológicas e evolutivas decorrentes da escolha deste tipo de substrato de nidificação por X. abbreviata.
Material e Métodos
Os estudos foram realizados na Serra da Lagoa, em Santo Inácio - Gentio do Ouro-BA (11º.06'S;42º.42'W), uma das unidades de uma extensa serrania que se estende por dezenas de quilômetros, à direita do médio Rio São Francisco, no domínio do semi-árido. A serra raramente atinge cotas superiores a 700 m de altitude. Por toda a extensão local, a vegetação apresenta-se em mosaicos rarefeitos, onde predominam elementos herbáceos ou arbustivos lenhosos, com arvoretas isoladas, intermeados por afloramentos profusos de rochas calcárias. A flora é composta, principalmente por elementos das caatingas, além de representantes dos cerrados e campos rupestres.
Os exemplares de X. abbreviata coletados nos ninhos e nas flores estão depositados na coleção do Laboratório de Ecologia da Polinização (ECOPOL-UFBA). E o material botânico está depositado no herbário Alexandre Leal Costa da Universidade Federal da Bahia (ALCB-UFBA).
Densidade e Disponibilidade de Substrato de Nidificação Para X. abbreviata. As observações em campo foram feitas nos meses de fevereiro, abril, junho, agosto, outubro e dezembro de 2000.
Dezenas de ninhos de X. abbreviata foram encontrados nas hastes de Encholirium spectabile Martius ex Schultes (Bromeliaceae), localmente conhecida como macambira-de-flecha. Essa bromélia terrestre cresce em meio às fendas das rochas, formando rosetas com folhas de até 60 cm. Na população local, a longa haste da inflorescência pode atingir mais de 2 m de altura. Apresenta distribuição agregada, limitando-se às porções de hábitat com afloramentos rochosos e vegetação rarefeita, onde crescem totalmente expostas ao sol.
Estimou-se a densidade de hastes de inflorescências em agregados de E. spectabile em duas áreas de 0,5 ha, distanciadas entre si cerca de 5 km. Contou-se ainda o número de espécimes de E. spectabile ao longo de um transecto de 2 km de extensão e 50 m de largura, partindo de um dos agregados, para estimar a densidade média na paisagem em mosaico.
Em quatro agregados de E. spectabile, verificou-se a relação entre a presença de ninhos de X. abbreviata e os estágios de desenvolvimento ou senescência das hastes (estágio de floração/frutificação, coloração, rigidez, etc.). Estimou-se a disponibilidade de substrato para a nidificação, considerando as fases em que as hastes eram efetivamente colonizadas pelas fêmeas.
Densidade e Característica dos Ninhos e Comportamento das Fêmeas Fundadoras. A densidade de ninhos foi estimada no maior agregado de E. spectabile. Contou-se o número total de hastes colonizadas por X. abbreviata e o número de ninhos por haste.
Cinco ninhos foram coletados, descritos e mensurados no ECOPOL-UFBA. As medidas dos ninhos (entrada, células de cria, paredes) e da prole com desenvolvimento completo foram feitas com paquímetro eletrônico Starret, com precisão de 0,01 mm. Para se detectar eventual dimorfismo sexual nessas dimensões corporais, mediu-se a largura do tórax à altura da tégula e a largura da cabeça à altura da base da antena em machos e fêmeas. Aplicou-se o `teste t' bicaudal (nível de significância de 5%) aos dados pareados (Beiguelman 2002), no caso comparando-se as medidas de machos e fêmeas de um mesmo ninho (irmãos).
O processo de escavação de três ninhos foi observado durante as primeiras 48h. Por questões logísticas, não foi possível registrar o início de aprovisionamento.
Fizeram-se observações do comportamento de defesa de ninhos pelas fêmeas, simulando-se ataques, com leves batidas na haste (próximo à entrada) ou com a introdução de gravetos na entrada do ninho. Repetiu-se o mesmo procedimento, observando-se a resposta da fêmea em três ninhos com cria (pós-fundação) e em três ninhos em fase de construção (pré-fundação). Após o início da simulação, o observador permanecia junto à entrada do ninho até que a fêmea exibisse todas as etapas do comportamento de defesa ou fuga. Em seguida, os ninhos foram monitorados, de maneira alternada, durante mais 2h por dois observadores, para verificar o tempo de permanência da fêmea em posição de bloqueio.
Comparou-se a variação na temperatura de duas hastes (com ninhos ativos), com a temperatura do ar, durante um dia de verão (dezembro), com céu ensolarado (sem nuvens). Mediu-se a temperatura interna e externa na superfície da haste, à altura da entrada do ninho, ao longo do dia, com um termômetro acoplado a circuito integrado, com precisão de 0,5ºC (termômetro protegido por tubo de aço inox, ligado a voltímetro digital, alimentado por baterias de 1,5 volts, desenvolvido no Laboratório de Propriedades Ópticas do IFUFBA, sob coordenação do Dr. Iuri Muniz Pepe). A porção sensível do termômetro fica isolada do ar ambiente pelo tubo inox, exceto na porção apical, de modo que registra apenas a temperatura da superfície de contato. Simultaneamente, mediu-se a temperatura do ar ambiente à sombra, com termo-higrômetro digital Hygrotherm (precisão de 0,5ºC).
Resultados
Ninhos ativos de X. abbreviata foram observados ao longo do ano inteiro, alguns com fêmeas fundadoras e prole adulta. Evidentemente, a espécie apresenta algumas gerações por ano (multivoltinismo) e a reprodução deve ser relativamente contínua, ainda que o ambiente semi-árido das caatingas brasileiras apresente chuvas sazonais (relativamente imprevisíveis).
Os ninhos foram encontrados exclusivamente nas hastes de inflorescências de E. spectabile (Fig. 1). A haste é maciça, porém formada por material com baixa dureza. Sozinha, a fêmea funda o ninho, escavando uma galeria linear e construindo as células.
Foi possível acompanhar a escavação de três ninhos: 50 minutos após iniciar a perfuração da parede da haste, a fêmea já podia abrigar-se totalmente no seu interior, tendo construído um vestíbulo junto à entrada circular. Após 24h, ainda continuava escavando a galeria, aprofundando-se 2-3 cm na vertical, no interior da haste. Dado o número de células e o comprimento total da galeria (p.ex., Tabela 1, Fig. 2), o tempo máximo necessário para conclusão da galeria e para efetiva fundação do ninho (início de aprovisionamento das células de cria) não deve ser superior a três dias (72h).
Após a escavação da galeria linear (Fig. 2), resta uma fina parede do substrato (poucos milímetros) separando as células do meio externo (Tabela 1). A primeira célula a ser aprovisionada fica em contato direto com o substrato, no fundo da galeria, e as demais são delimitadas em uma série linear (o topo de uma é o fundo da outra) até próximo à entrada. O diâmetro interno da célula é pouco maior do que a largura do tórax da fêmea adulta. O vestíbulo entre a última célula e a entrada do ninho é suficiente apenas para abrigar a fêmea fundadora. A galeria é escavada para baixo na haste, que se orienta verticalmente em relação ao substrato (Fig. 1). O diâmetro da entrada circular do ninho tem cerca de 3 mm a menos do que aquele das células de cria (Tabela 1). Entradas de ninhos medidas em campo apresentaram o mesmo diâmetro (x = 7,9 mm ± 0,03; n = 13), que corresponde a apenas 2 mm a mais que o diâmetro do corpo da fêmea adulta à altura do tórax.
As células de cria são relativamente uniformes em tamanho e forma, com secção circular (Tabela 1, Fig. 2). Aparentemente as células não recebem qualquer revestimento e as divisórias entre células são formadas com o próprio material da haste escavado e compactado. As divisórias são de fácil remoção, desmanchando-se à pressão dos dedos e se diferenciam do substrato in natura apenas por uma ligeira umidade. O número de células variou muito pouco entre os ninhos observados (Tabela 1).
De cinco ninhos abertos, apenas um possuía galerias nos dois sentidos: a galeria em posição anômala (para cima) era mais nova (com pólen depositado ao fundo) e foi escavada após o desenvolvimento completo do primeiro ninho (totalmente vazio e com marcas remanescentes das divisórias das células desocupadas em sua parede). A reutilização de uma mesma galeria na haste oferece dificuldades operacionais porque o material usado para selar as células individuais deve ser extraído do próprio substrato, cuja parede remanescente, após a construção do primeiro ninho, já é muito estreita (Tabela 1). Neste caso, não houve como avaliar se a segunda galeria teria sido construída pela mesma fêmea, por uma de suas filhas ou por outro indivíduo da população local.
Em dois ninhos com prole em estágio avançado de desenvolvimento foi possível identificar machos e fêmeas e sua posição relativa: em um deles, o macho situava-se na célula mais próxima à entrada (topo da galeria), após duas fêmeas (um indivíduo havia emergido), enquanto no outro, três machos sucediam-se nas três primeiras células, a partir do fundo da galeria, e na quarta, mais próxima à entrada, havia uma fêmea (um indivíduo já havia emergido). Em outros três ninhos havia prole recém-emergida ou imatura.
As fêmeas são totalmente pretas enquanto os machos têm coloração grafite mesclada com tons de marrom. Aparentemente, fêmeas e machos têm tamanhos semelhantes e desenvolvem-se em células com dimensões similares em posições aleatórias na galeria. Os valores médios (n = 6) da largura do tórax de machos (x = 5,89 mm ± 0,14) e de fêmeas (x = 5,85 mm ± 0,19) e da cabeça de machos (x = 4,44 mm ± 0,11) e de fêmeas (x = 4,92 mm ± 0,05) foram similares. O teste t, a 5% de significância (tc = 2,571), indicou diferenças não significativas tanto para as medidas do tórax (t = 0,333; 0,70 < P < 0,80) como da cabeça (t = 0,0001; P > 0,90). Embora pequeno, este tamanho da amostra (seis pares de irmãos) é suficiente para detectar diferenças de 0,07 mm (Beiguelman 2002) entre as larguras do tórax que, neste caso, equivale a apenas 1,2% do valor da média dos valores comparados. Além disso, a precisão da leitura do instrumento de medida é de 0,01mm, ratificando a adequação do tamanho da amostra e o teste de significância da similaridade entre as medidas de machos e fêmea. De qualquer maneira, considerando-se o desvio padrão, as categorias de tamanho da cabeça são discretas e os machos têm cabeças menores (embora a diferença não seja significativa, em termos estritamente estatísticos).
Comportamento de Defesa da Fêmea. A entrada permanece aberta desde a fundação até depois da emergência da prole adulta, de modo que o ninho precisa ser protegido de maneira ativa. Simulações de ataques aos ninhos de três fêmeas resultaram em respostas escalonadas, com a mesma seqüência temporal: na primeira fase, a fêmea deslocava-se rapidamente até a abertura, bloqueando-a totalmente com a extremidade dorsal do abdome, emitindo sons curtos por vibração da musculatura de vôo; na segunda fase, se continuava a ser perturbada nessa posição de bloqueio, intensificava os sons, expunha o ferrão e, finalmente, lançava jatos de excreção amarelo-esverdeada (provavelmente fezes). Nestes casos, permaneciam bloqueando a entrada por mais de uma hora.
Apenas as fêmeas que já haviam iniciado o aprovisionamento das células de cria apresentaram comportamento de defesa do ninho. As fêmeas de ninhos em construção, mesmo em fase adiantada de escavação, abandonavam a haste, regressando vários minutos depois do ataque simulado. Não foi possível discriminar se as fêmeas jovens (recém-emergidas) no ninho materno também exibiam comportamento de defesa.
Oferta de Hastes de E. spectabile e Densidade de Ninhos de X. abbreviata. A assincronia de floração e frutificação na população de E. spectabile faz com que haja hastes em diferentes estágios de desenvolvimento a cada instante, num mesmo agregado (Tabela 2). As hastes com flores têm coloração verde e não apresentam quaisquer marcas na superfície produzidas pelas fêmeas fundadoras de X. abbreviata. Hastes com coloração bege-esverdeada (fase II) já apresentam marcas circulares superficiais de perfuração (com menos de 1 mm de profundidade) por X. abbreviata, porém nenhum ninho escavado. As hastes são efetivamente colonizadas quando estão totalmente marrons, algumas com a maioria dos frutos ainda encapsulados (pré-dispersão; fase III) e outras com frutos já abertos (pós-dispersão; fase IV). Raros ninhos ativos e abrigando apenas adultos foram observados em hastes em estágio avançado de senescência (com coloração grafite), isto é, quebradiças e às vezes em posição inclinada ou horizontal (expostas à insolação no período mais quente do dia).
Hastes com flores e botões (fase I) foram marcadas e revelaram-se adequadas à nidificação após dois meses (na fase III), permanecendo nessa condição por apenas mais três meses, aproximadamente.
A distribuição de hastes de E. spectabile é fortemente agrupada, nos afloramentos rochosos da Serra da Lagoa. A densidade global na paisagem em mosaico é inferior a 1 haste/ha, porém pode alcançar 30 hastes/ha nos agregados. No maior agregado, a distância média entre as hastes foi de apenas 6,4 m ± 3,5m (n = 25). O espaçamento dos ninhos acompanhou, aleatoriamente, a distribuição das hastes. As hastes adequadas para nidificação (fases III e IV) representaram 50% do total disponível no agregado (Tabela 2), sendo que 90% delas abrigavam, em média, 1,75 (± 0,71) ninho. Isto significa que a densidade de X. abbreviata chega a ser superior a 20 ninhos/ha, dependendo da densidade de hastes no agregado.
Até quatro ninhos ativos (e um inativo) foram observados em uma mesma haste de E. spectabile (Fig. 3), cada um com sua própria abertura e isolados internamente uns dos outros pelo próprio substrato intacto (não escavado). As entradas de ninhos foram encontradas desde a base da haste até o limite em que se fixam os primeiros frutos, variando entre 20 cm e 180 cm de altura, a partir do solo (x = 107 cm ± 51,1; n = 25). Raras entradas foram observadas entre as folhas ou entre as cápsulas dos frutos, onde seriam menos conspícuas e, aparentemente, estariam mais protegidas de inimigos naturais. A distância entre as aberturas dos ninhos em uma mesma haste variou entre 10 cm e 130 cm (x = 39,5 cm ± 28,64; n = 9). Observou-se que fêmeas fundadoras às vezes pousavam sobre uma haste, onde outra estava escavando, caminhavam lentamente, aparentemente avaliando a presença de outros ninhos, e deixavam o local sem sinais de interações agressivas entre co-específicos.
Temperatura das Hastes de E. spectabile Ocupadas com Ninhos de X. abbreviata. Quase sem exceção, os ninhos ativos foram encontrados em hastes em posição vertical (Fig. 1) e, portanto, menos expostas aos raios solares do período mais quente do dia. A temperatura da haste acompanhou a variação diária na temperatura do ar ambiente e manteve-se praticamente igual na face interna e externa do ninho (Fig. 4). Portanto, não houve qualquer indício de superaquecimento devido à insolação direta.
Discussão
Estrutura do Ninho, Socialidade e Tamanho da Ninhada. Apesar de constatarem uma série de características comuns entre os subgêneros Monoxylocopa e Schonnherria, Hurd & Moure (1963) assumiram a maior afinidade entre os sub-gêneros Monoxylocopa e Diaxylocopa com base nas características morfológicas das fêmeas. As espécies de Schonnherria utilizam um amplo espectro de substratos vegetais e constroem galerias ramificadas ou lineares (Hurd & Moure, op.cit.). Já os ninhos recentemente descobertos de Diaxylocopa foram localizados em ramos maciços e fibrosos de Vellozia (Velloziaceae), apresentando uma galeria acima da entrada e/ou uma outra alinhada com a primeira e em direção oposta (F. Silveira inf. pessoal), portanto, sem ramificações. Assumindo que a estrutura do ninho está estreitamente relacionada ao processo de diferenciação entre linhagens de Xylocopa e à evolução do comportamento social (Hurd & Moure 1963, Velthuis 1987, Gerling et al. 1989), a maior similaridade entre os ninhos de Monoxylocopa e de Diaxylocopa corrobora o argumento de maior afinidade filogenética entre esses dois subgêneros.
No gênero Xylocopa, as fêmeas fundadoras continuam alimentando a prole adulta, após emergirem das células de cria. A vida longa e a coexistência com as filhas num mesmo ninho são pré-condições para evolução do comportamento social (Michener 1974, 1990, 2000; Velthuis 1987). Quando mais de uma ninhada pode ser produzida ao ano (multivoltinismo), a rota sub-social (convivência da fêmea adulta com sua prole) pode levar ao estágio social verdadeiro (convivência de gerações distintas com divisão reprodutiva de trabalho). O multivoltinismo também favorece a rota da semi-socialidade (convivência de fêmeas da mesma geração com divisão reprodutiva de trabalho), quando há possibilidade de reutilização do ninho materno pelas filhas (Camillo & Garófalo 1989, Gerling et al. 1989). Entretanto, Michener (1990) argumenta que mesmo entre as espécies tropicais de Xylocopa com multivoltinismo, apenas uma minoria dos ninhos em uma população contém duas ou mais fêmeas adultas, com divisão de trabalho e relações sociais ou semi-sociais. Além disso, as duas rotas acima mencionadas para o comportamento social verdadeiro parecem sofrer fortes restrições da estrutura do ninho: via de regra o comportamento social aparece nos grupos com galerias ramificadas.
Neste cenário, embora X. abbreviata apresente multivoltinismo, a estrutura e efemeridade do substrato preferido de nidificação devem ter restringido o desenvolvimento do comportamento social verdadeiro. As hastes de E. spectabile permanecem adequadas para nidificação por cerca de três meses, apenas. Em contrapartida, o desenvolvimento do ovo ao adulto em espécies de Xylocopa é superior a 40 dias e machos e fêmeas jovens permanecem vários dias no ninho materno antes de atingirem a maturidade sexual (Camillo & Garófalo 1982, Camillo et al. 1986). Assim, somente fêmeas que fundassem ninhos nas hastes ainda no início do estágio III (Tabela 2) teriam alguma chance de investir em outra ninhada, em um mesmo ninho, com a eventual ajuda de suas filhas. De qualquer maneira não houve indícios de manutenção de mais de uma galeria de células, simultaneamente, nos ninhos de X. abbreviata.
A galeria linear também restringe o tamanho da ninhada. Gerling et al. (1989) generalizam que ninhos com galerias lineares de Xylocopa abrigam tipicamente entre quatro e sete células, com registros excepcionais de até 15 células por galeria. O número de crias que uma fêmea é capaz de gerar num arranjo linear de células provavelmente também depende do momento em que decide fundar o ninho, em resposta às condições ecológicas imediatas: a velocidade de aprovisionamento relaciona-se com a oferta de recursos florais no ambiente, que por sua vez limita o número de células que a fêmea consegue construir sem criar problemas para a emergência da futura prole (Velthuis 1987).
O primeiro adulto a emergir (no fundo da galeria) teria que abrir passagem entre as células mais jovens em direção à entrada do ninho, na galeria em série linear. Este problema poderia ser contornado das seguintes maneiras (Velthuis 1987): 1) sincronização da emergência dos adultos, seguindo-se a um período de repouso reprodutivo, (durante o outono e inverno frios sob clima temperado, p.ex.); 2) redução no número de células, associado à diferenciação no tempo de desenvolvimento larval. Apenas a segunda alternativa estaria acessível às espécies tropicais com multivoltinismo. Por exemplo, se os machos fossem menores e emergissem mais rapidamente, as fêmeas fundadoras poderiam ajustar a seqüência de postura de ovos fertilizados (fêmeas) ou não-fertilizados (machos). Em X. abbreviata, machos e fêmeas têm tamanhos similares (ligeiro dimorfismo no tamanho da cabeça, porém não significativo em termos estatísticos) e desenvolvem-se em posições aleatórias na galeria, de modo que a estratégia de tempo diferenciado de desenvolvimento não deve ser usada. Nessa espécie, a solução encontrada foi a redução drástica no número máximo de células (Tabela 1).
Sem dúvida, as fêmeas de X. abbreviata poderiam construir, rapidamente, galerias mais profundas, dada a maleabilidade da haste de E. spectabile, sem comprometer o tempo de investimento futuro na prole. Entretanto, como as galerias apresentaram comprimento curto e pouco variável, é muito provável que o número máximo de células seja definido durante a própria escavação. O número reduzido e pouco variável de células entre os ninhos (5 ± 1) também sugere otimização do tamanho da ninhada, dentro de limites estreitos. Argumenta-se que a baixa variação nessas características deve ter sido modulada pela própria efemeridade do substrato e pela baixa disponibilidade de recursos florais ao longo do ano inteiro nos afloramentos rochosos: sob tais circunstâncias a principal variável passa a ser o encontro e escolha da haste (discriminação da fase de senescência da haste pela fêmea; Tabela 2) e não o momento da fundação do ninho.A necessidade de defender ativamente o ninho conspícuo deve ser outro fator que contribuiu para redução no número de prole na ninhada (e, portanto, no tempo de forrageio; ver a seguir).
Oferta e Escolha de Hastes de E. spectabile por X. abbreviata no Semi-Árido. A haste de E. spectabile não está acessível às espécies regionais de Xylocopa com tamanho corporal avantajado [por exemplo, X. frontalis (Olivier) e X. grisescens Lepeletier]. Por outro lado, constitui um substrato de nidificação previsível no tempo. Essa situação deve ter favorecido o desenvolvimento de preferência nas populações de X. abbreviata, apesar das restrições ecológicas aparentes que oferece para nidificação: potencial superaquecimento, efemeridade e conspicuidade (exposição a inimigos).
A insolação direta teve efeitos desprezíveis sobre a temperatura de hastes com ninhos de X. abbreviata, muito provavelmente por causa da rápida perda de calor por convecção (temperatura da haste igual à do ar) e da orientação vertical do eixo da haste. Assim, ao contrário do esperado, este não deve ser um fator limitante da escolha das hastes como substrato de nidificação.
As marcas freqüentes de perfurações superficiais em hastes ainda inadequadas para nidificação (fase II), a alta proporção de hastes com ninhos de X. abbreviata (> 90%) num mesmo agregado indicam monitoramento constante desse substrato pelas fêmeas. Considerando o período relativamente curto de disponibilidade de uma mesma haste para nidificação, a fundação de ninhos na fase precoce de senescência da haste (início da fase III; Tabela 2) oferece um prêmio na medida em que aumenta as chances de desenvolvimento completo da prole.
Vários aspectos do histórico de vida de Xylocopa têm sido interpretados como mecanismos para elevar a proteção da prole imatura (Watmough 1974, 1983; Velthuis 1987; Gerling et al. 1989; Hogendoorn & Velthuis 1994): a longevidade da fêmea e o ovo extremamente grande (as vezes do comprimento do próprio abdome) são típicos do gênero e favorecem o maior investimento de tempo na proteção ativa do ninho contra invasores. Por exemplo, um ovo grande reduz o investimento no forrageio por pólen, permitindo que a fêmea permaneça mais tempo no próprio ninho.
As longas hastes de E. spectabile são conspícuas na vegetação rarefeita dos afloramentos rochosos e o ninho de X. abbreviata pode ser localizado facilmente a vários metros de distância, pelos movimentos das campeiras. Neste cenário, a agregação de ninhos não altera a conspicuidade de cada ninho, individualmente e, ao mesmo tempo, pode ampliar a defesa conjunta contra inimigos, especialmente se o comportamento de cada fêmea servir de alarme para outras nidificando nas proximidades. Se houver estímulos para as filhas construírem ninhos nas proximidades do ninho materno (Gerling et al. 1989), o comportamento de defesa também contribuiria para o sucesso reprodutivo de indivíduos aparentados.
O comportamento de defesa das fêmeas de X. abbreviata expressa-se apenas após a fundação do ninho e sob a forma escalonada e estereotipada. A pequena entrada do ninho permite que seja bloqueada de maneira efetiva com seu próprio corpo, podendo permanecer horas nesta posição. Este padrão defensivo sugere forte pressão seletiva por parte de parasitóides ou predadores especializados de ninhos (que colocam ovos nas células ou diretamente sobre as larvas em desenvolvimento, p.ex.). É menos provável que tenha surgido em resposta ao saque por co-específicos, pois ninhos muito próximos são tolerados e não foram observadas interações antagônicas entre fêmeas com ninhos em uma mesma haste.
Distribuição Regional de E. spectabile: Implicações Para Distribuição de X. abbreviata. As bromélias terrestres do gênero Encholirium estão restritas aos trópicos do Brasil oriental (Fig. 5), ocorrendo predominantemente sobre substratos rochosos de encostas ou cabeceiras de rios (Smith & Downs 1999), em cadeias montanhosas e serranias (por exemplo, a Cadeia do Espinhaço, serras da margem leste do médio Rio São Francisco, BA), nos domínios das caatingas e dos cerrados. Particularmente, E. spectabile está restrita aos afloramentos rochosos sob as condições semi-áridas do Nordeste. As hastes das inflorescências variam em comprimento entre 0,7 m e 2 m, de acordo com a espécie (Smith & Downs 1999) e possuem diâmetro estreito, por isso constituem substrato potencial de nidificação apenas para as espécies de Xylocopa de porte moderado.
Da síntese apresentada por Hurd & Moure (1963), dos levantamentos da diversidade alfa de abelhas nas caatingas e cerrados (Martins 1994, Silveira & Campos 1995, Faria & Camargo 1996, Aguiar & Martins 1997, Zanella 2000) e da consulta à coleção "Pe. Moure" (UFPR), uma das mais representativas da fauna de abelhas do Brasil (G.A.R. Melo, inf. pessoal), conclui-se que X. abbreviata é uma espécie rara, com distribuição restrita aos afloramentos rochosos. Além de Santo Inácio, no semi-árido do médio Rio São Francisco (este estudo), há registros de apenas dois outros exemplares amostrados em campo (Fig. 5): um na Serra do Cipó (19º17'S, 43º36'W) (Faria & Camargo 1996), na cadeia do Espinhaço (Minas Gerais), e outro na área de origem do espécime tipo (Hurd & Moure 1963), nos domínios dos cerrados. Nos arredores desta última localidade, Raw et al. (não publicado) realizaram inventário extensivo da fauna de abelhas (com vários anos de amostragens cumulativas), onde registraram oito espécies de Xylocopa, mas não X. abbreviata. Esse dado reforça o argumento de que a espécie tem distribuição restrita aos hábitats com afloramentos rochosos também nos cerrados.
Há também evidências de que X. abbreviata tem distribuição ecológica (populações locais) mais restrita do que a planta hospedeira. Em seu trabalho sobre taxonomia de Encholirium, R. C. Forzza (inf. pessoal) não notou perfurações ou marcas, em material extensivo de herbário, semelhantes àquelas feitas por X. abbreviata nas hastes das inflorescências. No domínio das caatingas, em afloramentos rochosos em Rio de Contas - BA (13°35'S;41°48'W; 1000 m), a sudeste da Chapada Diamantina e cerca de 200 km a sudeste de Santo Inácio, foram encontrados orifícios em hastes de E. spectabile idênticos àqueles feitos por X. abbreviata: cerca de 50% das hastes estavam perfuradas, mas não se observaram abelhas adultas em atividade. Na caatinga nos arredores de Juazeiro, BA (9º30'S; 40º30'W), 300 km a nordeste do local deste estudo, E. spectabile também formava agregados nos afloramentos rochosos, mas não abrigava ninhos em suas hastes. A dinâmica e persistência das populações locais (sub-populações) de X. abbreviata devem depender da densidade de agregados de E.spectabile na paisagem, como prevêem modelos de metapopulação.
As espécies de Xylocopa que nidificam em substratos vegetais particulares, como hastes de inflorescências, colmos de herbáceas ou de bambu, etc. podem apresentar diferenciações na mandíbula, por isso argumentou-se que estariam mais expostas a restrições na sua distribuição geográfica. Entretanto, há ainda raros estudos que comprovam esse fenômeno, como é o caso de duas subespécies de X. californica Cresson (Hurd & Moure 1963, Gerling et al. 1989). Por outro lado, o argumento de Hurd & Moure (op.cit.) de que a distribuição geográfica do subgênero Stenoxylocopa dependeria da oferta de colmos ocos, face à diferenciação acentuada de sua mandíbula, foi refutado recentemente por Silveira (2002), que constatou que X. (Stenoxylocopa) artifex Smith também nidifica em ramos maciços de Vellozia (Velloziaceae), aproveitando ninhos abandonados de outras espécies.
A escolha das hastes de E. spectabile por X.abbreviata deve ter se iniciado como fenômeno contingente, sendo modelado pela adequação estreita ao seu tamanho corporal (promovendo o acesso preferencial) e relativa previsibilidade temporal do substrato, sob a perspectiva dessa espécie de abelha com reprodução contínua ao longo do ano. Em contrapartida, o uso preferencial dessas hastes acabou exercendo efeitos restritivos importantes sobre a estrutura do ninho, tamanho da ninhada, grau de socialidade e, principalmente, sobre a distribuição de X. abbreviata.
Em síntese, argumenta-se que a raridade com que X. abbreviata aparece nos levantamentos de abelhas na região da caatinga e do cerrado deve ser reflexo direto de seu padrão de distribuição em mosaico, em estreita associação com seu principal substrato de nidificação, a bromélia terrestre E. spectabile. Ainda que não se possa descartar totalmente o uso (secundário) de outros substratos de nidificação, essa espécie de Xylocopa aparece como modelo privilegiado para estudos do papel do espaço (em particular a distribuição em mosaico de hábitats restritos) sobre a dinâmica populacional (neste caso, provavelmente metapopulacional) de abelhas no domínio das caatingas.
Agradecimentos
Este artigo é parte dos resultados de projeto financiado pelo CNPq (Processo nº. 520664/99-0). Agradecemos ao Dr. J.M.F. Camargo e à Dra. Silvia R. M. Pedro da FFCLRP-USP, pela identificação taxonômica das abelhas, e ao Dr. Luciano Paganucci de Queiroz da UEFS-BA, pela identificação taxonômica da bromélia. Agradecemos ao Dr. Iuri Muniz Pepe (IUFBA) as orientações técnicas e empréstimo de equipamento. Agradecemos também a Dra. Rafaela Campostrini Forzza, ao Dr. Fernando Silveira e ao Dr. Gabriel A.R. Melo pelas informações pessoais. À Dona Dubi e ao Sr. Bel pela receptividade com que nos acolheram em Santo Inácio, BA.
Literatura Citada
Received 01/08/03. Accepted 05/04/04.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Set 2004 -
Data do Fascículo
Ago 2004
Histórico
-
Aceito
05 Abr 2004 -
Recebido
01 Ago 2003