Resumos
Comparação entre as mecânicas Relativista e Newtoniana é realizada num dado sistema de coordenadas, sem nenhuma preocupação com eventuais outros sistemas de coordenadas inerciais em movimento relativo, o que permite percepção mais direta das diferenças entre elas. Toma-se como ponto de partida a equivalência entre massa e energia e chega-se, como anteriormente realizado por T. Theodorsen, à correta dependência entre massa e velocidade.
Mecânica Clássica; Mecânica Relativística; equivalência massa-energia
A comparison between the relativistic and the Newtonian mechanics is carried out inside a single coordinate system without reference to other coordinate systems moving relatively to ours. This allows a more direct understanding of the differences between the two mechanics. As a starting point, the equivalence between mass and energy is assumed and taking the route suggested by T. Theodorsen, the correct dependence of the mass on the velocity is obtained.
Classical Mechanics; Relativistic Mechanics; mass-energy equilavence
ARTIGOS GERAIS
Comparação entre a mecânica relativista e a mecânica newtoniana
A comparison between the relativistic and the Newtonian mechanics
G.F. Leal Ferreira
Instituto de Física de São Carlos, D.F.C.M., São Carlos, SP, Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência G.F. Leal Ferreira E-mail: guilherm@if.sc.usp.br
RESUMO
Comparação entre as mecânicas Relativista e Newtoniana é realizada num dado sistema de coordenadas, sem nenhuma preocupação com eventuais outros sistemas de coordenadas inerciais em movimento relativo, o que permite percepção mais direta das diferenças entre elas. Toma-se como ponto de partida a equivalência entre massa e energia e chega-se, como anteriormente realizado por T. Theodorsen, à correta dependência entre massa e velocidade.
Palvras-chave: Mecânica Clássica, Mecânica Relativística, equivalência massa-energia.
ABSTRACT
A comparison between the relativistic and the Newtonian mechanics is carried out inside a single coordinate system without reference to other coordinate systems moving relatively to ours. This allows a more direct understanding of the differences between the two mechanics. As a starting point, the equivalence between mass and energy is assumed and taking the route suggested by T. Theodorsen, the correct dependence of the mass on the velocity is obtained.
Keywords: Classical Mechanics, Relativistic Mechanics, mass-energy equilavence.
1. Introdução
A Teoria da Relatividade, como usualmente apresentada, dá especial ênfase às mudanças de sistemas de coordenadas, em razão de suas origens. Mesmo um dos seus principais resultados dinâmicos, o da variação da massa com a velocidade, está, na maioria das apresentações, ligado, direta ou indiretamente [1,2], àquelas trocas de sistema de coordenadas. Isto é inconveniente já que as modificações parecem assim se dever unicamente a mudanças de sistemas de coordenadas, quando, na prática, elas ocorrem aquí mesmo, nos nossos laboratórios. E o presente artigo não tem nada de original a não ser esquecer outros sistemas de coordenadas e dar ênfase às mudanças entre a formulação newtoniana, em que a massa é constante (e o conceito de energia é acessório), e a relativista em que tal não ocorre. Para isto, estaremos nos valendo de formulação apresentada em [3], cujo ponto de partida é o da equivalência entre massa e energia, como defendido por Sandin [4] na controvérsia sobre o significado de m na famosa relação E = mc2, se constante ou variável, discutido em [5]. Em palavras mais simples, se a inércia depende ou não da velocidade. Como operamos num único sistema de coordenadas, constatamos que m depende de v, sem outras filosofias.
2. Mecânica newtoniana
A Mecânica Newtoniana da massa pontual constante, m, é dada simplesmente por
sendo a força, o momento, a velocidade, e t o tempo. O conceito de energia é na Mecânica Newtoniana um conceito derivado e é obtido da Eq. 1 multiplicando-a escalarmente por
em que W é o trabalho de , o deslocamento em dt e Ec a energia cinética. Alternativamente, o conceito de energia, de alto teor físico, é usado como primitivo nas formulações lagrangiana e hamiltoniana, completado pelo conceito de energia potencial.
2.1. Mecânica newtoniana da massa variável
A Mecânica Newtoniana também sabe tratar sistemas em que a massa é variável. Em especial, se a massa é adicionada ao sistema do repouso, a Eq. 1 é ainda válida com m = m(t). Já a Eq. 2 tornar-se-ia
dW não sendo mais uma diferencial exata da energia cinética, como é no caso em que a massa é constante. Temos para dEc,
isto é, a variação da energia cinética é menor do que o trabalho: há algo de irreversível no sistema de massa variável Newtoniano. Comparando as Eqs. 3 e 4, vê-se que a perda de energia mecânica diferencial é v2dm(t)/2.
3. Mecânica relativista
Os primeiros desvios à lei de Newton, Eq. 1, foram observados nas experiências de Kaufmann [5], em que a massa dos elétrons, acelerados em campos elétricos e magnéticos, mostrava ser variável com a velocidade. Portanto, devemos esperar, em princípio, não mais uma única equação como no caso newtoniano, mas duas equações, de forma a estabelecer como se dá aquela variação da massa com a velocidade. Para isso, seguiremos [3], que parte da equivalência entre massa m(v) e energia E(v) [5]
A Eq. 1 será agora [3]
sendo c a velocidade da luz. Segundo ainda [3], vamos impor que o trabalho da força aplicada seja igual ao aumento da energia E:
Notemos agora que se multiplicarmos a Eq. 6 escalarmente por e usarmos a Eq. 5, obteremos
equação que pode ser integrada multiplicando-se os dois membros por E, fornecendo a dependência de E com a velocidade
sendo E0 a energia (ou equivalentemente a massa) de repouso. Portanto, a admissão da Eq. 5, ou seja o da equivalência entre a massa e energia, leva à relação correta entre massa relativista e velocidade.
Voltando à Eq. 7, suporte da Eq. 9, ela e as Eqs. 6 se constituem nas equações da Mecânica Relativista. Portanto, a mudança significativa operada na Mecânica Newtoniana é a incorporação do trabalho realizado sobre a massa (energia) à própria massa (energia), de acordo com a Eq. 7, tornando o trabalho dW uma diferencial exata.
4. A Hamiltoniana e a Lagrangiana relativistas
Mostraremos agora que as equações da formulação relativista da seção anterior levam às expressões corretas da hamiltoniana e lagrangiana relativista.
Se a força deriva de um potencial U(),
e a Eq. 7 se escreve
definindo a energia total H,
H, sendo a energia total, deve ser a hamiltoniana quando expresso em função de pi,e xi,componentes de , e de (lembremos que a Eq. 6 define o momento em função de E(v)). Sendo H(xi, pi), devemos então ter
em que o ponto significa derivada em relação ao tempo. A equação em reproduz a Eq. 6. Para analisar a equação em , vamos primeiro supor que estamos em uma dimensão. Teríamos
em que as Eqs. 6, 12 e13 foram usadas. O terceiro e o sexto termos formam a equação diferencial
que integrada dá
sendo E0 a energia de repouso. A Eq. 16 é uma conhecida relação em dinâmica relativista, confirmando que H, considerado dependente de x e p, é de fato a hamiltoniana.
No caso geral, tridimensional, voltando à Eq. 14, teríamos
em que se usa o fato de E ser função de p, módulo de . Elevando ao quadrado e somando nas componentes, chega-se à Eq. 15 e daí à Eq. 16, levando em conta que os são coeficientes angulares.
A lagrangiana L(xi, vi) é obtida pelo procedimento usual, [2].
em que empregamos as Eqs. 6, 9 e 12.
5. Uma comparação
Somos tentados a comparar a Mecânica Relativista com a newtoniana de massa varíável, tratada na seção 2.1. Como a diferença entre elas está em que o trabalho nesta última não é reversível, Eq. 4, poderíamos especular, na tentativa de dar ao tratamento relativista a mesma interpretação que no newtoniano, que o trabalho perdido (ver abaixo da Eq. 4) v2dm(v)/2 no caso newtoniano, tornar-se-ia, no relativista, a diferencial de uma espécie de energia interna que iria sendo absorvida. Nessa linha de raciocínio, a energia cinética continuaria sendo m(v)v2/2 e a energia interna total seria igual à diferença entre a energia E(v), Eq. 9, e a energia cinética m(v)v2/2, igual a E(v)(1 - v2/2c2). Não há, porém, indícios de que este racionalismo tenha apoio na realidade, para a qual E - E0 parece ser a energia cinética da massa pontual em movimento, como usualmente admitido [1,2].
6. Comentários finais
O que se procurou fazer aquí foi apresentar a Mecânica Relativista, num inespecificado sistema de coordenadas, sem nenhuma preocupação, como em [1,2], com a existência de outros sistemas. A consistência dos resultados endossa o ponto de vista de Sandin [4], admitido de forma geral na Eq. 5.
Agradecimento
O autor agradece ao colega Dr. René Armando Moreno a leitura de uma versão anterior do presente trabalho e os conselhos que a acompanharam.
Recebido em 7/5/03; Manuscrito revisado recebido em 28/11/03; Aceito em 5/1/04
- [1] A.P. French, Special Relativity (W.W. Norton, 1968), caps. 1 e 6.
- [2] H. Goldstein, Classical Mechanics (Addison-Wesley, 1951), cap.6.
- [3] T. Theodorsen, Galilean Electrodynamics 6, 63 (1995).
- [4] T.R. Sandin, Amer. J. Phys. 59, 1032 (1991).
- [5] Nivaldo A. Lemos, Rev. Bras. Ens. Física. 23, 3 (2001).
Endereço para correspondência
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Jul 2004 -
Data do Fascículo
2004
Histórico
-
Aceito
05 Jan 2004 -
Revisado
28 Nov 2003 -
Recebido
07 Maio 2003