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A gestão orgânica de conflitos desenvolvida em empreendimentos formados por mulheres da economia solidária: uma análise pós-colonialista sobre uma prática feminista de autogestão

La gestión orgánica de conflictos desarrollada en empresas formadas por mujeres de la economía solidaria: un análisis poscolonialista de una práctica feminista de autogestión

Resumo

Esta pesquisa surge dos estudos das práticas de gestão de mulheres, de Martin (1993), contudo se articula no lugar da autogestão da Rede de Economia Solidária e Feminista (RESF). Por isso, foi desenvolvido, ao longo do texto, um novo construto para identificar algumas práticas que se performatizam na economia solidária (ES), nomeadas de práticas feministas de autogestão (Bauhardt, 2014; Faria, 2017; Vieta, 2015). O objetivo é analisar uma das ações observadas em campo: a gestão orgânica de conflitos. Os principais aportes teóricos para mediar a discussão partem da abordagem de Martin (1993), da perspectiva da racionalidade substantiva em Ramos (1989), dos estudos sobre conflitos nas organizações em Guerardi (2009) e Putnam (2010), bem como da visão pós-colonialista que adere ao contexto das mulheres na ES (Lugones, 2008; Mohanty, 2006). A coleta de dados se vale de entrevistas semiestruturadas com mulheres da RESF e da observação direta e indireta em campo, entre 2018 e 2021. A perspectiva adotada para a análise dos dados é a da história oral com base em análise crítica do discurso (Meihy, 2002; Wodak, 2004). Os resultados apontam para os seguintes achados: não ocultação do conflito nos processos de autogestão, conflito gerido de forma orgânica sob uma comunicação intensa e gestão do conflito como processo de aprendizagem que prioriza experiências e diferenças. Para as mulheres, o conflito não é demérito; em vez disso, ele é gerido de forma a fortalecer laços de reciprocidade entre os membros dos empreendimentos solidários.

Palavras-chave:
Economia solidária; Redes de cooperação; Autogestão; Práticas feministas de autogestão; Gestão de conflitos

Resumen

Esta investigación surge de los estudios de Martin (1993) sobre las prácticas de gestión de las mujeres, sin embargo, se articula desde el lugar de la autogestión en el ámbito de la Red de Economía Solidaria y Feminista (RESF). Por ello, se desarrolla a lo largo de la investigación un nuevo constructo para identificar algunas prácticas que se realizan en la Economía Solidaria (ES), denominadas prácticas feministas de autogestión (Bauhardt, 2014; Faria, 2017; Vieta, 2015). El objetivo es analizar una de las prácticas observadas en campo: la gestión orgánica de los conflictos. Los principales aportes teóricos utilizados para mediar la discusión parten del enfoque de Martin (1993), de la perspectiva de la racionalidad sustantiva de Ramos (1989), de los estudios sobre conflictos en las organizaciones de Guerardi (2009) y Putnam (2010), así como de la visión poscolonialista que se adhiere al contexto de la mujer en la educación superior (Lugones, 2008; Mohanty, 2006). La recolección de datos se basa en entrevistas semiestructuradas con mujeres de la RESF y observación directa e indirecta en campo entre 2018 y 2021. La perspectiva adoptada para el análisis de datos es la de la historia oral basada en el análisis crítico del discurso (Meihy, 2002; Wodak, 2004). Los resultados apuntan a los siguientes hallazgos: no ocultamiento del conflicto en los procesos de autogestión, conflicto manejado orgánicamente basado en una comunicación intensa y la gestión del conflicto como un proceso de aprendizaje que prioriza las experiencias y las diferencias. Para las mujeres, el conflicto no es un demérito, por el contrario, se maneja de tal manera que se fortalezcan los lazos de reciprocidad entre integrantes de empresas solidarias.

Palabras clave:
Economía solidaria; Redes de cooperación; Autogestión; Prácticas feministas de autogestión; Manejo de conflictos

Abstract

This research arises from Martin’s (1993) studies of women’s management practices.However, it is articulated from the place of self-management within the scope of the Solidarity and Feminist Economy Network (SFEN). Therefore, a new construct to identify some practices that are performed in the Solidarity Economy (SE) was developed:feminist practices of self-management (Bauhardt, 2014; Faria, 2017; Vieta, 2015). The objective is to analyze one of the practices observed in the field: the organic management of conflicts. The main theoretical contributions used to mediate the discussion depart from Martin’s approach (1993), from the perspective of substantive rationality in Ramos (1989), from studies on conflicts in organizations in Guerardi (2009) and Putnam (2010), as well as the postcolonialistview that adheres to the context of women in higher education (Lugones, 2008; Mohanty, 2006). Data collection is based on semi-structured interviews with women from the SFEN and direct and indirect observation in the field between 2018 and 2021. The perspective adopted for data analysis is an oral history based on critical discourse analysis (Meihy, 2002; Wodak, 2004). The results point to the following findings: non-concealment of conflict in self-management processes, organically managed conflict based on intense communication, and conflict management as a learning process that prioritizes experiences and differences. For women, conflict is not a demerit. On the contrary, it is managed in such a way as to strengthen reciprocal ties between members of solidarity enterprises.

Keywords:
Solidary economy; Networks of cooperation; Self-management; Feminist practices of self-management; Conflict management

INTRODUÇÃO

O movimento da economia solidária é reconhecido como um espaço de geração de renda e promoção da cidadania. No Brasil, a economia solidária (ES) desloca a discussão sobre gestão para o campo social, visto que tem reunido determinadas características que se manifestam nas relações de proximidade com a comunidade de atores envolvida, demonstrando uma vontade política de transformação das relações sociais e, por consequência, das práticas de gestão (França & Eynaud, 2020França, G. C. Filho, & Eynaud, P. (2020). Solidariedade e organizações: pensar uma outra organização. Ed. UFBA.; Soares et al., 2020Soares, M. N. M., Leocadio, A. L., & Rebouças, S. M. D. P. (2020). Complexity and social capital in solidarity economy: an empirical evidence of enterprises in Brazil. International Journal as Entrepreneurship and Innovation, 24(2-3), 210-231. https://doi.org/10.1504/IJEIM.2020.105783
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). No âmbito da ES, os empreendimentos são de posse dos trabalhadores e se baseiam em práticas de autogestão, que encaminham outra visão sobre a formação para a cidadania ativa no campo da economia e uma nova racionalidade nas práticas de gestão de produção e consumo (Pinheiro & Paula, 2014Pinheiro, D. C., & Paula, A. P. P. (2014). A mitologia da ineficiência nas organizações solidárias: em busca da ressignificação de um conceito. Desenvolvimento em questão, 12(27), 42-65. https://doi.org/10.21527/2237-6453.2014.27.42-65
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).

As mulheres transferem para a ES um conjunto de reivindicações que contemplam a preocupação não apenas com as demandas do processo produtivo e de comercialização, mas também com as necessidades das comunidades, entrelaçando a dimensão econômica e social, além de fomento ao desenvolvimento local (Andion, 2005Andion, C. (2005). A gestão no campo da economia solidária: particularidades e desafios. Revista de Administração Contemporânea, 9(1), 79-101. https://doi.org/10.1590/S1415-65552005000100005
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; Guérin, 2005Guérin, I. (2005). As mulheres e a economia solidária. Edições Loyola.). Outro aspecto importante que se apresenta nas narrativas é o aprendizado com funcionamento coletivo e compartilhado dos empreendimentos como base para o desenvolvimento de uma capacidade autogestionária (Barreto & Paulo, 2009Barreto, R. O., & Paula, A. P. (2009). Os dilemas da economia solidária. Cadernos EBAPE.BR, 7(2), 199-213. https://doi.org/10.1590/S1679-39512009000200003
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; Laville, 2014Laville, J. L. (2014). Mudança social e teoria da economia solidária:uma perspectiva maussiana. Sociologias, 16(36), 60-73. https://doi.org/10.1590/15174522-016003604
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). Tal processo compreende tanto as potencialidades emancipatórias da autogestão quanto os conflitos e os desafios advindos de uma gestão compartilhada, numa economia permeada por valores, mas também por questões como gênero, raça, classe e território.

Esta pesquisa parte dos estudos das práticas de gestão de mulheres, de Martin (1993Martin, P. Y. (1993). Feminist practice in organizations: implications for management. In E. A. Fagenson (Ed.), Women in management: trends, issues, and challenges in managerial diversity. Sage., 2006). No que diz respeito aos estudos organizacionais, o modelo de práticas organizacionais feministas proposto por ela é o que mais se alinha aos valores da ES. A pesquisa da autora apresenta formas de gestão feminista: pergunta pela questão da mulher; utiliza a razão prática feminista; promove maior conscientização; proporciona laços comunitários e cooperativos; viabiliza democracia, participação e empoderamento dos subordinados; articula valorização e preocupação com os cuidados mútuos; luta por resultados transformadores. As proposições da autora se alinham com a visão da ES e não envolvem apenas a dimensão trabalho, mas também a união entre trabalho e vida. No que diz respeito às práticas de autogestão das mulheres nos empreendimentos solidários, há um deslocamento do significado, entendendo que a finalidade dos trabalhos e diferencia da forma tradicional de relação social de produção hierarquizada, própria das organizações predominantemente burocráticas (Onuma et al., 2012Onuma, F. M. S., Mafra, F. L. N., & Moreira, L. B. (2012). Autogestão e subjetividade: interfaces e desafios na visão de especialistas da Anteag, Unisol e Unitrabalho. Cadernos EBAPE.BR, 10(1), 65-81. https://doi.org/10.1590/S1679-39512012000100006
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; Soares & Rebouças, 2022Soares, M. N. M., & Rebouças, S. M. D. P. (2022). Influxos do feminismo na economia solidária: um estudo sobre as práticas organizacionais em empreendimentos autogeridos por mulheres. Revista Inclusiones, 9(Especial), 1-23. https://revistainclusiones.org/index.php/inclu/article/view/3194
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).

Tendo por base a autogestão desenvolvida pela Rede de Economia Solidária e Feminista (RESF), desenvolveu-se o termo “práticas feministas de autogestão”, considerando que elas não abrangem algumas dinâmicas que se performatizam na ES. O objetivo deste artigo é analisar a prática feminista da gestão orgânica de conflitos, identificada ao longo de uma pesquisa mais ampla sobre práticas feministas de autogestão dos empreendimentos, organizados em rede pelas mulheres da RESF, que surgiu em 2010 e, atualmente, abrange 29 redes no país, contando um total de 222 empreendimentos, sendo 26 no estado do Ceará.

A organização desses empreendimentos em redes é uma estratégia dos negócios para favorecer o acesso ao mercado a pequenos produtores em diversos espaços alternativos. Trata-se de redes de cooperação que dinamizam comunicações e interações participativas na ES ao promover sistemas de reciprocidade, que operam no sentido de converter a confiança numa confiança social, que prescinde do mútuo conhecimento direto, apoiando-se na expectativa de correspondência e restituição do equilíbrio entre as contribuições e os benefícios de uns e outros (Gaiger, 2011Gaiger, L. I. (2011). Contribuições para uma agenda de pesquisa. In P. Hespanha, & A. M. Santos (Orgs.), Economia solidária: questões teóricas e epistemológicas. Edições Almedina.; Laville, 2014Laville, J. L. (2014). Mudança social e teoria da economia solidária:uma perspectiva maussiana. Sociologias, 16(36), 60-73. https://doi.org/10.1590/15174522-016003604
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). A proposição de práticas feministas de autogestão foi encaminhada por observações das dinâmicas coletivas das mulheres na RESF, construindo reflexões nos campos teórico e empírico, sobre as práticas das mulheres que atuam no Ceará.

Em termos de pesquisa científica, o campo de estudos em ES experimenta uma fase de ampliação e amadurecimento. Diversas áreas de conhecimento têm realizado análises nos empreendimentos da ES, sob diferentes perspectivas, no intuito de compreender as dinâmicas de organização do movimento da ES (Costa & Carrion, 2009Costa, P. A., & Carrion, R. S. M. (2009). Situando a economia solidária no campo dos estudos organizacionais. Outra Economia, 3(4), 66-81. https://doi.org/10.4013/1125
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; Gaiger, 2011Gaiger, L. I. (2011). Contribuições para uma agenda de pesquisa. In P. Hespanha, & A. M. Santos (Orgs.), Economia solidária: questões teóricas e epistemológicas. Edições Almedina.; Silva, 2018Silva, S. P. (2018). O campo de pesquisa da economia solidária no Brasil: abordagens metodológicas e dimensões analíticas. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8255/1/TD_2361.pdf
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). Há estudos sobre os seguintes temas: surgimento dos empreendimentos da ES (Benini, 2010Benini, E. A. (2010). As contradições do processo de autogestão no capitalismo: funcionalidade, resistência e emancipação pela economia solidária. Organizações & Sociedade, 17(55), 605-619. https://doi.org/10.1590/s1984-92302010000400002
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; Gaiger, 2011Gaiger, L. I. (2011). Contribuições para uma agenda de pesquisa. In P. Hespanha, & A. M. Santos (Orgs.), Economia solidária: questões teóricas e epistemológicas. Edições Almedina.; Singer, 2008Singer, P. I. (2008). Introdução à economia solidária. Fundação Perseu Abramo.); a ES como movimento social de natureza popular (Costa, 2011Creswell, J. W. (2007). Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto (2a ed.). Artmed.; Singer, 2008Singer, P. I. (2008). Introdução à economia solidária. Fundação Perseu Abramo.); os impactos dos empreendimentos nas economias locais (Andion, 2005Andion, C. (2005). A gestão no campo da economia solidária: particularidades e desafios. Revista de Administração Contemporânea, 9(1), 79-101. https://doi.org/10.1590/S1415-65552005000100005
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; França, 2013França, G. C. Filho. (2013). A problemática da economia solidária: um novo modo de gestão pública? Cadernos EBAPE.BR, 11(3), 443-461. https://doi.org10.1590/S1679-39512004000100004
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; Silva, 2018Silva, S. P. (2018). O campo de pesquisa da economia solidária no Brasil: abordagens metodológicas e dimensões analíticas. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8255/1/TD_2361.pdf
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); as relações de trabalho da mulher na ES (Guérin, 2005Guérin, I. (2005). As mulheres e a economia solidária. Edições Loyola.; Santos, 2017Santos, L. L. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. Revista Crítica de Ciências Sociais, 114, 161-186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
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); as políticas públicas na ES (Dagnino, 2011Dagnino, R. (2011). Gestão social e gestão pública: interfaces, delimitações e uma proposta. In E. A. Benini, M. S. de Faria, H. T. Novaes, & R. Dagnino (Orgs.), Gestão pública e sociedade: fundamentos e políticas públicas da economia solidária. Outras Expressões.; Monje-Reyes, 2011Tauile, J., & Debaco, E. (2004). Autogestão no Brasil: o salto de qualidade nas políticas públicas. Indicadores Econômicos, 32(1), 197-220. https://revistas.planejamento.rs.gov.br/index.php/indicadores/article/view/245
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; Tauile & Debaco, 2004Tauile, J., & Debaco, E. (2004). Autogestão no Brasil: o salto de qualidade nas políticas públicas. Indicadores Econômicos, 32(1), 197-220. https://revistas.planejamento.rs.gov.br/index.php/indicadores/article/view/245
https://revistas.planejamento.rs.gov.br/...
); os dilemas da ES (Barreto & Paula, 2009Barreto, R. O., & Paula, A. P. (2009). Os dilemas da economia solidária. Cadernos EBAPE.BR, 7(2), 199-213. https://doi.org/10.1590/S1679-39512009000200003
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); a formação de redes de cooperação entre os empreendimentos (Mance, 2003Mance, E. A. (2003). Como organizar redes solidárias. DP&A.; 2006Mance, E. A. (2006). Redes de colaboração solidária. Ed. Vozes.; Scherer-Warren, 2006Scherer-Warren, I. (2006). Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Sociedade e Estado, 21(1), 109-130. https://doi.org/10.1590/S0102-69922006000100007
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); as dinâmicas organizacionais nos empreendimentos da ES (Costa & Carrion, 2009Costa, P. A., & Carrion, R. S. M. (2009). Situando a economia solidária no campo dos estudos organizacionais. Outra Economia, 3(4), 66-81. https://doi.org/10.4013/1125
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; Faria, 2017Faria, J. H. (2017). Autogestão, economia solidária e organização coletivista de produção associada: em direção ao rigor conceitual. Cadernos EBAPE.BR, 15(3), 629-650. https://doi.org/10.1590/1679-395157778
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; Pinheiro & Paula, 2014Pinheiro, D. C., & Paula, A. P. P. (2014). A mitologia da ineficiência nas organizações solidárias: em busca da ressignificação de um conceito. Desenvolvimento em questão, 12(27), 42-65. https://doi.org/10.21527/2237-6453.2014.27.42-65
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; Santos, 2017Santos, L. L. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. Revista Crítica de Ciências Sociais, 114, 161-186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
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; Vieta, 2015Vieta, M. (2015). Autogestión: prefigurando el nuevo cooperativismo y el trabajo como un bien común. In Anales del 5º Encuentro International La Economía de Trabajadores y Trabajadoras, Paranaguá, Venezuela.); a capacidade da ES em emancipar mulheres, observando os limites colocados pelo sistema de mercado (Bauhardt, 2014Bauhardt, C. (2014). Solutions to the crisis? The green NewDeal, degrowth, and the solidarity economy: alternatives to the capitalist growth economy from an ecofeminist economics perspective. Ecological Economics, 102(61), 60-68. https://doi.org/10.1016/j.ecolecon.2014.03.015
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; Costa, 2011Costa, J. C. (2011). Mulheres e economia solidária: hora de discutir a relação. Sociedade e Cultura, 14(1), 19-27. https://doi.org/10.5216/sec.v14i1.15649
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; Soares & Rebouças, 2022Soares, M. N. M., & Rebouças, S. M. D. P. (2022). Influxos do feminismo na economia solidária: um estudo sobre as práticas organizacionais em empreendimentos autogeridos por mulheres. Revista Inclusiones, 9(Especial), 1-23. https://revistainclusiones.org/index.php/inclu/article/view/3194
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; Soares et al., 2020Soares, M. N. M., & Rebouças, S. M. D. P. (2022). Influxos do feminismo na economia solidária: um estudo sobre as práticas organizacionais em empreendimentos autogeridos por mulheres. Revista Inclusiones, 9(Especial), 1-23. https://revistainclusiones.org/index.php/inclu/article/view/3194
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).

Não se identificam, no entanto, estudos sobre as práticas de gestão das mulheres inseridas no contexto da autogestão. O estudo de Pinheiro e Paula (2014Pinheiro, D. C., & Paula, A. P. P. (2014). A mitologia da ineficiência nas organizações solidárias: em busca da ressignificação de um conceito. Desenvolvimento em questão, 12(27), 42-65. https://doi.org/10.21527/2237-6453.2014.27.42-65
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) corrobora essa ideia, apontando a necessidade de estudos empíricos que avaliem a eficiência dos empreendimentos da ES sob a lógica substantiva. Com base na acepção de que as práticas feministas de autogestão podem contribuir para a gestão das organizações em geral, como sugere Martin (1993Martin, P. Y. (1993). Feminist practice in organizations: implications for management. In E. A. Fagenson (Ed.), Women in management: trends, issues, and challenges in managerial diversity. Sage., 2006Martin, P. Y. (2006). Practising gender at work: further thoughts on reflexivity. Gender, Work and Organization, 13(3), 254-276. https://doi.org/10.1111/j.1468-0432.2006.00307.x
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), este texto se justifica por preencher uma lacuna no estudo das práticas de autogestão, sobretudo as práticas de trabalho das mulheres no contexto da ES.

Os aportes teóricos utilizados para mediar e orientar a discussão são: a abordagem de Martin (1993Martin, P. Y. (1993). Feminist practice in organizations: implications for management. In E. A. Fagenson (Ed.), Women in management: trends, issues, and challenges in managerial diversity. Sage., 2006Martin, P. Y. (2006). Practising gender at work: further thoughts on reflexivity. Gender, Work and Organization, 13(3), 254-276. https://doi.org/10.1111/j.1468-0432.2006.00307.x
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) sobre as práticas de gestão feministas; a perspectiva de autoras do feminismo pós-colonial, como Lugones (2016Lugones, M. (2016). The coloniality of gender. In W. Harcourt (Ed.), The Palgrave handbook of gender and development. Palgrave Macmillan. https://globalstudies.trinity.duke.edu/pcontent/themes/cgsh/materials/WKO/v2d2_Lugones.pdf
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) e Mohanty (2006Mohanty, C. T. (2006). US empire and the project of women’s studies: stories of citizenship, complicity and dissent. Gender, Place and Culture, 13(1), 7-20. https://doi.org/10.1080/09663690600571209
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); a óptica da racionalidade substantiva nas organizações pensada em Ramos (1989Ramos, A. G. (1989). A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Ed. FGV.) e Serva (1997Serva, M. (1997). A racionalidade substantiva demonstrada na prática administrativa. Revista de Administração de Empresas, 37(2), 19-30. https://doi.org/10.1590/S0034-75901997000200003
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); os estudos sobre gestão do conflito organizacional, sob o viés da comunicação e do discurso em Putnam (2010aPutnam, L. L. (2010a). Communication as changing the negotiation game. Journal of Applied Communication Research, 38, 325-335. https://doi.org/10.1080/00909882.2010.513999
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, 2020bPutnam, L. L. (2010b). Negotiation and discourse analysis. Negotiation Journal, 26(2), 154-154. https://doi.org/10.1111/j.1571-9979.2010.00262.x
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); e o ponto de vista da aprendizagem em Gherardi (2009Gherardi, S. (2009). Practice? It’s a matter of taste! Management Learning, 40(5), 535-550.). A abordagem adotada para as etapas de coleta e análise dos dados é a história oral, em especial sob o enfoque da nova história, por meio de entrevista e observação, considerando que a história oral privilegia vozes esquecidas ou invisibilizadas (Meihy, 2002Meihy, J.C.S.B. (2002). Manual de história oral. Loyola.; Wodak, 2004Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In C. Seale, G. Gobo, J. F. Gubrium, & D. Silverman (Ed.), Qualitative research practice. Sage.).

SUPORTE TEÓRICO

Gestão de conflitos nas práticas das organizações burocráticas e nas organizações substantivas

Segundo Kuhn e Putnam (2014Kuhn, T. R., & Putnam, L. L. (2014). Discourse and communication. In P. S. Adler, P. Du Gay, G. Morgan, & M. Reed (Eds.), Oxford handbook of sociology, social theory and organization studies: contemporary currents. Oxford Handbooks.), bem como McIntyre (2007McIntyre, S. E.(2007). Como as pessoas gerem o conflito nas organizações: estratégias individuais negociais. Análise Psicológica, 25(2), 295-305. http://hdl.handle.net/10400.12/6079
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), é comum que as organizações relutem em admitir que o conflito existe em suas dinâmicas, pois consideram que ele representa uma disfunção que deve ser ocultada, subsistindo uma visão de que o conflito revela falta de solidariedade, de colaboração, sendo algo que não deveria existir. Putnam (2010a)Putnam, L. L. (2010a). Communication as changing the negotiation game. Journal of Applied Communication Research, 38, 325-335. https://doi.org/10.1080/00909882.2010.513999
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, contudo, aponta os conflitos como inevitáveis e impulsionadores de desenvolvimento individual e organizacional, por estimularem a comunicação e contribuírem para a solução de problemas, próprio da natureza das organizações complexas. Ramos (1989Ramos, A. G. (1989). A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Ed. FGV.) identifica uma postura defensiva em relação ao conflito como fenômeno organizacional que resultaria de determinados pontos cegos nas análises organizacionais.

Para Lugones (2016Lugones, M. (2016). The coloniality of gender. In W. Harcourt (Ed.), The Palgrave handbook of gender and development. Palgrave Macmillan. https://globalstudies.trinity.duke.edu/pcontent/themes/cgsh/materials/WKO/v2d2_Lugones.pdf
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), a colonialidade de gênero não pode ser interpretada de uma só forma e tem sido ressignificada ao longo do tempo; logo, as experiências e os conflitos vivenciados pelas mulheres podem variar, de acordo com o contexto em que estão inseridas. Assim, Santos (2017Santos, L. L. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. Revista Crítica de Ciências Sociais, 114, 161-186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
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) reflete que o modo como a opressão de gênero ocorre dependerá da sobreposição de diferentes níveis e contextos de desigualdade, de maneira que a realidade demonstra que a desigualdade se abate de forma diferente sobre os corpos.

Ballestrin (2017Ballestrin, L. M. de A. (2017). Feminismos subalternos. Estudos Feministas, 25(3), 1035-1054. https://doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n3p1035
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) defende que o modo como essas mulheres vão lidar com a violência de um imaginário econômico que as exclui não será o mesmo, pois muitas nem reconhecem os sistemas de opressão a que estão submetidas, portanto negociam condições de igualdade dentro de um sistema desigual. Igualmente, a forma como vão articular e criar estratégias para confrontar relações desiguais dentro e fora de suas comunidades será diversa, dadas as múltiplas posições que ocupam, os conflitos.

Putnam (2010aPutnam, L. L. (2010a). Communication as changing the negotiation game. Journal of Applied Communication Research, 38, 325-335. https://doi.org/10.1080/00909882.2010.513999
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) aponta que a riqueza do processo de gestão de conflito se dá na interação das negociações que se estabelecem desde a nomeação do problema ou da questão a ser resolvida, envolvendo a questão de gênero, que tangencia as relações nas organizações e é percebida na ordem do discurso. As relações e as interações contribuem para o processo de construção da subjetividade de seus participantes, seu engajamento e seu aprendizado nas formas de gerir conflitos. Segundo Putnam (2010bPutnam, L. L. (2010b). Negotiation and discourse analysis. Negotiation Journal, 26(2), 154-154. https://doi.org/10.1111/j.1571-9979.2010.00262.x
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), considerando que o conflito é um elemento presente no contexto das relações sociais de produção e consumo de bens e serviços, é preciso enfrentar suas manifestações e trabalhar proativamente para a construção de nova ordem. Portanto, um problema pode ser racionalizado de maneiras diferentes - instrumental ou substantivamente -, dependendo do contexto com que é interpretado.

A racionalidade instrumental é compreendida como a ação direcionada para cálculos utilitário e econômico, bem como para aspectos formais e demandas do mercado (Ramos, 1989Ramos, A. G. (1989). A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Ed. FGV.). A racionalidade substantiva, por sua vez, se origina do exercício de um senso da realidade comum aos sujeitos, independentemente de tempos e lugares, organizando as ações por meio de um debate racional, que busca atingir um equilíbrio dinâmico entre a satisfação pessoal e a satisfação social, partindo de valores como emancipação e autorrealização (Ramos, 1989Ramos, A. G. (1989). A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Ed. FGV.).

A vida humana associada é permeada por conflitos, que podem ser regulados ou geridos sob diversas dimensões. Serva (2023Serva, M. (2023). Análise pragmatista de organizações. Era, 63(1), 1-22. Análise pragmatista de organizações. Era, p. 11) reflete que “a dimensão política para o desenvolvimento da ação coletiva” remete ao tema da normatividade social, em que os indivíduos intervêm na coordenação da vida associada, negociando os ajustes que os conflitos tornam necessários. O autor pontua que, na gestão, as organizações enfocam os processos políticos em 2 ordens: no modo de enfrentamento de conflitos e seus efeitos (internos e externos à organização), e na definição, na mudança e na prática dos engajamentos individuais e coletivos na ação.

Moretto e Cesconetto (2009Moretto, L. Neto , & Cesconetto, S. M. M. (2009). Administração de conflitos nas organizações. Ed. UFSC.) relacionam o sucesso da negociação a fatores como cultura organizacional, estilos de liderança, estabelecimento de rede de relacionamentos, desenvolvimento de ações voltadas ao foco nos interesses, aplicação contínua da criatividade, respeito aos critérios de justiça e bem comum, definição de compromissos viáveis e comunicação fluida e transparente. Contudo, o conflito é um fenômeno a ser gerido. Segundo McIntyre (2007McIntyre, S. E.(2007). Como as pessoas gerem o conflito nas organizações: estratégias individuais negociais. Análise Psicológica, 25(2), 295-305. http://hdl.handle.net/10400.12/6079
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), uma má gestão de conflitos pode resultar em dinâmicas prejudiciais tanto para os indivíduos quanto para a organização, pois cria um ambiente de trabalho hostil, prejudicando desempenho e esforços. Assim, Serva (2023Serva, M. (2023). Análise pragmatista de organizações. Era, 63(1), 1-22. Análise pragmatista de organizações. Era) aponta que a forma de gerir tem efeitos nos conflitos e na forma de engajamentos dos atores.

Singer (2008Singer, P. I. (2008). Introdução à economia solidária. Fundação Perseu Abramo.) considera a ES um movimento gerador de transformação social que parte da conversão de relações de competição por relações de cooperação, ao passo que Guérin (2005Guérin, I. (2005). As mulheres e a economia solidária. Edições Loyola.) aponta 2 características comuns dos empreendimentos da ES: primeira, que consiste em reconhecer a importância das práticas de reciprocidade como forma de agir economicamente por cooperação; e a segunda, que consiste na elaboração de formas de coordenação e alocação de recursos alternativos que primam pela construção conjunta de proximidade entre os atores.

Sob o paradigma substantivo, o diálogo assume um papel importante na solução de conflitos já em curso ou latentes, quando são concebidos como uma via de mão dupla, construídos com base na cooperação e em profundas reflexões relacionadas a erros e acertos coletivos (Monte-Reyes, 2011Monte-Reyes, P. (2011). Economía solidaria, cooperativismo y descentralización: la gestión social puesta en práctica. Cadernos EBAPE.BR, 9(3), 704-723. https://doi.org/10.1590/S1679-39512011000300003
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; Sá & Soares, 2005Soares, M. N. M., & Rebouças, S. M. D. P. (2022). Influxos do feminismo na economia solidária: um estudo sobre as práticas organizacionais em empreendimentos autogeridos por mulheres. Revista Inclusiones, 9(Especial), 1-23. https://revistainclusiones.org/index.php/inclu/article/view/3194
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). Para Putnam (2010bPutnam, L. L. (2010b). Negotiation and discourse analysis. Negotiation Journal, 26(2), 154-154. https://doi.org/10.1111/j.1571-9979.2010.00262.x
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), no processo de gestão do conflito, as partes alcançam novos entendimentos. Contudo, isso exige práticas de gestão que permitam e impulsionem a comunicação, a interação e a autonomia entre as partes, de modo que o conflito se torna um processo de transformação e aprendizagem (Gherardi, 2009Gherardi, S. (2009). Practice? It’s a matter of taste! Management Learning, 40(5), 535-550.).

As práticas feministas de autogestão e os modos de gerir conflitos das organizações substantivas

A perspectiva da autogestão nos empreendimentos da ES tem se caracterizado como um requisito para a viabilidade desses negócios. Para as mulheres, as práticas de autogestão não se relacionam apenas com as relações de trabalho, pois elas desenvolvem formas diversas de se relacionar e produzir que privilegiam a cooperação e a comunidade, fomentando conhecimento coletivo. O debate sobre emancipação no mundo do trabalho vem sendo empreendido nos estudos organizacionais com discussões sobre racionalidades que orientam os meios de gestão, em especial a racionalidade instrumental burocrática e a racionalidade substantiva, com seus impactos nas organizações (França & Eynaud, 2020França, G. C. Filho, & Eynaud, P. (2020). Solidariedade e organizações: pensar uma outra organização. Ed. UFBA.; Margoto et al., 2010Margoto, J. B., Behr, R. R., & Paula, A. P. P. (2010). Eu me demito! Evidências da racionalidade substantiva nas decisões de desligamento em organizações. Organizações & Sociedade, 17(52), 115-135. https://doi.org/10.1590/S1984-9230201000010000
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; Serva, 2023Serva, M. (2023). Análise pragmatista de organizações. Era, 63(1), 1-22. Análise pragmatista de organizações. Era).

Na ES, as práticas dos indivíduos são governadas por uma racionalidade motivada por valores, por isso se reivindica uma racionalidade substantiva em suas formas de organização, que ordena a organização do trabalho e os padrões de ação, envolvendo a adoção de critérios éticos pelos quais a realidade deve ser julgada (Andion, 2005Andion, C. (2005). A gestão no campo da economia solidária: particularidades e desafios. Revista de Administração Contemporânea, 9(1), 79-101. https://doi.org/10.1590/S1415-65552005000100005
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; Costa & Carrion, 2009Costa, P. A., & Carrion, R. S. M. (2009). Situando a economia solidária no campo dos estudos organizacionais. Outra Economia, 3(4), 66-81. https://doi.org/10.4013/1125
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). Os valores acordados são definidores da identidade do grupo, diferenciando-o do ambiente externo, e refletem-se em ações e práticas sociais. Não por acaso, as práticas feministas de autogestão se moldam pelos valores não só da ES, mas também por aqueles encaminhados pelos próprios movimentos feministas.

Para Santos (2017Santos, L. L. (2017). Deve a economia feminista ser pós-colonial? Colonialidade económica, género e epistemologias do Sul. Revista Crítica de Ciências Sociais, 114, 161-186. https://doi.org/10.4000/rccs.6797
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), os estudos sobre economia feminista podem resvalar numa leitura homogeneizante das práticas econômicas das mulheres, corroborando estereótipos e valendo-se do discurso centrista, para representar de forma reducionista as mulheres subalternas (Mohanty, 2006Mohanty, C. T. (2006). US empire and the project of women’s studies: stories of citizenship, complicity and dissent. Gender, Place and Culture, 13(1), 7-20. https://doi.org/10.1080/09663690600571209
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). Uma das contribuições do campo da economia feminista pós-colonial é repensar a economia e as categorias ontológicas sobre as quais a ideia de conhecimento se formou e difundiu, especialmente sob a lógica da racionalidade instrumental. Dinâmicas autogestionárias lidam com o conflito de formas diversas, tendo em vista que os processos de tomada de decisão são compartilhados entre os indivíduos. Nesse contexto, o conflito gerado pela desigualdade de condições entre mulheres e homens é neutralizado pelas vestes da imparcialidade em dinâmicas convencionais da gestão burocrática, de forma a desconsiderar qualquer conflito relacionado a gênero nas organizações, situação que afeta diretamente as mulheres (Hirata, 2002Hirata, H. (2002). Nova divisão sexual do trabalho? Boitempo.).

A autogestão na organização do trabalho é um processo de autogoverno que articula dinâmicas administrativas mais autônomas e participativas em nível interno da organização, que, no contexto das práticas das mulheres, refletem processos específicos de organização e, consequentemente, de gestão de conflito. A autogestão parte de processos decisórios fundamentalmente coletivos, o que exige o acesso a informações, responsabilidade com o coletivo e disciplina do grupo (Carvalho, 1995Carvalho, N. V. (1995). Autogestão: o nascimento das ONGs. Brasiliense.). A autogestão se orienta por uma racionalidade substantiva, a qual conduz uma experiência de gestão da própria vida, indo além de um paradigma de gestão de empreendimentos. Segundo Vieta (2015Vieta, M. (2015). Autogestión: prefigurando el nuevo cooperativismo y el trabajo como un bien común. In Anales del 5º Encuentro International La Economía de Trabajadores y Trabajadoras, Paranaguá, Venezuela.), a autogestão é uma configuração inovadora e anunciadora de transformações sociais, pois assume um dinamismo que permite a mudança nas formas de organização. A autogestão é impelida pelas condições materiais do nosso tempo, e não pelo amadurecimento de formas anteriores da mesma coisa (Carvalho, 1983Carvalho, N. V. (1983). Autogestão: o governo pela autonomia. Brasiliense., p. 21). Assim, Soares e Rebouças (2022Soares, M. N. M., & Rebouças, S. M. D. P. (2022). Influxos do feminismo na economia solidária: um estudo sobre as práticas organizacionais em empreendimentos autogeridos por mulheres. Revista Inclusiones, 9(Especial), 1-23. https://revistainclusiones.org/index.php/inclu/article/view/3194
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) apontam que o contexto é importante para o desenvolvimento da autogestão e definem a forma e os níveis de interação que se desenvolverão nos empreendimentos.

A gestão do conflito se insere na autogestão como parte do processo de crescimento e desenvolvimento, portanto sua anulação ou inexistência não seria benéfica para os indivíduos ou as organizações. Para França e Eynaud (2020França, G. C. Filho, & Eynaud, P. (2020). Solidariedade e organizações: pensar uma outra organização. Ed. UFBA., p. 207), a emergência de uma auto-organização supõe a livre interação de atores locais, espaços para discussão e formas de resolução de conflitos, geridos de maneira coletiva, em torno do interesse geral. Onuma et al. (2012Onuma, F. M. S., Mafra, F. L. N., & Moreira, L. B. (2012). Autogestão e subjetividade: interfaces e desafios na visão de especialistas da Anteag, Unisol e Unitrabalho. Cadernos EBAPE.BR, 10(1), 65-81. https://doi.org/10.1590/S1679-39512012000100006
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, p. 69) advogam que a própria redução do conflito se dá porque “a administração é exercida de maneira democrática, com decisões tomadas coletivamente”, em assembleias constantes ou esporádicas. Dessa forma, os sistemas de comunicação e informação estão sob o escrutínio coletivo, diminuindo o conflito ou gerindo-o de modo mais satisfatório do que na heterogestão. As respostas a dilemas e aspirações estão conectadas às relações que seus membros criam entre si, mutuamente engajados, ao lidar com contradições, discordâncias, tensões e conflitos, próprios da diversidade (Wenger, 2001Wenger, E. (2001). Comunidades de práctica: aprendizaje, significado e identidad. Paidós.).

A gestão orgânica de conflitos, construto pensado nesta pesquisa, não deve ser confundida com uma gestão automática e apressada, pois se trata de uma ação consciente, em sentido humano e social, determinado por um contexto específico. A organicidade estará presente sempre que houver articulação entre o sujeito da ação (indivíduo ou grupo) e os objetivos mobilizadores que se propõem atingir, relacionando-se com os estudos dos sistemas e as noções de retroação (Dellagnelo & Silva, 2000Dellagnelo, E. L., & Silva, C. L. M. (2000). Novas formas organizacionais: onde se encontram as evidências empíricas de ruptura com o modelo burocrático de organizações? Revista Organizações & Sociedade, 7(19), 19-33. https://doi.org/10.1590/S1984-92302000000300002
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; Figueiredo, 2015Figueiredo, M. D. (2015). Intencionalidade incorporada: intersecção entre a diversidade e os estudos das práticas organizacionais. Revista Gestão & Conexões, 4(1), 20-44. https://doi.org/10.13071/regec.2317-5087.2014.4.1.7942.20-44
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). Isso está inserido de forma orgânica nas práticas das mulheres, consistindo na capacidade de acumular informações em condições de uso imediato.

Putnam (2010aPutnam, L. L. (2010a). Communication as changing the negotiation game. Journal of Applied Communication Research, 38, 325-335. https://doi.org/10.1080/00909882.2010.513999
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) observa que, no estudo do conflito, é necessário observar os enunciados verbais e não verbais, sempre atento aos aspectos dinâmicos da negociação: como ocorre o processamento da informação, como as ofertas são formuladas e modificadas, como o poder e a autoridade são redefinidos pela comunicação estilos e estratégias, bem como de que maneira o conflito na negociação aumenta e diminui. Segundo Caldart (2010Caldart, R. S. (2010). Caminhos para a transformação escolar. Expressão Popular.), Onuma et al. (2012Onuma, F. M. S., Mafra, F. L. N., & Moreira, L. B. (2012). Autogestão e subjetividade: interfaces e desafios na visão de especialistas da Anteag, Unisol e Unitrabalho. Cadernos EBAPE.BR, 10(1), 65-81. https://doi.org/10.1590/S1679-39512012000100006
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), a organicidade está distante da mecanização das ações e relacionada com uma recuperação desses impulsos geradores da ação - no caso, o desejo de união das mulheres e suas necessidades de tratar suas demandas em comunidade.

Caldart (2010Caldart, R. S. (2010). Caminhos para a transformação escolar. Expressão Popular.) aponta que a expressão “organicidade” indica um processo pelo qual determinada ideia ou tomada de decisão consegue percorrer, de forma ágil e sincronizada, o conjunto das instâncias que constituem a organização, capaz de garantir a participação efetiva de todos na condução da luta em suas diversas dimensões. Nas práticas das mulheres da RESF, esse processo ocorre rapidamente, uma vez que as instâncias de decisão são horizontalizadas e não hierarquizadas. Na gestão, a organicidade é entendida como um processo democrático, que busca inserir as pessoas na participação e na construção da coletividade, além de um meio para alterar as relações sociais e garantir a sobrevivência do grupo. Com a inserção das mulheres nessa organicidade coletiva, buscam-se as bases para alteraras relações sociais, atuando na perspectiva de um trabalho coletivo e solidário.

A qualidade orgânica da ação das mulheres vincula a qualidade orgânica de uma ação a um modo de agir verdadeiro1 1 Aqui é trazida a noção de ação verdadeira, não como uma cópia de regulamentos pré-estabelecidos como norma, a ação verdadeira aqui está relacionada às qualidades de adequação e eficiência ao contexto, aderindo, enquanto conduta ou comportamento, às circunstâncias e demandas das mulheres, o que dependerá das vivências dessas mulheres, e do seu repertório compartilhado (Gherardi, 2009). Assim, a verdade se liga ao modo como as mulheres respondem àquilo que se apresenta, suas vivências, nesse sentido, que são a base para a ação orgânica. , próprio do contexto sociocultural em que elas estão inseridas, portanto, é uma ação específica para um contexto específico. Portanto, as práticas de gestão, e especificamente as formas de gerir conflito, se interrelacionam com uma discussão pós-colonial e substantiva em empreendimentos de mulheres. Para Bauhardt (2014Bauhardt, C. (2014). Solutions to the crisis? The green NewDeal, degrowth, and the solidarity economy: alternatives to the capitalist growth economy from an ecofeminist economics perspective. Ecological Economics, 102(61), 60-68. https://doi.org/10.1016/j.ecolecon.2014.03.015
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) e Costa (2011Costa, J. C. (2011). Mulheres e economia solidária: hora de discutir a relação. Sociedade e Cultura, 14(1), 19-27. https://doi.org/10.5216/sec.v14i1.15649
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), os estudos sobre Economia Feminista podem resvalar com certa facilidade para uma leitura homogeneizante das práticas econômicas das mulheres, corroborando assim os estereótipos e valendo-se do discurso centrista para representar de forma reducionista a mulheres subalternas (Mohanty, 2006Mohanty, C. T. (2006). US empire and the project of women’s studies: stories of citizenship, complicity and dissent. Gender, Place and Culture, 13(1), 7-20. https://doi.org/10.1080/09663690600571209
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). Desse modo, as economias feministas, no diálogo com a economia solidária, fortalecem-se em densidade epistemológica, à medida que se abrem mais às diferentes lógicas e aos arranjos a partir dos quais, em lugares e contextos específicos, as mulheres organizam as diferentes formas de vida produtiva (Lugones, 2016Lugones, M. (2016). The coloniality of gender. In W. Harcourt (Ed.), The Palgrave handbook of gender and development. Palgrave Macmillan. https://globalstudies.trinity.duke.edu/pcontent/themes/cgsh/materials/WKO/v2d2_Lugones.pdf
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; Oliveira, 2008Oliveira, J. P. (2008). Mulheres na economia solidária: possibilidade de reconhecimento e emancipação social. Sociedade e Cultura, 11(2), 325-332. https://doi.org/10.5216/sec.v11i2.5290
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; Silva, 2018Silva, S. P. (2018). O campo de pesquisa da economia solidária no Brasil: abordagens metodológicas e dimensões analíticas. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8255/1/TD_2361.pdf
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).

SUPORTE METODOLÓGICO

A abordagem metodológica do problema de pesquisa é qualitativa nas etapas de coleta e análise de dados. As categorias de análise que embasaram os instrumentos de coleta abrangem os macrotópicos informados no Quadro 1: racionalidade substantiva, mulher e trabalho, gestão de conflitos. A RESF surgiu em 2010 e, atualmente, abrange 29 redes no país, contando com 222 empreendimentos. No Ceará, atua com 26 empreendimentos, formados por 266 mulheres, nas áreas de artesanato, confecção, agricultura ecológica e familiar, além de alimentação (RESF, 2013Rede. de Economia Solidária e Feminista (2013). Anais do Encontro Nacional da Rede, Brasília, DF, Brasil. http://guayi.org.br/?page_id=1584
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). A maioria das mulheres tem em média 40 anos, é mãe, avó ou tia e tem dependentes, algumas sendo arrimo de família. Elas apresentam, em geral, nível básico de formação escolar, identificando-se certo grau de analfabetismo ou analfabetismo funcional, e estão mais ou menos há cinco anos à frente dos empreendimentos. Os nomes das colaboradoras são fictícios e homenageiam mulheres importantes para a discussão da questão da mulher no Brasil.

A coleta de dados se deu com base em 2 estratégias: por observação não participativa das práticas das mulheres em seu contexto de trabalho em feiras de comercialização, processos de produção, gestão e reuniões periódicas dos grupos produtivos, com roteiro estruturado, entre 2018 e 2021, perfazendo 55 horas de relatos; e por entrevistas semiestruturadas com 5 produtoras, cujo critério de seleção se base ou na área de atuação, sendo duas do artesanato, uma da confecção, uma da agricultura ecológica e familiar e outra de alimentação. As entrevistas perfizeram mais de 18 horas de gravação transcritas (Meihy, 2002Meihy, J.C.S.B. (2002). Manual de história oral. Loyola.). Para Godoi et al. (2006Godoi, C. K., Bandeira-de-Mello, R., & Silva, A. B. (2006). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. Ed. Saraiva., p. 182), a história oral privilegia vozes esquecidas ou invisibilizadas, sendo possível identificar reivindicações, angústias, sugestões e críticas, apreendendo pontos de vista que podem contribuir para a compreensão da vida organizacional contemporânea.

Nas observações e na análise, tentou-se identificar dinâmicas, aparências, situações, conflitos e comportamentos em reuniões e atividades produtivas e de comercialização. A partir disso, foi possível entender a complexidade do campo de forma mais ampla, a fim de desenvolver reflexões mais direcionadas para processos e problemas particularmente relevantes para a pergunta de pesquisa, gerando evidências e exemplos do que já foi encontrado, como tipos de práticas e processos (Creswell, 2007Creswell, J. W. (2007). Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto (2a ed.). Artmed.; Flick, 2009Flick, U. (2009). Introdução à pesquisa qualitativa (3a ed.). Bookman.). As análises mais expressivas sobre a prática feminista de gestão orgânica de conflitos se deram com base em dados de diário de campo.

Também foi realizada uma pesquisa documental, a fim de buscar materiais escritos, textos internos da organização e demais documentos administrativos relativos à prática da autogestão. Durante o período da pandemia de covid-19, as interações se deram de forma remota.

A coleta dos dados se deu sob a análise crítica do discurso (ACD) (Wodak, 2004Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In C. Seale, G. Gobo, J. F. Gubrium, & D. Silverman (Ed.), Qualitative research practice. Sage.) e a perspectiva da história oral, especialmente com o enfoque da nova história. A história oral privilegia vozes esquecidas ou invisibilizadas, alinhando-se com a perspectiva pós-colonial dos estudos organizacionais (Meihy, 2002Meihy, J.C.S.B. (2002). Manual de história oral. Loyola.; Soares, 2019Soares, M. N. M. (2019). Práticas feministas de autogestão em empreendimentos formados por mulheres na rede economia solidária e feminista (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.). Já a ACD adere à pesquisa sobre mulheres, em vista de sua abordagem voltada à percepção histórica e política do discurso. Esta pesquisa, conforme o framework proposto por Wodak (2004Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In C. Seale, G. Gobo, J. F. Gubrium, & D. Silverman (Ed.), Qualitative research practice. Sage.), parte dos elementos dispostos no Quadro 1:

Quadro 1
Estruturação dos dados da ACD para a gestão orgânica de conflitos

Wodak (2004Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In C. Seale, G. Gobo, J. F. Gubrium, & D. Silverman (Ed.), Qualitative research practice. Sage.) aponta que, de posse dos dados, os conceitos teóricos e as informações empíricas devem ser organizados, fragmentando-se numa lógica daquilo que é mais amplo para o que é mais específico, desde as pequenas teorias - trechos do próprio texto e do contexto discursivo - até as médias e as grandes. A abordagem da autora adere à perspectiva da pesquisa, por sua análise histórico-discursiva, observando as situações de fala dos sujeitos. Para ela, os indivíduos usam estratégias como mecanismos que geram persuasão e convicção. A estratégia de perspectivação é utilizada quando o falante deixa claro que o que está dizendo é baseado em seu ponto de vista. A autorrepresentação surge quando o falante descreve a si mesmo, expressando como se vê. A argumentação é uma estratégia com o objetivo de convencer o interlocutor de algo, podendo ser expressada pela justificação de elementos positivos ou negativos. A nomeação ocorre quando é relevante para o emissor distinguir o nós do eles, indicando a construção de grupos internos e externos. Já a estratégia de predicação ocorre quando o emissor rotula outros agentes sociais, tanto de maneira apreciativa quanto depreciativa.

Gill (2002Gill, R. (2002). Análise de discurso. In M. W. Bauer, & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Ed. Vozes.) diz que as descrições e a avaliação das narrativas não são atividades separadas; elas ocorrem simultaneamente ao longo da ACD, visto que caminham entre texto e contexto. Em virtude da adoção da história oral temática, algumas funções de análise já estavam definidas, e manteve-se a perspectiva aberta para códigos e funções do campo empírico, o que auxiliou na proposição de práticas feministas de autogestão. Contudo, não há uma pretensão de generalização empírica ampla, pois não se buscou identificar processos universais, visto que a análise depende do contexto interpretativo. Wodak (2004Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In C. Seale, G. Gobo, J. F. Gubrium, & D. Silverman (Ed.), Qualitative research practice. Sage.) aponta que isso não impede que a ACD seja representativa de seu contexto, o que adere ao objetivo do estudo das práticas feministas de autogestão.

ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS

A prática feminista de autogestão promove uma gestão orgânica de conflitos. Nas observações, identificou-se um modo específico de gerir os conflitos, pois, mesmo que as mulheres estabeleçam relações solidárias, em que predominam a cooperação e a busca pelo bem comum, o conflito existe e é tratado de forma característica nas interações das mulheres na RESF. Elas consideram que o conflito faz parte da prática autogestionária, sendo a solução um encargo coletivo, que exige participação. A comunicação mais horizontalizada e a descentralização das decisões tornam o processo de gestão de conflitos uma responsabilidade compartilhada (Moretto & Cesconetto, 2009Moretto, L. Neto , & Cesconetto, S. M. M. (2009). Administração de conflitos nas organizações. Ed. UFSC.; Pinheiro & Paula, 2014Pinheiro, D. C., & Paula, A. P. P. (2014). A mitologia da ineficiência nas organizações solidárias: em busca da ressignificação de um conceito. Desenvolvimento em questão, 12(27), 42-65. https://doi.org/10.21527/2237-6453.2014.27.42-65
https://doi.org/10.21527/2237-6453.2014....
).

A RESF surge como uma rede de integração de empreendimentos e do fortalecimento das redes locais, almejando a visibilidade e o intercâmbio de empreendimentos de mulheres para a produção, a comercialização e o consumo solidário, no âmbito do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) ocorrido em 2010. A ideia da rede é desenvolver uma identidade e estratégias coletivas para possibilitar o aprendizado coletivo de mulheres e a ação feminista, com a combinação da inclusão social e produtiva com a luta pela valorização das mulheres, suas comunidades e a sociedade como um todo (RESF, 2013Rede. de Economia Solidária e Feminista (2013). Anais do Encontro Nacional da Rede, Brasília, DF, Brasil. http://guayi.org.br/?page_id=1584
http://guayi.org.br/?page_id=1584...
).

Considerando a ACD em Wodak (2004Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In C. Seale, G. Gobo, J. F. Gubrium, & D. Silverman (Ed.), Qualitative research practice. Sage.), existe uma rede de estratégias discursivas, e neste estudo foram identificadas as de perspectivação (ponto de vista), autorrepresentação (autodescrição) e nomeação (diferenciação entre o “eu” e o “outro”). Optou-se por trazer trechos maiores das falas das mulheres, a fim de preservá-las e valorizá-las. Ocorrem constantes inter-relações entre grandes, médias e pequenas teorias que orbitam a gestão de conflitos nas dinâmicas de autogestão das mulheres.

Ao longo da pesquisa, percebeu-se que as mulheres não pensam deliberadamente na gestão dos conflitos, mas a prática da autogestão as encaminha para o tratamento construtivo deles. Ao lidar com o conflito, elas buscam encontrar soluções que aperfeiçoem suas relações, pois disso dependem também o engajamento do grupo e o sentimento de pertencimento à comunidade (Wenger, 2001Wenger, E. (2001). Comunidades de práctica: aprendizaje, significado e identidad. Paidós.). Por não entenderem que aquele conflito é uma “vergonha”, tratam-no de forma orgânica, natural, trazendo-o à apreciação do grupo, a fim de identificar a melhor solução, como se verifica em observação de diário de campo:

Naquele momento, as mulheres estavam discutindo sobre o uso do fundo de reserva para produzir bonecas de pano para encomenda e venda na feira. Resolvida a questão do uso do dinheiro para essa demanda, a coordenadora do grupo, senhora Dandara, disse que a questão seguinte a ser discutida seria o fundo de reserva propriamente dito. Ela informou que algumas companheiras não estavam pagando a taxa mensal havia uns quatro meses e que, por isso, o fundo de reserva estava desfalcado, de modo que seria necessário que elas pagassem “os atrasados e o do mês”, nas palavras da coordenadora, para que pudessem fazer o levantamento das compras para a produção das bonecas. Uma das mulheres levantou a mão e falou que também não era justo que os produtos de quem não estava pagando a taxa fossem para a feira ser vendidos junto com os de quem está “em dia”. Houve um burburinho, e uma das mulheres falou que ela era uma das que estavam devendo a taxa, explicou que estava com dificuldade de separar o dinheiro porque seu avô foi morar com ela e que a família estava “gastando muito dinheiro com remédio” e não estava sobrando para pagar a taxa, mas que no mês seguinte ia conseguir pagar, porque o avô ia restituir o dinheiro com parte da aposentadoria que receberia. As mulheres continuaram debatendo a questão do fundo de reserva. Percebi certo conflito e uma divisão de opiniões. Umas estavam incomodadas com a situação; outras, nem tanto.Após a declaração da mulher sobre a falta de dinheiro por causa da questão familiar, as demais pareceram compreender melhor. Aparentemente, eram apenas duas mulheres que não estavam pagando: uma era a que se pronunciou e a outra não estava presente na reunião. A discussão sobre o tema da taxa ainda durou uns 20 minutos. Em determinado momento, uma das mulheres levantou a mão e disse que poderia cobrir a parte da companheira que não pôde pagar e que ela poderia lhe pagar no mês seguinte. A solução apresentada pareceu atender às expectativas do grupo. Às 16h30, as mulheres organizaram uma mesa de lanches, com cuscuz e café, e lancharam enquanto conversavam sobre os tipos de bonecas que produziriam, mostrando no celular fotos de modelos de bonecas (Observação nº 10, 10 de fevereiro de 2020).

O debate das mulheres encaminhou a discussão sobre o próprio fundo e os dilemas de organização dele. Essa questão parecia essencial não só pela necessidade material de uso, mas também por ser uma prova de comprometimento com o grupo. As mulheres não evitavam o conflito; elas o encaminhavam nas pautas para a discussão do grupo, a fim de resolvê-lo. A fala da associada explicando os motivos pelos quais não estava pagando a taxa do fundo de reserva, de forma muito natural, pareceu uma prova de confiança com o grupo, por se tratar de assunto muito pessoal. A solução surgiu no próprio grupo, e a mulher que faz o papel de coordenadora foi apenas uma mediadora do processo. A forma como resolveram a questão surpreendeu. Num primeiro momento, elas estavam discutindo acaloradamente sobre a questão; em seguida, estavam comendo cuscuz e conversando sobre os produtos, sem maiores dissensões.A união entre discurso e ação é uma característica percebida como familiar na interdiscursividade das dinâmicas de comunicação entre as mulheres. O modo transparente com que se comunicavam, aliado à confiança que depositavam entre si, acelerou o processo de resolução dos conflitos. Não havia manuais para a gestão do conflito, que era entendido a partir das circunstâncias que o moldavam, sempre apoiado nos laços de reciprocidade e confiança.

A gente age de acordo com a situação, porque são questões e mais questões. A gente não pode taxar uma regra e acabou.Tem que ir conciliando as coisas, ver como dá para fazer, de que maneira pode ajudar o grupo. Porque o grupo só se fortalece se for com a ajuda de todos (Carolina, produtora da área do artesanato, 57 anos, Fortaleza, outubro de 2019).

Na RESF, quem gere o conflito são as próprias mulheres (França & Eynaud, 2020França, G. C. Filho, & Eynaud, P. (2020). Solidariedade e organizações: pensar uma outra organização. Ed. UFBA.; Soares et al., 2020Soares, M. N. M., Leocadio, A. L., & Rebouças, S. M. D. P. (2020). Complexity and social capital in solidarity economy: an empirical evidence of enterprises in Brazil. International Journal as Entrepreneurship and Innovation, 24(2-3), 210-231. https://doi.org/10.1504/IJEIM.2020.105783
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). Soma-se a isso o aprendizado que adquirem ao lutar por suas demandas junto aos órgãos públicos. Nesses momentos, elas compreendem que é necessário união e que estarem juntas é o diferencial entre o sucesso e o fracasso.

Outros discursos mostram o conflito entre duas formas de gerir, a partir de racionalidades diferentes, uma racionalidade instrumental burocrática em relação a uma substantiva. São comuns declarações como: “a gente luta muito”, “a gente vai lá e briga até conseguir”, “tem muita burocracia, mas a gente dá um jeito e consegue fazer as coisas”. Quando os empreendimentos realizam parcerias ou interagem com as instituições públicas, ocorre um conflito entre as formas de organização, que se orientam por racionalidades diferentes. Assim, o conflito leva a um aprendizado, ao forçar uma adequação aos requisitos de acesso ao Estado, mas também gera questionamentos sobre a burocracia. Dessa forma, a ação produtiva das mulheres se configura como ação política:

Nanci colocou outro ponto de discussão: a alocação da feira nos terminais de ônibus. Houve novo burburinho, e algumas mulheres pediram a fala. Nanci anotou os nomes das mulheres que pediram para falar. Segue a fala dela: “Gente, como vocês sabem, fazíamos a divisão dos terminais por sorteio. Nós mesmas decidíamos. Mas a prefeitura decidiu que agora eles que vão fazer essa divisão, porque algumas mulheres reclamaram que não estávamos fazendo corretamente.” Houve um burburinho. Nanci pediu que uma das mulheres que levantou as mãos falasse, e a mulher falou que aquilo estava errado, que a prefeitura não podia tomar as decisões sem conversar com o grupo [...]. Uma das mulheres disse que deveria haver outra forma de divisão do espaço nos terminais, que as feiras deveriam ser apenas para a economia solidária e que havia outros tipos de comércio de produtos eletrônicos convencionais que não eram artesanato e prejudicavam a venda dos produtos da Ecosol. Nanci disse que a prefeitura nem chega a discutir isso com as redes da Ecosol que participam das feiras nos terminais e que aquela era uma discussão que deveria ser levada à Rede Cearense (Observação nº 7, 2 de outubro de 2019).

O conflito da divisão dos espaços de comercialização envolve os parceiros externos que disponibilizam os espaços. No entanto, a falta de interlocução entre as mulheres e os parceiros resulta em dissonâncias e conflitos, em vista do choque da linguagem e da fluidez entre as partes. Observam-se situações de fala cuja estratégia de discurso provém da nomeação entre “nós” e “eles”, havendo um afastamento entre o interno e o externo. Como os grupos funcionam numa sistemática mais aberta do que fechada, muitas vezes, as interferências externas causam conflitos que independem de algumas decisões das mulheres. Sobretudo em relação às parcerias firmadas, há um conflito com os processos hierárquicos da heterogestão. Enquanto os grupos se baseiam em substantividade, as organizações públicas parceiras atuam na instrumentalidade. Há que ressaltar a necessidade de tradução dessas linguagens, para que ocorra uma real aproximação entre sociedade e Estado, bem como um esforço por parte deste em perceber que nem todos estão aptos a compreender a lógica formal-instrumental.

Ainda que em suas dinâmicas internas as mulheres administrem o conflito de forma orgânica, ao se relacionarem com o ambiente externo, elas deparam com as estruturas formais que não abrangem as subjetividades e os valores por elas cultivados. Uma comunicação mais aproximada da realidade das mulheres, observando suas reais demandas, resultaria num processo mais construtivo, mas que dependeria de uma agenda política que demanda transformações sociais importantes, como a urgência da percepção da questão da mulher (Martin, 2006Martin, P. Y. (2006). Practising gender at work: further thoughts on reflexivity. Gender, Work and Organization, 13(3), 254-276. https://doi.org/10.1111/j.1468-0432.2006.00307.x
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; Onuma et al., 2012Onuma, F. M. S., Mafra, F. L. N., & Moreira, L. B. (2012). Autogestão e subjetividade: interfaces e desafios na visão de especialistas da Anteag, Unisol e Unitrabalho. Cadernos EBAPE.BR, 10(1), 65-81. https://doi.org/10.1590/S1679-39512012000100006
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; Ramos, 1989Ramos, A. G. (1989). A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Ed. FGV.).

O debate continuou por um tempo. Nanci pediu que a reunião continuasse, pois, a decisão da divisão já tinha sido tomada pela prefeitura. Disse que, na reunião seguinte com a prefeitura, as mulheres levariam seus questionamentos; que, na última reunião, havia apenas quatro mulheres da Rede Estrela de Iracema; e que era importante todas estarem presentes para fazer as solicitações. Algumas mulheres disseram que não conseguiam ir à reunião com a prefeitura porque não tinham com quem deixar os filhos ou apresentaram outros motivos de ordem pessoal, inclusive falta de dinheiro para pagar a passagem. Uma delas disse que, nesse caso, as mulheres poderiam fazer uma vaquinha para pagar a passagem de quem não tivesse dinheiro no dia da reunião. Outra informou que tem dificuldade de ir para a reunião porque cuida da sogra idosa e de um filho pequeno, não tendo com quem deixá-los. Outras apresentaram reclamações parecidas, relacionados ao trabalho doméstico e de cuidado (Observação nº 7, 3 de fevereiro de 2020).

As estratégias de discursos das mulheres demonstram que as relações sociais são parcialmente discursivas, portanto, os textos denotam mais sobre as interações sociais e o caráter da relação estabelecida: simétrica ou assimétrica, de poder ou subordinação, cooperativa ou competitiva, próxima ou distante (Wodak, 2004Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In C. Seale, G. Gobo, J. F. Gubrium, & D. Silverman (Ed.), Qualitative research practice. Sage.). Na análise crítica do discurso, percebe-se que a distância entre as mulheres é diminuída a partir do momento que elas se comunicam e trocam informações sobre suas experiências pessoais. Essa distância não percorre o caminho de subordinação ou hierarquia, e sim da formação de laços de reciprocidade. Esse fortalecimento de laços não ocorre de forma gratuita; dá-se por meio da troca de experiências de vida, de formas de produzir e comercializar. Portanto, é preciso haver troca para que a distância entre as mulheres diminua e se estabeleçam relações de confiança, ou seja, a troca faz parte do processo de gestão de conflito, como observam Gherardi e Strati (2014Gherardi, S., & Strati, A. (2014). Administração e aprendizagem na prática. Elsevier.) e Putnam (2010aPutnam, L. L. (2010a). Communication as changing the negotiation game. Journal of Applied Communication Research, 38, 325-335. https://doi.org/10.1080/00909882.2010.513999
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, 2010bPutnam, L. L. (2010b). Negotiation and discourse analysis. Negotiation Journal, 26(2), 154-154. https://doi.org/10.1111/j.1571-9979.2010.00262.x
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). Os discursos apontam para resoluções de conflito com base em situações vivenciadas, contudo a troca nas relações de confiança entre elas é tela de fundo para as dinâmicas.

Depende da situação, porque, às vezes, há coisas que a gente resolve só; outras, não: a gente leva para decidir em grupo, produz mais em casa. A gente procura resolver da melhor maneira. É muito diferente, porque a gente não trabalha sob pressão; a gente trabalha de forma espontâneo, do nosso jeito. A gente se decide, e cada um vai repassando a opinião de uma para outra. É bem melhor. A gente fica à vontade (Laudelina, produtora da área da alimentação, 58 anos, Fortaleza, fevereiro de 2019).

Acho que nunca vi nenhum grupo em que as mulheres tivessem alguma atitude irresponsável, de não querer isto ou aquilo. Às vezes uma fala: “Não vou à feira porque meu marido não deixa.” Mas ela está lá na produção, leva material para... Elas colocam a responsabilidade que elas podem assumir. Agora, fugir da responsabilidade, isso nunca vi. Geralmente, elas fazem alguma coisa dentro do que sabem (Nanci, produtora e representante da RESF no Ceará, 52 anos, Fortaleza, fevereiro de 2020).

A busca por uma racionalidade substantiva nas relações do Estado com os grupos da RESF facilitaria a criação de modelos estruturais mais flexíveis e adaptáveis às demandas das mulheres, bem como a promulgação de demandas, requerimentos e necessidades que precisariam ser respondidas pelos sistemas organizacionais, internos e externos, tornando a gestão de conflitos com os parceiros externos mais orgânica (Guérin, 2005Guérin, I. (2005). As mulheres e a economia solidária. Edições Loyola.). Assim, os sistemas de comunicação horizontalizados são instrumentos necessários para a gestão dos conflitos que, porventura, ocorram. Esse processo seria viabilizado em empreendimentos econômicos solidários, pela via das práticas de autogestão, que permite aos associados o aprendizado mediante a vivência da cooperação e da solidariedade.

Nesse dia haviam faltado duas mulheres, de dois grupos diferentes. As presentes, dos grupos da RESF, resolveram cobrir a falta das colegas revezando os atendimentos para que não ocorresse nenhum prejuízo. Essa solução, aparentemente, teve sucesso, e o trabalho estava correndo normalmente. Uma das mulheres falou com a que faltou pelo telefone, e ambas combinaram que, na semana seguinte, uma cobriria o turno da outra para compensar a falta naquele dia. Enquanto trabalhavam, as mulheres combinavam como seria o revezamento para o horário do almoço. Uma falou que iria às 11h30 e voltaria mais cedo para a seguinte poder ir. Outra disse que havia trazido o próprio almoço, e eu podia dividir com uma mulher que não trouxe, pois havia trazido o suficiente para duas pessoas. A organização pareceu muito fluida, sem maiores problemas de comunicação (Observação nº 09, 30 de novembro de 2019).

A gente se preocupa muito quando, às vezes, a pessoa atrasa: “será que aconteceu alguma coisa?”.A gente já vai ligar para saber o que aconteceu. Existe essa grande preocupação uma com a outra (Laudelina, produtora da área da alimentação, 58 anos, Fortaleza, fevereiro de 2020).

A partir das dinâmicas das mulheres, percebe-se que os problemas vivenciados no negócio são resolvidos de acordo com a situação, de forma a não prejudicar o grupo. Elas parecem cuidar uma das outras e compreendem que as questões pessoais podem ser resolvidas em conjunto. A falta inesperada de duas das produtoras foi exemplo disso: elas se revezam quando necessário, sem problemas de comunicação. Quando duas ou mais pessoas se encontram reunidas, é bastante provável que, cedo ou tarde, não compartilhem da mesma opinião, dos mesmos interesses, das mesmas necessidades, da interdependência de atividades ou do compartilhamento de recursos (Moretto & Cesconetto, 2009Moretto, L. Neto , & Cesconetto, S. M. M. (2009). Administração de conflitos nas organizações. Ed. UFSC.; Onuma et al., 2012Onuma, F. M. S., Mafra, F. L. N., & Moreira, L. B. (2012). Autogestão e subjetividade: interfaces e desafios na visão de especialistas da Anteag, Unisol e Unitrabalho. Cadernos EBAPE.BR, 10(1), 65-81. https://doi.org/10.1590/S1679-39512012000100006
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).

Na RESF, observações, conversas e entrevistas refletiram na identificação de uma gestão de conflitos do tipo orgânica, com base num sistema de apoio tácito entre elas (Pinheiro & Paula, 2014Pinheiro, D. C., & Paula, A. P. P. (2014). A mitologia da ineficiência nas organizações solidárias: em busca da ressignificação de um conceito. Desenvolvimento em questão, 12(27), 42-65. https://doi.org/10.21527/2237-6453.2014.27.42-65
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). Com as falas, percebem-se estratégias de perspectivação e autorrepresentação de si mesmas, ao demonstrarem uma visão inicial individualista, que se transforma em visão coletiva, à medida que se percebe o objetivo orientador e as dinâmicas nos grupos. O cuidado mútuo e a cooperação, porém, não significam que não haja dissensões. Mas, no fim do dia, o que importa é o coletivo e a resolução colaborativa do conflito.

Se eu lhe disser que não tem confusão, que não tem briga... A gente sempre respeita o lado da outra, o assunto. A gente procura dar um tempo, às vezes não puxa aquele assunto, fica esperando a pessoa vir até a gente. Mas a gente nunca discutiu de briga feia, de ficar mal uma com a outra (Laudelina, produtora da área da alimentação, 58 anos, Fortaleza, setembro de 2019).

O conflito é latente e, no âmbito organizacional, complexo, particularmente em organizações do terceiro setor, como é o caso da RESF, que se organiza sob o paradigma da autogestão e atendem segmentos distintos, exigindo o interesse e a disposição de cooperar, comprometer-se e envolver-se para a solução coletiva dos conflitos organizacionais (McIntyre, 2007McIntyre, S. E.(2007). Como as pessoas gerem o conflito nas organizações: estratégias individuais negociais. Análise Psicológica, 25(2), 295-305. http://hdl.handle.net/10400.12/6079
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; Moretto & Cesconetto, 2009Moretto, L. Neto , & Cesconetto, S. M. M. (2009). Administração de conflitos nas organizações. Ed. UFSC.). As falas demonstram estratégias discursivas de perspectivação ao mostrar o envolvimento no próprio processo de gestão dos conflitos, na própria construção de soluções nos processos de gestão e produção, apontando a abertura para gerir o conflito coletivamente.

Foram identificadas como situações de fala: briga, conversa, rede, liberdade, troca, produzir, colaborar, cuidado, construção, trabalhar, apoio, conhecimento, diálogo e mulher. Ainda que essa perspectiva no discurso descreva um ponto de vista individual, percebe-se que elas trazem elementos de dinâmicas coletivas de gestão dos conflitos. Em diversos momentos, há uma relação entre as palavras “eu” e “grupo”, percebendo-se que os processos de tomada de decisão sobre o conflito são coletivamente resolvidos (Sá & Soares, 2005Sá, M. G., & Soares, G. J. V. (2005). Reflexões sobre poder e controle nas Organizações da Economia Solidária (OES). Cadernos EBAPE.BR, 3(2), 1-13. https://doi.org/10.1590/S1679-39512005000200007
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). Dessa forma, o ato de gerir conflito como prática social se performa como dimensão política para as mulheres, de forma orgânica e no sentido humano e social, tornando-se um processo de aprendizagem na vida produtiva e reprodutiva, em que saber não está separado do fazer e o indivíduo não está separado do coletivo.

Na RESF, a prática das mulheres é muito mais social do que discursiva, e o poder se dá a partir das trocas de informação e estabelecimento das relações. Reside nessa prática uma dimensão política própria das vivências das mulheres, que, em seus contextos privados e públicos, sofrem com os processos de desigualdade social. Como confrontam a situação de conflito com o desejo de resolvê-lo em longo prazo, elas combinam esforços para que se encontre uma solução mais ampla e de consenso. Os discursos apontam autorrepresentação e perspectivação coletiva.

A organicidade com a qual as mulheres gerem o conflito em suas práticas organizativas só se implementa em função de uma racionalidade substantiva (Onuma et al., 2012Onuma, F. M. S., Mafra, F. L. N., & Moreira, L. B. (2012). Autogestão e subjetividade: interfaces e desafios na visão de especialistas da Anteag, Unisol e Unitrabalho. Cadernos EBAPE.BR, 10(1), 65-81. https://doi.org/10.1590/S1679-39512012000100006
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). A prática da gestão orgânica de conflitos demanda a busca por reconceituações e ressignificações das noções de eficiência, racionalidade, conflito, entre outros. França e Eynaud (2020França, G. C. Filho, & Eynaud, P. (2020). Solidariedade e organizações: pensar uma outra organização. Ed. UFBA.), Pinheiro e Paula (2014Pinheiro, D. C., & Paula, A. P. P. (2014). A mitologia da ineficiência nas organizações solidárias: em busca da ressignificação de um conceito. Desenvolvimento em questão, 12(27), 42-65. https://doi.org/10.21527/2237-6453.2014.27.42-65
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), bem como Tauile e Debaco (2004Tauile, J., & Debaco, E. (2004). Autogestão no Brasil: o salto de qualidade nas políticas públicas. Indicadores Econômicos, 32(1), 197-220. https://revistas.planejamento.rs.gov.br/index.php/indicadores/article/view/245
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), alegam que o conceito de eficiência nas organizações solidárias caminha além da simples geração de lucro em curto prazo, existindo uma necessidade de manter a viabilidade societária, a qual pressupõe intensas interações entre os indivíduos. Assim, a eficiência nessas organizações tem como efeito esperado a sustentabilidade da cooperação.

As mulheres da RESF não geram apenas renda; geram também qualidade de vida e valorização, o que pode ser considerado uma eficiência social, que difere de acordo com o contexto. Na ES, a eficiência na gestão não pode se limitar aos benefícios materiais de um empreendimento, definindo-se também como eficiência social, entendida como o alcance de resultados para além do utilitarismo, ou seja, resultados que abriguem qualidade de vida, bem viver, participação e cidadania (Monte-Reyes, 2011Monte-Reyes, P. (2011). Economía solidaria, cooperativismo y descentralización: la gestión social puesta en práctica. Cadernos EBAPE.BR, 9(3), 704-723. https://doi.org/10.1590/S1679-39512011000300003
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; Silva, 2018Silva, S. P. (2018). O campo de pesquisa da economia solidária no Brasil: abordagens metodológicas e dimensões analíticas. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8255/1/TD_2361.pdf
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). Essa conceituação abrange uma forma diferenciada em lidar com o conflito, de modo a conciliar as decisões democráticas e a eficiência econômica, diminuindo a concentração de poder e aumentando a coesão do grupo.

A situação de desigualdade de condições das mulheres é, por si só, uma questão conflituosa. Todavia, na RESF, a busca pela emancipação e os conflitos que daí podem surgir acabam por fazer parte do aprendizado .O contato, a atenção e a preocupação com o outro não se apoiam na ideia de um mundo que define as mulheres como naturalmente altruístas, que o cuidado seria apenas uma qualidade das mulheres, mas definem as práticas e as relações de interdependência entre elas.

A organicidade, portanto, não pertence às mulheres, e sim às suas práticas. Caldart (2010Caldart, R. S. (2010). Caminhos para a transformação escolar. Expressão Popular.) observa que a organicidade e a gestão democrática estão diretamente relacionadas, em especial nos movimentos sociais e populares, pois pensar a organicidade é pensar nas relações entre espaços/instâncias, em vista do bom funcionamento do coletivo. Portanto, a expressão de organicidade indica um processo pelo qual determinada ideia ou tomada de decisão consegue percorrer, de forma ágil e sincronizada, o conjunto das instâncias que constituem a organização, capaz de garantir a participação efetiva de todos na condução da luta em suas diversas dimensões. Nas práticas das mulheres da RESF, esse processo ocorre de maneira mais rápida, uma vez que as instâncias de decisão são mais horizontalizadas.

O discurso das mulheres demonstra estratégias de perspectivação e autorrepresentação voltadas à ação coletiva que transforma a vida das mulheres no âmbito econômico, com muita luta. Do ponto de vista da compreensão crítica do discurso do texto e do contexto, elas buscam afirmar suas condições se autorrepresentando como fortes, lutadoras.

Ao tratar tais informações como dados, que, para Wodak (2004Wodak, R. (2004). Critical discourse analysis. In C. Seale, G. Gobo, J. F. Gubrium, & D. Silverman (Ed.), Qualitative research practice. Sage.), já são pequenas teorias, surgem as teorias médias, que estão ligadas a questões mais específicas e constroem a narrativa da prática social: a troca de informações como forma de estabelecimento de reciprocidade entre as mulheres, a confiança umas nas outras por compartilharem situações de desigualdade e o desejo de união e formação coletiva da identidade. Essa dimensão das médias teorias está conectada com outras dimensões do trabalho, como as discussões sobre conflito nas teorias feministas e o debate dos estudos organizacionais sobre as racionalidades substantiva e instrumental. Assim, as teorias grandes se relacionam com a condição de desigualdade de gênero das mulheres na sociedade e remetem à divisão sexual do trabalho, que demanda mais do trabalho produtivo e reprodutivo da mulher.

Foi possível perceber três tipos de conflito: os que se dão no âmbito interno dos empreendimentos, os que ocorrem no âmbito da rede de cooperação em si e os que ocorrem nas interações entre a rede e os agentes externos à rede, em especial parceiros da administração pública. Os conflitos internos aos empreendimentos são de ordem da própria organização do trabalho de produção e tendem a se resolver de forma orgânica, com o cuidado mútuo entre as mulheres. Esses conflitos levam a aprendizados que, mesmo não sendo mapeados formalmente em procedimentos, são acumulados na memória organizacional dos empreendimentos ao lidar com as situações cotidianas. Os conflitos internos à rede de cooperação em si são de ordem da comercialização - definição dos pontos de venda, cronogramas e responsáveis -, visto que a união em rede parte predominantemente da necessidade de fortalecer os empreendimentos nos processos de comercialização no mercado (RESF, 2013Rede. de Economia Solidária e Feminista (2013). Anais do Encontro Nacional da Rede, Brasília, DF, Brasil. http://guayi.org.br/?page_id=1584
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). Tais conflitos também implicam em aprendizados, que se mantêm na memória organizacional da rede e são resolvidos com relações de confiança, trocas e reciprocidade.

Os conflitos com agentes externos às redes e dão em virtude das diferentes racionalidades que permeiam os contextos. Enquanto a rede é permeada por racionalidades substantivas, as entidades públicas e privadas são permeadas pela racionalidade burocrática instrumental-legal, que orientam linguagens e formas de fazer diferentes, as quais, não raro, dificultam as interações entre os agentes. Essas interações também geram aprendizado, porém geram conflitos.

A gestão orgânica de conflitos não é um processo automático, normatizado e estruturado, como nos processos da heterogestão, e sim fruto de situações e relações estabelecidas entre as mulheres. A maioria das mulheres é arrimo de família e encontra elos de fortalecimento na participação e na organização dos grupos produtivos. O Quadro 2 apresenta uma síntese da análise sobre a prática feminista de autogestão da gestão orgânica de conflitos.

Quadro 2
Análise da gestão orgânica de conflitos

Conforme apontado por Serva (2023Serva, M. (2023). Análise pragmatista de organizações. Era, 63(1), 1-22. Análise pragmatista de organizações. Era), o conflito detém dimensões políticas na vida humana associada, em especial na ação coletiva, que tem efeitos diretos no engajamento dos atores. As práticas das mulheres na ES têm demonstrado uma visão de conflito como aprendizado coletivo, com intensa troca de informações. Movimentos sociais tendem a ser horizontalizantes porque, em sua organicidade, diminuem a hierarquização, apostando na democracia e na pluralidade, pautando processos de organização participativa e democrática dentro e fora do espaço organizacional.

A emancipação das mulheres na RESF também é conquistada pelas suas próprias formas de se organizar, e gerir os próprios conflitos faz parte desse processo. Considerando o contexto em que estão inseridas, como observado por Soares e Rebouças (2022Soares, M. N. M., & Rebouças, S. M. D. P. (2022). Influxos do feminismo na economia solidária: um estudo sobre as práticas organizacionais em empreendimentos autogeridos por mulheres. Revista Inclusiones, 9(Especial), 1-23. https://revistainclusiones.org/index.php/inclu/article/view/3194
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), as mulheres acabam desenvolvendo práticas que fogem da lógica instrumental, inclusive para gerir conflitos, percebendo a condição de desigualdade de gênero e os limites por ela impostos. Assim, a prática feminista de autogestão, relacionada à gestão orgânica de conflitos, é uma estratégia política das mulheres para minimizar a condição de desigualdade em que se encontram.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática feminista de autogestão identificada e analisada neste trabalho foi a da gestão orgânica de conflitos, sob observação de interações e dinâmicas das mulheres na RESF. Essa observação demonstrou que a flexibilidade nas dinâmicas de gestão de conflito se relaciona com uma estrutura de valores que molda a forma como o trabalho é performado, orientando-se, portanto, sob uma lógica substantiva da racionalidade, em conjunto com algum nível de instrumentalidade, mas com a predominância da substantividade, o que permite uma organicidade nos modos de pensar e gerir o conflito a partir de uma prática feminista (Martin, 1993Martin, P. Y. (1993). Feminist practice in organizations: implications for management. In E. A. Fagenson (Ed.), Women in management: trends, issues, and challenges in managerial diversity. Sage., 2006; Serva, 1997Serva, M. (1997). A racionalidade substantiva demonstrada na prática administrativa. Revista de Administração de Empresas, 37(2), 19-30. https://doi.org/10.1590/S0034-75901997000200003
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).

Os resultados apontam para os seguintes achados: não ocultação do conflito nos processos de gestão; conflito gerido de forma orgânica por uma troca intensa de informações e fortalecimento de laços de reciprocidade; gestão do conflito como processo de aprendizagem que prioriza as experiências das mulheres e suas diferenças. Tais achados, que constroem a prática da gestão orgânica de conflitos, não foram previstos na pesquisa de Martin (1993Martin, P. Y. (1993). Feminist practice in organizations: implications for management. In E. A. Fagenson (Ed.), Women in management: trends, issues, and challenges in managerial diversity. Sage., 2006Martin, P. Y. (2006). Practising gender at work: further thoughts on reflexivity. Gender, Work and Organization, 13(3), 254-276. https://doi.org/10.1111/j.1468-0432.2006.00307.x
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) e são uma contribuição teórica no campo dos estudos organizacionais voltados à racionalidade substantiva.

As mulheres da RESF não negam ou evitam o conflito; elas trazem o conflito para a discussão, de forma participativa, considerando-o natural. Graças à prática autogestionária, a solução dos conflitos é um encargo coletivo, que exige a participação de todas. A união das mulheres decorre da atividade e das necessidades orgânico-funcionais do grupo, com troca intensa de informações não apenas sobre os negócios, mas sobre suas vidas e experiências pessoais. A organicidade na gestão dos conflitos aproxima e mantém as mulheres unidas em suas dinâmicas autogestionárias, pois elas lidam de forma espontânea com os conflitos.

A expressão “organicidade na gestão de conflitos” indica um processo pelo qual determinada ideia ou tomada de decisão consegue percorrer, de forma ágil e sincronizada, o conjunto das instâncias que constituem a organização, capaz de garantir a participação efetiva de todos na condução da luta em suas diversas dimensões. Para as mulheres da ES, organizadas em redes cooperativas, gerir conflitos não está no manual; está no acúmulo de suas experiências, dos processos intensos de comunicação que se estabelecem, sob uma lógica que considera os interesses coletivos.

O processo de gestão de conflito se torna um processo de aprendizagem coletiva, própria dos movimentos sociais, porque, em sua organicidade, mitiga a hierarquização e orienta uma horizontalização que aposta na democracia e na alteridade. Portanto, a emancipação das mulheres na RESF também é conquistada pelas suas próprias formas de gerir os conflitos. A gestão orgânica do conflito está fundamentada em noções de que ele deve ser resolvido pela percepção da diferença de condições, da necessidade de união em prol do movimento orientador, que se relaciona com a geração de renda e a valorização das práticas organizativas.

Do ponto de vista teórico, a pesquisa contribuiu para novas práticas feministas de gestão, sob o paradigma da autogestão, campo ainda não explorado, mas relevante para os estudos organizacionais e o campo da ES. Assim, a identificação de práticas feministas de autogestão relaciona a gestão a valores. A compreensão sobre práticas feministas de autogestão amplia a visão de como o trabalho pode ser realizado, prevendo que uma organização feminista e substantiva promove outras formas de pensar o trabalho e a gestão, transpondo os temas de controle, poder, conflito e aprendizagem para um contexto fundamentado em práticas orientadas por valores como alteridade, reconhecimento e cuidado com o outro.

Não obstante, pode ser apontada como limitação da pesquisa a impossibilidade de uma generalização dos resultados, considerando que este trabalho parte de um contexto específico da gestão, articulando lentes teóricas direcionadas ao entendimento do fenômeno em específico, o que não permite a reaplicação dos resultados. Contudo, conquanto uma pesquisa científica busque a generalização, compreende-se que a generalização na perspectiva das práticas das mulheres não deve ser pensada como um modelo que pode ser aplicado a qualquer contexto.

Trata-se de uma discussão ampla sobre como uma gestão feminista, num contexto periférico, pode se implementar, relacionando os grandes temas dos estudos organizacionais, dos estudos feministas e dos estudos pós-coloniais. Tal construção, ainda recente, envolve uma busca por metodologias adequadas à aproximação do fenômeno. No entanto, acredita-se que a pesquisa apresente potencial para interessar e envolver pesquisadores, uma vez que afeta um movimento tão importante quanto a ES. Compreende-se como uma sugestão de agenda de pesquisa futura estudos que busquem identificar mais práticas feministas de autogestão, bem como o adensamento das práticas que foram identificadas neste artigo. Outra perspectiva a ser desenvolvida é a de raça e suas relações com as práticas de gestão em contextos periféricos, que, numa perspectiva pós-colonialista e decolonial, está imbricada às questões de gênero na América Latina. Sugere-se a continuidade da pesquisa para identificar novas práticas de gestão, especialmente relacionadas às práticas de governança no contexto da gestão social.

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos ao Núcleo de Estudos em Gênero, Idade e Família (NEGIF) e ao Núcleo Multidisciplinar de Avaliação de Políticas Públicas (NUMAPP) da Universidade Federal do Ceará, que vêm apoiando a construção dos trabalhos sobre práticas de mulheres na gestão e na autogestão, seja com infraestrutura, recursos humanos e/ou apoio institucional.

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  • 1
    Aqui é trazida a noção de ação verdadeira, não como uma cópia de regulamentos pré-estabelecidos como norma, a ação verdadeira aqui está relacionada às qualidades de adequação e eficiência ao contexto, aderindo, enquanto conduta ou comportamento, às circunstâncias e demandas das mulheres, o que dependerá das vivências dessas mulheres, e do seu repertório compartilhado (Gherardi, 2009). Assim, a verdade se liga ao modo como as mulheres respondem àquilo que se apresenta, suas vivências, nesse sentido, que são a base para a ação orgânica.
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS

    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao Núcleo de Estudos em Gênero, Idade e Família da Universidade Federal do Ceará. O conjunto de dados não está publicamente disponível em observância aos princípios éticos, onde não se exige a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes da pesquisa, preservando integralmente a sua privacidade. A prática de dados abertos busca garantir a transparência dos resultados das pesquisas, sem exigir a identidade dos participantes da pesquisa.

PARECERISTAS

  • 5
    Ariadne Scalfoni Rigo (Universidade Federal da Bahia, Salvador / BA - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3190-9968
  • 6
    Thais Soares Kronemberger (Universidade Federal Fluminense, Niterói / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2759-1675
  • RELATÓRIO DE REVISÃO POR PARES

    O relatório de revisão por pares está disponível neste link: https://periodicos.fgv.br/cadernosebape/article/view/91212/85730

Editado por

Hélio Arthur Reis Irigaray (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9580-7859
Fabricio Stocker (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6340-9127

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao Núcleo de Estudos em Gênero, Idade e Família da Universidade Federal do Ceará. O conjunto de dados não está publicamente disponível em observância aos princípios éticos, onde não se exige a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes da pesquisa, preservando integralmente a sua privacidade. A prática de dados abertos busca garantir a transparência dos resultados das pesquisas, sem exigir a identidade dos participantes da pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2023
  • Aceito
    28 Ago 2023
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