Resumos
Objetivou-se comparar a resposta autonômica cardiovascular (RAC) de praticantes de musculação, corredores de longa distância e não praticantes de exercício. Homens, 21 a 55 anos, foram agrupados em: Praticantes Musculação (PM, n = 31); Praticantes Corrida (PC, n = 28); Controle (C, n = 35). Foram selecionadas quatro técnicas para avaliação da RAC: Frequência cardíaca de repouso (FCR), Teste pressórico do frio (TPF), Variabilidade da FC (VFC) e recuperação da FC pós-teste máximo em esteira. A FCR foi menor no grupo PC (PC = 54 ± 2; PM= 62 ± 2; C = 65 ± 2 bpm; média ± EPM). A recuperação da FC aos 60 s pós-teste de esforço foi maior no grupo PC (PC = 34 ± 3; PM = 23 ± 1; C = 24 ± 2; bpm). Quanto aos parâmetros espectrais de alta (HF) e baixa (LF) frequência da VFC, o grupo PC apresentou maior HF (55,1 ± 4,0 n.u) e menor LF (43,1 ± 4,0 n.u) comparado ao grupo C (HF = 40,7 ± 3,3; LF = 56,7 ± 3,5 n.u). O grupo PM não apresentou qualquer diferença de RAC em comparação ao grupo C. Conclui-se que prática contínua em musculação por longo prazo, diferentemente da prática de corrida de longa distância, não é capaz de alterar significativamente a RAC.
Treinamento de força; Exercício aeróbio; Sistema nervoso simpático; Sistema nervoso parassimpático; Controle autonômico do coração; Variabilidade da frequência cardíaca
The aim of the study was to compare the cardiovascular autonomic response (CAR) of recreational weight trainers, long distance runners and non-exercised subjects. Men, 21 to 55 years old, were grouped in: recreational weight trainers (W, n = 31), long distance runners (R, n = 28) and non-exercised (C, n = 35). Four strategies of evaluation of the CAR were selected: Resting heart rate (RHR), cold pressor test (CPT), heart rate variability (HRV) and heart rate recovery (HHR) following maximal exercise test. The RHR was lower (R = 54 ± 2; W = 62 ± 2; C= 65 ± 2 bpm; mean ± SE) and the HHR 60s post exercise was larger in the R group (R = 34 ± 3; W = 23 ± 1; C = 24 ± 2 bpm). The R group presented larger high-frequency (HF; 55.1 ± 4.0 n.u) and smaller low-frequency (LF; 43.1 ± 4.0 n.u) components of HRV than C group (HF = 40.7 ± 3.3; LF = 56.7 ± 3.5 n.u.). The W group did not show any differences compared to C group. The study's conclusion was that long-term weight-training program, unlike of long-term running training, it is not able to alter significantly the regulatory pattern of CAR.
Strength training; Aerobic exercise; Parasympathetic nervous system; Sympathetic nervous system; Heart rate variability; Autonomic control of heart
BIODINÂMICA
Comparação da resposta autonômica cardiovascular de praticantes de musculação, corredores de longa distância e não praticantes de exercício
Comparison of cardiovascular autonomic response among body builders, long distance runners and non-trained
Wellington LunzI; Rodrigo Nascimento MirandaI; Eduardo Miranda DantasII; Elis Aguiar dos Santos MorraI; Luciana CarlettiI; Anselmo José PerezI; José Geraldo MillI
ICentro de Educação Física e Desportos, Universidade Federal do Espírito Santo
IIUniversidade Federal do Vale do São Francisco
Endereço Endereço: Wellington Lunz Universidade Federal do Espírito Santo Ave13405-260 - Piracicaba - SP - BRASIL e-mail: welunz@gmail.com
RESUMO
Objetivou-se comparar a resposta autonômica cardiovascular (RAC) de praticantes de musculação, corredores de longa distância e não praticantes de exercício. Homens, 21 a 55 anos, foram agrupados em: Praticantes Musculação (PM, n = 31); Praticantes Corrida (PC, n = 28); Controle (C, n = 35). Foram selecionadas quatro técnicas para avaliação da RAC: Frequência cardíaca de repouso (FCR), Teste pressórico do frio (TPF), Variabilidade da FC (VFC) e recuperação da FC pós-teste máximo em esteira. A FCR foi menor no grupo PC (PC = 54 ± 2; PM= 62 ± 2; C = 65 ± 2 bpm; média ± EPM). A recuperação da FC aos 60 s pós-teste de esforço foi maior no grupo PC (PC = 34 ± 3; PM = 23 ± 1; C = 24 ± 2; bpm). Quanto aos parâmetros espectrais de alta (HF) e baixa (LF) frequência da VFC, o grupo PC apresentou maior HF (55,1 ± 4,0 n.u) e menor LF (43,1 ± 4,0 n.u) comparado ao grupo C (HF = 40,7 ± 3,3; LF = 56,7 ± 3,5 n.u). O grupo PM não apresentou qualquer diferença de RAC em comparação ao grupo C. Conclui-se que prática contínua em musculação por longo prazo, diferentemente da prática de corrida de longa distância, não é capaz de alterar significativamente a RAC.
Palavras-chave: Treinamento de força; Exercício aeróbio; Sistema nervoso simpático; Sistema nervoso parassimpático; Controle autonômico do coração; Variabilidade da frequência cardíaca.
ABSTRACT
The aim of the study was to compare the cardiovascular autonomic response (CAR) of recreational weight trainers, long distance runners and non-exercised subjects. Men, 21 to 55 years old, were grouped in: recreational weight trainers (W, n = 31), long distance runners (R, n = 28) and non-exercised (C, n = 35). Four strategies of evaluation of the CAR were selected: Resting heart rate (RHR), cold pressor test (CPT), heart rate variability (HRV) and heart rate recovery (HHR) following maximal exercise test. The RHR was lower (R = 54 ± 2; W = 62 ± 2; C= 65 ± 2 bpm; mean ± SE) and the HHR 60s post exercise was larger in the R group (R = 34 ± 3; W = 23 ± 1; C = 24 ± 2 bpm). The R group presented larger high-frequency (HF; 55.1 ± 4.0 n.u) and smaller low-frequency (LF; 43.1 ± 4.0 n.u) components of HRV than C group (HF = 40.7 ± 3.3; LF = 56.7 ± 3.5 n.u.). The W group did not show any differences compared to C group. The study's conclusion was that long-term weight-training program, unlike of long-term running training, it is not able to alter significantly the regulatory pattern of CAR.
Key words: Strength training; Aerobic exercise; Parasympathetic nervous system; Sympathetic nervous system; Heart rate variability; Autonomic control of heart.
Introdução
O sistema nervoso (SN) autônomo (SNA) é responsável por várias funções homeostáticas, incluindo modulação da pressão arterial (PA) e frequência cardíaca (FC)1-3.
O interesse clínico pelo comportamento do SNA tem aumentado porque vários estudos têm mostrado que alterações autonômicas crônicas estão associadas ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares e aumento do risco de mortes4-5. De fato, o aumento da FC de repouso (FCR) em aproximadamente 15 batimentos, num intervalo de 10 anos, foi associado positivamente com o risco de mortes por doença cardíaca isquêmica6. Resultados concordantes já haviam sido descritos anteriormente3,7. Ressalta-se que um aumento significativo da FCR é sugestivo de atividade diminuída e aumentada dos componentes parassimpático e simpático, respectivamente, do SNA2-3,5-6,8.
A recuperação mais lenta da FC pós-teste de esforço, a qual é sugestiva de reativação lenta do componente parassimpático9-11, também prediz mortes por todas as causas e por doenças cardíacas3,10. A diminuição da capacidade de variação da FC pelo SNA também está associada com doenças cardiovasculares, como insuficiência cardíaca e infarto12-14.
A forma direta de avaliação da capacidade modulatória do SNA sobre o aparelho cardiovascular é de difícil aplicação no contexto clínico, pois exige o registro direto, de forma invasiva, da atividade elétrica de fibras nervosas superficiais3. Por outro lado, as formas indiretas são viáveis no âmbito clínico e epidemiológico3. Nesse contexto, a FC e PA, pela facilidade de obtenção de seus registros, são frequentemente utilizadas por quatro estratégias diferentes, mas complementares, que se destacam pela objetividade e viabilidade clínica: FCR, recuperação da FC após esforço físico, variabilidade da frequência cardíaca (VFC), e o comportamento da PA no teste pressórico do frio (TPF)3,5-6,11,15.
Por sua vez, ações modulatórias do SNA frente a alterações orgânicas induzidas por sessões agudas de exercício são bem conhecidas1-2. Também é bem conhecido que o treinamento de característica aeróbia de médio e longo prazo é capaz de modular o SNA, em particular o tônus parassimpático5,8,10-11,16-17.
Entretanto, com exceção de alguns poucos estudos de curta duração que avaliaram o efeito do treinamento de força sobre o SNA em modelo animal18 ou humanos12,17,19-21, ainda não está estabelecido se a prática de treinamento de força de longo prazo é capaz de modular o SNA.
Dessa forma, o principal objetivo do presente estudo foi comparar a resposta autonômica cardiovascular de praticantes de musculação, corredores de longa distância e não praticantes de exercício. Para uma melhor compreensão do fenômeno, as respostas do SNA foram avaliadas por quatro técnicas não invasivas e aplicáveis em contexto clínico.
Método
Caracterização do estudo e conduta ética
Trata-se de estudo observacional com delineamento transversal em amostra de voluntários. Os participantes assinaram "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido" e a condução do estudo respeitou a Resolução 196/96 do CNS. O estudo foi aprovado no Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde - UFES (protocolo 009/2010).
Amostra
Foram incluídos 94 homens, com qualquer grau de escolaridade, classificação étnica e socioeconômica, com idade entre 21 e 55 anos. O recrutamento foi feito em academias de ginástica de Vitória - ES e em grupos de corredores que treinavam para participação em corridas longa distância (ex: maratona e meia maratona), e em pelo menos quatro importantes eventos de corrida do calendário capixaba. Praticantes com no mínimo dois anos de prática regular nas modalidades musculação e corridas foram divididos em dois grupos: 1) Praticantes de musculação (PM; n = 31), caracterizado por treinamento de hipertrofia ou força máxima; 2) Praticantes de corrida de longa distância (PC; n = 28), caracterizado por treinamento superior a 40 km/sem, e frequência maior ou igual a três sessões/sem. Foi também incluído um grupo controle (C; n = 35), composto por homens aparentemente saudáveis que não haviam se engajado em qualquer programa regular de treinamento nos últimos seis meses.
Após entrevista para triagem feita pelos pesquisadores, agendava-se um dia para comparecimento à Clínica de Investigação Cardiovascular da UFES para realização de exames. Os procedimentos incluíam avaliação do risco cardiovascular e antropométrica, aferição da PA e FC, registros do ECG, ergoespirometria e testes para avaliação do SNA. Aos participantes solicitou-se comparecimento pela manhã, em jejum de 12 h, e com abstenção de atividade física no dia anterior. O teste ergoespirométrico foi agendado em outro dia e horário, pois era realizado em outro espaço físico, no Laboratório de Fisiologia do Exercício do Centro de Educação Física e Desportos da UFES. Não foram incluídos no estudo os que relataram ser tabagistas ou consumidores regulares de bebidas alcoólicas (consumo médio superior 30 g de álcool/dia), ter história de morte súbita em familiares de 1º grau e doença cardíaca já conhecida.
Medidas antropométricas
Foram realizadas em jejum de 12 horas. Obteve-se peso corporal e estatura para posterior cálculo do IMC (kg/m2), dobras cutâneas triciptal e abdominal (Plicômetro Mitutoyo/CESCORF - 0,1 mm) e perimetrias do braço e perna (Fita flexível, Sanny). A perimetria do braço foi obtida após contração muscular dos flexores do cotovelo, com cotovelo e ombro flexionados em 90º. A perimetria da perna foi obtida após flexão plantar. As perimetrias foram feitas no maior perímetro do segmento direito.
Pressão arterial (PA) e frequência cardíaca (FC) de repouso (FCR)
Foram obtidas três medidas da PA e FC em jejum e após repouso na posição sentada por pelo menos cinco minutos, em sala silenciosa e com temperatura controlada (22-24 ºC). As medidas foram feitas em aparelho oscilométrico (Omron® 705CP, Intelissense, Japão) validado22. O valor médio das três medidas foi considerado na análise dos dados. Após a antropometria e medidas da PA e FCR, os participantes fizeram o desjejum no próprio local dos exames e, após 30 min de intervalo, deu-se prosseguimento aos demais exames.
Teste pressórico do frio (TPF)
Após 5 min acomodados em cadeira, aferiu-se a PA (Omron® 705-CP) no braço direito (medida de repouso). Em seguida os sujeitos foram orientados que quando demandados pelo aferidor deveriam mergulhar a mão direita em água gelada (4 ºC), e informados que a retirada da mão só deveria ocorrer após nova ordem. Foram alertados quanto à possível sensação de dor e desconforto que seriam gerados pelo teste. Não era informado ao participante o tempo de duração do teste. Após isso, aferia-se novamente a PA (resposta antecipatória). Na sequência, o participante submergia a mão até o punho na água gelada. Ao final do teste que durava 2 min, mas anteriormente a retirada da mão, mensurava-se novamente a PA (resposta ao frio). Após a retirada da mão, com o participante ainda sentado, aguardava-se mais 2 min para aferir novamente a PA (resposta de recuperação). As aferições da PA foram feitas no braço contralateral ao braço testado.
Eletrocardiograma (ECG) e análise da variabilidade de frequência cardíaca (VFC)
Realizou-se registro contínuo (10 min) de ECG, em decúbito dorsal e em ambiente silencioso com temperatura controlada (22-24 ºC). Os registros foram obtidos com eletrocardiógrafo digital (Micromed, taxa de amostragem: 250 Hz), e software específico (Wincardio 4.4a) que gerava as séries de intervalos R-R a partir da derivação de maior amplitude da onda R (geralmente DII). As análises de VFC foram realizadas no domínio do tempo e da frequência usando "software" personalizado em Matlab, conforme Dantas et al.23. As séries foram pré-processadas para remoção de batimentos ectópicos e artefatos. As análises no domínio do tempo incluíram a raiz quadrada da média da soma dos quadrados das diferenças entre intervalos R-R adjacentes (rMSSD) e a razão obtida entre o número de pares adjacentes de intervalos R-R superiores a 50 ms pelo número total de intervalos R-R da série (pNN50). A análise espectral foi realizada por modelamento autorregressivo usando método de Yule-Walker com algoritmo recursivo de Levison-Durbin23. A ordem do modelo foi ajustada em todas as análises em 16. Os componentes oscilatórios presentes nas séries temporais foram classificados da seguinte forma: muito baixa frequência (VLF, 0 - 0,04 Hz), baixa frequência (LF, 0,04 - 0,15 Hz), e alta frequência (0,15 - 0,40 Hz). Os valores dos índices espectrais foram apresentados em unidades normalizadas. A normalização consistiu em dividir a energia espectral de cada componente oscilatório pela energia total do espectro menos a energia do componente VLF. A razão LF/HF foi obtida pela divisão dos componentes LF pelo HF24-25.
Teste de esforço máximo em esteira
Os testes foram aplicados por profissionais experientes e com acompanhamento de um cardiologista. Utilizou-se esteira ergométrica (Inbrasport Super ATL) e um ergoespirômetro (Córtex, modelo Metamax 3B) para realização dos testes. Previamente ao teste obtinha-se registro de ECG e medida da PA. Utilizou-se protocolo de rampa, o qual progredia de cinco a 14 km/h para o grupo PM, de seis a 12 km/h para o grupo C e de seis a 22 km/h para o grupo PC. O VO2max era aceito quando os seguintes critérios eram contemplados26: a) exaustão ou inabilidade para manter a velocidade requerida; b) razão de taxa respiratória superior a 1,15; c) FC máxima de pelo menos 90% da FC máxima estimada pela equação 220 - idade. A FC foi registrada pelo ECG durante todo o teste e acompanhada até o terceiro minuto da recuperação. Ao final do teste a velocidade era reduzida de cinco a 4 km/h durante um minuto, seguido por mais um min de recuperação passiva.
Análise estatística
Os dados estão apresentados como "média ± EPM, seguidos de mediana, que está apresentada dentro do parênteses. Dados com distribuição normal foram analisados com ANOVA de uma via seguido pelo "post-hoc" de Tukey. Os dados que não atenderam o pressuposto de normalidade foram analisados pelo teste equivalente não paramétrico de Kruskal-Wallis seguido pelo "post-hoc" de Dunn's. A normalidade foi avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Análise de Covariância (ANCOVA) de uma via foi utilizada quando a idade se apresentou como covariável estatisticamente significativa. ANCOVA para medidas repetidas foi usada para comparar as medidas de PA e FC obtidas no TPF e teste cardiopulmonar, respectivamente. Os testes de ANCOVA foram seguidos pelo "post-hoc" de Bonferroni. A significância estatística, para todos os testes, foi estabelecida para p < 0,05.
Resultados
A caracterização da amostra está apresentada na TABELA 1. Os grupos PM e PC relaram exercitar continuamente por aproximadamente 10 anos. O grupo PC apresentou menor FCR e maiores valores para VO2max e idade quando comparado aos demais grupos. O grupo PM apresentou valores superiores para peso corporal, IMC e perimetrias em comparação aos grupos C e PC. O grupo C apresentou valor de dobra cutânea triciptal superior aos dois outros grupos, e de dobra cutânea abdominal superior ao grupo PC. A PA diastólica (PAD) medida antes do TPF (basal) foi menor no grupo PC. Não houve diferença entre os grupos para PA sistólica (PAS).
As FIGURAS 1 e 2 mostram a variação da PAS e PAD no TPF, respectivamente. Com exceção ao grupo PC que apresentou PAD, antes do TPF, levemente inferior aos demais grupos, não houve diferenças significativas entre os grupos para os diferentes momentos do TPF. Nas comparações intra-grupo, como já era esperado, a resposta pressórica ao frio foi maior quando comparada aos momentos basal, antecipatório e recuperação (FIGURAS 1 e 2), evidenciando a participação do SNA simpático. A recuperação da PAS no grupo PM se manteve ligeiramente maior que a resposta basal (FIGURA 1).
Em relação à VFC (TABELA 2), o componente HF foi maior e os componentes LF e LF/HF foram menores para o grupo PC quando comparado ao grupo C. O grupo PM apresentou respostas intermediárias para esses componentes da VFC, de maneira que os valores não foram estatisticamente diferentes em comparação aos dois outros grupos. Não foram identificadas diferenças estatísticas entre os grupos para os parâmetros RMSSD e pNN50.
A FIGURA 3 mostra os valores da FCR, FC no pico do teste de esforço e na recuperação. Em vez da FC pré-esforço, a FCR foi incluída nas comparações intra- e entre grupos devido à qualidade dessa medida. Em relação à FC pré-esforço, o grupo PC apresentou menor FC (68 ± 3 bpm) comparado ao grupo C (84 ± 4 bpm). O grupo PM não diferiu dos demais grupos (77 ± 3 bpm). Em relação aos parâmetros destacados na FIGURA 3, a FC do grupo PC foi menor que do grupo C em todos os momentos, e foi menor que o grupo PM no repouso e aos 60 s de recuperação.
Como o grupo PC apresentou menor FC no pico do esforço, o que já era esperado pelo fato desse grupo ter apresentado maior média de idade, houve necessidade de comparar as variações (deltas) da FC para confirmar se o grupo PC apresentou maior recuperação relativa da FC. Não houve diferença entre os grupos para o delta da FC em 30 s de recuperação (FC 30 s - pico; PC = -15 ± 2; C = -13 ± 7; PM = -10 ± 1; bpm). Entretanto, a recuperação da FC aos 60 s de recuperação (FC 60 s - pico) foi significativamente maior no grupo PC (-34 ± 3 bpm) quando comparado aos grupos C (-24 ± 2 bpm) e PM (-23 ± 1 bpm). O delta da FC em 60 s por 30 s de recuperação (FC 60 s - 30 s) também foi maior no grupo PC (-19 ± 2 bpm) quando comparado aos grupos C (-11 ± 1 bpm) e PM (-13 ± 2 bpm). Independente da menor FC do grupo PC no pico do esforço, os resultados confirmam que ao final de um minuto de recuperação pós esforço máximo o grupo PC apresenta maior recuperação de FC. Por outro lado, o grupo PM não apresentou qualquer diferença em relação ao grupo C.
Em relação ao incremento da FC (FC pico - FCR), os grupos PC (126 ± 2 bpm) C (123 ± 3 bpm) e PM (119 ± 3 bpm) não apresentaram diferença significativa, sugerindo FC de reserva similar nos três grupos.
Discussão
O principal resultado do presente estudo é que, diferentemente da modulação do SNA induzida pela prática contínua de corrida de longa distância, a prática contínua em musculação, por longo prazo (~ 10 anos), não altera o SNA cardíaco quando comparado a pessoas não treinadas. Nossos resultados também ratificam o uso das técnicas indiretas FCR, FC de recuperação pós-teste ergométrico e VFC como clinicamente viáveis para avaliação do SNA.
Os parâmetros antropométricos e os valores de VO2max confirmam que a estratificação dos grupos foi adequada. De fato, os maiores IMC, peso corporal e perimetrias do braço e perna com musculatura contraída encontrados no grupo PM já eram esperados por causa do maior volume muscular. Além do visual predomínio mesomórfico, a interpretação de maior volume muscular nesse grupo é corroborada pelos baixos valores das dobras cutâneas. Também já era esperado que o grupo PC apresentasse maior média para o VO2max, uma vez que é bem conhecido que a capacidade de captação e aproveitamento do oxigênio aumentam em consequência do treinamento em corrida de longa distância.
O grupo PC apresentou média de idade levemente superior. A expectativa inicial era obter grupos com idades estatisticamente iguais, mas, por se tratar de amostra de conveniência, não foi possível em virtude do perfil dos corredores. Em virtude das diferenças de idade, foram realizadas análises de covariância para minimizar possíveis interferências dessa variável.
No presente estudo, o grupo PC foi utilizado como controle positivo para modulação do SNA. De fato, já está bem estabelecido que o treinamento aeróbio promove alterações na modulação do SNA, em particular aumento da eferência parassimpática5,8,10-12,16-17. A ausência de diferença estatística para FCR entre os grupos PM e C sugerem que a prática contínua de musculação por uma década não é suficiente para alterar o padrão modulatório do SNA. Essa interpretação é corroborada com os resultados da recuperação da FC pós teste de esforço máximo, que foi maior apenas no grupo PC (entre 40 a 46%). De fato, sabe-se que tanto a FCR quanto a recuperação da FC pós teste de esforço, em particular no primeiro minuto da recuperação, são altamente influenciadas pelo tônus parassimpático3,8-11.
Sabe-se que maiores valores do componente HF e LF da VFC indicam maiores componentes parassimpático e simpático, respectivamente. Por sua vez, a razão LF/HF diminuída significa maior participação vagal12. Considerando que apenas o grupo PC apresentou maior HF e menores LF e LF/HF, quando comparado ao grupo C, esses resultados fortalecem ainda mais a interpretação de que a prática de musculação por longo prazo não induz alterações significativas no SNA. Embora os índices no domínio do tempo (pNN50 e rMSSD) tenham sido determinados com a finalidade de se obter uma análise global da VFC, a validade dessas medidas são questionáveis para medidas inferiores a 20 min, o que poderia explicar porque não houve diferença entre os grupos pra essas medidas25,27.
Ainda não está completamente elucidado o mecanismo (ou mecanismos) pelo qual o treinamento aeróbio modula o SNA, mas parece envolver tanto o componente central quanto o periférico de regulação do SNA10. Acredita-se que o exercício possa agir de diferentes formas: Diretamente no centro regulador neural da FC10; no controle baroreflexo da FC via aumento do tônus vagal28; modulando metaborreceptores e mecanorreceptores dos músculos motores; facilitando a transmissão colinérgica vagal; e aumentando o antagonismo da atividade simpática via aumento da produção de óxido nítrico atrial8,10.
Em relação ao treinamento de força, os resultados são controversos. Estudos que avaliaram o SNA cardíaco por diferentes técnicas após treinamento de força de poucas semanas (quatro a oito semanas) mostram redução18 e aumento21 do tônus simpático, e ainda redução21 ou aumento18,20 do tônus parassimpático. Outros estudos não conseguiram encontrar qualquer efeito17,19-20.
Ressalta-se que não foram encontrados estudos que apresentassem efeitos de longo prazo do treinamento resistido isoladamente sobre o SNA, e seria pouco prudente comparar efeitos de curto prazo com efeitos de longo prazo. Nesse aspecto, ainda que nosso estudo seja transversal, ele traz contribuições importantes para a compreensão do impacto do treinamento contra resistência sobre o SNA.
Sabe-se que o exercício físico retira o organismo da homeostase, exigindo grandes ajustes do sistema cardiovascular pela via autonômica. Entretanto, é preciso, ponderar que as respostas cardiovasculares nas modalidades de corrida aeróbia e musculação não são as mesmas.
Em exercícios aeróbios se observa aumento do débito cardíaco em consequência das elevações da FC e volume sistólico. Também se observa aumento da PAS, mas manutenção ou diminuição da PAD devido redução da resistência vascular periférica. O exercício aeróbio ainda promove resposta hipotensora pós exercício considerado de longa duração. Esse tipo de exercício mobiliza o SNA a partir, principalmente, do comando central e de mecanorreceptores2. Por sua vez, os exercícios contra resistência também promovem aumento da FC, mas com manutenção ou até redução do volume sistólico, causando apenas pequeno acréscimo do débito cardíaco. Em virtude do aumento da resistência vascular periférica causada pela obstrução mecânica do fluxo sanguíneo muscular, ocorre aumento da PAS e PAD. A resposta hipotensora pós exercício apresenta menor duração. Devido à grande produção muscular de metabólitos, a mobilização do SNA nesse tipo de exercício é bastante influenciada por quimiorreceptores musculares2.
De modo geral, em relação a eventos cardiovasculares, exercícios aeróbios produzem mais alterações relacionadas ao volume, enquanto exercícios contra resistência produzem mais alterações relacionadas à pressão12. É possível que uma ou mais dessas diferenças referentes aos ajustes cardiovasculares possa, quando em longo prazo, explicar o porquê de apenas exercícios aeróbios modularem o SNA.
As alterações poderiam ocorrer no comando central, ou nas vias aferentes ou eferentes do SNA. Por exemplo, é bem conhecido que o exercício aeróbio modula a via aferente dos barorreceptores2,5,17,29, enquanto há sugestões de que o treinamento resistido ou não altera19 ou até mesmo reduz17 o controle vagal do coração e a sensibilidade do barorreflexo. Ressalta-se que os pressorreceptores arteriais são o mais importante mecanismo de controle reflexo da PA, e se caracterizam pela capacidade de se adaptarem a um novo limiar de funcionamento quando diante de alterações sustentadas1. É possível que as respostas cardiovasculares ao exercício aeróbio possam alterar o limiar de funcionamento de pressorreceptores, enquanto que as respostas cardiovasculares ao treinamento de musculação não teriam essa capacidade. Entretanto, são hipóteses que precisarão ser testadas.
É preciso ponderar que no presente estudo não foram realizados exames bioquímicos que permitissem avaliar o possível uso de drogas anabólicas. Recentemente foi mostrado que dose suprafisiológica (~ 410 mg/sem) de anabolizante pode reduzir o tônus parassimpático e aumentar o tônus simpático30. Um estudo anterior havia mostrado resultado similar em modelo animal31. Nesse sentido, entendemos que o presente estudo contribui para a produção de conhecimento da área, mas não se pode deixar de destacar a necessidade de cautela nas interpretações dos resultados.
Diferentemente das outras técnicas, o TPF não identificou diferenças do SNA entre os grupos. Outros autores também não conseguiram identificar alteração da resposta pressórica ao frio induzida pelo exercício físico32-33. Embora o TPF se mostre clinicamente importante na avaliação da função endotelial da artéria carótida34 e predição de eventos cardiovasculares em hipertensos4, é possível que o TPF não seja uma técnica suficientemente sensível para identificar pequenas alterações no SNA simpático de pessoas saudáveis.
De fato, a capacidade preditiva do TPF parece depender da presença de alguns fatores como doenças associadas (ex: doença arterial coronariana)35 e idade avançada36-37. O TPF foi criado por Hines e Brown38 para avaliar apenas o componente autonômico simpático15,36,39, e não o parassimpático. Embora, comparativamente a outros testes de estresse, o TPF seja validado e se destaque por minimizar os efeitos psicológicos15, deve-se reconhecer que esse teste gera dor que, por sua vez, aumenta a participação do SNA simpático40. Sabe-se que dor é um parâmetro muito variável em humanos40 e, embora possivelmente tenha pouca influência em comparações do tipo "antes vs. depois", não podemos descartar a possibilidade dessa covariável influenciar na resposta do SNA de grupos independentes.
Diante disso, nossos achados corroboram o uso das técnicas indiretas FCR, FC de recuperação pós teste ergométrico e VFC como clinicamente viáveis para avaliação do SNA de pessoas sem doença associada, em particular enquanto estratégia de acompanhamento6. Por outro lado, não é possível fazer a mesma interpretação para o TPF.
Os resultados do presente estudo permitem concluir que a prática contínua em musculação por longo prazo, diferentemente da prática de corrida de longa distância, não é capaz de alterar significativamente o padrão modulatório do SNA. O conhecimento de que corridas aeróbias de longa distância e longo prazo, mas não a musculação, module o SNA, impacta diretamente na tomada de decisão referente à prescrição de exercício físico de pessoas com risco de doença cardiovascular. Entretanto, considerando as condições metodológicas do presente estudo, em particular o fato de ser um estudo transversal, o qual não envolve intervenção e acompanhamento sistemáticos, é preciso prudência na extrapolação dos resultados.
Agradecimentos
Agradecemos as agências de fomento CAPES e CNPq por recursos que permitiram a aquisição da estrutura necessária para a realização do projeto.
Recebido para publicação: 21/01/2013
Revisado: 16/05/2013
Aceito: 18/07/2013
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Jan 2014 -
Data do Fascículo
Dez 2013
Histórico
-
Recebido
21 Jan 2013 -
Aceito
18 Jul 2013 -
Revisado
16 Fev 2013