RESUMO
Objetivou-se determinar a capacidade máxima de adsorção de As(V) na forma de HAsO42- (CMAAs) pela fração argila de solos em diferentes ambientes nas Penínsulas Keller e Barton, Ilha Rei George, Antártica Marítima. Foram realizadas análises química e granulométrica na terra fina seca ao ar, e na fração argila quantificou-se o material amorfo e a CMAAs. Os dados das análises químicas, granulometrica e da fração argila foram correlacionados com a CMAAs. A CMAAs foi baixa (3.554 mg kg-1), sendo o perfil com influência ornitogênica de pinguins o que apresentou os maiores valores. O pH básico das soluções de saturação não favoreceu a adsorção da espécie desprotonada HAsO42-. A quantidade de argila dos solos foi menos importante que a composição mineralógica na dinâmica de retenção de HAsO42-, sendo que os óxidos de Al e Fe amorfos foram os principais responsáveis pela adsorção desse poluente.
Palavras-chave: Poluição ambiental; Adsorção específica e não específica; Material amorfo
ABSTRACT
The aim of this study was to determine the maximum capacity for the adsorption of As(V) in the form of HAsO42- (MACAs) by the clay fraction of soils in different environments of the Keller and Barton Peninsulas, King George Island, Maritime Antarctic. Chemical and particle size analyses were carried out on air-dried fine earth. The amorphous material and MACAs in the clay fraction were quantified. Data from the chemical analysis, particle size analysis and clay fraction were correlated with the MACAs. The MACAs was low (3,554 mg kg-1), with the profile under the ornithological influence of penguins displaying the highest values. The basic pH of the saturated solutions did not favour the adsorption of the deprotonated HAsO42- species. The amount of clay in the soil was less important than the mineralogical composition in the dynamics of HAsO42- retention, with the amorphous oxides of Al and Fe being mainly responsible for the adsorption of the pollutant.
Key words: Environmental pollution; Specific and non-specific adsorption; Amorphous material
INTRODUÇÃO
A partir da assinatura do Tratado da Antártica, em 1959, houve a abertura do continente à pesquisa e ao turismo, e essas atividades, apesar de controladas, podem promover contaminação principalmente por hidrocarbonetos (OLIVEIRA et al., 2007) e metais pesados (SANTOS et al., 2005; TOWNSEND et al., 2009). Além disso, há contribuição contínua de partículas poluentes depositadas no continente pela ação do vento.
No ambiente antártico, as restritas condições de formação do solo, como pouca disponibilidade de água líquida e baixas temperaturas, favorecem o desenvolvimento de fases de baixa cristalinidade, também chamadas de amorfas, sendo alofana e imogolita, seus principais representantes (SIMAS et al., 2006). Essas fases amorfas se caracterizam pela elevada área de superfície específica, o que por sua vez proporciona maior número de grupos reativos de superfície (silanol (-SiOH), aluminol (-AlOH) e ferrol (-FeOH)), com cargas dependentes de pH. Por possuírem alta reatividade, a presença de material amorfo favorece a adsorção de elementos potencialmente tóxicos e ajuda a compensar os baixos teores de argila dos solos (MENDONÇA et al., 2013).
O potencial poluidor de compostos orgânicos ou de elementos inorgânicos está relacionado às características do poluente e a características químicas e mineralógicas do solo (FONTES; ALLEONI, 2006). No que se refere aos poluentes inorgânicos, destaque é dado para o arsênio (As), pois se trata de um elemento extremamente tóxico e prejudicial à saúde de homens e animais. O As é um semimetal que pode ser encontrado no ambiente nas formas de As-3, As0, As3+ e As5+ dependendo das condições redox e pH (PFEIFER et al., 2007). Em condições ambientais de oxidação as formas As3+ (arsenito) e As5+ (arsenato) são as mais comuns (SIMON et al., 1999) e, ao contrário dos metais catiônicos, a mobilidade dessas formas oxidadas aumenta conforme aumenta o pH. Em solos oxidados, o arsenato é encontrado primariamente na forma aniônica, com o predomínio de H2AsO4- na faixa de pH de 2 a 6, e de HAsO42- em pH variando de 6 a 11 (SAADA et al., 2003).
Por se tratar de um ambiente relativamente pouco estudado, principalmente em seus aspectos mineralógicos, pesquisas sobre a adsorção de poluentes pelos coloides dos solos antárticos são de extrema importância ecológica. Uma das formas mais utilizadas é a determinação da capacidade máxima de adsorção de elementos potencialmente tóxicos do solo (CMA) (CAMPOS et al., 2007; MENDONÇA et al., 2013; PIERANGELI et al., 2001). Através dos valores de CMA pode-se inferir sobre a capacidade tampão do solo e assim definir estratégias de prevenção e/ou remediação de áreas contaminadas por elementos potencialmente tóxicos. Em se tratando do ambiente antártico essa importância ganha maiores proporções, uma vez que se trata de um ambiente único e muito sensível a qualquer mudança ocorrida em outros locais do planeta.
Objetivou-se com este trabalho determinar a capacidade máxima de adsorção de As(V) na forma de HAsO42- pela fração argila de solos desenvolvidos em diferentes ambientes nas Penínsulas Keller e Barton, Ilha Rei George, Antártica Marítima. Estes dados poderão auxiliar na definição da vulnerabilidade ou resiliência dos solos antárticos frente ao aporte de metais pesados aniônicos pelo aumento da ocupação humana.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo, amostragem e caracterização dos solos
A coleta do solo foi realizada em março de 2013, durante a XXXI OPERANTAR na Ilha Rei George, Arquipélago das Shetland do Sul, Antártica Marítima (Figura 1). Visando contemplar diferentes ambientes pedogenéticos da formação Horst de Barton, foram selecionados três sítios na Península Keller e um sítio na Península Barton (Tabela 1). O principal critério para a amostragem do solo na Península Barton foi a intensa atividade de pinguins, uma vez que o material de origem desse sítio é similar ao perfil 1 da Península Keller (Tabela 1). Em cada sítio foi aberto um perfil onde foram coletados cerca de 4 kg de solo que, após transporte e secagem ao ar, foram tamisadas em peneira com malha de 2 mm para obtenção da terra fina seca ao ar (TFSA). Na TFSA foi realizada a análise granulométrica pelo método da pipeta (GEE; BAUDER, 1986) e a caracterização química: pH em água, em solução de CaCl2 0,01 mol L-1 e em solução de KCl 1 mol L-1 (JACKSON, 1958); teores trocáveis de Ca2+, Mg2+ e Al3+ extraídos com KCl 1 mol L-1 (McLEAN et al., 1958); teores trocáveis de K+, Na+ e P disponível extraídos com solução de Mehlich-l (MEHLICH, 1953); teores de H (acidez potencial não trocável) extraídos com acetato de cálcio 0,5 mol L-1 pH 7,0 (SWAW, 1959). Além da extração do Al3+ trocável com solução de KCl 1 mol L-1, foi realizada a extração com solução de CuCl2 1 mol L-1 (JUO; KAMPRATH, 1979). Diferentemente da solução de KCl (pH 5,4), que desloca apenas o Al3+ trocável, a solução de CuCl2 além de deslocar o Al3+ trocável promove a dissolução de compostos de Al de baixa cristalinidade devido ao baixo pH (2,8) (GARCÍA-RODEJA et al., 2004; PEDROTTI et al., 2003). Desta forma, pode-se considerar que o Al3+ extraído por CuCl2 representa formas menos reativas do elemento. Para o carbono orgânico total utilizou-se o método de combustão úmida (YEOMANS; BREMNER, 1988).
Localização do continente Antártico e Ilhas Shetland do Sul, com detalhes da ilha Rei George, Antártica Marítima e das Penínsulas Keller e Barton.
Descrição geral dos perfis de solos das Penínsulas Keller e Barton, Ilha Rei George, Antártica Marítima
Caracterização da fração argila + matéria orgânica
Cerca de 40 g de TFSA foram agitadas em agitador orbital com 100 mL de água (pH 10,0 - 1 g de Na2CO3 em 10 litros de água) para promover a dispersão das frações. Este procedimento foi repetido em média dez vezes até a obtenção de argila suficiente para todos os procedimentos analíticos. Evitou-se o uso de soluções básicas dispersantes (como NaOH 0,2 mol L-1) devido à grande quantidade de material amorfo na fração argila dos solos antárticos (SIMAS et al., 2006).
A fração areia foi retida em peneira de malha 0,053 mm, e as frações silte e argila + matéria orgânica recolhidas em provetas de 1000 mL, as quais foram separadas por sedimentação baseando-se na Lei de Stokes.
Para a caracterização química de diferentes fases do material amorfo, amostras da fração argila + matéria orgânica foram submetidas à extração sequencial (o resíduo de uma extração foi submetido à extração subsequente) com pirofosfato de sódio 0,05 e 0,1 mol L-1, pH 10,0 (PYR) (DAHLGREEN, 1994), oxalato de amônio 0,1 e 0,2 mol L-1, pH 3,0 (OA) (SCHWERTMANN, 1973) e NaOH 0,25 e 0,5 mol L-1 (NaOH) (MELO et al., 2002). Detalhes sobre os procedimentos analíticos das extrações sequencias podem ser obtidos em Poggere et al. (2016).
Os teores de Al, Fe e Si nos extratos de PYR e OA foram determinados por espectrometria de emissão atômica com plasma indutivamente acoplado (ICP-OES). Nos extratos de NaOH os teores de Al, Fe foram determinados por espectrometria de absorção atômica e os teores de Si por espectrofotometria UV-Vis. A massa total removida em cada tratamento foi estimada como descrito em Simas et al. (2006) e representa a fase amorfa presente na fração argila.
Para estimativa da quantidade de grupos hidroxilados de superfície, 0,5 g de amostra da argila + matéria orgânica (sem tratamento para remoção do material amorfo) foi tratada com 20 mL de NaF 1 mol L-1 (BOLLAND et al., 1976). A suspensão foi agitada durante uma hora e centrifugada a 3.500 rpm, na qual foi determinado o pH.
Para identificação dos minerais presentes na argila + matéria orgânica e nos resíduos das extrações sequenciais a partir da difratometria de raios X (DRX), amostras com cerca de 0,5 g foram analisadas pelo método do pó. Utilizou-se difratômetro com goniômetro vertical, velocidade angular do goniômetro de 0,5 º2θ min-1, com amplitude de 2 a 50 º2θ, equipado com tubo de Cu e filtro de Ni, o tubo de raios X foi operado a 20 mA e 40 kV. A difratometria diferencial de raios X (DDRX) foi obtida pela subtração dos valores de intensidade obtidos para a argila tratada com OA pelos valores de intensidade da argila tratada com NaOH (CAMPBELL; SCHWERTMANN, 1985; DAHLGREEN, 1994; SCHULZE, 1994).
Capacidade máxima de adsorção de HASO 42- pela fração argila + matéria orgânica
Cerca de 0,3 g de argila + matéria orgânica, em duplicata, foram pesadas em tubos de centrífuga em polietileno com capacidade para 50 mL. As amostras foram suspensas com 30 mL Na2HAsO4.7H2O 0,45 mmol L-1 em NaCl 15 mmol L-1. O pH final dessa solução foi de 8,0, o que deve ter garantido a presença quase que exclusiva do As(V) como HAsO42-, uma vez que essa forma aniônica predomina entre pH 6 e 11 (SMITH; NAIDU; ALSTON,1999). O uso de solução alcalina foi para isolar apenas uma forma de As e para facilitar a interpretação dos dados de adsorção, uma vez que esse elemento é muito variável em termos de valência e forma iônica em função do pH e potencial redox do meio (PFEIFER et al., 2007).
As amostras permaneceram em suspensão por 72 h, alternando-se 12 h de repouso e 12 h de agitação a 25 ºC. Após este período, as soluções foram centrifugadas e o sobrenadante coletado para leitura de As (ICP-OES). Ao resíduo foi adicionado 30 mL da mesma solução de As, repetindo o processo de saturação descrito anteriormente, até que o incremento na adsorção fosse inferior a 2% (PIERANGELI et al., 2001). Após a primeira saturação com As, o resíduo da extração foi pesado (tubos de centrífuga previamente tarados) para determinação da massa de solução retida na amostra de argila (0,3 g), que foi considerada como fator de diluição da concentração da solução subsequente (30 mL). Esse procedimento objetivou aumentar a precisão nas determinações das concentrações de As nas soluções de equilíbrio.
A quantidade adsorvida (Capacidade Máxima de Adsorção de As na forma HAsO42- - CMAAs) foi calculada pela diferença entre o As adicionado e o remanescente na solução de equilíbrio após cada série de reação, sendo a adsorção máxima o resultado do somatório das quantidades individuais adsorvidas.
Os dados da análise granulométrica e da caracterização química da TFSA e da fração argila foram correlacionados com a CMAAs (correlação simples de Pearson).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os perfis estudados apresentam pouco desenvolvimento pedogenético, o que pode ser observado pelos teores de argila (médio a baixo) e pela mineralogia da fração argila (Tabelas 2 e 3). Este fato está de acordo com o predomínio do intemperismo físico ao químico, mesmo nessa região marítima onde as temperaturas no verão são mais amenas e ocorre maior disponibilidade de água líquida devido ao derretimento da neve acumulada durante o inverno.
Atributos químicos e teor de argila dos solos das Penínsulas Keller e Península Barton, Ilha Rei George, Antártica Marítima
O perfil 1 apresentou baixo pH em água (≤ 4,9) e em KCl (≤ 3,6), elevados teores de Al em KCl e CuCl2 (Tabela 2), o que se deve principalmente ao material de origem, andesito piritizado com tufos vulcânicos (Tabela 1), que ao sofrer intemperismo libera altos teores de Al (FRANCELINO et al., 2011; SOUZA et al., 2012). A elevada relação Al3+/H aliada à semelhança entre os valores de CTC efetiva e CTC pH 7 demonstra que o Al3+ (acidez potencial trocável) é o principal componente de acidez do solo deste perfil. Os teores de P e CO inferiores aos demais perfis se devem à ausência de atividade ornitogênica, uma vez que a presença de pinguins, através da deposição de guano, é o principal fator que contribui para o aumento de matéria orgânica e, consequentemente, nos teores de CO e P no ecossistema terrestre antártico (SIMAS et al., 2007; UGOLINI, 1972).
Os perfis 2 e 3 apresentaram comportamento semelhante quanto a valores de pH, teores de Al, H, P e CO. Já o perfil 4 apresentou maiores teores de CO, associados ao maior aporte de material orgânico nas pinguineiras em relação à área de nidificação das skuas (Stercorarius maccormicki Saunders). Este fato se deve à maior quantidade de guano que é depositado no solo anualmente por milhares de pinguins (Spheniscidae sp.) em comparação à reduzida quantidade aportada pelos esparsos ninhos de skuas (SIMAS et al., 2007). Além disso, a intensa acidificação promovida pelo maior aporte de guano favorece a transformação de minerais máficos com liberação considerável de minerais de Fe de baixa cristalinidade, que podem reagir com P oriundo da atividade ornitogênica e formar fases Fe-P amorfos e cristalinos (SIMAS et al., 2007; MENDONÇA et al., 2013). A baixa relação Al3+/H e a maior diferença entre CTC efetiva e CTC pH 7 (Tabela 2), demonstram que o H (acidez potencial não trocável) é o principal componente de acidez no perfil 4, provavelmente em decorrência das cargas dependentes de pH, que podem ser oriundas tanto da MO quanto do material amorfo.
Capacidade máxima de adsorção de HASO 42- (CMAAs) da fração argila
A massa total de argila removida pelas extrações sequenciais variou de 152 g kg-1 (horizontes A e Bi do perfil 2) a 478 g kg-1 (horizonte A do perfil 4) (Tabela 4). O material de origem do perfil 1 (andesito sulfatado/tufos vulcânicos) pode ter contribuído para a formação de material amorfo, porém a atividade ornitogênica se mostrou determinante na sua formação. Cerca de 50% da fração argila do solo sob pinguineira foi constituída por material amorfo, o que faz do ambiente antártico único em termos de mineralogia e atividade da fração argila. Outros autores usaram esses dados como estimativa da quantidade material amorfo da fração argila de solos da Antártica (MENDONÇA et al., 2013; SIMAS et al., 2006).
Composição mineralógica da fração argila determinada por difratometria de raios X (DRX) e difratometria diferencial de raios X (DDRX) da fração argila dos solos das penínsulas Keller e Barton, Ilha Rei George, Antártica Marítima
Teores de óxidos, massa total da fase amorfa da fração argila + matéria orgânica removida pelas extrações sequenciais com pirofosfato de sódio (PYR), oxalato de amônio (OA) e NaOH e pH em solução de NaF da fração argila de solos das Penínsulas Keller e Barton, Ilha Rei George, Antártica Marítima
A CMAAs variou de 16 a 3.553 mg kg-1 (Figura 2) e os atributos que apresentaram coeficientes de correlação mais altos e significativos foram o teor total de material amorfo na fração argila + matéria orgânica (0,88) e os teores de óxidos de Fe e Al extraídos com PYR (0,68 e 0,70), OA (0,71 e 0,87) e NaOH (0,61 e 0,66) (Tabela 5). O perfil 4 foi o que apresentou os maiores valores de CMAAs (Figura 2) e também os maiores valores de óxidos de Al e Fe amorfos (Tabela 4) e valores de pH NaF que, ao lado da massa total de argila removida nas extrações sequenciais, indica maior quantidade de material amorfo (FIELDES; PERROTT, 1966). A maior importância da qualidade da fração argila em relação à quantidade dessa fração coloidal na TFSA na adsorção de HAsO42- pode ser observada nos valores dos coeficientes de correlação com a CMAAs (Tabela 5): correlação positiva e significativa com o teor total de amorfos e correlação negativa com os teores de argila. Da mesma forma que foi observado por Mendonça et al. (2013), a grande ocorrência de material amorfo concorre para compensar os baixos teores de argila em termos de retenção de poluentes iônicos nos solos da Antártica.
Capacidade máxima de adsorção de HAsO42- pela fração argila + matéria orgânica dos solos da Península Keller - Perfil 1: Cambisol Skeletic Turbic, Perfil 2: Mollic Leptsol Ornithic, Perfil 3: Mollic Leptsol Ornithic, e da Península Baron - Perfil 4: Mollic Leptsol Ornithic
Coeficientes de correlação da análise de regressão simples entre os atributos mineralógicos e a capacidade máxima de adsorção de HAsO42- pela fração argila + matéria orgânica dos solos das Penínsulas Keller e Barton, Ilha Rei George, Antártica Marítima (1) (1) Os valores e os respectivos significados dos parâmetros mineralógicos são apresentados nas tabelas 1 e 2 .
Com esse elevado teor de material amorfo esperava-se maiores valores de CMAAs da fração argila + matéria orgânica dos solos (Figura 2). Trabalhos realizados com solos desenvolvidos sob condições tropicais úmidas (ambiente reconhecido pelos baixos teores de material amorfo na fração argila, normalmente inferiores a 5%) Melo et al. (2002), mostraram expressivos valores de CMAAs. Ladeira e Ciminelli (2004) estudaram a adsorção de As em minerais isolados (goethita, gibsita e caulinita) e em um Latossolo do sudeste do Brasil e verificaram que a goethita foi o mineral que mais adsorveu As(V), cerca de 12.000 mg kg-1. Campos et al. (2007) determinaram a CMAAs em 17 Latossolos de diferentes regiões do Brasil com pH ajustado para 5,5 e observaram o máximo valor de 2.013 mg kg-1, sendo que o teor de argila e os óxidos de Fe e Al apresentaram influência positiva na CMAAs. No presente estudo, o pH alcalino das soluções de saturação de As (8,0) foi determinante nas reações entre este metal e os colóides da fração argila, pois foi favorável à manutenção da espécie desprotonada com duas cargas negativas HAsO42-, mas, por outro lado, promoveu uma redução da CTA do material amorfo da fração argila. Dentre os grupos reativos de superfície do material amorfo, silanol (-SiOH), aluminol (-AlOH) e ferrol (-FeOH), todos com carga dependente de pH, os dois últimos apresentam valores alto de pHPCZ (7 a 9). Desta forma, em função dos expressivos teores de Fe2O3 e Al2O3 das extrações sequenciais do material amorfo (Tabela 4), sob valores de pH em torno de 8,0 tem-se a tendência de igualdade entre CTC e CTA e redução da adsorção não específica (esfera externa) de HAsO42. Esse efeito deve ter sido ainda mais expressivo no grupo silanol, onde o pHPCZ está em torno de 2,0 e o grande predomínio de CTC sobre CTA em pH alcalino dificultou a adsorção de HAsO42-; observar os valores negativos e os valores positivos menos expressivos entre teores de SiO2 das extrações sequencias e CMAAs (Tabela 5).
Mesmo que o valor elevado de pH desfavoreça a adsorção não específica de HAsO42-, o alto valor do coeficiente de correlação entre o teor de material amorfo e CMAAs (r = 0,88* - Tabela 5) é indicativo do possível efeito combinado da elevada área superficial específica desses minerais aliado a adsorção específica, que independe do sinal da carga de superfície. Como ocorre para o P (GEELHOED; HIEMSTRA; VAN RIEMSDIJK, 1997), íons arsenato apresentam forte afinidade por grupos hidroxilados da superfície dos minerais, o que favorece a troca de ligantes (HAsO42- por OH- ou OH2+) e a adsorção específica (esfera interna ou quimiossorção) do composto (CAMPOS et al., 2013). Mesmo que quantitativamente seja menos expressiva que a adsorção não específica, a quimiossorção é de extrema importância em termos ambientais por se tratar de ligação mais forte e estável entre ligante e coloide do solo (MCBRIDE, 1989; ZANGH; SELIM, 2005).
Com base nos resultados, recomenda-se aplicar o mesmo estudo para a espécie H2AsO4- ajustando-se o pH da solução de saturação para valores inferiores a 6,0. Mesmo com menor força de adsorção da espécie com apenas uma carga negativa, o pH ácido irá favorecer a formação de CTA em detrimento a CTC nessa matriz eminentemente amorfa e promover o aumento da capacidade máxima de adsorção desse poluente.
CONCLUSÕES
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Os solos apresentaram desenvolvimento insipiente e a capacidade máxima de adsorção de HAsO42- (CMAAs) na fração argila + matéria orgânica foi baixa (valor máximo de 3.554 mg kg-1), sendo o perfil com influência ornitogênica de pinguins o que apresentou os maiores valores de CMAAs. O pH básico das soluções de saturação não favoreceu a adsorção da espécie desprotonada com duas cargas negativas HAsO42-;
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A quantidade de argila dos solos foi menos importante que a composição mineralógica dessa fração coloidal na dinâmica de retenção de HAsO42-. Os óxidos de Al e Fe amorfos foram os principais responsáveis pela adsorção desse poluente.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2017
Histórico
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Recebido
13 Jun 2014 -
Aceito
17 Mar 2016