Open-access “Key-hole art”: Samuel Beckett e a peça televisiva**

“Key-hole art”: Samuel Beckett and the Television Play

“Key-hole art”: Samuel Beckett y la obra televisiva

Resumos

O artigo situa as peças televisivas de Samuel Beckett em relação à questão da autonomia dos meios artísticos. Aponta-se uma forma de trabalho com o meio televisivo semelhante àquele desenvolvida por Beckett em outros meios (teatro, prosa, rádio): a crítica às convenções de cada gênero (drama, romance, filme televisivo) e o desenvolvimento dos meios de produção. Nesse contexto, o artigo destaca as condições de trabalho disponíveis ao artista nos estúdios da Süddeutscher Rundfunk, em Stuttgart, e, por fim, propõe uma análise de duas das peças televisivas: Eh Joe e … só as nuvens….

Samuel Beckett; peça televisiva; meio de produção


The paper discusses Samuel Beckett’s television plays in connection to the autonomy of means of artistic production. It points out a set of similarities between Beckett’s work with the television medium and with other media (theater, prose, radio): a critique of each genre convention (drama, novel, television film) and the development of the means of production. In this context, the article highlights the working conditions available to the artist at the Süddeutscher Rundfunk, in Stuttgart, and proposes an analysis of two television plays: Eh Joe and …but the clouds….

Samuel Beckett; Television Play; Means of Production


El artículo ubica las obras televisivas de Samuel Beckett en relación con la idea de autonomía de los medios artísticos. Em primer lugar, se señala una forma de trabajar en el ámbito de la producción televisiva similar a aquellas empleadas por Beckett en otros medios (teatro, prosa, radio): la crítica a las convenciones de cada uno de los géneros (drama, romance, película televisiva) y el desarollo de los medios de producción. Em ese sentido, el texto destaca las condiciones de trabajo disponibles en los estúdios de Süddeutscher Rundfunk, en Stuttgart, y, finalmente, propone el análisis de dos obras para televisión: Eh Joe y …but the clouds….

Samuel Beckett; obra televisiva; medios de producción


As peças para televisão mostram Beckett às voltas com um novo meio artístico. O conjunto de cinco peças originais e duas adaptações não constitui um episódio tão circunscrito no contexto de sua produção como se poderia afirmar das peças radiofônicas1. Beckett ocupou-se com a televisão durante vinte anos, de Eh Joe (1965) a O que Onde (1985), o que por si só justifica questionar o que haveria de específico ao meio que vinha ao encontro de sua obra. Adorno observou que suas peças teatrais eram “especialmente adequadas ao meio” televisivo, certamente aludindo à dimensão reduzida das mesmas2. Além dessa afinidade entre as especificidades técnicas da televisão e a tendência de sua obra à redução estética, Jonathan Kalb menciona a possibilidade de um controle ainda maior das diversas etapas da produção, algo que Beckett buscava desde seus primeiros trabalhos teatrais:

Em sua procura pela imagem perfeita, Beckett incluiu em seus textos direções de palco cada vez mais precisas e procurou alcançar um controle cada vez mais completo sobre a ação nas produções que dirigia. No teatro ao vivo, no entanto, mesmo com o clima mais favorável durante os ensaios, é impossível ter controle total, pois as circunstâncias práticas sempre exigem alguns compromissos. Apenas no estúdio de televisão, particularmente no Süddeutscher Rundfunk (SDR), em Stuttgart, ele conseguiu exercer um comando suficientemente poderoso na direção, de modo a realizar performances exatamente da maneira que ele queria e registrá-las dessa forma para a posteridade.3

Controle e redução caracterizam a fase tardia da produção beckettiana. Nesse contexto, é possível sustentar que as peças televisivas retomam e conferem novos contornos a questões e procedimentos artísticos que pontuavam os romances e os trabalhos para o rádio e para o teatro. Em caminho inverso, a familiaridade com o novo meio reverberará aos poucos nos meios anteriores, revelando-se tanto na prosa como na cena tardias, em especial, no tratamento dado às vozes e às imagens. Em um texto que marcou a recepção das peças televisivas, Deleuze as situa no ápice de uma evolução, mais avançadas, portanto, do que o trabalho de Beckett no palco ou no texto4. A obra tardia, contudo, seria melhor entendida como um desenvolvimento simultâneo de meios de produção artística diversos, repleto de paralelismos e reverberações, sem que por isso seja levantada qualquer suspeita de hibridismo formal contra o autor.

De saída, duas questões se impõem ao exame das peças. A primeira é a semelhança apresentada com a trajetória de Beckett nos demais gêneros e meios com que lidou. Seja no romance, seja no teatro, ele se inicia pela paródia, propondo uma autorreflexão sobre o gênero que confronta, um por um, todos os seus fundamentos. Daí, seguem-se trabalhos que não se ajustam mais aos contornos do drama ou do romance, mas ainda assim são herdeiros de suas questões. O mesmo ocorre em um meio mais recente, como o rádio. Todos que caem (1956) dialoga com as convenções da peça radiofônica dos anos 1950, mas as peças seguintes caminham por trilha própria, aberta pelo desenvolvimento de possibilidades específicas ao meio, em particular, no trabalho da voz enquanto instância narrativa. As peças televisivas delineiam uma trajetória semelhante, ainda que a autonomia do filme televisivo enquanto gênero seja, como comprova a sua história, especialmente precária: em seus primórdios, nos anos 1950, por razões que logo veremos, ainda era fortemente teatral, mas as décadas seguintes o aproximam cada vez mais do cinema. Nessas circunstâncias, é possível sustentar que Beckett, ao trabalhar com o meio televisivo, busca conferir autonomia ao meio. Nessa direção, Eh Joe é a peça de autorreflexão a respeito das convenções do filme para televisão, desde a sua origem na transmissão ao vivo de apresentações teatrais até o formato de peça de câmera, favorecido pelas dimensões reduzidas do monitor. As demais peças, a começar por Trio-Fantasma (1975), distanciam-se cada vez mais da produção corrente e, no mesmo passo, conferem forma específica, característica do desenvolvimento avançado do meio técnico, aos problemas artísticos que perpassam a obra tardia. Será assim, no contexto de uma obra marcada pela acentuada autonomia de cada meio artístico, que o filme televisivo torna-se um gênero autônomo.

É o que leva à segunda questão, os meios de produção. Tal como ocorreu no teatro, Beckett começou assistindo a outros diretores até tornar-se um encenador experiente. Nesse processo, contou com condições de trabalho ímpares, tanto na BBC quanto no Suddeutscher Rundfunk, em Stuttgart. Embora tenha chegado à televisão graças a um convite da BBC5, a colaboração com a SDR tornou-se não apenas seu ambiente preferido, mas também o ensejo para novas produções, a partir dos anos 1970, concebidas de antemão para a equipe de Reinhart Müller-Freienfels. Desde o primeiro contato, para a realização de Eh Joe, em 1966, as portas da SDR ficaram abertas para ele, e cada despedida ao fim de um trabalho vinha acompanhada pela expectativa de que, um dia, ele retornaria com uma nova e “louca invenção para a televisão”6. O orçamento folgado, a possibilidade de dar a última palavra e a disponibilidade de uma equipe coesa e muito bem preparada criaram as condições para duas décadas de trabalho conjunto. É por esse motivo que privilegiaremos as produções de Stuttgart nos comentários a seguir.

Via de regra, na Alemanha ou na Inglaterra, escritores não eram os protagonistas de uma equipe de produção televisiva. Não cabia a eles decisões fundamentais, muito menos a última palavra a respeito da produção dos próprios textos. Como em outros meios industriais de produção cultural – o cinema, o rádio, os grandes teatros –, os encaminhamentos decisivos estavam a cargo de um produtor ou um diretor artístico. A correspondência entre Beckett e Müller-Freienfels, por sua vez, documenta uma situação excepcional, em que o autor era, de fato, para retomar o título de um ensaio de Walter Benjamin, o produtor7. Certamente, o prestígio de Beckett como escritor que transcendia as fronteiras da literatura nacional era conveniente à política cultural alemã, preocupada com a posição do país na reconstrução da Europa do pós-guerra. O irlandês bilíngue, radicado em Paris, valia como modelo de escritor europeu para além dos vínculos nacionais8. Além disso, o financiamento estatal para a vanguarda era uma constante na época, como evidenciam teatros e rádios públicos, orquestras e festivais de música nova. Mas o que de fato viabilizou a produção e a transmissão de peças como as de Beckett, cujo público chegava a 300 mil telespectadores, eram condições de produção muito especiais. O sistema da televisão alemã, exclusivamente público até meados dos anos 1980, permitia pensar a televisão como um aparato técnico e cultural sujeito ao controle e à influência de tendências sociais diversas. Desde sua implantação no pós-guerra, ele se organizava segundo diretrizes de uma política cultural social-democrata que defendia o novo meio técnico como uma forma politicamente independente de esclarecimento e formação cultural no pós-guerra europeu9.

Mesmo no contexto favorável da televisão alemã da época, a produção de Stuttgart era singular. Nos estúdios da SDR, desenvolveu-se, a partir dos anos 1950, o que ficou conhecido como o “estilo de Stuttgart”10. Reunindo uma equipe que trabalhou conjuntamente durante anos com boas condições técnicas e financeiras, a produção de Stuttgart talvez fosse a mais ambiciosa no panorama dos filmes televisivos alemães da época. Ainda que formatos convencionais sejam a tônica no âmbito de um modo industrial de produção, como é o caso da televisão, na SDR procurava-se conceber o filme para além dos padrões narrativos correntes. Nos anos 1950, quando as condições técnicas favoreceram a concepção do filme como uma peça de câmera, a ênfase na cenografia anti-ilusionista, com a mera sugestão de espaços e a concentração da câmera nos rostos dos atores, tornou-se um modelo para o aproveitamento dos limites restritos da tela do monitor. Peças de Beckett como Eh Joe e Trio-Fantasma retomam, sem compromisso realista, elementos dessa tendência. Posteriormente, com a invenção do videotape e a colaboração entre a câmera eletrônica e a câmera de cinema, a equipe da SDR desenvolveu uma tradição de filmes e documentários que trouxe a história contemporânea para o interior do filme televisivo. Embora as peças de Beckett sejam casos singulares, mesmo no interior dessa estrutura sofisticada, trabalhos de autor em meio à produção industrial, não há como negar que ele não só se beneficiou de sua estrutura como também contribuiu para desenvolvê-la.

É significativo que a orientação social-democrata que predominou na Alemanha do pós-guerra a respeito da televisão pública, reivindicando-a como instrumento de esclarecimento social, seja acompanhada por posições à esquerda que retomam expressamente textos de Benjamin e Brecht dos anos 1930. É o que ocorre com Hans Magnus Enzensberger, Orkar Negt e Alexander Kluge, que reatam com posições socialistas anteriores à Segunda Guerra, com o intuito de confrontar a distinção, própria à sociedade burguesa, entre produtores e espectadores, uma distinção que impedia a transformação da TV de um meio de difusão em um meio de comunicação11. Embora as visitas de Beckett à Alemanha fossem constantes nas décadas de 1960 e 1970, trabalhando tanto em Stuttgart quanto em Berlim, não há, salvo engano, registro de uma recepção desses debates por parte dele. Seu trabalho na televisão, assim como nos demais meios, orienta-se mais pela produção de obras de arte autônomas, que buscava desenvolver tecnicamente o meio a partir das condições político-culturais vigentes, do que pelo ensejo à transformação dessas mesmas condições em um sentido socialista, tal como era entendido por aqueles autores. A posição que as peças de Beckett ocupam perante tal debate pode, contudo, ser determinada por uma passagem do ensaio “O autor como produtor”, de Benjamin: “Um escritor que não ensina nada aos que escrevem não ensina nada a ninguém”. Dessa maneira, o caráter de modelo da produção é decisivo: primeiro, deve-se orientar os outros produtores na produção e, em segundo lugar, disponibilizar-lhes um aparelho melhorado. E esse aparelho é tanto melhor quanto mais consumidores levar de volta à produção; ou seja, quanto mais for capaz de transformar leitores ou espectadores em colaboradores”12. Certamente é possível encontrar, em Beckett, o aperfeiçoamento do aparelho, o que evidenciaremos adiante na análise das peças, mas dificilmente um confronto de tal separação entre espectadores e produtores. Esse, contudo, ainda era um tópico central no debate, como indicava Enzensberger, em 1970: “Toda estratégia política, no âmbito da mídia, deve buscar superar o isolamento dos participantes individuais em processos sociais de aprendizado e produção. Isso não é possível sem a auto-organização dos participantes. Esse é o núcleo político da questão da mídia”13. Beckett, que sempre se esquivou de orientar a recepção de suas peças, mantém-se à distância de seus espectadores e, assim, da questão colocada por Enzensberger. Seu esforço se concentra na configuração interna das obras ou, no caso da televisão, na transformação da programação. Esse aspecto, porém, o conecta a tais debates por outra via, que o aproxima de uma posição defendida não só por esses autores, mas também por Adorno, a saber: a técnica televisiva é mais avançada que a programação14. Se essa é a regra, as peças de Beckett apontam para o que poderia ser feito do meio caso a programação estivesse à altura das condições mais avançadas de produção. Entre outras palavras, o trabalho de Beckett na SDR seria um exemplo singular do enfrentamento de uma dificuldade geral assim sintetizada por Kluge e Negt:

A redução das possibilidades de expressão na produção televisiva por meio da técnica é o reverso do fato de que a técnica é, na verdade, essencialmente mais avançada do que os programas de televisão deixam transparecer. Ela apresenta evidentes capacidades de inovação que abrem à televisão a possibilidade de desenvolver formas de expressão estética que nenhum outro médium conhece.15

Beckett enfrentou essa dificuldade ao lidar com as convenções do recente filme televisivo. De autonomia precária, tendendo ora ao teatro ora ao cinema, o gênero era, em seus primórdios, acentuadamente teatral. Talvez por esse motivo, além do fato de Beckett ter obtido reconhecimento como dramaturgo, seus trabalhos para o meio ainda hoje sejam referidos como “peças”, e não como “filmes”, salvo pela designação alemã de Fernsehspiel, adequada a ambos. Como bem ressaltou Jonathan Bignell em seu estudo sobre as peças, os vestígios teatrais dos primeiros momentos do filme televisivo decorriam tanto de limitações técnicas quanto de motivações político-culturais. A adaptação dos clássicos nacionais e, posteriormente, a busca por textos originais de escritores estabelecidos contribuíam para legitimar culturalmente o novo meio de comunicação de massa, em geral, e o filme para televisão, em particular. Não se pode dizer que o caso da televisão seja muito distinto daquele de cinema dos anos 1920 e 193016. Consequentemente, as formas de encenação para o novo meio vinham carregadas de convenções dos meios estabelecidos. “De fato, muitos dos dramas transmitidos nesses anos eram trechos, adaptações ou reencenações em estúdio de apresentações teatrais e eram necessariamente ao vivo, devido à impossibilidade de pré-gravação antes do advento da fita magnética. O drama televisivo britânico [...] parece pertencer a uma tradição literária e teatral desaparecida”17. O caráter teatral também decorria dessa limitação técnica, pois a impossibilidade de gravação vinculava o filme, assim como o restante da programação, à performance ao vivo, própria ao drama. A aproximação em relação a modos de filmagem e exibição característicos do cinema só seria possível com a invenção do videotape, em 1958, quando o filme televisivo se dissocia da produção ao vivo, deslocando-se para locações em espaço aberto e valendo-se de técnicas cinematográficas de montagem18.

Até então, os recursos técnicos disponíveis conferiam ao filme televisivo o feitio de uma peça de câmara, particularmente atraente a um público frequentador de teatro e interessado em transmissões ou adaptações ao vivo. A produção em estúdio, assim como a dimensão reduzida e a baixa resolução do televisor, favorecia a criação de uma sensação de intimidade entre o espectador e o mundo apresentado. Esse, aliás, era um aspecto recorrente em abordagens da televisão dos anos 1950, dentre elas a de Adorno, que atribuía à miniaturização do mundo em uma caixa a criação de uma falsa proximidade entre o mundo e o espectador19. Essas condições técnicas eram propícias a filmes concentrados na vida íntima e nos conflitos psicológicos de poucos personagens, mostrados a curta distância, condições que tinham no drama burguês o seu modelo, e na reprodução do rosto humano, um ideal20. Embora produzida na década seguinte, Eh Joe coloca em cena muitos desses aspectos. A locação em um cômodo fechado e a longa tomada da câmera, que se aproxima lentamente do rosto de Joe, retomam convenções de um momento passado do filme televisivo, assim como Film, o filme de Beckett com Buster Keaton, aludia ao filme silencioso do início do século XX. Como indica Bignell:

As peças não eram transmitidas ao vivo, mas a insistência de Beckett em longas tomadas, com pouca edição na fase de pós-produção, associa-as tanto ao tempo contínuo da performance teatral quanto à transmissão ao vivo de peças teatrais na televisão, que era o modo estabelecido de realizar drama televisivo na Grã-Bretanha até o final dos anos 1950. Quando a edição de vídeo e as câmeras de cinema foram introduzidas na produção dramática, a partir do início dos anos 1960, a narrativa “cinematográfica”, editada, suplantou cada vez mais a forma “teatral”, e o drama televisivo realista gravado conquistou uma elevada posição perante o público e a crítica.21

De acordo com o estudo de Knut Hickethier, o mesmo vale para a produção alemã da época22. Na transmissão de uma encenação teatral, a câmera limita-se à função de registrar eventos que ocorrem em uma esfera na qual ela não interfere. Nos tempos da produção exclusivamente ao vivo, o filme televisivo poderia distinguir-se de uma apresentação teatral por situar a câmera no lugar da plateia ou empregar mais de uma câmera, de modo a oferecer ao espectador perspectivas diversas da cena. A função da câmera, contudo, permanece a de registro. Eh Joe parece, à primeira vista, tributária desse modo de encenação, embora a maneira como a câmera é operada relativize seu aspecto teatral. Em uma única e longa tomada, ela se aproxima da cena focalizada para observar, em detalhes, as reações de Joe às invectivas da voz em off, algo inexistente em uma encenação teatral, seja pela posição fixa ocupada pelo espectador na plateia, seja pela escala pouco flexível entre a moldura da cena e a dimensão do ator. Este pode se aproximar do proscênio, mas dificilmente produzirá um close-up. A passagem do plano geral ao primeiro plano é um atributo da câmera. Se essa é uma novidade em relação ao teatro, pelo menos como Beckett o compreendia, o close-up na dimensão reduzida do monitor também seria uma vantagem em relação à tela de cinema, ao menos se o objetivo for um estudo da personagem por meio de suas feições. É nessa direção, do adensamento psicológico da personagem pelo movimento de câmera, que Martin Esslin via a peça:

O impacto de Eh Joe depende essencialmente do fato de que a televisão é um meio íntimo, que, com sua tela pequena, coloca o espectador em estreito contato com um rosto que está na mesma escala (close-up), como um outro rosto na sala... É quase impossível encontrar, na vasta literatura do drama televisivo, outra peça que seja, como Eh Joe, totalmente concebida em termos da tela pequena de televisão e de sua psicologia íntima.23

Ao colocar o rosto em primeiro plano, adequando-o à dimensão do aparelho, Beckett teria atingido o específico do meio televisivo, segundo Esslin. A intimidade do espectador com o mundo que lhe aparece pela tela reforça a intensidade psicológica da peça de câmara. À novidade da televisão frente ao cinema – a vantagem técnica da dimensão doméstica do aparelho – subjaz, porém, na leitura de Esslin, uma concepção naturalista de dramaturgia (expressão pela voz da interioridade psicológica do personagem) que, por sua vez, acentuará o feitio contemplativo da câmera, identificada ao olhar que tudo registra. Colocada lado a lado com a produção de Beckett daqueles anos, essa “íntima psicologia” causa estranheza, mas também evidencia características marcantes do filme televisivo da época, de feitio psicológico e naturalista. Além disso, o modo de encenar (a tomada longa, sem montagem) era antiquado para espectadores familiarizados com os filmes dos anos 1960, mais próximos do cinema que do teatro. Se esse estranhamento favorece ou desestabiliza o feitio intimista e psicológico da peça, se revela ou não um uso avançado de recursos como movimentos de câmera, close-ups e narrativas em off, essas são questões que cabe à análise da peça responder.

Eh Joe é a mais longa e teatral das peças televisivas. Chegando a 30 minutos na versão da SDR, ela se divide em onze segmentos de uma voz em off feminina, intercalados por dez movimentos de câmera em direção ao rosto de Joe24. Apesar da coordenação entre voz e câmera, Beckett começou a escrevê-la como um monólogo, deixando a inserção dos movimentos de câmera para um momento adiantado da composição25. Nisso, as peças televisivas espelham as teatrais: com a experiência de direção, Beckett passará a compor as peças seguintes, desde o início, a partir da cena, não tanto do texto. A voz em off aparecera pela primeira vez poucos anos antes, em A última gravação de Krapp, mas com diferenças significativas. Sua origem é apresentada em cena, na coleção de fitas gravadas e tocadas por Krapp, registros do personagem em momentos anteriores de sua vida, ocasionalmente esquecidos pelo ouvinte em cena, que os acessa como uma memória involuntária deliberadamente invocada. Em Eh Joe, porém, a identificação mesma da voz é um dos problemas centrais. Como Joe se encontra sozinho, e ela dispõe de conhecimentos diversos de sua vida, supõe-se que se trata de uma voz interna, exteriorizada por um artifício cênico, mas essa suposição é relevante apenas se observarmos o quanto a identificação entre voz e personagem é constantemente erodida.

Em primeiro lugar, como assinalou Zilliacus, tanto para o cinema como para a televisão, Beckett submete ao estranhamento uma convenção do filme. A aproximação da câmera, acompanhada pela voz em off, é um recurso comum para exteriorizar os pensamentos do personagem em foco. Ao escolher uma voz feminina, que implica necessariamente um elevado grau de alteridade perante o homem em cena, a peça assume posição frente à convenção. Além disso, tanto na versão da BBC, com Jack MacGowran e Sian Phillips, quanto na SDR, com Deryk Mendel e Nancy Illig, Joe dá sinais de procurar a voz no cômodo e se movimenta de modo a se esquivar dela, como se suas invectivas fossem também golpes desferidos no espaço. Por fim, ela também o interpela na segunda pessoa do singular, estabelecendo um embate entre eu e tu característico do conflito dramático. Se é uma voz interna, também é a voz de outrem, uma das pessoas do passado de Joe, amada e abandonada por ele, tal como outras que alimentam a sua paixão por calá-las em seu interior. É o que configura uma relação com o passado inevitavelmente mediada pela alteridade das vozes alheias. Nisso, Eh Joe antecipa formas de exteriorização da voz que seriam amplamente trabalhadas por Beckett em sua produção posterior para o teatro (Passos, Canção de Ninar, Aquela vez), TV (Trio-Fantasma, ...só as nuvens...) e também na prosa tardia (Companhia), desenvolvendo questionamentos a respeito da voz narrativa colocados ao menos desde O Inominável e retrabalhadas por meio de dispositivos técnicos nas peças radiofônicas. Em todos esses casos, a voz opera com o estratagema de negar ou impedir que a primeira pessoa seja verbalizada, salvo pelo desvio das vozes de outros.

Vejamos de perto. Ela se introduz como uma velha conhecida – “The best’s to come, you said, that last time... Hurrying me into my coat... Last I was favoured with from you” –, uma dentre a série de vozes que retornam até que ele consiga calá-las:

You know that penny farthing hell you call your mind... That’s where you think this is coming from, don’t you... That’s where you heard your father... Isn’t that what you told me?... Started in on you one June night and went on for years... On and off... Behind the eyes... That how you were able to throttle him in the end... Mental thuggee you called it... One of your happiest fancies.26

Chris Ackerley observou que “thuggee” era uma prática de estrangulamento característica de gangues indianas27, o que coloca Joe na posição do estrangulador das vozes de seu passado, um processo que, chegando ao fim, o deixará a sós com a voz de Deus, a única ainda a ecoar em sua mente: “How’s your Lord these days?... Still worth having?... Still lapping it up?... The passion of our Joe... Wait till He starts talking to you... When you are done with yourself... All your dead dead (…) ‘Thou fool thy soul’”28. Religioso, Joe não apenas teme a Deus, mas também se sujeita ao juízo final, referido na parábola do rico tolo narrada no Evangelho de Lucas (12:20: “Deus lhe diz: ‘Insensato, nessa mesma noite ser-te-á reclamada a alma. E as coisas que acumulaste de quem serão?”). Ao anunciar a maldição que paira sobre ele por abandonar seus próximos, a voz também prepara o terreno para o episódio que condensa de modo exemplar essa maldição: o suicídio de uma conquista do passado, a moça de verde (“the green one”), uma evocação da Smeraldina, de Dream of fair to middling woman, obsessão de Beckett evocada também em Krapp’s last tape (“A girl in a shabby green coat, on a railway station platform”).

A narrativa produz uma inflexão na peça. Se até então a voz, tal qual um resíduo do passado que resiste a se apagar, concentrava-se em legitimar o tom acusatório, o relato coloca em primeiro plano um feitio particular da memória, fabuladora e indistinguível da imaginação. É o que indica tanto a incerteza a respeito das fontes do relato, que transitam do próprio Joe (“Wasn’t that your description, Joe?...”) e da notícia de jornal (“Just the announcement in the Independent….”29) à menção a detalhes que escapariam a qualquer uma delas. A história do suicídio, da localização da cena ao corpo da moça, é também uma invenção da voz, ciosa de sua tarefa, mas incerta a respeito de como narrar. Ela se interrompe duas vezes – “Cut a long story short doesn’t work”30 – antes de ir até o fim na terceira tentativa. Na primeira, a moça atravessa o jardim, passa por baixo do viaduto e chega à correnteza. Na segunda, retorna à casa, apanha uma gilete dada a ela por Joe e volta à correnteza. Por fim, na terceira vez, faz um curativo, retorna à casa e mais uma vez dirige-se à região da correnteza, levando consigo um tubo de comprimidos. Somente nesse movimento a narrativa é concluída.

À medida que a voz avança, ela também intensifica o ataque, estimulando Joe a se colocar na cena da morte e, assim, a se torturar com a própria imaginação: “Imagine what in her mind to make her do that...”31. O último trecho segue sem movimento de câmera no texto publicado, mas Beckett inseriu uma aproximação a mais ao filmá-lo na SDR, deixando à mostra apenas um recorte do rosto de Joe, das sobrancelhas ao lábio superior, enquanto a voz se reduz a um sussurro acelerado. A fala não se fragmenta em unidades isoladas, como em Cascando e nas peças teatrais dos anos 1970, mas a voz seleciona quais palavras ainda deveriam ser ouvidas ou destacadas para tornar sua invectiva ainda mais aguda.

All right... You’ve had the best... Now imagine... Before she goes... Imagine... Face in the cup... Lips on a stone... Taking Joe with her... Light gone... ‘Joe Joe’... No sound... To the stones... Say it you now, no one’ll hear you... Say ‘Joe’ it parts the lips... Imagine the hands... Imagine...The solitaire... Against a stone... Imagine the eyes... the eyes... Spiritlight... Month of June... What year of your Lord?... Breasts in the stones... And the hands... Before they go... Imagine the hands... What are they at?... In the stones... What are they fondling?... Till they go... There’s love for you... Isn’t it, Joe... Wasn’t it, Joe?... Eh Joe? Wouldn’t you say?... Compared to us... Compared to Him... Eh Joe? He Joe?32

Quando se cala, Joe esboça um sorriso e a imagem desvanece. Embora seja plausível interpretar o como um sinal da vitória de Joe sobre a voz, é necessário lembrar que, logo no início, ela anuncia que se reduziria a sussurros e silenciaria após o relato. A vitória é, portanto, mediada pela constituição de uma instância externa a ele, que se vale de suas palavras, assalta-o e o surpreende como um outro, uma exteriorização de sua imaginação que ele teima em controlar. Como bem notou Zilliacus: “A voz costumava ter uma dicção bonita, de acordo com Joe. Joe costumava ter uma forte compreensão da linguagem, de acordo com a voz. A beleza da dicção se foi, mas algumas das frases mais imortais de Joe permanecem e lhe são devolvidas pela voz como um bumerangue”33. Produto de sua imaginação, ela o ataca pelo viés de seu catolicismo, condenando-o pelo suicídio da moça. Enquanto o incita à imaginação, também mostra o quanto esta, entrelaçada à memória, esquiva-se ao seu controle. Joe ainda não é um dos personagens fantasmáticos das peças da década seguinte, seja na TV ou no teatro, mas a cisão interna entre eu e outro alcança uma concretização cênica eficaz, graças à exteriorização fornecida pela voz em off.

A ambiguidade do sorriso, por sua vez, aliada ao registro minucioso da expressão facial durante a escuta, sugere, se não um estudo psicológico, ao menos a observação intensa do objeto colocado a uma perspectiva favorável à câmera. Gontarski sugeriu que subsistiam, em Eh Joe, vestígios melodramáticos que Beckett não fora capaz de “desfazer”, o que só ocorreria a partir de Trio-Fantasma, em particular pela substituição do longo plano-sequência por recursos de montagem34. Mas a insatisfação de Beckett com a segunda produção de Eh Joe em Stuttgart, em 1979, motivada pela interpretação demasiadamente expressiva de Heinz Bennent, sugere que os vestígios de melodrama se originavam mais da atuação do que no modo de filmar35. O close-up favorece o estudo minucioso do rosto sob ataque da voz, mas Beckett não parecia interessado na visualização de um estado psicológico, que circunscreveria para o espectador o sentido do que é mostrado. A dificuldade para o ator não é das menores. Ao avaliar a produção da BBC com Jack MacGowran, Bignell comenta:

Além disso, a ambiguidade a respeito da expressão facial de Joe e de sua relação com as palavras da voz é aprimorada pela duração da tomada da câmera, a qual se aproxima cada vez mais de seu rosto. […] O efeito de períodos tão longos de câmera parada é a limitação da atenção visual do público aos close-ups do rosto de Joe. Enquanto a atenção ao som se torna mais significativa por esse motivo, já que a voz está falando enquanto a câmera está parada, a oportunidade de procurar interpretações do rosto de Joe através do desempenho geralmente discreto de Jack MacGowran deixa muita margem para hipóteses, alternativas e incertezas.36

Garantir ao espectador a liberdade necessária para avaliar uma cena enigmática é uma constante do teatro beckettiano. A câmera surge aqui como uma aliada, capaz de potencializar as condições de observação. Não é à toa que Beckett chegou a descrever a TV como um “key-hole art”, um artifício capaz de se aproximar de seus personagens mais que qualquer outro meio visual37. Bignell sugere uma continuidade entre esse trabalho da câmera, que percorre o cômodo identificada ao olhar do espectador, e o anacronismo do longo plano-sequência, característico do teatro filmado e dos primórdios do filme televisivo. Períodos de dois minutos de câmera parada não apenas excediam os padrões dos anos 1960, mas também pareciam ainda mais longos do que de fato eram, dada a ausência de cortes. “Historicamente, o drama televisivo gradualmente empregou tomadas de câmera mais curtas; uma breve comparação entre a duração média das tomadas em Eh Joe e outros dramas feitos em condições semelhantes em diferentes épocas pode iluminar como Eh Joe se diferenciava das normas da televisão”38. O autor sugere o reforço mútuo entre o anacronismo do longo plano-sequência e a função analítica da câmera que transita pelo espaço homogêneo da cena. Salvo engano, Bignell pressupõe uma concepção fenomenológica de filmagem muito próxima da teoria do cinema de André Bazin, o que, consequentemente, leva-o a desconsiderar certos atritos entre essa função da câmera e a historicidade das convenções do gênero. Para ele, o plano-sequência também é sinônimo de continuidade temporal e olhar revelador, o que, por sua vez, traduz-se em uma posição desfavorável à montagem, em particular por retirar do espectador a liberdade de examinar por conta própria o que é mostrado:

Tomadas longas permitem que a câmera tenha uma distância física e emocional do personagem, de modo que a compreensão analítica e crítica possa ser obtida revelando movimentos corporais, gestos, figurino e assim por diante, sendo que a ação está embutida no mundo representado. Este é um sistema visual nitidamente diferente do uso de alternâncias rápidas de campo-e-contracampo e close-up, que corta o espaço, a pessoa, o corpo e as relações entre os personagens, determinando como o espectador pode perceber a ação.39

Segundo Bignell, Beckett teria retornado a convenções antiquadas – a teatralidade dos primeiros filmes televisivos – com o intuito de potencializar a função reveladora da câmera, prejudicada pela montagem – a intervenção autoral – frequente nos filmes dos anos 1960, nesse sentido mais próximos do cinema. Ainda que atento às convenções do gênero, Bignell apega-se ao que seria uma propriedade intrínseca da câmera, o olhar contemplativo que revela o objeto à medida que respeita a sua integridade e se abstém de intervir. Nisso, ele aproxima Beckett da fenomenologia de Bazin. Eh Joe, contudo, apresenta um conjunto de elementos que torna mais plausível supor que Beckett caminha na direção oposta: ele recorre a convenções antiquadas justamente para desnaturalizar essa posição contemplativa da câmera. Em outras palavras, ele se vale de uma maneira anacrônica de filmagem para submeter a relação entre plano-sequência e olhar revelador a um estranhamento.

É o que observamos na cena anti-naturalista que prepara a aproximação da câmera, da dimensão desproporcional de janelas, portas e cortinas aos movimentos bruscos de Joe, próprios à pantomima e ao cinema silencioso, em particular o expressionista, um verdadeiro contraste com seus movimentos faciais e os curtos passos da câmera. O longo plano-sequência, por sua vez, frequente no filme televisivo dos anos 1950, é subvertido, seja em sua função psicologizante, seja como contemplação reveladora, pois ultrapassa em muito o limite da observação confortável ou da intimidade com o objeto. Aliada às desestabilizações da voz apontadas acima, o close-up, que oferece ao final apenas um segmento do rosto de Joe, dificilmente pode ser entendido como um registro condizente com a integridade do que se mostra. Se a peça se vale da posição de um olhar observador, como afirmou Zilliacus40, esse conjunto de artifícios explicita o quanto tal olhar é também uma intervenção. Pela referência reflexiva a um momento histórico do filme televisivo, Beckett coloca em questão a essencialização da câmera como um olhar contemplativo. Do mesmo modo, pela ênfase em datar os procedimentos que emprega, impede que seu material seja generalizado como “imagens em vídeo”, como faz Enoch Brater em seu comentário sobre as peças televisivas41. Ao assumir posição perante os primórdios do filme televisivo, Eh Joe realça seus contornos e faz da peça uma singular contraposição entre a imersão na cena e o retorno à história recente. Mas a questão para os espectadores futuros permanece: sem o estranhamento produzido pelo choque entre duas épocas ainda próximas, a câmera se restringe ao papel de olhar revelador?

Dez anos depois de Eh Joe, Beckett retorna à televisão com duas peças que, tal como Passos e Acalanto, podem ser consideradas gêmeas: Trio-fantasma e ...só as nuvens... As duas devem seu título à incorporação de outras obras – o segundo movimento (Largo) do trio para piano, violino e cello opus 70, n. 1, de Beethoven, e versos do poema “A torre”, de Yeats. Trio-Fantasma foi escrita em 1975 para um programa da BBC chamado por ele de Sombras, no qual também seriam transmitidos a adaptação de Não Eu e o registro de uma montagem de Play no Royal Court Theatre, em Londres. Insatisfeito com a última, Beckett decidiu escrever uma nova peça – …só as nuvens... – para substituí-la. Produzidas em 1976, sob direção de Donald McWhinnie e supervisão de Beckett, foram transmitidas em 1977, ano em que ele também dirigiu novas versões para a SDR.42

As duas apresentam situações comuns ao universo beckettiano – um personagem solitário e a evocação de um amor do passado. O primeiro título de Trio-fantasma – “Tryst”, um arcaísmo escocês para “encontro” – alude ao tema romântico presente nas duas peças, embora, como Beckett informara a Knowlson, antigos “fantasmas” já rondassem a composição desde o início: “All the old ghosts. Godot and Eh Joe over infinity”43. A aparição de um menino para informar que a pessoa aguardada não virá alude à peça de estreia, assim como a primeira peça para televisão é retomada em seus traços principais: o “quarto familiar”, a voz em off, a câmera em observação. Sem prejuízo das semelhanças, Beckett insere modificações consideráveis na utilização da câmera e da voz em off. O longo plano-sequência será substituído pela montagem de tomadas diversas do cômodo. A voz, por sua vez, será explicitamente uma instância de autorreflexão a respeito do meio, assim como uma mediadora entre a cena e o espectador, dirigindo-se a ele e o orientando na percepção das imagens. No contexto da produção tardia, especialmente próxima do teatro dos anos 1970, as duas peças também lidarão, cada uma à sua maneira, com a equação de procedimentos repetitivos e a busca pela apresentação de vestígios de experiência subjetiva, mas a partir de mecanismos de produção cênica e controle técnico característicos do meio televisivo.

Como o objetivo aqui é realçar, além do trabalho com a voz, o modo específico pelo qual Beckett vincula questões internas à sua obra com uma especificidade da TV na produção de imagens, concentro-me em ...só as nuvens…. Escrita em poucas semanas, entre outubro e dezembro de 1976, para acompanhar Trio-Fantasma e Eu não em Sombras, ela tem diversos pontos de contato com a peça anterior: a alternância de imagens monocromáticas com acompanhamento da voz em off; um homem solitário em idade avançada às voltas com a lembrança de uma mulher; o contraponto de outra obra de arte, no caso, os versos finais do poema “A Torre”, de Yeats. Em carta a Müller-Freienfels, Beckett chegou a escrever que “o homem em …só as nuvens... é o mesmo de Trio-Fantasma, mas em outra situação (posterior)”44. Em notas à BBC, contudo, ele advertia que a identificação com o personagem anterior não deveria ser enfatizada, sugerindo, assim, antes uma afinidade entre as peças do que uma repetição de motivos45. Mais compacta que Eh Joe e Trio-Fantasma (dura apenas 14 minutos), …só as nuvens… não contrapõe a voz feminina ao personagem em cena, mas vale-se de uma voz masculina para reconstituir uma rotina de eventos passados com o intuito de evocar mais uma vez a aparição do rosto de uma mulher. Além disso, Beckett dá um passo além ao diferenciar ainda mais as imagens com que trabalha: não mais a unidade do plano-sequência (Eh Joe) nem as diferentes perspectivas de um cômodo (Trio-Fantasma), mas imagens de situações distintas. A mais teatral dentre elas, que logo se metamorfoseia em cena, traz, em plano aberto, um espaço semelhante a um palco, iluminado por um único foco de luz no centro e mergulhado na escuridão em seus arredores. Brater observou acertadamente:

Beckett faz com que a escuridão sugira outros espaços, periferias onde outras cenas devem ser encenadas. O espaço de sombras enquadra em um círculo de luz a ação que vemos através daquele quadro maior da caixa de televisão retangular. Beckett isola graficamente sua imagem em uma paisagem visual sombria que serve como um emblema adicional da solidão da figura. Na tela da televisão, o espaço da sombra é o espaço negativo, mas Beckett, em ...só as nuvens..., usa-o para confundir nossa noção a respeito do que exatamente constitui o positivo e o negativo.46

Como em Trio-Fantasma, a voz conduz a percepção do espectador, sobrepondo aos movimentos em cena uma série de informações que os contextualiza no âmbito de uma reiterada rotina de seu passado. Pelo lado esquerdo – as estradas –, entra o personagem (M1) de chapéu e sobretudo. Ele se detém por um instante sob o foco de luz e desaparece no lado direito – o guarda-roupa –, de onde ressurge com camisola e gorro brancos, passa mais uma vez pelo centro iluminado e desaparece no âmbito superior da cena – o seu “santuário” – , onde, no escuro, evocará a imagem de uma mulher. Com o raiar do dia, o percurso se repete em sentido inverso.

Uma outra imagem mostra o homem de perfil (M), em meio a sombras, curvado sobre uma mesa que permanece oculta. A imagem guarda algum grau de ambiguidade, pois sugere tanto M no tempo presente, reconstituindo momentos de seu passado, quanto a posição ocupada por ele em seu “santuário”. A ambiguidade é fortalecida pelo fato de que, na versão da SDR, M e M1 vestem o mesmo traje noturno. Dessa posição, ele reconstitui em imagens a rotina passada, ela mesma não mais que um esforço de evocação de uma terceira imagem: o rosto de uma mulher, uma imagem granulada, esmaecida, mais máscara que rosto, nitidamente distinta das demais, cujas aparições podiam se dar, conforme lembra a voz, de três maneiras distintas: aparecia por um breve momento, aparecia e se demorava ou então aparecia recitando os versos Yeats que dão título à peça. A voz ressalta, contudo, que, na maior parte das vezes (98% ou 99%), o rosto da mulher nunca aparecia.

Ao longo da peça, essas três imagens não formam uma continuidade, mas se apresentam em alternância constante. Os segmentos são repetidos por determinação de uma voz preocupada com a viabilidade de seu relato por imagens. As tentativas, repetidas e tateantes, que forçam a voz a retornar ao ponto de partida, são frequentes na obra de Beckett. Elas já marcavam presença no relato do suicídio em Eh Joe, mas, aqui, o procedimento é transformado. Na peça anterior, a repetição era um atributo exclusivo da voz, sem atrito com a continuidade do movimento de câmera, ao contrário do que ocorre em ...só as nuvens..., peça em que não apenas a narrativa, mas também o processo cênico como um todo, é repetido em sucessivas variações. Logo no início, a entrada em cena de M1 é interrompida, por não condizer com a situação reconstituída: “No, that is not right”. Poderíamos pensar que o problema estaria no desacerto entre as imagens que vemos e outras a que não temos acesso, imagens do passado que M guardaria em sua memória, mas que não se presentificam de modo adequado em sua primeira tentativa. Mas, como a sequência evidencia, o desacerto não estava na imagem, mas nas colocações da voz, ou seja, na introdução à narrativa. É assim que a voz, como muitos dos narradores de Beckett, retorna sobre os próprios passos para retificar a moldura que julga necessária à cena a que assistimos. No lugar de “quando eu pensava nela era sempre noite”, surge o “quando ela aparecia era sempre noite”, indicando que se trata justamente do aparecimento da imagem e não de sua mera lembrança ou pensamento. A questão da peça, como veremos, é a das condições para a exteriorização da memória em imagens. Pouco depois, quando o personagem desaparece em seu cômodo escuro, a voz determina a repetição de toda a sequência (com pausas mais breves no centro) para se certificar de que a apresentação estava correta: “Let us now make sure we have got it right”. Mais adiante, repete-se também a sequência mais longa, da chegada à casa aos três modos de aparição do rosto da mulher: “Let us now run through it again”47.

Se grande parte da obra de Beckett chama a atenção para a implicação mútua de memória, imaginação e narrativa, de Watt a Companhia, passando por Fim de partida e Passos, …só as nuvens... acrescenta uma nova dimensão ao tema, a saber, o experimento cênico com o qual se busca o ajuste entre imagens e palavras. Brater observa, mais uma vez:

É difícil dizer, no entanto, se é a imagem que imita as palavras ou palavras que imitam a imagem: qual ilustra qual? As palavras, que parecem encarregadas do que acontece no espaço da performance circular, são, ironicamente, “enlatadas” neste meio, assim como as próprias imagens. Sempre destinadas a serem emitidas da mesma forma, as palavras gravadas existem nessa peça como falas de V [voz]. Mas elas são, de fato, parte da composição em evolução de M. No processo de escrever, M = V. Ele inevitavelmente tenta capturar, na linguagem, a imagem que traz na mente, “aquela MINHA”, em sua própria imaginação. As palavras que ouvimos nesta peça servem, portanto, à mediação entre a imagem que M inventa ou lembra e aquela imagem bastante diferente transmitida diante de nós na tela.48

Mais que uma correspondência exata entre as imagens que vemos e a rotina passada, as repetições visam a construir uma narrativa por imagens da qual resulte o aparecimento do rosto que M1 por vezes contemplava em seu “santuário”. Como é frequente em Beckett, a memória organiza certas peças que a permitam capturar, em forma narrativa, vestígios da experiência passada. Nesse sentido, a voz busca criar no presente condições para que essa experiência – a aparição do rosto – mais uma vez se efetive.

Nesse contexto, é pertinente questionar qual o estatuto dessa imagem feminina. Um trecho do ensaio “O esgotado”, de Deleuze, vem a calhar. Ele afirma:

Trio-fantasma levava do espaço às portas da imagem. Mas …só as nuvens... penetra no “santuário”: o santuário é o lugar onde o personagem vai criar a imagem. […] O santuário tem apenas uma existência mental; é um “gabinete mental”, como dizia Murphy […]. A imagem é precisamente isso: não uma representação de objeto, mas um movimento no mundo do espírito. A imagem é a vida espiritual […]. O assunto de …só as nuvens... é essa necessidade do espírito, essa vida lá em cima. O que conta não é mais o espaço qualquer, mas a imagem mental a qual ele conduz. […] A imagem é um sopro, um fôlego, mas expirante, em vias de extinção. A imagem é o que se apaga, se consume, uma queda. É uma intensidade pura, que se define por sua altura, isto é, seu nível acima do zero, que ela só descreve ao cair.49

Nessa passagem, há elementos centrais da filosofia de Deleuze, como a concepção de imagem enquanto intensidade pura, distinta da mera representação de um objeto. Ao pensá-la como um movimento do mundo do espírito, algo que, na obra de Beckett, remontaria ao capítulo seis de Murphy, à mente de Murphy, Deleuze privilegia as imagens do rosto da mulher, negligenciando a voz e os percursos de M1 entre as zonas de luz e sombras. O que importa para ele é, de fato, a imagem do rosto como imagem mental, criada no santuário. Com isso, Deleuze define a peça para televisão como um “teatro do espírito que se propõe não a narrar uma história, mas a construir uma imagem”50.

Não é exagero dizer que Deleuze conta apenas uma parte da história. Ao identificar a imagem que vemos à imagem que aparecia a M1 em seu santuário, ele perde de vista o movimento completo da peça, em outras palavras, a mediação essencial, apresentada como uma narrativa, entre a voz e a imagem do rosto feminino. A rigor, a peça não se resume à mera recordação das aparições do rosto feminino, pois, se assim fosse, tanto a construção da cena como as repetições não teriam função. Essa mediação tem ao menos dois aspectos essenciais. Primeiro, a reconstituição passo a passo de uma rotina de evocação da imagem. No passado, fechar-se no santuário noturno era condição para o aparecimento da imagem, um ritual de persistência recompensado em apenas 1% ou 2% das ocasiões, uma porcentagem mínima decerto, mas suficiente para justificar a sua continuidade. Se, no presente, M não se recolhe mais para evocá-la, mas reconstitui a situação em que ela lhe aparecia, é plausível que a imagem feminina não apareça mais a ele. Sendo assim, o ritual perde o antigo sentido, levando M a buscar outros meios de evocá-la. O segundo aspecto reside no caráter encenado dessa reconstituição. A voz de M se coloca na posição de um diretor de cena e, como muitos narradores de Beckett, repete e retrabalha cada segmento de sua arte narrativa. …só as nuvens... extravasa essa dimensão narrativa para o âmbito da encenação. Aspectos desse processo podem ser reconhecidos em peças anteriores. Em Passos e Trio-Fantasma, por exemplo, a voz dirige os movimentos da personagem em cena. A novidade de ...só as nuvens... não está apenas no controle do processo pela voz, mas, talvez mais importante, na composição das imagens como exteriorizações materiais da memória.

A exteriorização da voz por meio da reprodução mecânica é um traço distintivo das peças televisivas e do teatro dos anos 1970. Ela confere forma cênica àquela demarcação tênue e porosa entre interior e exterior, referida certa vez por O Inominável como um tímpano. Salvo engano, somente em ...só as nuvens... (e em Noite e Sonhos) Beckett conferirá exterioridade imagética – e não apenas sonora ou linguística – a esse recurso narrativo, formulado a partir da dissolução das demarcações rígidas entre memória e imaginação. Não há como negar que as imagens na tela são imagens mentais, uma espécie de filme imaginário constituído pela voz ou por M na penumbra. Mas a cena de M1 também é apresentada de uma certa perspectiva (“olhava para a direção oposta exibindo o outro perfil”), identificada à da câmera, e emoldurada por uma narrativa sujeita a correções (“No, that is not right. When she appeared it was always night”51) de modo que a história seja contada até o aparecimento do rosto em suas três modalidades. Esses aspectos “cênicos” conferem tal exterioridade às imagens que impedem que sejam meramente caracterizadas como um artifício para o espectador visualizar as imagens mentais de um narrador. As imagens de …só as nuvens... podem ser melhor entendidas por meio de uma analogia com as vozes reproduzidas mecanicamente. Assim como a voz interna de Eh Joe é configurada pela voz de outros, as imagens internas visualizadas na tela indicam que a imaginação mesma tornou-se permeável à exterioridade de imagens fílmicas. Se Beckett volta, nessa peça, à primeira pessoa do singular, nem por isso ela é apreendida com um grau menos elevado de alteridade.

Beckett trabalha em um momento em que a experiência com o mundo é cada vez mais mediada por imagens tecnicamente produzidas, e sua obra reflete sobre essas circunstâncias ao apropriar-se dos novos meios com o intuito de chegar, por meio deles, mais uma vez às imagens mais caras. No passado, a imagem aparecia ao narrador como um fenômeno espiritual em um lugar em que ninguém poderia vê-lo (“Vanished within my little sanctum and crouched, where none could see me, in the dark”52). No presente, por sua vez, ela ressurge em um âmbito em que ele mesmo se coloca como um objeto em cena, consciente de que é visualizado de perfil em seu filme imaginário. Por esse motivo, a imagem do rosto que vemos, ao contrário do que indica Deleuze, não é a imagem espiritual vista por M1 em seu santuário, mas aquela acessível a M ou à voz por meio dessas mediações. Evidencia-se, assim, a especificidade da televisão, apontada por Beckett nessa peça: um meio técnico capaz de exteriorizar, em imagens, o trabalho narrativo da memória. Se esse é um potencial do meio desenvolvido com sucesso por Beckett, ele também é o índice de uma equação entre as imagens técnicas e as imagens da memória. Que o acesso ao passado seja mediado tecnicamente, e que as imagens daí resultantes mantenham um alto grau de exterioridade: com isso, Beckett mediu a dificuldade mesma de se apropriar subjetivamente da experiência passada. A dimensão da crise da experiência que ele enfrenta pode ser ressaltada por meio de uma discussão da posição do poema de Yeats na peça, cujos versos lhe emprestam o título.

Em um ensaio de juventude, “Poesia irlandesa recente” (1936), em que chama Yeats e outros poetas irlandeses de “antiquários”, Beckett se distanciou de temas caros ao poeta, menos estimado por ele que seu irmão, o pintor Jack W. Yeats. Ackerley e Gontarski chegam mesmo a esboçar uma lista desses temas: “nacionalismo irlandês, crepúsculo celta, especulação neoplatônica, crenças ocultas, retórica ornamentada”53. Essa posição crítica também era, certamente, um acerto de contas do jovem escritor com seus conterrâneos. Ao que consta, Beckett leu Yeats com mais apreço nos seus anos de maturidade, talvez valorizando mais o dramaturgo de peças como At the Hawk’s End que o poeta54. O poema “A torre” tem, no sentimento de transitoriedade e perecimento, um ponto comum aos dois escritores. Como lemos logo nos versos iniciais, Yeats insurge-se contra o declínio físico, ao mesmo tempo em que enaltece a força do intelecto e do sentimento.

What shall I do with this absurdity—

O heart, O troubled heart—this caricature,

Decrepit age that has been tied to me

As to a dog’s tail?

Never had I more

Excited, passionate, fanatical

Imagination, nor an ear and eye

That more expected the impossible—

No, not in boyhood when with rod and fly,

Or the humbler worm, I climbed Ben Bulben’s back

And had the livelong summer day to spend.55

Yeats insurge-se contra a decadência física, mas a aceita e prepara-se para a morte que se aproxima, conforme o trecho final, recitado em ...só as nuvens...:

Now shall I make my soul,

Compelling it to study

In a learned school

Till the wreck of body,

Slow decay of blood,

Testy delirium

Or dull decrepitude,

Or what worse evil come—

The death of friends, or death

Of every brilliant eye

That made a catch in the breath—

Seem but the clouds of the sky

When the horizon fades,

Or a bird’s sleepy cry

Among the deepening shades.56

Essa reconciliação – uma verdadeira despedida do mundo, tal como na morte dos antigos – é possibilitada por um recurso à tradição, não apenas aos mestres do passado, dos quais ele se sente próximo, mas também às gerações futuras, para as quais ele esboça o seu testamento, deixando o poema como um legado “aos que ficam de pé”. O sentimento de pertencer a uma tradição cultural duradoura, que o transcende na passagem do passado ao futuro, baliza a transição ocorrida no poema entre a exaltação de um papel heroico para o artista, cristalizado na imaginação apaixonada, e a aceitação da morte, na imagem de nuvens no horizonte crepuscular.

Se a decrepitude física e a busca persistente por imagens do passado também são temas da obra beckettiana, a dúvida a respeito da força do intelecto e da imaginação também o é, o que termina por distanciá-lo de Yeats. Por isso, cabe duvidar da confiança no aprendizado na escola dos antigos. Diante da dissipação das imagens como nuvens, Beckett retoma as palavras de um mestre antigo (Yeats), mas subvertendo a lição comunicada, pois essa tradição não é mais o porto seguro e duradouro onde a alma procura conforto. Como assinalou Brater, “Para o herói de Beckett, não haverá nenhuma torre elevada nem Bizâncio, mas somente o horizonte evanescente da memória, cinzas nas ‘sombras que se aprofundam’”57. Em sua versão original, o final de …só as nuvens... ainda esboçava um encontro intenso com o passado, graças à aparição derradeira do rosto feminino sincronizada com a voz recitando os quatro últimos versos do poema. Ao dirigir a peça para a SDR, Beckett estendeu o trecho para 15 versos, de modo a facilitar o seu reconhecimento, e fez com que fossem recitados sob a fundo da imagem de M curvado no escuro, enfraquecendo, portanto, o encontro entre imagem feminina e a voz por meio do poema. A mudança evidencia que o contato com a tradição é permeado por um estranhamento análogo ao da relação entre presente e passado na experiência individual. Se a questão de Yeats permanece para Beckett – “A imaginação atém-se mais a uma mulher conquistada ou a uma mulher perdida?” –, a imaginação, louvada por Yeats na idade madura como “exaltada, apaixonada, fantástica”, ainda se exterioriza em uma imagem cara à experiência individual, mas essa imagem pessoal não se aglutina mais com o ensinamento dos antigos.

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  • ZILLIACUS, Clas. Beckett and Broacasting. Abo: Abo Akadk, 1976.
  • 1
    . As peças originais são Eh Joe (Eh Joe), Trio-Fantasma (Ghost-Trio), ...só as nuvens… (...but the clouds…), Quadrado I+II (Quadrat I+II), Noite e sonhos (Nacht und Träume), Não eu (Not I), O que Onde (What Where). As versões do Süddeutuscher Não eu, foram lançadas em DVD pela Suhrkamp. Cf. BECKETT, Samuel. Filme für den SDR – He, Joe, Quadrat I und II, Nacht und Träume, Geister-Trio. Filmedition Suhrkamp. Frankfurt am Main. As versões da BBC estão disponíveis apenas nos arquivos do British Film. A tradução dos títulos é de minha autoria.
  • 2
    . ADORNO, Theodor W. Televisão e formação. In: ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 82.
  • 3
    . KALB, Jonathan. Beckett in Performance, Cambridge. Tradução minha.
  • 4
    . DELEUZE, Gilles. O esgotado. In: DELEUZE, Gilles. Sobre o teatro. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
  • 5
    . Cf. Esslin, Martin. Samuel Beckett and the art of broadcasting. In Esslin, Martin. Meditations. Essays on Brecht, Beckett and the Media. London: Eyre Methuen, 1980, p. 151.
  • 6
    . Um registro insubstituível dessa colaboração é dado por um texto do próprio Müller-Freienfells, em que ele relembra as diversas passagens de Beckett pelos estúdios da SDR. Cf. MÜLLER-FREIENFELLS, Reinhart. Erinnerungen an Samuel Beckett beim SDR. In: Hermann Fünfgeld (Org.), Von außen besehen Markenzeichen des Süddeutschen Rundfunks, Stuttgart: Südfunk-Hefte, 1998, 403-423, p. 408. Conforme o relato, o contato entre ambos foi feito por um amigo em comum, Werner Spies, durante uma visita de Müller-Freienfels a Paris, em 1965.
  • 7
    . BENJAMIN, Walter. O autor como produtor. In: BENJAMIN, Walter. Ensaios sobre Brecht. São Paulo: Boitempo, 2018.
  • 8
    . Cf. BIGNELL, Jonathan. Beckett on screen. The television plays. Manchester: Manchester University Press, 2009, p. 100 e 185.
  • 9
    . Para uma discussão abrangente e muito bem informada da implantação da televisão alemã no pós-guerra e do filme televisivo como gênero, em particular na SDR, cf. HICKETHIER, Knut. Das Fernsehspiel der Bundesrepublik. Themen, Form, Struktur, Theorie und Geschichte 1951, 1977. Stuttgart: Metzler, 1980.
  • 10
    . Cf. HICKETHIER, Knut. Op. cit., p. 207-212.
  • 11
    . Cf. ENZENSBERGER, Hans Magnus. Baukasten zu einer Theorie der Medien. Kursbuch 20, 1970; NEGT, Oskar;KLUGE, Alexander. Das öffentlich-rechtliche Fernsehen – in konkrete Technik umgesetzte bürgerliche Öffentlichkeit, In: NEGT, Oskar; KLUGE, Alexander.Öffentlichkeit und Erfahrung. Zur Organisationsanalyse von bürgerlicher und proletarischer Öffentlichkeit. Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1972.
  • 12
    . BENJAMIN, Walter. Op.cit., p. 95.
  • 13
    . ENZENSBERGER, Hans Magnus. Baukasten zu einer Theorie der Medien, p. 169. Em direção semelhante, cf.NEGT, Oskar; KLUGE, Alexander. Op. cit., p. 195. Tradução minha.
  • 14
    . Cf. Adorno, “Televisão e Formação”, p. 77.
  • 15
    . NEGT, Oskar; KLUGE, Alexander. Op. cit., p. 198-9.. Tradução minha.
  • 16
    . Cf. KAES, Anton. Einführung. In: Kino-Debatte. Texte zum Verhältnis von Literatur und Film, 1909-1929. München: Deutscher Taschenbuch Verlag; Tübingen, Niemeyer, 1978.
  • 17
    . BIGNELL, Jonathan. Op. Cit, p. 37. Tradução minha.
  • 18
    . Cf. HICKETHIER, Knut. Geschichte des deutschen Fernsehens. Stuttgart: Metzler, 1998, p. 122, 149, 215. Bignell aponta que Eh Joe foi produzida em videotape, assim como as produções da SDR, mas as posteriores na BBC foram feitas em filme.
  • 19
    . ADORNO, Theodor. Prolog zum Fernsehen In:ADORNO, Theodor. Gesammelte Schriften 10.1. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1999, p. 509.
  • 20
    . HICKETHEIER, Knut. , Op. cit., 1998, p. 82, 152;HICKETHIER, Knut. Op. cit., 1980, p. 42.
  • 21
    . BIGNELL, Jonathan. Op. cit., p. 17. Tradução minha.
  • 22
    . Cf. HICKETHIER, Knut. Op. cit., 1980, pp. 41-2.
  • 23
    . ESSLIN, Martin. Op. cit., p. 151. Tradução minha. Cf. também KALB, Jonathan. Op. cit., pp. 115-6.
  • 24
    . Zilliacus observa que a peça foi produzida em Stuttgart com sincronicidade entre registro da imagem e da voz, ao contrário da produção da BBC, que as gravou de maneira independente, deixando a junção para a fase da montagem. Cf. ZILLIACUS, Clas. Beckett and Broacasting. Abo: Abo Akadk, 1976, p. 199.
  • 25
    . Para uma análise da gênese da peça, com comparação dos diversos manuscritos, cf. GONTARSKI, S. E., The intent of undoing in Samuel Beckett’s dramatic texts. Bloomington: Indiana University Press, 1985, pp. 116-7.
  • 26
    . BECKETT, Samuel. Eh Joe. In: BECKETT, Samuel. The Complete Dramatic Works. London: Faber & Faber, 1990, pp. 362-3.
  • 27
    . Cf. ACKERLEY, Chris. ‘Ever know what happended?’ Shades and echoes in Samuel Beckett’s television plays. Journal of Beckett Studies, Vol. 18, 2009, p. 141.
  • 28
    . BECKETT, Samuel. Op. cit., p. 364.
  • 29
    . BECKETT, Samuel. Op. cit., p. 365.
  • 30
    .BECKETT, Samuel. Ibidem, p. 366.
  • 31
    . BECKETT, Samuel. Ibidem.
  • 32
    . BECKETT, Samuel. Ibidem, p. 366.
  • 33
    . ZILLIACUS, Clas. Op. cit., p. 191. Ver também o seguinte comentário: “A história é contada tal como Joe imagina que ela deveria ser contada. A voz é, ao mesmo tempo, uma mulher de seu passado e a projeção de seus próprios medos e angústias. […] Beckett volta às duas dimensões da TV, auditiva e visual, uma contra a outra; isso permite a ele externalizar um processo que é experimentado pelo protagonista de seu drama como externo. Fica a cargo do espectador decidir pelo subjetivismo do processo”. In: Ibidem, p. 194. Traduções de minha autoria.
  • 34
    . GONTARSKI, S.E. Op. cit., p. 121.
  • 35
    . Como relata Müller-Freienfels, mesmo na produção de 1965, com Deryk Mendel, Beckett enfrentou dificuldades com o excesso de atuação de seu ator. Na comparação entre as duas produções de Stuttgart, vê-se que o jogo de luz e sombras é muito mais acentuado em 1965 do que em 1979, a qual se encontra mais próxima das tonalidades de cinza de Trio Fantasma. O andamento da voz na segunda produção é nitidamente mais rápido, o que lhe enfatiza o tom acusatório. Joe, por sua vez, demonstra ser atingido de maneira mais forte pela voz. Seu corpo se contrai mais e a atuação assume um feitio psicológico, quase melodramático, o que desagradou fortemente Beckett. Ele partiu de Stuttgart decepcionado com o resultado e, como relata Müller-Freienfels, caso a emissora decidisse reprisar a peça, deveria optar pela versão anterior. Cf. MÜLLER-FREIENFELLS, Erinnerungen an Samuel Beckett beim SDR, p. 404 e 414.
  • 36
    . BIGNELL, Jonathan. Op. cit., pp. 23-4. Observações semelhantes, ainda que mais pontuais, podem ser encontradas em ZILLIACUS, Clas. Op. Cit., p. 197. Tradução minha.
  • 37
    . Cf. MÜLLER-FREIENFELS.Op. cit., p. 408.
  • 38
    . BIGNELL, Jonathan. Op. cit., p. 23. Tradução minha.
  • 39
    . BIGNELL, Jonathan.Ibidem, pp. 20-1. Tradução minha.
  • 40
    . Cf. ZILLIACUS, Clas. Op. cit., p. 191.
  • 41
    . BRATER, Enoch. Beyond Minimalism. Beckett’s Late Style in the Theater. Oxford: Oxford University Press, 1987, pp. 106-7.
  • 42
    . Para as circunstâncias dessa nova estadia de Beckett em Stuttgart, cf. o texto já citado de MÜLLER-FREINFELS. Konrad Körte, engenheiro de som da equipe da SDR, discutiu questões técnicas da produção de Trio-Fantasma em KÖRTE, Konrad. Beckett listens. Sound production for the 1977 Geistertrio. In: Samuel Beckett Today / Aujourd’hui 28 (2016), p. 107–115. Para uma breve comparação entre as versões alemã e inglesa das duas peças, cf. BISCHOP, Tom. Beckett transposing, Beckett transposed. Plays on television. In: FRIEDMAN, ROSSMAN, SHERZER (eds.). Beckett translating / Translating Beckett. University Park and London: The Pennsylvania State University Press, 1987.
  • 43
    . KNOWLSON, James. Damned to fame. The life of Samuel Beckett. London: The Grove Press, 2004, p. 621.
  • 44
    . Carta de Beckett a Müller-Freienfells de 13.12.1976. Cf. CRAIG, George; FEHSENFELD, Martha Dow; GUNN, Dan; OVERBECK, Lois More (Org.). The Letters of Samuel Beckett, vol 4, 1966-1989. Cambrige: Cambridge University Press, p. 445.]
  • 45
    . Cf. HERREN, Graley. Samuel Beckett’s Plays on Film and Television. London: Palgrave Macmillan, 2007, p. 98.
  • 46
    . BRATER, Enoch. Op. cit., p. 100. Tradução minha.
  • 47
    . Cf. BECKETT, Samuel. Op. cit. p. 420-1.
  • 48
    . BRATER, Enoch. Op. cit., p. 102. Tradução minha.
  • 49
    . DELEUZE, Gilles. Op. cit., pp. 100-4. Para um bom comentário da interpretação de Deleuze, Cf. GARDNER, Colin. Beckett, Deleuze and the televisual event. Peephole art. London, Palgrave Macmillan, 2012, pp. 140-153.
  • 50
    . DELEUZE, Ibidem, p. 104.
  • 51
    . BECKETT, Samuel. Op. cit., p. 419.
  • 52
    . BECKETT, Samuel. Op. cit., p. 419.
  • 53
    . ACKERLEY, Chris; GONTARSKI, S. E. The Faber Companion to Samuel Beckett. London: Faber & Faber, 2004. p. 1067.
  • 54
    . Para uma boa discussão da recepção de Yeats por Beckett. Cf. HERREN, Op. cit., pp. 93-6.
  • 55
    . YEATS, W. B. The Tower. In: The Collected Poems of W. B. Yeats. New York: Scribner Paperback Poetry, 1996, p. 194.
  • 56
    . YEATS, Op. cit, pp. 199-200.
  • 57
    . BRATER, Enoch. Op. cit., p. 98.
  • **
    Uma versão reduzida deste artigo foi anteriormente publicada sob o título: “Die Autonomie des Fernsehspiels. Samuel Becketts ‘He, Joe’ und ‘...nur noch Gewölk...’ beim Süddeutschen Rundfunk”. In: WEIMARER BEITRAEGE, v. 65-1, p. 29-51, 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2019
  • Aceito
    15 Nov 2019
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