Resumos
A síndrome de ativação macrofágica é uma doença rara e potencialmente fatal. Ela ocorre devido a uma alteração no sistema imunológico, com excessiva proliferação de macrófagos, geralmente causando hepatoesplenomegalia, pancitopenia e disfunção hepática. Neste artigo, relatamos uma raríssima apresentação da síndrome de ativação macrofágica como insuficiência respiratória, bem como a primeira descrição de nódulo escavado, vidro fosco e consolidação na tomografia computadorizada de alta resolução de pulmão (simulando uma pneumonia ou hemorragia alveolar) e o sucesso terapêutico com o uso de imunoglobulina humana. Assim, sugerimos que a síndrome de ativação macrofágica seja colocada no diagnóstico diferencial de causas de insuficiência respiratória e que o rápido diagnóstico e tratamento seja imperativo para a boa evolução do paciente.
Ativação de macrófagos; Linfohistiocitose hemofagocítica; Tomografia computadorizada por raios X; Doenças pulmonares intersticiais
Macrophage activation syndrome is a rare and potentially life-threatening disease. It occurs due to immune dysregulation manifested as excessive macrophage proliferation, typically causing hepatosplenomegaly, pancytopenia and hepatic dysfunction. Here, we report an unusual case of macrophage activation syndrome presenting as dyspnea, as well as (reported here for the first time) high resolution computed tomography findings of an excavated nodule, diffuse ground glass opacities and consolidations (mimicking severe pneumonia or alveolar hemorrhage). The patient was successfully treated with human immunoglobulin. We recommend that macrophage activation syndrome be considered in the differential diagnosis of respiratory failure. Rapid diagnosis and treatment are essential to achieving favorable outcomes in patients with this syndrome.
Macrophage activation; Lymphohistiocytosis, hemophagocytic; Tomography, X-ray computed; Lung diseases, interstitial
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RELATO DE CASO
Uma rara causa de dispnéia com apresentação singular na tomografia computadorizada de tórax: síndrome de ativação macrofágica*
Rodrigo Antônio Brandão-NetoI; Alfredo Nicodemos Cruz SantanaII; Debora Lucia Seguro DanilovicIII; Fabíola Del Carlo BernardiIV; Carmen Silvia Valente BarbasV; Berenice Bilharinho de MendonçaVI
IMédico Assistente do Departamento de Emergências Clínicas. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HCFMUSP São Paulo (SP) Brasil
IIDoutorando da Disciplina de Pneumologia. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo FMUSP São Paulo (SP) Brasil
IIIDoutoranda da Disciplina de Endocrinologia. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HCFMUSP São Paulo (SP) Brasil
IVMédica Assistente do Departamento de Patologia. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HCFMUSP São Paulo (SP) Brasil
VProfessora Livre Docente da Disciplina de Pneumologia. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HCFMUSP São Paulo (SP) Brasil
VIProfessora Titular da Disciplina de Endocrinologia. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HCFMUSP São Paulo (SP) Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Alfredo Nicodemos Cruz Santana Rua Oscar Freire, 2121, ap 602, Pinheiros CEP 05409-011, São Paulo, SP, Brasil Tel 55 11 3088-6603 E-mail: alfredonicodemos@hotmail.com
RESUMO
A síndrome de ativação macrofágica é uma doença rara e potencialmente fatal. Ela ocorre devido a uma alteração no sistema imunológico, com excessiva proliferação de macrófagos, geralmente causando hepatoesplenomegalia, pancitopenia e disfunção hepática. Neste artigo, relatamos uma raríssima apresentação da síndrome de ativação macrofágica como insuficiência respiratória, bem como a primeira descrição de nódulo escavado, vidro fosco e consolidação na tomografia computadorizada de alta resolução de pulmão (simulando uma pneumonia ou hemorragia alveolar) e o sucesso terapêutico com o uso de imunoglobulina humana. Assim, sugerimos que a síndrome de ativação macrofágica seja colocada no diagnóstico diferencial de causas de insuficiência respiratória e que o rápido diagnóstico e tratamento seja imperativo para a boa evolução do paciente.
Descritores: Ativação de macrófagos; Linfohistiocitose hemofagocítica; Tomografia computadorizada por raios X; Doenças pulmonares intersticiais.
Introdução
A síndrome de ativação macrofágica (SAM), também conhecida como síndrome hemofagocítica ou linfohistiocitose hemofagocítica, é uma doença rara e potencialmente fatal. Ocorre em virtude da desregulação imune que se manifesta como proliferação excessiva de macrófagos em resposta a agente desencadeante, tais como infecções, doenças reumatológicas ou tumores. De modo geral, a apresentação clínica da SAM compreende febre de início súbito, hepatoesplenomegalia, linfadenopatia, pancitopenia e disfunção hepática. O achado histológico consiste na fagocitose dos macrófagos por eritrócitos (que degrada os eritrócitos, produzindo hemossiderina) na medula óssea, baço, linfonodos ou pulmões, sem pleomorfismo ou atividade mitótica significativos.(1-4) Relatamos aqui o primeiro caso em que opacidades difusas em vidro fosco acompanhadas de consolidações pulmonares, simulando pneumonia grave, foram vistas na tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) de um indivíduo adulto com SAM.
Relato de caso
Um homem de 71 anos de idade, recentemente diagnosticado com síndrome de Cushing devido a um tumor adrenal, queixava-se de tosse, dispnéia e febre. Ao exame físico, a saturação periférica de oxigênio em ar ambiente era de 88%. Os exames laboratoriais revelaram anemia, plaquetopenia e níveis elevados de aminotransferase hepática, além de colestase, hipertrigliceridemia e um nível extremamente alto de ferritina sérica (10.580 µg/L; faixa normal, 20-250 µg/L). A colangiopancreatografia por ressonância magnética e ultra-sonografia normais excluíram a hipótese de obstrução do sistema biliar. A fim de investigar a anemia, foi realizada aspiração da medula óssea, cujos resultados foram compatíveis com o diagnóstico de SAM. Os resultados da cultura de aspiração foram negativos. Uma TC do tórax revelou um nódulo escavado, juntamente com opacidades em vidro fosco e consolidações (Figura 1). Realizou-se, então, uma broncoscopia. As culturas do lavado broncoalveolar foram negativas, e uma biopsia transbrônquica do lobo inferior direito mostrou abundantes macrófagos com hemossiderina nos espaços alveolares, bem como ausência de pleomorfismo significativo ou atividade mitótica. Havia infiltração linfocítica nos septos alveolares, que apresentavam espessamento. Estes achados histológicos também são compatíveis com SAM. Considerando-se este diagnóstico, iniciou-se pulsoterapia com imunoglobulina humana intravenosa (1 g/kg diariamente por 2 dias).(1) Após 20 dias, desapareceram a anemia, as alterações hepáticas, os infiltrados pulmonares e a hipoxemia, e o nível de ferritina sérica normalizou-se. Três anos após o tratamento com imunoglobulina, os achados da TC do tórax e os resultados dos exames laboratoriais estavam normais e o paciente não apresentava queixas.
Discussão
Este foi o primeiro relato de caso no qual foi observada a combinação de nódulo escavado, opacidades em vidro fosco e consolidações pulmonares numa TCAR (Figura 1). Este achado é importante porque inclui a SAM no diagnóstico tomográfico diferencial de pneumonia, linfoma, vasculite pulmonar, hemorragia alveolar, tuberculose, pneumocistose, nocardiose e doença fúngica.(5-9)
Houve somente dois relatos anteriores de acometimento pulmonar comprovados por TCAR em SAM.(3,4) O primeiro descrevia opacidades pulmonares reticulonodulares difusas e espessamento septal.(3) Naquele caso, a biopsia transbrônquica mostrou septos alveolares espessos e infiltrados por linfócitos, bem como macrófagos hemofagocíticos ocupando os espaços alveolares. Estes achados patológicos são semelhantes aos do nosso caso. O paciente mostrou melhora após o tratamento para SAM.(3) O segundo relato foi um caso no qual havia massa mole polipóide na cavidade nasal, linfoadenomegalia cervical e hepatoesplenomegalia, além de um nódulo pulmonar de 25 mm no lobo inferior do pulmão direito visualizado na TC do tórax.(4) Naquele caso, duas biopsias separadas (nasal e linfonodal) revelaram extensa proliferação benigna de macrófagos hemofagocíticos com hemossiderina e infiltrados linfocíticos. Esses achados são semelhantes aos nossos, bem como àqueles aceitos em literatura como sendo diagnóstico de SAM.(1-4) Naquela casuística, observou-se a regressão completa dos pólipos nasais, linfoadenomegalia e hepatoesplenomegalia, bem como de um nódulo pulmonar, após o tratamento para SAM. As diferentes apresentações tomográficas de SAM (nódulos, opacidades reticulonodulares, opacidades em vidro fosco e consolidação) podem corresponder à presença de macrófagos e infiltração linfocítica, em graus variáveis, dos espaços alveolares e septos, à semelhança do que ocorre na pneumonia intersticial descamativa e pneumonia intersticial linfocítica.(10,11)
Estabelece-se o diagnóstico de SAM quando pelo menos cinco dos seguintes critérios são preenchidos: febre; bicitopenia; hipertrigliceridemia; hemofagocitose; nível de ferritina sérica > 500 µg/L; esplenomegalia; baixa atividade de células matadoras naturais; e aumento de níveis séricos de sCD25.(1) Nosso caso preencheu os cinco primeiros critérios, com SAM secundário ao tumor adrenal. Além disso, o nível extremamente alto de ferritina sérica, bem como os resultados de aspirado de medula óssea e biopsia transbrônquica compatíveis com SAM, juntamente com a excelente resposta ao tratamento com imunoglobulina (resolução das alterações pulmonares, hepáticas e hematológicas), comprovam o diagnóstico de SAM com acometimento pulmonar.
Concluindo, pacientes com SAM podem apresentar insuficiência respiratória, bem como opacidades difusas em vidro fosco e consolidações comprovados por TCAR, simulando pneumonia grave ou hemorragia alveolar. Além disso, o diagnóstico de SAM deve ser especialmente considerado em pacientes com alterações hepáticas concomitantes, citopenias ou níveis elevados de ferritina sérica. Conseqüentemente, este perfil clínico deveria levar os pneumologistas a suspeitar esta condição potencialmente letal, permitindo rápido diagnóstico e tratamento, que são essenciais para que alcancemos desfechos favoráveis.
Recebido para publicação em 4/1/2007
Aprovado, após revisão, em 25/3/2007
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Mar 2008 -
Data do Fascículo
Fev 2008
Histórico
-
Aceito
25 Mar 2007 -
Recebido
04 Jan 2007