Resumos
Pacientes diabéticos portadores de doença ateroesclerótica obliterativa periférica e lesões complexas de partes moles são freqüentemente tratados por amputação primária. Os autores relatam o caso de paciente de 66 anos, sexo feminino, portadora de múltiplas comorbidades, apresentando volumoso abscesso plantar esquerdo e lesão femoral superficial conforme TASC C. Optou-se por realizar revascularização endovascular do membro inferior esquerdo por técnica de angioplastia subintimal sem o emprego de stent ou endoprótese. A abordagem combinada de revascularização endovascular do membro inferior associada a cuidados intensivos com feridas de pés diabéticos deve sempre ser considerada antes da amputação. Assim, sugere-se a técnica de angioplastia subintimal como uma opção em pacientes de elevado risco cirúrgico portadores de feridas complexas nas extremidades.
Angioplastia subintimal; membro inferior; pé diabético
Diabetic patients presenting with both peripheral vascular disease and complex soft-tissue defects are often treated by primary amputation. We report the case of a 66-year-old female patient with multiple comorbid conditions. She presented left foot plantar abscess and TASC C superficial femoral lesion. Endovascular revascularization of the left lower limb was performed employing the subintimal angioplasty technique, without stenting or endografting. This combined approach of lower limb revascularization associated with intensive care in diabetic foot wounds should always be considered before amputation. We recommend subintimal angioplasty as an option for high-risk patients with complex limb wounds.
Subintimal angioplasty; lower limb; diabetic foot
RELATO DE CASO
Angioplastia subintimal sem o uso de stent em paciente diabético portador de lesão complexa no pé
Bernardo MassièreI; Cleoni PedronI; Arno von RistowII; José Mussa CuryI; Marcus GressI; Alberto VescoviI; Marcos Areas MarquesIII; Antonio Luiz de MedinaIV
ICirurgião vascular. Médico associado, Centervasc-Rio, Rio de Janeiro, RJ. Professor instrutor, Curso de Pós-Graduação em Cirurgia Vascular, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ
IICirurgião vascular. Diretor, Centervasc-Rio, Rio de Janeiro, RJ. Professor associado, Curso de Pós-Graduação em Cirurgia Vascular, PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ
IIIAngiologista. Médico associado, Centervasc-Rio, Rio de Janeiro, RJ. Professor instrutor, Curso de Pós-Graduação em Cirurgia Vascular, PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ. Membro do Conselho Científico da SBACV
IVCirurgião vascular. Professor titular, Curso de Pós-Graduação em Cirurgia Vascular, PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ
Correspondência Correspondência: Bernardo Massière Dep. de Cirurgia Vascular e Endovascular Centervasc-Rio Rua Sorocaba 464, 1º andar CEP 22271-110 Rio de Janeiro, RJ Email: bmassiere@yahoo.com.br
RESUMO
Pacientes diabéticos portadores de doença ateroesclerótica obliterativa periférica e lesões complexas de partes moles são freqüentemente tratados por amputação primária. Os autores relatam o caso de paciente de 66 anos, sexo feminino, portadora de múltiplas comorbidades, apresentando volumoso abscesso plantar esquerdo e lesão femoral superficial conforme TASC C. Optou-se por realizar revascularização endovascular do membro inferior esquerdo por técnica de angioplastia subintimal sem o emprego de stent ou endoprótese. A abordagem combinada de revascularização endovascular do membro inferior associada a cuidados intensivos com feridas de pés diabéticos deve sempre ser considerada antes da amputação. Assim, sugere-se a técnica de angioplastia subintimal como uma opção em pacientes de elevado risco cirúrgico portadores de feridas complexas nas extremidades.
Palavras-chave: Angioplastia subintimal, membro inferior, pé diabético.
Introdução
Pacientes diabéticos portadores de doença ateroesclerótica obliterativa periférica e lesões extensas de partes moles são freqüentemente tratados por amputação primária. Revascularização do membro associada ao emprego de enxertos e retalhos cirúrgicos podem estender as taxas de salvamento nesses pacientes 1.
O emprego da angioplastia subintimal para o tratamento das lesões ateroescleróticas oclusivas dos membros inferiores foi descrito pela primeira vez por Bolia 2-5. Publicações subseqüentes reafirmaram a efetividade da técnica como uma alternativa à cirurgia de revascularização infra-inguinal 6-8. Neste artigo descreve-se técnica minimamente invasiva para tratamento de uma paciente portadora de múltiplas comorbidades, isquemia crítica dos membros inferiores e ferida complexa infectada no pé esquerdo.
Relato de caso
Paciente de 66 anos, sexo feminino, portadora de hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, diabetes melito, insuficiência cardíaca, coronariopatia e síndrome isquêmica dos membros inferiores, evoluiu com sinais flogísticos no pé esquerdo associados a dor e febre. Ao ser admitida na emergência, identificou-se a presença de volumoso abscesso plantar. A avaliação realizada pela equipe clínica determinou o risco cirúrgico como IV conforme a American Society of Anesthesiology (ASA IV). Ao exame físico, a paciente apresentava hiperemia do pé associada a volumosa massa plantar com flutuação, além de linfangite, que se estendia até o terço distal da coxa, com pulsos femorais palpáveis, poplíteos e distais ausentes. Duplex scan arterial colorido evidenciou a presença de oclusão crônica segmentar da artéria femoral superficial nos terços médio e distal.
Procedeu-se a hidratação venosa, antiagregação plaquetária (ácido acetilsalicílico 100 mg 1 x dia), início da antibioticoterapia (ciprofloxacina 1 g 12/12 h + amoxicilina e ácido clavulânico 500 mg 8/8 h) e encaminhamento da paciente ao centro cirúrgico para drenagem do abscesso plantar, onde observamos volumosa loja estendendo-se por toda a planta até o nível dos metatarsos (Figura 1).
Após estabilização clínica, optou-se por realizar revascularização endovascular do membro inferior esquerdo por técnica de angioplastia subintimal sem o emprego de stent ou endoprótese, como descrito por Bolia et al. 2. O acesso arterial foi promovido através de punção anterógrada da artéria femoral esquerda, empregando agulha de punção 18G e instalando bainha 7F pela técnica descrita por Seldinger. Realizou-se arteriografia e confirmaram-se as lesões descritas pelo Doppler, compatíveis com a classificação TASC C (Figura 2). O sistema para a criação do canal subintimal foi baseado em um cateter KMP 5F e fio-guia 0.035" hidrofílico. Procedeu-se estacionando o cateter no início do segmento ocluído e avançou-se o fio-guia no espaço subintimal até cruzar o final do segmento arterial ocluído, onde retornou-se à luz do vaso. Iniciamos a angioplastia do canal subintimal empregando balões de 4 x 10 mm e 5 x 10 mm, e observou-se resultado adequado no controle angiográfico (Figura 3).
Após a revascularização, realizaram-se amputações do hálux, 2º e 3º pododáctilos, além de osteotomias dos metatarsos correspondentes. Também desbridou-se a ferida que se estendia até o terço proximal da planta (Figura 4).
Em um período de 6 meses, múltiplos desbridamentos foram realizados, e observou-se a mudança no aspecto da ferida: o tecido inicialmente pálido deu lugar ao tecido de granulação. Os bordos da ferida foram então paulatinamente aproximados, até que se obteve a tão esperada epitelização (Figura 5).
Discussão
O tratamento de feridas complexas no pé diabético constitui grande desafio ao cirurgião vascular. A evolução apresentada pela paciente corrobora as elevadas taxas de salvamento de membro em séries de angioplastia subintimal 9-11.
A paciente apresentava linfangite, que se estendia do pé até o terço inferior da coxa. Esse achado constitui contra-indicação à revascularização por técnica aberta, tendo em vista as potenciais complicações da ferida operatória. Algumas séries de revascularizações eletivas dos membros inferiores referem elevadas taxas de complicação das feridas operatórias 12. Puskas et al. relataram 34% de incidência de complicações em feridas operatórias nos membros inferiores submetidos a safenectomia para revascularização miocárdica 13.
A realização de angioplastia subintimal sem o emprego de stents tem sido amplamente abordada na literatura 1-11, sendo corroborada pelo nosso relato de caso.
A abordagem combinada da revascularização do membro inferior associada a cuidados intensivos com feridas de pés diabéticos oferece grandes benefícios a esses pacientes, especialmente a cobertura estável da ferida e a preservação da deambulação, devendo sempre ser considerada antes da amputação. Assim, sugere-se a técnica de angioplastia subintimal como uma opção em pacientes de elevado risco cirúrgico portadores de feridas complexas nas extremidades.
Artigo submetido em 23.05.07, aceito em 29.04.08.
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste relato de caso.
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Ago 2008 -
Data do Fascículo
Jun 2008
Histórico
-
Aceito
29 Abr 2008 -
Recebido
23 Maio 2007