Resumos
INTRODUÇÃO: O Folículo Pericoronário envolve a coroa do germe dental durante seu desenvolvimento. Quando o dente permanece incluso, alterações do folículo podem originar doenças, como cistos e tumores odontogênicos.
OBJETIVO: Analisar as alterações histológicas no tecido mole circundante a terceiros molares inclusos e semi-inclusos, independentemente de alterações patológicas aparentes em suas radiografias correspondentes, além de relacionar o diagnóstico histológico com o diagnóstico radiográfico dos casos.
MATERIAL E MÉTODO: A partir de terceiros molares extraídos de 26 pacientes, foram analisados espécimes histológicos de folículos pericoronários por dois examinadores calibrados. O diagnóstico histopatológico obtido foi relacionado ao radiográfico, sendo este realizado por meio de radiografias periapicais e, quando necessário, complementado por radiografias panorâmicas.
RESULTADO: Dos 37 folículos pericoronários avaliados, 30% mostraram alterações histológicas compatíveis com cistos dentígeros; 51% eram folículos normais, e 19% continham apenas fragmentos de mucosa. Radiograficamente, 100% dos casos demonstraram características de folículos sem alterações.
CONCLUSÃO: Esses dados exemplificam que anormalidades podem estar presentes nos tecidos pericoronários sem que haja evidências clínicas e radiográficas. O exame histopatológico provê um diagnóstico mais preciso e deve ser considerado para a construção do diagnóstico definitivo.
Cistos odontogênicos; dente não erupcionado; saco dentário; dente serotino
INTRODUCTION: Dental follicles remain adjacent to the crown of an unerupted or impacted tooth. Changes in dental follicles can occur and form a solitary cyst around the crown of the tooth, deemed dentigerous cysts.
OBJECTIVE: The aim of this study was to determine the incidence of soft tissue changes around unerupted or impacted third molars.
MATERIAL AND METHOD: Pericoronal tissue of patients who were referred to our clinic for removal of third molars for a variety of reasons was examined histopathologically. Follicular spaces were measured from periapical and panoramic radiographs by each author independently.
RESULT: Of the 37 specimens submitted for histopathologic examination, 19 normal follicular tissues (51%), 11 arrangements typical of a cyst (30%) and 7 normal tissues of oral mucous (11%) were found.
CONCLUSION: Cystic changes may be encountered in the histopathologic examination of radiographically normal unerupted or impacted third molar follicles.
Odontogenic cysts; unerupted tooth; dental sac; third molar
INTRODUÇÃO
O Folículo Dentário (FD) é uma estrutura embriológica de origem ectomesenquimal, que envolve cada germe dentário durante a odontogênese. Após a formação do esmalte, a coroa do dente em desenvolvimento é envolvida pelo órgão reduzido do esmalte e pelo folículo dentário, estruturas que formam o Folículo Pericoronário (FP) e protegem o elemento dental durante a erupção1.
A erupção dentária é definida como o movimento de um dente de seu lugar de desenvolvimento, no processo alveolar, para sua posição funcional, na cavidade oral. O folículo dentário coordena a reabsorção e a deposição de osso, nos lados opostos do dente em erupção, durante seu movimento intraósseo2.
Quando há falhas no processo eruptivo, o dente permanece incluso. A retenção de terceiros molares é uma queixa comum entre os pacientes que procuram tratamento com Cirurgiões Bucomaxilofaciais. Um dente parcialmente impactado apresenta maior frequência de infecções, quando comparado a um dente totalmente impactado ou já erupcionado1 , 3 , 4.
A decisão de se remover o dente impactado pelo Cirurgião torna-se menos conflituosa na presença de sinais e sintomas5, ou na presença de aumento do espaço radiolúcido correspondente ao FP na radiografia pré-operatória, o que configura diagnóstico presuntivo de cisto dentígero ou cisto paradentário. Tem sido sugerido que terceiros molares impactados com radiolucidez radiográfica ≥ 2,5 mm podem estar associados à maior probabilidade de se desenvolverem lesões císticas ou tumorais6.
Os tecidos do FP associados a um terceiro molar impactado podem sofrer degeneração cística e/ou transformação neoplásica3 , 7. O cisto dentígero (CD) origina-se da separação entre a coroa dental e o FP de um dente incluso2 , 8, estando associado, portanto, à coroa do dente pela junção amelocementária. Já o cisto paradental, de origem inflamatória, afeta um dente parcialmente erupcionado, associando-se à face distal, mesial ou vestibular do mesmo8. Embora possam estar associados a qualquer elemento dental incluso, estes cistos frequentemente envolvem os terceiros molares8.
Considerando-se que um dente pode permanecer incluso ou semi-incluso por longos períodos de tempo, de maneira assintomática, a transformação cística ou tumoral é um risco que não deve ser negligenciado. O exame radiográfico isolado possui baixa sensibilidade no diagnóstico de cistos dentígeros; segundo Carli et al.9, a dimensão do halo radiolúcido pericoronário não é um dado confiável para o diagnóstico, sendo, portanto, necessária a avaliação histológica de todo o tecido mole removido com o dente incluso ou semi-incluso. Nesse contexto, o presente estudo objetivou investigar a presença de alterações histológicas no tecido mole circundante a terceiros molares retidos e correlacionar os diagnósticos histopatológicos com o diagnóstico radiográfico dos casos.
MATERIAL E MÉTODO
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH Protocolo n.o 101/2007). A amostra foi composta de 26 pacientes, que compareceram na Clínica Odontológica da Universidade, no primeiro semestre de 2009, para extração de terceiros molares. A amostra perfez 37 dentes, total ou parcialmente inclusos, com a formação coronária completa e a formação radicular completa de pelo menos um terço, no sétimo estágio de desenvolvimento de Nolla10.
O dente removido foi imediatamente acondicionado em formol a 10%, juntamente com o tecido mole circundante, e encaminhado ao Laboratório de Patologia Bucal da Universidade. Uma ficha de biópsia específica foi devidamente preenchida e identificada pelo Cirurgião, contendo dados clínicos e pessoais do paciente.
O tecido mole foi processado rotineiramente para inclusão em parafina. Cortes histológicos de 4 µm, corados com hematoxilina-eosina, foram avaliados microscopicamente por um examinador previamente calibrado e um Patologista Bucal; inicialmente, essas avaliações ocorreram de maneira independente e, posteriormente, por consenso.
Foi realizada avaliação descritiva histológica, considerando-se os seguintes parâmetros: a) presença de cápsula de tecido conjuntivo fibroso denso e/ou frouxo; b) presença de epitélio na cápsula fibrosa; c) presença de infiltrado inflamatório e de que tipo: discreto, moderado ou intenso; d) presença de revestimento epitelial e qual o seu tipo: simples colunar, simples cúbico, simples pavimentoso, pseudoestratificado colunar ou cúbico, pavimentoso estratificado.
Na análise histológica, foram considerados como FP os casos que apresentaram cápsula conjuntiva predominantemente frouxa e revestimento epitelial composto por epitélio reduzido do órgão do esmalte ou epitélio delgado com duas a três camadas de células. Os cortes que apresentassem uma cápsula fibrosa de tecido conjuntivo com revestimento epitelial pavimentoso estratificado em atividade proliferativa foram caracterizados como CD11 , 12. Como pericoronarite, foram considerados os casos que apresentavam epitélio sulcular ou epitélio pavimentoso estratificado ceratinizado, de revestimento da mucosa, associado a infiltrado inflamatório no tecido conjuntivo subjacente.
A análise radiográfica foi realizada por Cirurgião-Dentista sem conhecimento do laudo histopatológico. As áreas radiolúcidas pericoronárias dos terceiros molares foram mensuradas em radiografias periapicais pré-operatórias e complementadas, quando necessário, por radiografias panorâmicas. A ampliação da imagem nas radiografias panorâmicas foi compensada pela redução de 0,5 mm de todas as medidas, como descrito por Lara et al.13. As medidas preconizadas foram: imagens com até 2 mm de espaço radiolúcido para FP normal; de 2 a 5 mm para FP dilatados, e espaços maiores de 5 mm para diagnóstico de cavidade cística14.
Os dados das análises radiográfica e histológica foram relacionados com auxílio do programa Excel(r).
RESULTADO
Análise Histológica
Entre os tecidos pericoronários dos 37 dentes examinados, 30% apresentaram alterações histológicas compatíveis com cistos; 51% mostraram características de folículos normais, e 19% eram fragmentos de mucosa apresentando somente epitélio sulcular permeado por infiltrado inflamatório, um quadro considerado Pericoronarite. Em alguns espécimes, foi verificada a coexistência de tecido conjunto denso e tecido conjuntivo frouxo. Da mesma maneira, no revestimento epitelial, mais de um tipo de epitélio foi verificado em alguns casos. Em 67% dos casos, observou-se a presença de epitélio odontogênico na cápsula de tecido conjuntivo (Tabela 1). A Figura 1 ilustra as principais diferenças observadas nos tecidos epitelial e conjuntivo de folículos pericoronários e cistos dentígeros.
Análise Histológica (Hematoxilina & Eosina): a) Cisto Dentígero, demonstrando cápsula de tecido conjuntivo fibroso denso, revestida internamente por epitélio com espessura variável (100 ×); b) Maior aumento de A, mostrando que ora o epitélio se apresenta pavimentoso estratificado (seta), ora lembra o EROE (cabeça de seta) (400 ×); c) Folículo Pericoronário, em que se observa tecido conjuntivo fibroso frouxo, revestido por EROE (seta) (100 ×); d) Maior aumento de c, mostrando o detalhe do epitélio (400 ×).
Análise Radiográfica
A avaliação radiográfica dos 37 dentes mostrou a presença de espaço radiolúcido inferior a 2 mm em todos os casos, caracterizando um FP normal.
Houve coincidência entre os diagnósticos radiográfico e histopatológico em 51% da amostra (Tabela 2).
Comparação entre os diagnósticos obtidos pela avaliação histopatológica e pela análise radiográfica
DISCUSSÃO
O FP e o CD podem apresentar características histopatológicas e radiográficas semelhantes, resultando em frequentes confusões diagnósticas, principalmente quando a diferenciação é feita somente por um método isolado15.
Na análise histológica, o FP é, na maioria dos casos, revestido internamente pelo epitélio reduzido do órgão do esmalte (EROE), ou seja, um epitélio com duas a três camadas, sendo as células superficiais colunares ou cúbicas. No entanto, o epitélio pavimentoso estratificado (EPE) pode estar presente no FP, especialmente em casos de paciente mais velhos16ou em dentes não irrompidos3. No CD, o revestimento epitelial é, na maioria das vezes, do tipo pavimentoso estratificado, com duas a três camadas celulares, ou epitélio que lembra o EROE. Nos casos em que há presença de inflamação na cápsula, esse epitélio torna-se hiperplasiado, apresentando-se mais estratificado17. De acordo com Kim et al., quando as células epiteliais são morfologicamente cilíndricas ou cuboides, semelhantes a ameloblastos, o epitélio é identificado como EROE, resultando em diagnóstico histológico de FP. E, quando as células epiteliais forem morfologicamente achatadas, o epitélio é identificado como EPE, o que caracteriza o revestimento de um CD12.
Levando-se em conta as características histológicas mais frequentes em CD e FP, no presente estudo, consideramos, na avaliação histológica isoladamente, a presença de EROE, como sendo FP, e a presença de EPE, como sendo CD.
No presente estudo, alterações histológicas compatíveis com cisto foram encontradas em 30% das amostras. E em todas as radiografias correspondentes analisadas, o espaço folicular era menor que 2,0 mm, medida compatível com FP normal. Resultados semelhantes foram encontrados por Glosser, Campbell18, que realizaram análise histológica de tecidos moles circundantes a 96 terceiros molares impactados; estes, ao exame radiográfico, não possuíam espaço folicular maior que 2,4 mm, medidos sobre a radiografia panorâmica. Outro estudo de Knutsson et al.19, com 666 pacientes, revelou 118 (18%) pacientes com terceiros molares livres de lesão e 548 (82%) terceiros molares com lesão detectada; destas, 5% eram cistos, resultado semelhante ao relatado por outros estudos. Cistos dentígeros associados a terceiros molares podem mostrar pouca ou nenhuma evidência radiográfica. De acordo com Adelsperger et al.11, 34% dos tecidos moles associados com 100 terceiros molares impactados que não apresentavam nenhuma evidência radiográfica de lesão pericoronária, quando submetidos ao exame histopatológico, apresentaram características condizentes com cisto dentígero.
A prevalência de cistos odontogênicos oscila entre 0% e 11%, o que pode ser explicado pelos diferentes critérios adotados para o diagnóstico9. A distinção entre tecidos normais e presença de lesão por meio de radiografias gera controvérsias constantemente. O critério comumente utilizado considera uma radiolucidez pericoronária de 2,5 mm como indicativa de cisto dentígero, podendo gerar diagnósticos falso-positivos ou uma prevalência muito alta19. Por outro lado, não é raro encontrar FPs que apresentem significativo espessamento de suas paredes, criando uma radiolucidez pericoronária detectável, sem existir a real formação cística. É importante ainda considerarmos que doenças pericoronárias significantes - como tumor odontogênico ceratocístico, cisto odontogênico calcificante - já foram descobertas em exames histopatológicos de tecidos foliculares que não estavam associados com alargamentos radiográficos9 , 11 , 19 - 22. Ou seja: a análise histopatológica é de fundamental importância para o estabelecimento do diagnóstico definitivo de alterações que podem estar presentes, associadas a dentes inclusos, a fim de se estabelecer o melhor tratamento e prognóstico para o paciente. O diagnóstico diferencial de lesões radiolúcidas envolvendo molares ou pré-molares inferiores impactados deve incluir folículo dentário dilatado, cisto dentígero, ameloblastoma unicístico, tumor odontogênico ceratocístico e fibroma odontogênico central23.
Até o momento, não há consenso geral sobre a remoção profilática de terceiros molares assintomáticos20. Embora nem sempre haja alterações clínicas significantes, o potencial de transformação cística ou neoplásica deve ser considerado9 , 24. Tegginamani et al.7 postularam que a remoção de terceiros molares assintomáticos não é justificável; no entanto, enfatizam que o acompanhamento radiográfico destes pacientes deve ser realizado. A intervenção cirúrgica deve ser considerada quando for observado progressivo aumento do espaço radiolúcido pericoronário, sendo que todo tecido removido deve ser encaminhado para exame histopatológico. De acordo com Razavi et al.6, a remoção profilática de terceiros molares impactados deve ser considerada como uma opção de prevenção de complicações futuras.
Embora, no presente estudo, exista a limitação pelo baixo número de casos avaliados, 11 dos 37 casos da amostra revelaram alterações histológicas sugestivas de cisto, mesmo apresentando aspecto de normalidade ao exame radiográfico. Autores que avaliaram uma casuística maior de FP (171 casos), os quais se apresentavam radiograficamente como folículos normais, encontraram em 38% dos espécimes alterações histológicas compatíveis com CD e, em 5,8%, com ameloblastoma25. Esses resultados demonstram a importância do exame histopatológico do tecido pericoronário removido juntamente com o terceiro molar incluso ou semi-incluso.
CONCLUSÃO
A submissão dos tecidos pericoronários ao exame histopatológico provê um diagnóstico mais preciso quando comparado ao diagnóstico radiográfico isolado, uma vez que a possibilidade de degeneração cística e/ou transformação neoplásica do FP não pode ser descartada. A associação das características clínicas, radiográficas e histológicas deve ser imperativa na construção do diagnóstico definitivo de lesões associadas a terceiros molares inclusos e semi-inclusos.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Feb 2015
Histórico
-
Recebido
29 Out 2013 -
Aceito
02 Set 2014