Resumo
A partir da técnica de velocidade de propagação de onda ultrassônica (VPU) é possível avaliar propriedades mecânicas de concretos, incluindo o concreto reforçado com fibras (CRF). Assim, o objetivo deste trabalho é verificar possíveis correlações entre as propriedades mecânicas do CRF e VPU, com base em dados experimentais de publicações selecionados após uma revisão sistemática da literatura. Também foram avaliadas relações entre a VPU e a resistência à compressão a partir de modelos propostos por pesquisadores. Aplicou-se a técnica de rede neural artificial (RNA) para analisar quais propriedades, quando associadas com a VPU, auxiliam na estimativa da resistência à compressão do CRF. Observou-se que os modelos propostos pela literatura para estimar a resistência à compressão por meio da VPU não foram eficazes. O modelo de RNA resultou em um coeficiente de determinação de 0,973, uma acurácia de 3,18 MPa e utilizou como dados de entrada a VPU, o consumo de cimento e a relação a/c, além de três neurônios na camada escondida e um dado de saída (resistência à compressão).
Palavras-chave: Concreto reforçado com fibras; Fibras de aço; Propriedades mecânicas; Velocidade de propagação de onda ultrassônica; Rede neural.
Abstract
The ultrasonic wave propagation velocity (UPV) technique enables the evaluation of mechanical properties of concrete, including fiber reinforced concrete (FRC). Therefore, the objective of this study is to verify potential correlations between the mechanical properties of FRC and UPV, based on experimental data selected after a systematic literature review. Additionally, relationships between UPV and compressive strength were assessed using models proposed by researchers. An artificial neural network (ANN) technique was applied to analyze which properties, when associated with UPV, assist in estimating the compressive strength of FRC. It was observed that the literature-proposed models for estimating compressive strength using UPV proved to be ineffective. The ANN model resulted in a determination coefficient of 0.973, an accuracy of 3.18 MPa, utilizing UPV, cement consumption, and the water-to-cement ratio as input data, with three neurons in the hidden layer and one output data (compressive strength).
Keywords: Fiber Reinforced Concrete; Steel fibers; Mechanical properties; Ultrasonic pulse velocity; Neural network.
Introdução
A fim de obter materiais de construção com maior resistência e durabilidade, constantes pesquisas são desenvolvidas na Engenharia, resultando na adoção de novas tecnologias. O concreto reforçado com fibra (CRF) é um exemplo de material de construção com propriedades superiores em comparação ao concreto convencional. A inclusão de fibras no concreto reduz a fissuração e melhora algumas propriedades mecânicas, por exemplo, a resistência à tração, tenacidade e ductilidade, quando as fibras são distribuídas de maneira homogênea e utilizadas em quantidade adequada (Bolat et al., 2014; Song; Hwang, 2004), sendo a principal justificativa para sua utilização no concreto (Thomas; Ramaswamy, 2007).A transformação do comportamento frágil do concreto em comportamento dúctil, auxilia a retardar a propagação e a abertura de fissuras (Benaicha et al., 2015). Entretanto, as fibras também podem ter efeitos negativos em algumas propriedades do concreto, como a trabalhabilidade, que é reduzida com o acréscimo da adição de fibras (Afroughsabet; Biolzi; Ozbakkaloglun, 2016).
Observações distintas quanto a influência das fibras nas propriedades de resistência à compressão e do módulo de elasticidade são observadas na literatura. Tsioulou, Lampropoulos e Paschalis (2017) concluíram que as fibras de aço melhoram a resistência à compressão do concreto e não afetam o módulo de elasticidade do material. Suksawang, Wtaife e Alsabbagh (2018) observaram uma redução do módulo de elasticidade, em média 10%, mesmo havendo um acréscimo na resistência à compressão. Por outro lado, Benaicha et al. (2015) verificaram que com o aumento da quantidade de fibras, o módulo de elasticidade teve um pequeno aumento enquanto Shi et al. (2020) afirmam que não há evidências suficientes indicando que o módulo de elasticidade e a resistência à compressão possa ser correlacionada com o volume de fibras incorporado ao concreto.
Sabe-se que as propriedades mecânicas do CRF podem ser afetadas por diversos fatores, que incluem a geometria da amostra, o tempo de cura, a relação água/cimento, os tipos de cimento, a geometria das fibras, a razão de aspecto (comprimento da fibra/diâmetro equivalente), o volume de fibra, entre outras (Xu; Shi, 2009). Desse modo, muitos pesquisadores têm estudado as propriedades mecânicas do CRF utilizando a técnica de velocidade de propagação de onda ultrassônica (VPU), que é um método eficaz e não destrutivo utilizado na avaliação das propriedades do concreto (Benaicha et al., 2015; Trtnik; Kavčič; Turk, 2009; Nematzadeh, Tayebi, Samadvand, 2021; Nikbin et al., 2022). Estudos como o de Tabatabaeian et al. (2017), Hassan e Jones (2012) e Qasrawi (2000) afirmam que a propagação de ondas ultrassônicas é a técnica de ensaio não destrutivo mais utilizada na caracterização mecânica de materiais cimentícios devido a confiabilidade, facilidade e economicidade.
Os resultados da VPU do CRF diferem da do concreto convencional, sem fibras, por duas razões. Primeiro, como a VPU medida é diretamente proporcional à densidade do meio em que é transmitida, a adição de fibras pode alterar a densidade do concreto e, portanto, os resultados da VPU. E segundo, porque o nível de compactação e, consequentemente, a porosidade do concreto pode ser influenciada pela incorporação de diferentes quantidades de fibras (Ashrafian et al., 2018).
O ensaio de velocidade de propagação de onda ultrassônica para avaliar a qualidade do concreto é feito através de uma sonda (Nematzadeh; Tayebi; Samadvand, 2021).Velocidades mais altas especificam uniformidade e qualidade do concreto, enquanto velocidades mais baixas podem indicar concreto com fissuras ou vazios (ASTM, 2016). Os resultados obtidos por Benaicha et al. (2015) mostraram que a velocidade do pulso ultrassônico pode ser muito útil para estudar a homogeneidade e a qualidade do concreto reforçado com fibra de aço. Entretanto, ressaltam que uma estimativa da resistência do concreto deve ser feita em conjunto com uma correlação obtida em testes de laboratório em um concreto com as mesmas condições. Ainda, é difícil avaliar com precisão a relação entre resistência à compressão do concreto e a velocidade do pulso ultrassônico, uma vez que os valores da velocidade são afetados por diversos fatores, que por vezes não influenciam a resistência à compressão do concreto (Trtnik; Kavčič; Turk, 2009). Essa relação é afetada pelo tamanho e teor do agregado; tipo e teor de cimento; relação água/cimento; e tipo e conteúdo da fibra (Hedjazi; Castillo, 2020).
Testes foram realizados para determinar o efeito das fibras na velocidade de pulso ultrassônico e na resistência à compressão do CRF e observou-se que a velocidade de pulso ultrassônico diminuiu com a adição de fibras de aço (Hedjazi; Castillo, 2020; Yazici; Inan; Tabak, 2007). O motivo da redução é o desenvolvimento de vazios e a não homogeneidade, que retarda a velocidade do pulso ultrassônico. Hedjazi e Castillo (2020) observaram ainda que as equações encontradas na literatura que relacionam a VPU do CRF com a sua resistência à compressão apresentaram altos coeficientes de variação (variando de 23,2% a 78,6% para o CRF com fibras de aço).
No estudo, incluiu-se ainda a análise por redes neurais artificiais (RNA), como uma ferramenta computacional, para simular as interações entre as variáveis: VPU, consumo de cimento e relação a/c que impactam na resistência à compressão do concreto. Uma RNA é uma espécie de modelo de machine learningque é capaz de aprender a partir de um conjunto de dados de entrada e de saída,baseado na estrutura e operação do cérebro humano, sendo formada por camadas de nós comunicativos, ou “neurônios”, que processam e enviam dados (Dinesh et al., 2023; Almasaeid; Suleiman; Alawneh, 2022). Recentemente, diversos pesquisadores tem aplicado RNA para avaliar o comportamento do CRF (Ikumi et al., 2021; Congro et al., 2021;Suganya; Gowsalyaa; Theenathayalan, 2022; Sivasubramanian et al., 2022;Mahesh; Sathyan, 2022; Hossain; Uddin; Hossain, 2023).
Desse modo, o objetivo geral do presente trabalho é: analisar as correlações entre as propriedades mecânicas de resistência à compressão, resistência à tração, módulo de elasticidade e velocidade de propagação de onda ultrassônica em concretos reforçados com fibras de aço através da análise de resultados experimentais disponíveis na literatura; avaliar relações entre VPU e resistência à compressão do concreto baseado em modelos propostos por pesquisadores; e identificar quais variáveis quando associadas com a velocidade de pulso ultrassônico, auxiliam na estimativa da resistência à compressão adotando a técnica de rede neural artificial.
Método
Seleção dos trabalhos
A metodologia do presente estudo, para selecionar os trabalhos sobre propriedades mecânicas e velocidade de propagação de onda ultrassônica de concreto com fibras de aço, consistiu em realizar uma revisão sistemática da literatura baseado no método proposto por Pagani, Kovaleski e Resende (2015). Consultou-se as bases de dados Science Direct e Scopus através de aplicação de filtros nos sistemas de busca e adoção de combinações de palavras-chave, de modo a coletar os trabalhos mais representativos do tema. As combinações de palavras-chave adotadas foram:
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(“FRC” OR “fiber reinforced concrete”) AND “steel fibers” AND “compressive strength”;
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(“FRC” OR “fiber reinforced concrete”) AND “steel fibers” AND (“modulus of elasticity” OR “elastic modulus”);
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(“FRC” OR “fiber reinforced concrete”) AND “steel fibers” AND “compressive strength” AND (“elastic modulus” OR “modulus of elasticity”); e
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(“FRC” OR “fiber reinforced concrete”) AND “steel fibers” AND (“ultrasonic test” OR “ultrasonic pulse velocity”).
O resultado, contemplado pelas palavras-chave, estão apresentados na Tabela 1 e resultaram na seleção de 22 artigos com dados compatíveis para correlações.
Os dados experimentais dos artigos foram extraídos e organizados com as seguintes taxas de fibra de aço: 0, 0,5%, 1,0%, 1,5% e 2,0%. Além de ser dividido em concretos com resistência até 50 MPa e acima de 55 MPa, que são concretos considerados de alta resistência segundo a NBR 8953 (ABNT, 2015).
Seleção de modelos para aplicação em banco de dados
Para avaliar as relações entre a VPU e a resistência à compressão do concreto, selecionou-se equações propostas por pesquisadores (Quadro 1). Desse modo, foi possível determinar correlações entre a propriedade obtida pela aplicação das equações versus resultados experimentais.
Previsão da resistência à compressão auxiliada por rede neural
Aplicou-se a técnica de rede neural artificial (RNA) para avaliar quais propriedades, quando associadas com a velocidade de pulso ultrassônico, auxiliam na estimativa da resistência à compressão de concretos reforçados com fibras.
Na Figura 1 apresenta-se o Perceptron Multicamadas completo (do inglês Multilayer Perceptrons - MLP), que é composto de quatro dados de entrada: velocidade de pulso ultrassônico (VPU) em km/s, consumo de cimento (C) em kg/m³, relação água/cimento (a/c) e volume de fibras (Vf) em %; quatro camadas neurais escondidas e um neurônio de saída - resistência à compressão (fcm), em MPa. A partir deste MLP completo, diferentes configurações são obtidas considerando a combinação dos diferentes dados de entrada (estabelecendo que o VPU deve aparecer em todas as configurações) e a quantidade de neurônios na camada neural escondida (variando de um até a quantidade de dados de entrada).
Equações propostas de correlação entre resistência à compressão de concreto reforçado com fibras com a velocidade de propagação de onda ultrassônica
Diagrama Perceptron Multicamadas com quatro dados de entrada, uma camada oculta de quatro neurônios e um neurônio de saída
No total, 20 configurações foram treinadas e avaliadas utilizando um banco de dados com 60 grupos. A metodologia utilizada no presente estudo foi adaptada do trabalho de Shaikhina e Khovanova (2017) devido a limitação do banco de dados em relação à baixa quantidade de dados disponíveis. Para cada configuração de RNA, foram conduzidos 50 ciclos de aprendizado supervisionado (treinamento e teste). Durante cada ciclo de aprendizado supervisionado, três fontes de aleatoriedade foram incorporadas:
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divisão aleatória do conjunto de dados em dois subgrupos, sendo 70% dos dados destinados ao treinamento e os restantes 30% para avaliação;
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inicialização aleatória dos pesos e vieses na camada neural escondida; e
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variação aleatória na ordem de apresentação dos dados durante o treinamento e teste.
Consequentemente, os 50 ciclos de aprendizado supervisionado foram distintos entre si, possibilitando uma análise comparativa dos indicadores de desempenho (como coeficiente de determinação, média do erro absoluto e desvio padrão do erro absoluto). Essa abordagem permitiu a identificação do modelo mais eficaz para cada configuração específica da RNA. Considerando todas as configurações, foram executados 1000 treinamentos
O indicador de desempenho para avaliação da RNA ótima foi o coeficiente de determinação (R²). Este coeficiente quantifica a proporção da variância da força compressiva real (dado experimental obtido durante a revisão da literatura) com a obtida a partir da configuração da RNA adotada.
Resultados e discussões
Correlações entre propriedades
Os resultados de correlação obtidos serão apresentados separadamente para: módulo de elasticidade x resistência à compressão, resistência à tração x resistência à compressão e velocidade de propagação de onda ultrassônicax resistência à compressão.
Módulo de elasticidade x Resistência à compressão
Todos os resultados experimentais foram obtidos após 28 dias de cura, onde os valores do módulo de elasticidade foram determinados através do diagrama tensão x deformação resultante do ensaio de compressão.
Na Figura 2 são apresentados os gráficos de resistência a compressão x módulo de elasticidade contemplando os resultados experimentais bem como valores de referência do módulo de elasticidade inicial determinado a partir das Equações 1 e 2. Ressalta-se que, as Equações 1 e 2 são apresentadas pela NBR 6118 (ABNT, 2014) e se referem a concreto sem fibras. A plotagem dos modelos de estimativa em todos os gráficos da Figura 2 serve para enfatizar a diferença de comportamento do concreto com a incorporação das fibras de aço.
Onde Eci e fck são em MPa e os valores de a E dependem do tipo do agregado graúdo.
Adota-se αE =1,2 para basalto e diabásio, αE =1,0 para granito e gnaisse, αE =0,9 para calcário e αE =0,7 para arenito. Destaca-se que a maioria dos dados experimentais não apresentavam indicação do tipo de agregado empregado, por esse motivo apresentam-se as curvas das estimativas para todas as situações. Além disso, a NBR 6118 (ABNT, 2014) não apresenta estimativa de módulo de elasticidade para concretos com mais de 90 MPa, por isso para todos os volumes de fibras o resultado da norma foi limitado por esse valor.
Analisando a Figura 2a, observa-se que para o concreto sem fibras com resistência até 50 MPa, alguns resultados experimentais apresentam-se dispersos, porém a maioria dentro da faixa de abrangência dos valores de módulo de elasticidade resultantes da aplicação da equação da NBR6118 (ABNT, 2014) para diferentes tipos de agregado. Para os dois valores experimentais de módulo de elasticidade que estão abaixo da curva de referência αE = 0,7, destaca-se que para o concreto com resistência de 50,1 MPa o agregado graúdo foi um granito e para o concreto com resistência de 42,3MPa o tipo de agregado graúdo não foi citado no artigo. Eliminando esses dados, a correlação linear entre os resultados experimentais é de 0,90981 (ver Figura 3). Para o concreto sem fibras, com resistência acima de 55 MPa, observa-se que os resultados estão dentro da faixa de resultados, mas não apresentam uma boa correlação linear. Eliminando os valores próximos da curva de curva de referência αE = 0,7, o coeficiente de correlação vai para 0,94026 (ver Figura 3).
Módulo de elasticidade estático x Resistência à compressão para diferentes volumes de fibras
Observa-se que, para os demais volumes de fibras, os resultados experimentais dos diversos artigos pesquisados também foram dispersos. Entretanto, é possível observar que para todas as taxas (0,5%, 1,0%, 1,5% e 2,0%) a maioria dos valores de módulo de elasticidade estão mais próximos a curva com αE = 0,9 e αE = 0,7, podendo constatar que proporcionalmente os valores de módulo de elasticidade baixaram com a adição de fibras.
Verifica-se ainda, que para todos os volumes de fibras melhores correlações foram obtidas para concretos com resistência à compressão acima de 55 MPa.
Resistência à tração x Resistência à compressão
Todos os resultados experimentais referem-se a ensaios realizados aos 28 dias, sendo os ensaios de resistência à tração realizados por compressão diametral, exceto para o artigo de Shi et al. (2020) que apenas cita que foi adotado ensaio uniaxial.
Na Figura 4são apresentados os gráficos de resistência à tração x resistência à compressão contemplando os resultados experimentais bem como valores de referência da resistência média à tração direta determinados a partir das Equações 3 e 4. Ressalta-se que essas equações são apresentadas pela NBR 6118 (ANT, 2014) e se referem a concreto sem fibras. Estes modelos de estimativa também foram plotados nos gráficos da Figura 4, nos concretos com fibras, para gerar uma comparação do padrão de comportamento em relação ao concreto sem fibras de aço.
Onde fctm e fck são em MPa.
Observando os resultados experimentais dos ensaios, verifica-se que a melhor correlação foi obtida no concreto sem fibras (Figura 4a), seguido respectivamente do concreto com taxa de 1,5% (Figura 4d), 1,0% (Figura 4c) e 0,5% (Figura 4b). Porém, os resultados foram dispersos, não sendo possível obter uma boa correlação em nenhum volume de fibras. No entanto, observa-se claramente ao comparar os resultados experimentais, com diversos volumes de fibras de aço, que os valores de resistência à tração são maiores no concreto com maior adição de fibras. De fato, essa é uma das principais características e vantagens do emprego de fibras em concreto. É possível observar ainda que, a curva resultante da norma NBR 6118 (ABNT, 2014) refere-se a concreto sem fibras, portanto os valores experimentais ficaram, em sua maioria, acima dessa referência. Tal fato, não foi observado com os resultados experimentais de Shi et al. (2020), sendo que para todas as taxas de fibra, os resultados experimentais ficaram abaixo da curva referência da norma.
Resistência à tração x Resistência à compressão para concretos com diferentes volumes de fibras
Velocidade de propagação de onda ultrassônica (VPU) x Resistência à compressão
Para os dados experimentais dos artigos que abordaram velocidade de propagação de onda ultrassônica, observou-se que as taxas de fibra de aço adotadas no concreto foram diversas: 0, 0,10%, 0,17%, 0,20%, 0,25%, 0,3%, 0,4%, 0,425%, 0,5%, 0,75%, 0,83%, 1,0%, 1,25%, 1,3%, 1,5%, 2,0% e 2,5%. Tal variação dificultou um agrupamento dos resultados. Além disso, a adoção de diferentes traços de concreto, o modo de leitura com o aparelho de ultrassom: direto, semi-direto e indireto, condições de umidade e data da leitura após a concretagem também influenciaram nos resultados.
A Figura 5 apresenta um panorama geral dos dados extraídos dos artigos quanto a relação de resistência à compressão xVPU (padronizando a escolha de dados efetuados pela leitura direta), referentes a leituras para 7 dias, 28 dias e acima de 28 dias (44, 56 ou 90 dias a depender do artigo).
Na Figura 5, com todos os dados disponíveis de leitura de velocidade do pulso ultrassônico, observa-se uma dispersão bem significativa dos valores obtidos, podendo verificar correlação apenas em algumas regiões. Quanto à evolução da velocidade de propagação de onda ultrassônica após a data da concretagem, observa-se que as maiores velocidades são obtidas em maiores idades.
Com o intuito de refinar a análise e estabelecer uma possível correlação da resistência à compressão com a velocidade de propagação de onda ultrassônica, foram considerados os resultados apenas para os mesmos volumes de fibras. A Figura 6 apresenta os dados para o concreto sem fibras (Figura 6a), 0,5% (Figura 6b), 1,0% (Figura 6c) e 1,5% (Figura 6d), com a leitura de ultrassom aos 28 dias. As quantidades de pontos não são as mesmas para os quatro gráficos apresentados, pois cada artigo analisado adotou diferentes volumes de fibra, sendo que apenas para o concreto sem fibras é que todos os artigos estão representados.
Observa-se na Figura 6 que as correlações iniciais obtidas para os resultados experimentais entre VPU x resistência à compressão foram bem baixas, sendo de 0,2367; 0,02487; 0,01405 e 0,27239 para os concretos sem fibras, 0,5%, 1,0% e 1,5%, respectivamente.
Para o concreto sem fibras, dois pontos resultaram em velocidades de aproximadamente 5800 m/s, sendo que nesses dois artigos o tipo da leitura realizada para definição da velocidade não foi informado. Se for eliminado estes dois dados, a correlação linear seria de 0,68452 (ver Figura 7a). Para o concreto com taxa de 0,5% os resultados referem-se a sete artigos, onde os resultados estão bem dispersos. Eliminando os valores obtidos no estudo de Tabatabaeian et al. (2017) e de Hedjazi e Castillo (2020) que resultaram em maiores velocidades proporcionalmente a resistência à compressão, a correlação linear é de 0,54011 (ver Figura 7b). Para o volume de 1,0% os resultados contemplam apenas seis artigos, a mesma quantidade para o volume de 1,5%. Não se obteve mais dados para essas taxas, pois os demais artigos consultados tinham volumes de fibras adotados diferentes. No volume de 1,0% se for eliminado os dados que apresentaram menores valores VPU a correlação linear é de 0,63735 (ver Figura 7c). Para o volume de 1,5%, eliminando o resultado do artigo de Hedjazi e Castillo (2020), a correlação obtida é de 0,71879 (ver Figura 7d).
VPU x Resistência à compressão para concretos com volume de fibras variando entre 0 e 2,5% e com leitura VPU em três idades
Com os ajustes propostos, verifica-se que foi possível uma melhor correlação entre os resultados de velocidade de propagação de onda ultrassônicax resistência à compressão. Entretanto, é possível observar que não existem muitos estudos de aplicação do ensaio não destrutivo de velocidade de propagação de onda ultrassônica em concreto com fibras. E nos artigos consultados as taxas de fibras adotadas, por cada autor, é bem variada, sendo difícil estabelecer uma correlação.
Resistência à compressão obtida por equações versus valores experimentais
Considerando os resultados experimentais de velocidade de propagação de onda ultrassônica, foi realizada a aplicação das equações propostas na literatura e informadas no Quadro 1. A Figura 8 apresenta o gráfico entre a resistência à compressão obtida pelas equações x a resistência à compressão obtida experimentalmente.
Em análise a Figura 8, observa-se que a relação não foi satisfatória para correlação, o que indica que tais equações não são modelos adequados para previsão de propriedades mecânicas (resistência à compressão) de concretos com fibras. Desse modo, é necessário maiores estudos para o entendimento e aplicação dos resultados obtidos e a proposição de futuros modelos cuja eficiência seja comprovada para correlações.
Previsão da resistência à compressão auxiliada por rede neural
Análises
Na Figura 9 podem ser observados os resultados de R² para cada uma das configurações de RNAs avaliadas. Analisando as 20 configurações de RNAs (ressalta-se novamente que todas as configurações estudadas contam com pelo menos o VPU como dado de entrada - ver Figura 9a), verifica-se que o R² varia de 0,211 até 0,988. Essa variação indica que algumas configurações analisadas não representam bem o comportamento físico analisado.
Deste modo, foram analisadas a influência de cada um dos outros dados de entrada: consumo de cimento (C) - Figura 9b; relação água/cimento (a/c) - Figura 9c; volume de fibras (Vf) - Figura 9d. Em cada análise, foram calculados os valores médios de R² com as considerações com e sem o dado de entrada em estudo.
Observa-se na Figura 9b que o R² médio das configurações sem o dado de entrada “consumo de cimento” foi de 0,504 e aumentou para 0,664 (melhora de 131,76 %) ao avaliar as configurações que apresentavam como um de seus dados de entrada o “consumo de cimento”. A consideração do dado de entrada “a/c” foi a que apresentou o efeito mais significativo na performance da RNA, apresentando um aumento no valor médio de R² de 0,352 para 0,765 (melhora de 217,25 %). Por outro lado, os resultados do dado de entrada “Vf” foi o que não apresentou benefício na performance da RNA, reduzindo o valor médio do R² de 0,611 para 0,593 (piora de 2,93 %).
Resistência à compressão obtida pelas equações propostas na literatura x resistência à compressão experimental
Segundo Ikumi et al. (2021), a baixa relevância (baixa diferença entre os valores médios de R² - por exemplo o encontrado no dado de entrada “Vf”) detectada para um dado de entrada não significa necessariamente que ele não é relevante para o dado de saída. A baixa relevância pode indicar que o dado de entrada fornece uma informação redundante, isto é, que já foi contemplada por outro dado de entrada.
Modelo final
Na Figura 10 pode ser observada a configuração ótima da RNA (modelo final), que corresponde ao modelo como maior valor de R² (0,973). O modelo final descrito pela Equação 6 utiliza três dados de entrada (VPU, consumo de cimento e relação a/c), três neurônios na camada escondida e um dado de saída (resistência à compressão).
A função de ativação dos neurônios da camada neural escondida utilizada foi a Tansig (representada na Equação 5), enquanto a função de transformação Purelin foi a selecionada para os dados de saída. As matrizes numéricas dos pesos da camada de entrada (W1), da camada oculta (W2), juntamente com os enviesamentos correspondentes (B1, B2) da configuração ótima da RNA, são mostradas nas Equações 7, 8, 9 e 10.
Na Figura 11 pode-se observar os resultados obtidos por equações propostas na literatura (já apresentadas na Figura 8) em conjunto com os resultados obtidos pela configuração ótima da RNA (Equação 5). Este modelo apresentou uma acurácia (média do erro absoluto) de 3,18 MPa e uma precisão (desvio padrão amostral do erro absoluto) de 3,803 MPa.
Resistências à compressão obtida pelas equações extraídas da literatura e pela configuração ótima da RNA
Considerações finais
Por meio dos resultados obtidos, de modo geral, pode-se verificar que os dados encontrados na literatura, no que diz respeito às propriedades de concretos reforçados com fibras, são bastante variados, o que dificultou a determinação de correlações. Nos artigos consultados foram verificados os resultados de resistência à compressão, resistência à tração, módulo de elasticidade e velocidade de propagação de onda ultrassônica e observou-se diversas variáveis que influenciaram os resultados, tais como tipo de cimento, teor de fibras, razão de aspecto da fibra, modo de leitura da velocidade de propagação de onda ultrassônica (direto, semi-direto e indireto), tipo de cura dos concretos, tipos de corpos de prova, a forma e mineralogia dos agregados, entre outros.
Foi observada uma boa correlação entre resistência à compressão e módulo de elasticidade para o concreto sem fibras, bem como para os FRC de alta resistência. Destaca-se que nos artigos consultados os volumes de fibras adotados, por cada autor, são bem variados, sendo difícil estabelecer uma correlação. A utilização de equações para obter estimativas de previsibilidade de propriedades de concretos reforçados com fibras através da velocidade de propagação de onda ultrassônica não indicaram resultados próximos do real. Isso mostra que os modelos necessitam ser revistos quanto à sua aplicabilidade, uma vez que foram desenvolvidos em concretos dos próprios estudos, de modo que a alta variabilidade de dados de velocidade de propagação de onda ultrassônica obtidos na literatura não representam, de modo correlacionado, as propriedades reais versus as obtidas pelos modelos.
Para aprimorar a análise, um modelo de RNA para estimar a resistência à compressão de concretos reforçados com fibras quando associado a velocidade de pulso ultrassônico foi avaliado. Desse modo, concluiu-se que a configuração ótima da RNA (modelo final), que teve uma melhor correlação, utilizou os seguintes dados de entrada: VPU, consumo de cimento e relação a/c, bem como três neurônios na camada escondida e um dado de saída (resistência à compressão).
Ainda, a publicação de novos trabalhos sobre os temas, além da aplicação de outros ensaios não destrutivos (como, por exemplo, esclerometria ou pull off) poderia aumentar o banco de dados e promover estudos mais aprimorados sobre a correlação de propriedades de concretos reforçados com fibras.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
21 Set 2022 -
Aceito
17 Ago 2023