Resumos
O objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos da deficiência hídrica e aplicação de ácido abscísico (ABA) sobre aspectos fisiológicos e teor de flavonoides em plantas de calêndula. O experimento foi instalado em condições de casa-de-vegetação com plantas envasadas. No início do florescimento de plantas de calêndula, foram aplicados quatro intervalos de suspensão da irrigação (irrigação diária; três; seis e nove dias sem irrigar), acompanhados por três doses de ABA (0, 10 e 100 μM). Avaliou-se o conteúdo relativo de água na folha (CRA) e as trocas gasosas, utilizando-se um analisador portátil por infravermelho (A: fotossíntese líquida, gs: condutância estomática, E: transpiração, Ci: concentração intercelular de CO2 e EUA: eficiência de uso da água). Aos nove dias sem irrigação ocorreram reduções significativas em todas as variáveis de trocas gasosas analisadas, independente da aplicação de ABA. Concluiu-se que o efeito principal do ABA foi o de causar diminuição na gs, a qual foi acompanhada de redução em A somente quando as plantas estavam desidratadas. As intensidades de deficiência hídrica testadas não causaram interferência no acúmulo de flavonoides nas inflorescências. Entretanto, o ABA restringiu a biossíntese de flavonoides, tanto nas plantas-controle como nas plantas submetidas à deficiência hídrica.
planta medicinal; estresse; metabolismo secundário
The goal of this study was to evaluate the effects of water deficit and abscisic acid (ABA) application on physiological parameters and flavonoid production in marigold plant. The experiment was performed under nursery conditions with potted plants. It was tested water deficit by withholding water (control - diary irrigation, 3, 6 and 9 days without irrigation) followed by 3 ABA concentrations (0, 10 e 100 μM) applied in the beginning of blooming. It was evaluated the relative water content and the leaf gas exchange using a portable infrared gas analyzer (A: net photosynthesis, gs: stomatal conductance, E: transpiration, Ci: CO2 intercellular concentration and EUA: water use efficiency). At the end of 9 days of water deficit there were significant decreases in all the characteristics evaluated, independent of ABA application. This suggests that the main effect of ABA was to cause a reduction on gs which was accompanied of a reduction in A, only when the plants were submitted to the water deficit. There was no significant difference among the levels of water deficit tested in relation to the total flavonoid content in inflorescences. However, ABA restricted the flavonoids biosynthesis both in control plant and stressed plants.
medicinal plant; stress; secondary metabolism
PRODUÇÃO VEGETAL
Deficiência hídrica e aplicação de ABA nas trocas gasosas e no acúmulo de flavonoides em calêndula (Calendula officinalis L.)
Water deficit and ABA application on leaf gas exchange and flavonoid content in marigold (Calendula officinalis L.)
Ana Cláudia PachecoI, * * Autor para correspondência. E-mail: anaclau@unoeste.br ; Paulo Roberto CamargoII; Castro e Gustavo Maia SouzaI
IPrograma de Pós-graduação em Agronomia, Fisiologia Vegetal, Universidade do Oeste Paulista, Rod. Raposo Tavares, Km 572, 19067-175, Presidente Prudente, São Paulo, Brasil
IIDepartamento de Ciências Biológicas, Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo, Piracicaba, São Paulo, Brasil
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos da deficiência hídrica e aplicação de ácido abscísico (ABA) sobre aspectos fisiológicos e teor de flavonoides em plantas de calêndula. O experimento foi instalado em condições de casa-de-vegetação com plantas envasadas. No início do florescimento de plantas de calêndula, foram aplicados quatro intervalos de suspensão da irrigação (irrigação diária; três; seis e nove dias sem irrigar), acompanhados por três doses de ABA (0, 10 e 100 μM). Avaliou-se o conteúdo relativo de água na folha (CRA) e as trocas gasosas, utilizando-se um analisador portátil por infravermelho (A: fotossíntese líquida, gs: condutância estomática, E: transpiração, Ci: concentração intercelular de CO2 e EUA: eficiência de uso da água). Aos nove dias sem irrigação ocorreram reduções significativas em todas as variáveis de trocas gasosas analisadas, independente da aplicação de ABA. Concluiu-se que o efeito principal do ABA foi o de causar diminuição na gs, a qual foi acompanhada de redução em A somente quando as plantas estavam desidratadas. As intensidades de deficiência hídrica testadas não causaram interferência no acúmulo de flavonoides nas inflorescências. Entretanto, o ABA restringiu a biossíntese de flavonoides, tanto nas plantas-controle como nas plantas submetidas à deficiência hídrica.
Palavras-chave: planta medicinal, estresse, metabolismo secundário.
ABSTRACT
The goal of this study was to evaluate the effects of water deficit and abscisic acid (ABA) application on physiological parameters and flavonoid production in marigold plant. The experiment was performed under nursery conditions with potted plants. It was tested water deficit by withholding water (control - diary irrigation, 3, 6 and 9 days without irrigation) followed by 3 ABA concentrations (0, 10 e 100 μM) applied in the beginning of blooming. It was evaluated the relative water content and the leaf gas exchange using a portable infrared gas analyzer (A: net photosynthesis, gs: stomatal conductance, E: transpiration, Ci: CO2 intercellular concentration and EUA: water use efficiency). At the end of 9 days of water deficit there were significant decreases in all the characteristics evaluated, independent of ABA application. This suggests that the main effect of ABA was to cause a reduction on gs which was accompanied of a reduction in A, only when the plants were submitted to the water deficit. There was no significant difference among the levels of water deficit tested in relation to the total flavonoid content in inflorescences. However, ABA restricted the flavonoids biosynthesis both in control plant and stressed plants.
Keywords: medicinal plant, stress, secondary metabolism.
Introdução
O estresse hídrico em plantas medicinais tem o efeito potencial de alterar a concentração de compostos secundários (FONSECA et al., 2006), sendo dependente da espécie, do tempo e da intensidade da condição estressante (ANDRADE; CASALI, 1999) e do tipo de metabólito secundário produzido (CARVALHO et al., 2005; SILVA et al., 2002a). A deficiência hídrica severa diminuiu o crescimento, a produção de biomassa fresca e seca das plantas e o teor de óleo essencial de Melaleuca alternifolia Cheel (SILVA et al., 2002b).
Em relação ao teor de flavonoides nas plantas, pouco se sabe a respeito da influência da disponibilidade hídrica sobre a sua produção. Na literatura são citados outros fatores ambientais que influenciam a produção de flavonoides, como infecção, temperatura, nutrição, injúria, metabolismo do carbono e do nitrogênio e qualidade de radiação (SANTOS; BLATT, 1998). Fisiologicamente, sugere-se que o estresse possa atuar redirecionando o carbono fixado fotossinteticamente da síntese de metabólitos primários tais como celulose, lipídeos e proteínas, para a síntese de metabólitos secundários como flavonoides e outros compostos fenólicos (ABREU; MAZZAFERA, 2005; KIRAKOSYAN et al., 2004). Lavola et al. (2003) e Gray et al. (2003) sugerem, particularmente em relação à deficiência hídrica e à produção de flavonoides, que as variações encontradas são não somente quantitativas como também qualitativas (composto-específicas). Kirakosyan et al. (2004), avaliando os efeitos de estresses ambientais sobre os níveis de polifenóis em folhas de Crataegus laevigata (Poir.) DC. e C. monogyna Jacq., duas espécies medicinais utilizadas para tratamento de doenças do coração, verificaram que as respostas foram diferentes entre as espécies e para os compostos avaliados. No caso dos flavonoides, em C. laevigata a aplicação de estresse hídrico resultou em aumento somente nas concentrações de vitexina, hiperosídeo e rutina, enquanto o nível de acetil-vitexina-2''- O-raminosídeo decresceu mais de 50%. Para outros flavonoides representativos não foram detectadas mudanças significativas. Em C. monogyna, não foram observadas alterações importantes no teor de flavonoides na comparação entre plantas-controle e plantas submetidas ao estresse hídrico.
Plantas em estresse hídrico, normalmente, apresentam maior acúmulo de ácido abscísico (ABA), o qual exerce vários efeitos fisiológicos sobre o desenvolvimento das plantas e tem sido identificado como mensageiro nas vias de resposta de percepção do estresse hídrico e de outros estresses ambientais. Alguns estudos têm demonstrado que a aplicação de ABA em plantas intactas pode aumentar a sua tolerância ao estresse (YIN et al., 2004). No caso de plantas medicinais, o ABA desencadeia mudanças no conteúdo de alguns compostos secundários tais como fenóis, taninos, prolina, poliaminas e terpenoides (FONSECA et al., 2006; LAZCANO-FERRAT; LOVATT, 1999).
Calendula officinalis L. (Asteraceae), conhecida como calêndula ou malmequer, é uma espécie amplamente utilizada em todo o mundo como planta medicinal por ser considerada antiespasmódica, anti-inflamatória, antisséptica, cicatrizante, depurativa, emenagoga, emoliente e sudorífica, e a parte da planta usada para a extração de compostos secundários consiste das flores liguladas e escassas flores tubulosas presentes nas inflorescências (KURKIN; SHAROVA, 2007). Dentre os constituintes químicos potencialmente ativos da calêndula são citados óleo essencial, saponinas, flavonoides, carotenoides, mucilagens, resinas e princípio amargo. Contudo, os flavonoides têm papel mais importante na atividade farmacológica das inflorescências, representados, na grande maioria, pelos compostos quercetina e rutina, os quais também são marcadores para aferir a qualidade da matéria-prima (BILIA et al., 2002; RODRIGUES et al., 2004). Entretanto, há escassez de informações que relacionam a influência de agentes estressores na produção de seus compostos ativos.
Dessa forma, o objetivo desse trabalho foi estudar as possíveis interferências do ABA nas trocas gasosas e na produção de flavonoides em plantas de calêndula cultivadas em deficiência hídrica.
Material e métodos
Esta pesquisa foi conduzida na área do Horto Experimental da Escola Superior de Agricultura 'Luiz de Queiroz' (ESALQ/USP), Piracicaba, Estado de São Paulo, no período de julho a dezembro de 2005. O experimento foi instalado em casa-de-vegetação sob densidade de fluxo de fótons fotossintéticos (DFFF) em torno de 800 mmol de fótons m-2 s-1, temperatura de 28ºC e déficit de pressão de vapor do ar (DPV) em torno de 1,3 kPa.
As plantas foram cultivadas em vasos com 50 cm de diâmetro, com substrato comercial Plantmax®, terra argilosa e areia na proporção 1:1:1. As mudas foram obtidas a partir de sementes comerciais de calêndula (Calendula officinalis L., cv. Dobrada Sortida), preparadas em bandejas de isopor de 200 células. O transplante das mudas para os vasos foi realizado quando as mesmas apresentavam tamanho entre 15 e 20 cm, aos 25 dias após a semeadura. Os vasos foram irrigados diariamente com água até a saturação do substrato, durante todo o período de desenvolvimento vegetativo.
Os intervalos de suspensão da irrigação foram aplicados, tomando-se como ponto de referência a presença de pelo menos 50% dos vasos com plantas que apresentavam o primeiro botão floral fechado, o que ocorreu aos 62 dias após a semeadura. Os tratamentos foram constituídos do controle (irrigação diária) e da suspensão da irrigação por três, seis e nove dias.
A aplicação do ácido abscísico (ABA da Sigma Aldrich) nas concentrações de 0, 10 e 100 μM foi realizada por meio de pulverização da planta toda, juntamente com o início dos tratamentos de deficiência hídrica. As soluções foram preparadas a partir de uma solução- estoque com concentração 1 mM de ABA, adicionando-se etanol 1% e ajustando-se o pH para 7,0. As plantas foram pulverizadas no início da manhã, até o ponto de gotejamento.
O conteúdo relativo de água na folha (CRA) foi determinado segundo Turner (1981), após cada período de suspensão da irrigação, em quatro folhas de cada tratamento, pela expressão matemática:
em que:
MMF: massa da matéria fresca, MMS: massa da matéria seca e M sat: massa saturada. As folhas foram retiradas das plantas sempre às 7h da manhã e trazidas imediatamente para o laboratório, onde eram cortadas com vazador de cilindros. Os discos foliares foram pesados (massa da matéria fresca) e depois deixados em placa de Petri com água destilada por um período de 24h, para obtenção da massa saturada. Em seguida, os cilindros foram colocados em estufa à 50ºC durante dois dias e novamente pesados (massa da matéria seca).
As medidas de trocas gasosas que incluem A: assimilação de CO2 (μmol CO2 m-2 s-1), gs: condutância estomática (mmol H2O m-2 s-1), E: transpiração (mmol H2O m-2 s-1) e Ci: concentração intercelular de CO2 (μmol CO2 L-1) foram realizadas com um medidor portátil de trocas gasosas por infravermelho, modelo CIRAS-2, PPSystem, UK. A eficiência do uso da água (EUA) foi calculada como A/E. Todas as medidas foram realizadas em uma folha visualmente sadia e totalmente expandida, nos quatro indivíduos de cada tratamento, após cada período de suspensão da irrigação (aos três, seis e nove dias). As medições foram realizadas entre 10 e 12h, para que a avaliação das trocas gasosas coincidisse com o período de fotossíntese máxima.
Após os períodos de suspensão de irrigação, à medida que os botões florais se abriam, foi iniciada a colheita semanal das inflorescências até o final do período de florescimento (primeira quinzena de dezembro), após o que as plantas entraram em senescência. As inflorescências foram levadas para o laboratório imediatamente após a colheita e colocadas para secar em estufa a 40ºC, por um período de dois a três dias. Os flavonoides tiveram dosagem de acordo com Verlag (1978) modificado, utilizando-se quercetina como padrão, em solução de metanol e cloreto de alumínio. Realizou-se a leitura a 420 nm, em espectrofotômetro UV/visível Beckman DU 70, para se obter a concentração de flavonoides totais (μg mL-1).
O experimento foi realizado em arranjo inteiramente casualizado, em esquema fatorial 4 x 3 (quatro intervalos de suspensão de irrigação e três concentrações de ABA), com quatro repetições (indivíduos) em cada tratamento. Os dados foram submetidos à análise de variância (ANOVA, p < 0,05) e as médias foram comparadas pelo teste de Tukey (p < 0,05), utilizando-se o programa estatístico Sisvar (versão 4.6, Universidade Federal de Lavras).
Resultados e discussão
O CRA das plantas após três e seis dias de suspensão da irrigação (Tabela 1) permaneceu acima de 80%. Já após nove dias de deficiência hídrica, o CRA foi significativamente reduzido, atingindo o valor médio de 48,5%. Em todas as circunstâncias, as aplicações de ABA não interferiram significativamente nos valores de CRA medidos (Tabela 1).
Em concordância com os valores de CRA medidos, após três dias de suspensão da irrigação não foram observadas alterações significativas nas variáveis de trocas gasosas (Tabelas 2, 3, 4, 5 e 6). Todavia, embora não tenha ocorrido diminuição no CRA após seis dias de suspensão da irrigação, foram observadas algumas alterações significativas em parâmetros de trocas gasosas em função da aplicação do ABA. Nas plantas que receberam a dose 100 mM de ABA foram observadas reduções significativas nos valores de gs, E e A (Tabelas 4, 3 e 2, respectivamente). Porém, como os valores de Ci permaneceram sempre acima de 250 ppm em todas as plantas avaliadas nos períodos de restrição hídrica (Tabela 5), é possível que a limitação na assimilação de CO2 tenha sido influenciada por fatores não-estomáticos. Destaca-se a fotorrespiração como provável (mas não-exclusiva) fonte de geração deste CO2. A fotorrespiração exerce importante função de proteção nas folhas de plantas C3 em estresse por ser rota para o consumo da energia excedente (isto é, não utilizada para a assimilação de CO2) (NYOGI, 2000).
Por outro lado, após nove dias de suspensão da irrigação, os valores das trocas gasosas foram significativamente reduzidos, independentemente da aplicação de ABA (Tabelas 2, 3, 4, 5 e 6). Segundo Flexas e Medrano (2002), um CRA decrescente irá progressivamente diminuir a condutância estomática das folhas e a assimilação de CO2, a qual eventualmente cessa. Para a maioria das espécies, a fotossíntese se torna irreversivelmente diminuída quando o conteúdo relativo de água na folha decresce para cerca de 70% (LAWLOR; CORNIC, 2002). À medida que ocorre maior decréscimo no CRA, a liberação de CO2 de origem não-fotorrespiratória (isto é, proveniente da não-fixação fotossintética) se torna relativamente alta, levando a uma maior Ci (LAWLOR, 2002). Neste experimento, a grande variação da Ci, observada aos nove dias de suspensão da irrigação (Tabela 5), corrobora com esta afirmação.
Segundo Kaiser (1987), em deficiência hídrica, parte da inibição das taxas fotossintéticas pode ser atribuída a fatores não-estomáticos em nível dos cloroplastos, como problemas no transporte de elétrons e na fotofosforilação. Isso está embasado no fato de estudos terem verificado reduções nas taxas fotossintéticas de plantas em deficiência hídrica apesar de as concentrações internas de CO2 não terem sido afetadas. Reduções na fotossíntese potencial de plantas submetidas à deficiência hídrica podem estar relacionadas à limitação da síntese de ribulose bifosfato (RuBP), e não à inibição das enzimas no ciclo de Calvin. A limitação da síntese de RuBP provavelmente está ligada à redução na síntese de ATP, por uma progressiva inativação de fatores de acoplamento resultante do aumento da concentração iônica (Mg+2) e não à redução da capacidade do transporte de elétrons ou de prótons (LAWLOR, 2002). Todavia, é importante considerar que o controle da entrada de CO2 e da saída de água é realizado continuamente por ajustes nas aberturas dos estômatos distribuídos em todas as folhas. Essa dinâmica de abertura e fechamento estomática é heterogênea e pode ser particularmente aumentada em condições de deficiência hídrica, levando a erros nas medidas de trocas gasosas, especialmente em relação à Ci (PEAK et al., 2004).
Os efeitos potenciais do ABA, sugeridos pelos resultados observados após seis dias de suspensão da irrigação, indicam ter ocorrido controle estomático via ação hormonal. A resposta dos estômatos ao ABA parece não ser tão simples (HECKENBERGER et al., 1996). A sensibilidade das células-guarda ao ABA depende do estado hídrico da folha, entre outros fatores. O decréscimo do potencial hídrico das células da epiderme irá tornar os estômatos mais sensíveis ao ABA endógeno proveniente da corrente transpiratória (TARDIEU; DAVIES, 1992). Entretanto, segundo estes autores, essa relação direta entre ABA e gs nem sempre é observada em experimentos de campo e laboratório, principalmente quando se realiza o suprimento de ABA, porque a sensibilidade estomática ao ABA também é dependente do estado hídrico das células da epiderme (potencial hídrico foliar). Ainda, sugere-se que a resposta estomática ao ABA se encontraria mais relacionada ao seu fluxo no xilema do que à sua concentração (HECKENBERGER et al., 1996). Uma vez no interior da folha, o ABA aplicado pode ser rapidamente removido tanto pelo armazenamento nas células do mesófilo após seu catabolismo como pela sua exportação para o floema, ou metabolizado nos sítios receptores (ZEEVAART; CREELMAN, 1988).
Com relação à eficiência de uso da água (EUA), observou-se que, somente aos nove dias de suspensão da irrigação, houve diminuição nos valores, quando comparados ao controle sem adição de ABA (Tabela 6). De acordo com Lawlor (2002), em baixos valores de CRA, enquanto a gs atinge seu mínimo, a fotossíntese pode continuar a diminuir. Esta afirmação justifica a menor EUA observada.
Em relação aos teores de flavonoides totais, os dados obtidos mostraram que as plantas submetidas à deficiência hídrica sem a aplicação de ABA não apresentaram alterações significativas nos teores de flavonoides (Tabela 7). Assim, embora fosse esperada variação nesses compostos secundários em função da restrição hídrica, verificou-se que a redução do CRA na variedade de C. officinalis testada não foi suficiente para alterar, por si só, a síntese de flavonoides totais.
No que se diz respeito ao efeito da água sobre a formação de compostos fenólicos em plantas (entre eles, os flavonoides), pouco é conhecido. Em geral, o estresse hídrico pode promover aumento na biossíntese de compostos fenólicos e formação de lignina (MATERN; GRIMMIG, 1994). De acordo com KURUP et al. (1994), houve aumento de 48% no teor de fenóis totais em plantas de Tagets erecta L. em resposta ao estresse hídrico. Os autores sugerem que um aumento na atividade da enzima peroxidase acelera a biossíntese de certos compostos fenólicos, levando à biossíntese de lignina, a qual, por sua vez, reduz a perda de água dos tecidos e protege a planta do estresse hídrico.
Por outro lado, independentemente do estado hídrico das plantas, as doses de ABA aplicadas foram eficientes em reduzir significativamente os teores de flavonoides (Tabela 2). Aumentos nos teores de ABA podem desencadear sinalização no sentido de restringir a ação de enzimas relacionadas com a síntese de flavonoides, diminuindo sua concentração. Cho e Harper (1993) relataram que a aplicação exógena de ABA resultou em decréscimo nas concentrações de três isoflavonides envolvidos na indução de nodulação em mutantes de soja. Graham e Graham (1996) concluíram que o ABA pode atuar como um supressor do metabolismo de fenilpropanoides em soja. A via metabólica dos fenilpropanoides produz diversos compostos fenólicos derivados da fenilalanina, entre eles os flavonoides. Sugere-se que, entre os genes que podem ter sua expressão regulada pelo ABA, estariam aqueles que codificam os passos iniciais da biossíntese de fenilpropanoides.
Conclusão
A suspensão da irrigação afetou significativamente as trocas gasosas das plantas de calêndula somente após os seis dias de interrupção da irrigação; as variações de trocas gasosas observadas aos seis dias de interrupção da irrigação foram provavelmente influenciadas pelo ABA exógeno; a aplicação de ABA não promoveu efeitos prolongados de proteção ou atenuação dos efeitos da deficiência hídrica sobre as trocas gasosas; as intensidades de deficiência hídrica testadas não provocaram alteração significativa no teor de flavonoides totais das inflorescências de calêndula; a aplicação exógena de ABA resultou em diminuição no teor de flavonoides totais tanto nas plantas-controle como nas plantas submetidas ao estresse hídrico.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Fapesp, pela bolsa de estudo concedida a Pacheco, A. C.
Received on February 20, 2009.
Accepted on April 29, 2009.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Maio 2011 -
Data do Fascículo
Jun 2011
Histórico
-
Recebido
20 Fev 2009 -
Aceito
29 Abr 2009