Open-access Microrrelevo e a distribuição de frações granulométricas em Cambissolos de origem calcária

Microrelief and particle-size fraction distribution in calcareous Inceptisols

Resumos

A Chapada do Apodi caracteriza-se como importante pólo agrícola no estado do Ceará. Apesar da homogeneidade de clima, relevo e material de origem, seus solos apresentam grande variabilidade de atributos, muitas vezes em pequenas escalas espaciais, indicando a necessidade de manejos distintos. O presente trabalho teve como objetivo estudar a influência do microrrelevo na variabilidade espacial das diferentes frações granulométricas dos solos da Chapada do Apodi. Para isso, foi realizado levantamento planialtimétrico em uma área de 102 ha, seguido de tradagens para coleta das amostras de solo e determinação da profundidade efetiva. As amostras foram submetidas à análise granulométrica e os dados foram tratados por meio da estatística descritiva e da geoestatística, utilizando-se semivariogramas e mapas de krigagem. Com base nas formas de microrelevo, o local de estudo foi compartimentado em 03 superfícies distintas (côncava, convexa e retilínea). Por meio dos resultados foi identificada clara influência do microrrelevo na distribuição das frações granulométricas. Maiores teores de argila e maiores profundidades de solos foram encontrados na superfície côncava. Estes resultados são indicativos de maior ação da pedogênese nos solos desta porção do terreno em resposta à existência de fluxos hídricos convergentes. A ocorrência de maiores teores de areia e solos mais rasos na superfície convexa e mais elevada indica menor ação da pedogênese e maior intensidade do processo de erosão seletiva. O uso da geoestatística contribuiu para a identificação de áreas com necessidades diferenciadas de manejo, servindo como importante ferramenta para a tomada de decisões, especialmente relacionadas à irrigação.

Chapada do Apodi; Variabilidade Espacial; Microtopografia; Solos-análise


The Apodi Plateau is characterized as an important agricultural centre for the state of Ceará, Brazil. Despite the homogeneity of climate, topography and parent material, soils in the area exhibit a great variability in attributes, often on small spatial scales, indicating the need for separate managements systems. The aimed of the present work was to investigate the influence of microrelief on the spatial variability of different particle-size fractions of the soils in the Apodi Plateau. A plano-altimetric survey was conducted in an area of 102 ha, followed by boreholes for collecting soil samples and determining the effective depth. The samples were subjected to particle-size analysis and the data processed with descriptive statistics and geostatistics, using semivariograms and kriging charts. Based on the microrelief, the study area was divided into 3 different surfaces (concave, convex and flat). From the results a clear influence of the microrelief on the distribution of the particle-size fractions was identified. Higher clay-content and greater soil depth were found on the concave surface. These results indicate greater soil-genesis activity in the soils of this area in response to the existing convergent water flows. The occurrence of higher levels of sand and shallower soils on the convex and more elevated surface indicates less soil-genesis activity and a greater intensity of the selective-erosion process. The use of geostatistics contributed to the identification of areas with different soil-management needs, serving as an important tool for decision making, especially when related to irrigation.

Apodi Plateau; Spatial Variability; Microtopography; Soil-analysis


ARTIGO CIENTÍFICO

Microrrelevo e a distribuição de frações granulométricas em Cambissolos de origem calcária1

Microrelief and particle-size fraction distribution in calcareous Inceptisols

Daniel Pontes de OliveiraI,*; Tiago Osório FerreiraII; Ricardo Espíndola RomeroII; Paulo Roberto Silva FariasIII; Mirian Cristina Gomes CostaII

IDepartamento de Ciências do Solo, Universidade Federal do Ceará/UFC, Campus do Pici, Bloco 807, Fortaleza-CE, Brasil, 60.455-760, daniel_pontes78@hotmail.com

IIDepartamento de Ciências do Solo/UFC, Campus do Pici, Bloco 807, Fortaleza-CE, Brasil, 60.455-760, tiago@ufc.br, reromero@ufc.br, mirian.costa@ufc.br

IIIDepartamento de Biologia Vegetal e Fitossanidade, Universidade Federal Rural da Amazônia/UFRA, Belém-PA, Brasil, 66.077-530, paulo.farias@pq.cnpq.br

RESUMO

A Chapada do Apodi caracteriza-se como importante pólo agrícola no estado do Ceará. Apesar da homogeneidade de clima, relevo e material de origem, seus solos apresentam grande variabilidade de atributos, muitas vezes em pequenas escalas espaciais, indicando a necessidade de manejos distintos. O presente trabalho teve como objetivo estudar a influência do microrrelevo na variabilidade espacial das diferentes frações granulométricas dos solos da Chapada do Apodi. Para isso, foi realizado levantamento planialtimétrico em uma área de 102 ha, seguido de tradagens para coleta das amostras de solo e determinação da profundidade efetiva. As amostras foram submetidas à análise granulométrica e os dados foram tratados por meio da estatística descritiva e da geoestatística, utilizando-se semivariogramas e mapas de krigagem. Com base nas formas de microrelevo, o local de estudo foi compartimentado em 03 superfícies distintas (côncava, convexa e retilínea). Por meio dos resultados foi identificada clara influência do microrrelevo na distribuição das frações granulométricas. Maiores teores de argila e maiores profundidades de solos foram encontrados na superfície côncava. Estes resultados são indicativos de maior ação da pedogênese nos solos desta porção do terreno em resposta à existência de fluxos hídricos convergentes. A ocorrência de maiores teores de areia e solos mais rasos na superfície convexa e mais elevada indica menor ação da pedogênese e maior intensidade do processo de erosão seletiva. O uso da geoestatística contribuiu para a identificação de áreas com necessidades diferenciadas de manejo, servindo como importante ferramenta para a tomada de decisões, especialmente relacionadas à irrigação.

Palavras-chave: Chapada do Apodi. Variabilidade Espacial. Microtopografia. Solos-análise.

ABSTRACT

The Apodi Plateau is characterized as an important agricultural centre for the state of Ceará, Brazil. Despite the homogeneity of climate, topography and parent material, soils in the area exhibit a great variability in attributes, often on small spatial scales, indicating the need for separate managements systems. The aimed of the present work was to investigate the influence of microrelief on the spatial variability of different particle-size fractions of the soils in the Apodi Plateau. A plano-altimetric survey was conducted in an area of 102 ha, followed by boreholes for collecting soil samples and determining the effective depth. The samples were subjected to particle-size analysis and the data processed with descriptive statistics and geostatistics, using semivariograms and kriging charts. Based on the microrelief, the study area was divided into 3 different surfaces (concave, convex and flat). From the results a clear influence of the microrelief on the distribution of the particle-size fractions was identified. Higher clay-content and greater soil depth were found on the concave surface. These results indicate greater soil-genesis activity in the soils of this area in response to the existing convergent water flows. The occurrence of higher levels of sand and shallower soils on the convex and more elevated surface indicates less soil-genesis activity and a greater intensity of the selective-erosion process. The use of geostatistics contributed to the identification of areas with different soil-management needs, serving as an important tool for decision making, especially when related to irrigation.

Key words: Apodi Plateau. Spatial Variability. Microtopography. Soil-analysis.

INTRODUÇÃO

A Chapada do Apodi, inserida no polígono das secas (LEMOS et al., 1997) e localizada na divisa dos estados do Ceará e do Rio Grande do Norte, destaca-se do semiárido circunjacente devido ao alto potencial agrícola oriundo da presença de solos calcários com boa fertilidade natural e presença de relevo plano, favorável à mecanização (BRASIL, 1973), além da disponibilidade de água do rio Jaguaribe, perenizado pelo Açude de Orós (MILHOME et al., 2009).

Devido à sua potencialidade agrícola, a região atrai o interesse econômico de investidores nacionais e internacionais, especialmente do ramo da fruticultura. A implantação de empreendimentos agrícolas na região vem dinamizando a economia local gerando emprego e renda para as populações adjacentes à Chapada. No entanto, as diferentes práticas agrícolas vêm gerando limitações no que diz respeito à manutenção e à sustentabilidade dos recursos naturais e, em especial, de seus solos (WEBER et al., 2006).

Os problemas desta área, de uma forma geral, estão ligados à utilização inadequada dos solos, em função da escassez de informações de base sobre esse recurso natural na Chapada do Apodi. Estudos prévios indicam os Cambissolos como a classe dominante na região (BRASIL, 1973), a qual é marcada por elevada variabilidade em suas propriedades químicas, físicas e mineralógicas em pequenas escalas espaciais (LEMOS et al., 1997), o que implica em solos de mesma classe taxonômica, porém com demandas de manejo distintas.

Estudos recentes (COSTA et al., 2011; OLIVEIRA et al., 2009) sugerem que esta variabilidade espacial dos atributos dos solos da Chapada do Apodi pode ocorrer em resposta a pequenas oscilações nas formas do relevo. De fato, Souza et al. (2006) ressaltam que alterações do microrrelevo podem alterar a dinâmica hídrica nos solos de uma área, condicionando a uma distribuição diferenciada de seus atributos.

Tendo em vista que a granulometria afeta sobremaneira o comportamento hídrico dos solos (GUI et al., 2010; PAZ-FERREIRO; VIDAR VÁZQUEZ; MIRANDA, 2010), em regiões semiáridas sua distribuição merece especial atenção, uma vez que, nesses locais, a irrigação é técnica comumente empregada para fins de aumento e, em alguns casos, de viabilização da produção agrícola. Diversos estudos recentes têm reforçado o papel da granulometria como atributo fundamental para o entendimento e modelagem de parâmetros hídricos associados aos fenômenos de movimento e retenção de água nos solos (ABBASI et al., 2011;CHAN; GOVINDARAJU, 2004; HWANG; CHOI, 2006).

Em face à homogeneidade dos demais fatores de formação de solos na região da Chapada do Apodi (BRASIL, 1973) partiu-se da hipótese de que o microrrelevo exerce influência na distribuição de partículas granulométricas nos solos da região. Sendo assim, o trabalho teve como objetivo avaliar a influência do microrrelevo na distribuição das frações granulométricas de solos desenvolvidos de calcário na Chapada do Apodi.

MATERIAL E MÉTODOS

O local de estudo compreende uma área de 102 ha, localizada no município de Limoeiro do Norte, na Chapada do Apodi, dentro dos domínios do estado do Ceará (Figura 1). O clima da região, segundo a classificação de Köppen, é do tipo BSw'h', caracterizado como muito quente e semiárido. A média pluviométrica da região é de 750 mm ano-1 (BRASIL, 1973) e a evapotranspiração atinge média anual de 3.215 mm ano-1 (FERNANDES et al., 2005), caracterizando intenso déficit hídrico na região.


A Chapada do Apodi faz parte da bacia do Potiguar, cujas unidades estratigráficas são representadas predominantemente, pelos calcários da Formação Jandaíra no topo, com espessura variável podendo atingir um valor máximo da ordem de 600 m, e pelos arenitos da Formação Açu, situados na base (PESSOA NETO et al., 2007).

Para caracterização do microrrelevo, realizou-se um levantamento planialtimétrico da área utilizando-se uma estação total (modelo Topcon) com precisão de 10" e alcance de 2 km. Foram georreferenciados 52 pontos distribuídos no modelo de grade do tipo retangular de 200 m na linha e de 100 m entre linhas. Com base neste levantamento, foi gerado o Modelo de Elevação Digital (MED) no software Surfer 8.0, a partir do qual o relevo foi dividido em compartimentos, levando-se em consideração as curvaturas da superfície do terreno. A Figura 1 apresenta o MED, onde estão representadas as três superfícies (côncava, convexa e retilínea), bem como os vetores que simulam fluxo hídrico preferencial no local.

A diferença altimétrica identificada na área foi de 4 m ao longo dos 102 ha. Constatou-se que 97% do terreno apresenta declividade inferior a 3%, enquanto que no restante da área a declividade varia entre 3 e 8%, classificando o relevo como plano e suave ondulado (SANTOS et al., 2005). Neste trabalho considera-se como microrrelevo as variações de declividade compreendidas no intervalo de 0 a 8 %, baseado na classificação de relevo proposta por Santos et al. (2005).

Em cada ponto da grade estabelecida foram coletadas amostras de solos em três profundidades (0,0-0,2; 0,2-0,4 e 0,4-0,6 m), totalizando 134 amostras (60 na superfície côncava, 43 na convexa e 31 na retilínea). Por ocasião das coletas para as determinações granulométricas, realizaram-se sondagens utilizando-se trado holandês para determinar a profundidade efetiva dos solos.

Depois de coletadas, as amostras foram secas ao ar, destorroadas e passadas em peneiras com malha de 2 mm para obtenção da terra fina seca ao ar (TFSA). Posteriormente, as amostras foram submetidas à análise granulométrica realizada pelo método da pipeta, utilizando-se como dispersante químico o hexametafosfato de sódio e agitação rápida durante 10 minutos. A fração areia foi separada por tamização e a fração argila por sedimentação, seguindo a lei de Stookes (EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA, 1997).

Como forma inicial de avaliar os dados gerados em laboratório, os resultados foram submetidos à estatística descritiva, calculando-se medidas de localização (média e mediana), de variabilidade (desvio padrão e coeficiente de variação) e de tendência central (assimetria), para cada compartimento nas profundidades amostradas. Desta forma, avaliou-se a normalidade dos atributos (CRUZ et al., 2010) que, por se tratarem de dados oriundos da natureza, apresentam ajuste apenas aproximado a uma distribuição normal (WARRICK; NIELSEN, 1980).

A dependência espacial das amostras foi avaliada utilizando-se a geoestatística, fazendo-se uso da construção de semivariogramas, conforme a equação 1, de acordo com Vieira (2000):

onde g(h) é a semivariância estimada a partir de dados experimentais, N (h) é o número de pares experimentais de valores medidos Z(xi), Z (xi+h), separados por um vetor h.

Inicialmente foram realizadas análises variográficas que foram elaboradas para uma direção global isotrópica, ou seja, adotando-se um ângulo de tolerância de 90º. Com o intuito de definir os parâmetros variográficos, foram realizadas tentativas de ajustes aos modelos esférico, gaussiano e pentaesférico, com distâncias variadas entre os pares (OLIVEIRA et al., 2009).

Depois de gerados os semivariogramas e constatada a dependência espacial foram gerados mapas de isolinhas, utilizando-se como interpolador o método da Krigagem por meio do programa Surfer 8.0 (GOLDEN SOFTWARE INC., 1999).

A classificação do grau de dependência espacial (GD), relação entre o efeito pepita (Co) e o patamar (Co + C1), foi realizada segundo Cambardella et al. (1994). Para análise do coeficiente de variação (CV), utilizou-se a classificação proposta por Warrick e Nielsen (1980), sendo considerada: baixa: CV < 12%; média: CV entre 12 e 60% e alta: CV > 60%.

A análise da distribuição dos dados foi feita com base na seguinte classificação de Vieira, Mello e Lima (2007): distribuição simétrica quando coeficiente de assimetria igual a zero (CA = 0); distribuição assimétrica à esquerda quando CA > 0; e distribuição assimétrica à direita quando CA < 0.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela 1 encontram-se os valores médios e a estatística descritiva das frações granulométricas dos diferentes compartimentos do microrrelevo e das diferentes profundidades estudadas. A proximidade entre os valores de mediana e média para os atributos granulométricos analisados indica que não há assimetria acentuada (LEÃO et al., 2010) e que, com a ocorrência de valores semelhantes, os dados se aproximam ou apresentam distribuição normal (LITTLE; HILLS, 1978).

Quanto ao coeficiente de variação (CV), também apresentado na Tabela 1, observa-se que os valores ficaram entre 12 e 60% sendo, portanto, classificado como médio (WARRICK; NIELSEN 1980). Os CVs mais elevados foram observados para argila e silte (15,16 a 46,23%, Tabela 1), enquanto que os menores para areia (10,42 a 37,36%, Tabela 1). Os maiores valores de CV para argila e silte indicam que, nos solos estudados, estas frações são mais passíveis de alteração, o que está de acordo com a classe dos Cambissolos presente na área (COSTA et al., 2011), a qual caracteriza-se por uma pedogênese pouco avançada e, portanto, pela maior presença de minerais alteráveis, tanto na fração argila (argilas 2:1), como na fração silte (EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA, 2006). De fato, segundo Vieira, Mello e Lima (2007), quanto menos intemperizado o material do solo maior é a variabilidade dos parâmetros estudados.

No caso da fração areia, cabe ressaltar que boa parte dessa fração é constituída por nódulos e concreções ferruginosas (petroplintita de tamanho entre 0,05 e 2 mm) caracterizados por sua acentuada cimentação (EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA, 2006) e, portanto, alta estabilidade.

Quanto ao coeficiente de assimetria (CA), verificou-se que os valores de todas as variáveis tenderam a zero (Tabela 1). De acordo com esses resultados, as variáveis classificam-se como assimétricas, no entanto, como já discutido anteriormente, os dados tendem à normalidade, principalmente os que apresentam valores de CA inferiores a 1 (VIEIRA; MELLO; LIMA., 2007). De modo geral, os dados apresentam baixa distorção, reforçando sua tendência à normalidade.

De acordo com Cressie (1991), a análise geoestatística pode ser realizada com dados que não apresentam distribuição normal, porém, é fundamental que a distribuição não apresente caudas muito alongadas, o que poderia comprometer as análises. Desta forma, pode-se considerar que os dados do presente estudo foram suficientemente simétricos para um estudo geoestatístico (GONÇALVES; FOLEGATTI; MATA 2001).

Com a análise geoestatística (Tabela 2) das frações granulométricas do solo constata-se, por meio dos parâmetros dos semivariogramas, que os modelos que melhor se ajustaram aos dados foram o gaussiano, o pentaesférico e o esférico, variando em função da profundidade e da fração granulométrica. O modelo gaussiano foi o que melhor se ajustou ao atributo argila na primeira profundidade. Nas demais camadas, para a mesma variável, o melhor ajuste se deu com o modelo esférico. Para as variáveis areia e silte, o modelo pentaesférico foi o que melhor se ajustou nas duas primeiras profundidades; porém, na última o modelo esférico foi o que apresentou melhor ajuste para a fração areia.

Para a variável silte na camada de 0,4-0,6 m não foi observado estrutura de dependência espacial para a construção do semivariograma, premissa fundamental para construção do mapa de isolinhas.

A variação das classes de dependência pode ser observada na Tabela 2. Para a variável argila, observou-se que nas camadas de 0,0-0,2 e 0,2-0,4 m a dependência foi moderada, enquanto que para areia e silte a dependência foi forte.

Segundo Cambardella et al. (1994), uma dependência espacial forte dos atributos do solo pode ser atribuída a fatores inerentes ao solo, tais como material de origem e relevo, enquanto que uma dependência espacial fraca pode ser atribuída a fatores externos, como práticas de manejo.

Sendo assim, a predominância de classes de dependência espacial variando de forte a moderada neste estudo indica a influência do microrrelevo, uma vez que os solos da área são todos originados de calcário e que, no período de coleta das amostras, a área encontrava-se sob mata nativa e, ainda, o clima e o tempo são semelhantes na área.

Quanto ao alcance dos semivariogramas, os valores mais elevados foram encontrados para a variável areia nas duas primeiras profundidades e para argila na camada de 0,2-0,4 m (Tabela 2). Cabe ressaltar que todos os valores de alcance foram superiores ao do espaçamento de amostragem (Tabela 2), indicando boa correlação entre as amostras, fato que favorece as etapas de interpolação dos dados (VIEIRA, 2000). Segundo Souza et al. (2007), o alcance dos semivariogramas pode fornecer informações relevantes sobre a gênese de solos na paisagem, uma vez que as interpolações permitem melhor visualização dos padrões de distribuição espacial e, portanto, melhor compreensão dos fatores e processos mais ativos na pedogênese de determinado solo.

A partir dos parâmetros dos semivariogramas foram gerados os mapas de distribuição espacial das frações areia, silte e argila (Figura 2 a 4). Na Figura 2, verifica-se incremento nos teores de argila na superfície côncava (no sentido convexa à côncava). Nessa área, observa-se que as classes de textura do solo variaram de franca a argilosa (SANTOS et al., 2005). O padrão de distribuição da fração silte (Figura 3) foi semelhante ao da argila, apresentando também maiores teores na superfície côncava.




Contrariamente, a fração areia (Figura 4) apresentou distribuição espacial distinta em relação às frações argila e silte. Nas três profundidades os maiores teores de areia ocorreram na superfície convexa, predominando nessa superfície solos com textura franca (SANTOS et al., 2005).

Com os resultados têm-se indicativos de uma distribuição das partículas granulométricas influenciada pelo movimento diferenciado de água no solo, em resposta às distintas formas do microrrelevo.

De fato, por meio da simulação do mapa de vetores (Figura 1), identifica-se clara tendência de maior fluxo de água no sentido da superfície côncava. Sendo assim, a maior ação de fluxos hídricos convergentes nessa superfície (GESSLER et al., 2000) estaria favorecendo a intensificação das reações químicas do intemperismo sobre os minerais primários nas frações silte e areia, resultando em maior formação de argila in situ nessa superfície. Segundo Campos, Cardoso e Marques Júnior (2006), as formas de relevo podem exercer papel decisivo na intensidade e direção dos fluxos da água no terreno e, portanto, reger a intensidade e direção dos processos pedogenéticos. Tais formas podem criar ainda rotas preferenciais para o fluxo hídrico causando, desta forma, variabilidade espacial nas propriedades do solo (SOUZA, 2001).

Por outro lado, na superfície convexa (Figura 1), onde os fluxos hídricos tendem a ser divergentes (GESSLER et al., 2000), a interação da água com o solo seria diminuída, desfavorecendo as alterações minerais e a dissolução do calcário.

Esta hipótese de alteração diferenciada nas distintas superfícies do terreno é corroborada pela distribuição da profundidade efetiva dos solos na área de estudo, que foi constatada pela presença de solos mais profundos na superfície côncava, indicando que o direcionamento dos fluxos hídricos pelo microrrelevo favorece maior alteração dos solos neste local (COSTA et al., 2011; OLIVEIRA, 2008).

Neste caso, o movimento hídrico lateral das porções mais altas (superfície convexa) para as mais baixas do terreno (superfície côncava) causaria a remoção preferencial de partículas finas (argila e silte) em suspensão para as porções mais rebaixadas. De fato, estudos recentes sugerem que a remoção preferencial de partículas finas da superfície consiste em uma das principais responsáveis pela formação de contrastes texturais em solos (PHILLIPS, 2004), inclusive em locais de relevo suave ondulado a plano (OLIVEIRA et al., 2004). As correlações significativas entre elevação e argila (r = -0,576; n = 52; p<0,0001) e elevação e areia (r = 0,671; n = 52; p<0,000001), ambas referentes às amostras superficiais (0,0-0,2 m), corroboram esta hipótese (Figura 5).


Entretanto, deve-se ressaltar ainda que a distribuição diferenciada das partículas entre as superfícies pode ter sido influenciada por outros fatores, em associação ao microrrelevo, como por exemplo, a existência de fraturas no material de origem, favorecendo rotas hídricas preferenciais em determinados locais em detrimento a outros. De fato, em estudos realizados com solos desenvolvidos a partir de rochas calcárias, Liu et al. (2005) observaram que a indução de fluxos hídricos por meio de fraturas favoreceu a dissolução da rocha calcária, intensificando, nestes locais, a ação da pedogênese.

CONCLUSÕES

1. Os resultados evidenciam que a distribuição das frações granulométricas na área de estudo foi diretamente influenciada pelo microrrelevo, principalmente em resposta ao condicionamento de fluxos diferenciados de água ao longo das três superfícies;

2. Os maiores teores de argila na superfície côncava, associados à presença de solos mais profundos, podem indicar maior ação da pedogênese nos solos dessa porção do terreno em resposta à existência de fluxos hídricos preferenciais. Contrariamente, a existência de maiores teores de areia e solos mais rasos na superfície convexa e mais elevada indica menor ação da pedogênese dos solos e maior intensidade de remoção de partículas finas;

3. Neste sentido, o uso da geoestatística e de mapas a partir da krigagem contribuíram para a identificação de áreas que necessitam ser manejadas de forma diferenciada, servindo de importante ferramenta para a tomada de decisões, especialmente no que diz respeito ao manejo da irrigação, uma vez que a variabilidade de classes de texturas, causada pelas mudanças de microrrelevo, pode afetar o conteúdo de água no solo, sua condutividade hidráulica, assim como a suscetibilidade ao processo de salinização.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPQ pela concessão de uma bolsa de iniciação científica ao primeiro autor na época da realização do trabalho. À empresa Agrícola Famosa pela concessão da área de estudo, e ao BNB pelo financiamento de parte do projeto. À Marcus Vinicius Chagas da Silva, M.Sc. em Geografia, pela ajuda na subdivisão da área em diferentes superfícies.

Recebido para publicação em 01/06/2012; aprovado em 26/06/2013

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  • *
    Autor para correspondência
  • 1
    Parte da Monografia de Graduação do primeiro autor; pesquisa financiada com recursos da Universidade Federal do Ceará-UFC, Banco do Nordeste do Brasil-BNB e CNPq
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      01 Jun 2012
    • Aceito
      26 Jun 2013
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