ANTICORPOS ANTI-NEOSPORA CANINUM E CONTRA OUTROS AGENTES DE ABORTAMENTOS EM BÚFALAS DA REGIÃO DO VALE DO RIBEIRA, SÃO PAULO, BRASIL^*

OCCURRENCE OF ANTIBODIES TO NEOSPORA CANINUM AND OTHER INFECTIOUS ABORTION AGENTS IN FEMALE WATER BUFFALOES IN VALE DO RIBEIRA, STATE OF SÃO PAULO, BRAZIL

RESUMO

De janeiro a maio de 1999 foram colhidas 222 amostras de sangue de búfalas em idade reprodutiva (três a 16 anos), distribuídas em 11 propriedades destinadas à produção de carne e leite, do Vale do Ribeira, Estado de São Paulo, Brasil. Os soros foram submetidos à reação de imunofluorescência indireta (RIFI), à soroaglutinação lenta em tubos (SAL), à soroaglutinação microscópica (SAM) e ao ensaio imunoenzimático (ELISA) indireto, respectivamente para pesquisa de anticorpos contra Neospora caninum e Toxoplasma gondii, Brucella abortus, Lepstospira spp. e vírus BHV-1 da rinotraqueíte bovina. A coleção de antígenos para leptospirose utilizada incluiu 24 sorotipos, pertencentes a 20 sorogrupos. Os resultados obtidos foram: 63,9% de reagentes para N.caninum (títulos ≥ 25), 3,2% (≥ 64) para Toxoplasma gondii, 8,6% (≥ 100) para Brucella abortus, 50,9% (≥ 100) para Leptospira spp. e 77% para vírus BHV-1.

PALAVRAS-CHAVE:
Búfalos; Neospora caninum; Toxoplasma gondii; Brucella abortus; Leptospira spp.; vírus BHV-1.

ABSTRACT

From January to May 1999, 222 serum samples from water buffaloes from 11 farms in Vale do Ribeira region, state of São Paulo, Brazil, were collected to test the presence of Neospora caninum, Toxoplasma gondii, Brucella abortus, Leptospira spp. and bovine rinotracheitis virus (BHV-1) antibodies. The sera were submitted to indirect fluorescence antibody test (IFAT) for N. caninum, and T. gondii, tube aglutination test for B. abortus, microscopic aglutination test (MAT) for Leptospira spp. and indirect enzyme linked immunosorbent assay (ELISA) to BHV-1. The MAT for leptospirosis was performed using a collection of 24 sorotipes belonging to 20 sorogroups antigens. The results showed: 63.9% positive to N.caninum (≥ 1:25), 3.2% to T. gondii (≥ 1:64), 8.6% to B. abortus (≥ 1:100), 50.9% to Leptospira spp. (≥ 1:100) and 77% to BHV-1.

KEYWORDS:
Water buffaloes; Neospora caninum; Toxoplasma gondii; Brucella abortus; Leptospira spp.; vírus BHV-1

INTRODUÇÃO

O Neospora caninum é um coccídio atualmente considerado como uma das principais causas de abortamento e mortalidade neonatal em bovinos (DUBEY & LINDSAY, 1996). Na California, foi responsabilizado por 19 até 42,5% dos casos de abortamentos em bovinos (ANDERSON et al., 1991; 1995) e no Canadá, depois das bacterianas, foi a maior causa (ALVES et al., 1996). Na Inglaterra, TREES et al. (1994) encontraram 8% dos bovinos que abortaram com títulos de anticorpos ≥ 1.280 pela reação de imunofluorescência indireta (RIFI), taxa essa mais alta que os 2,4% atribuídos à Leptospira spp., anteriormente referida como a principal causa de abortamentos. Os abortamentos por N.caninum podem ocorrer de forma isolada, ou em surtos, com a possibilidade de registro de eventos sucessivos em um mesmo animal. Esses abortamentos podem ocorrer em qualquer fase da gestação mas, em geral, são observados no quinto ou sexto mês de gestação (DUBEY & LINDSAY, 1996).

Embora o cão seja o hospedeiro definitivo do N. caninum (MCALLISTER et al., 1998), nos bovinos a infecção congênita é a forma mais freqüente de transmissão (PARÉ et al., 1996; SCHARES et al., 1998). Os bezerros podem apresentar sinais neurológicos como ataxia ou retesamento dos membros, ou deformações congênitas, exoftalmia, natimortalidade e mumificação fetal (PARISH et al., 1987, DUBEY et al., 1990; 1998).

A reação de imunofluorescência indireta (RIFI) é a prova de referência para o diagnóstico da neoporose, embora existam outros métodos como o ensaio imunoenzimático (ELISA).

Os registros de infecção de búfalos pelo N. caninum são raros. No Egito, DUBEY et al. (1998) encontraram 68% dos 75 búfalos sororreagentes, com títulos ≥ 40, ao teste de aglutinação direta (NAT); no Vietnã, HUONG et al. (1998) examinaram 200 búfalos de corte e obtiveram 1,5 % de soropositivos, ao ELISA (DO ≥ 0,20) e RIFI (≥ 640) e, na Itália, GUARINO et al. (2000) encontraram 34,6% de 1.377 búfalos reagentes à RIFI (≥ 200). No Estado da Bahia, Brasil, PITA GONDIM et al. (1999) encontraram 36,5 % de reagentes à RIFI (≥200). GUARINO et al. (2000), na Itália, examiram quatro fetos abortados e três natimortos de búfalos com sintomas nervosos e constataram a presença de N.caninum e lesões sugestivas de infecção por protozoários.

Os sinais clínicos da neosporose são comuns a outras doenças abortivas como brucelose, leptospirose e rinotraqueíte infecciosa bovina (IBR) que acometem os búfalos de modo semelhante aos bovinos (LAU, 1990; OIE, 1996; FAINE et al., 1999). Esses agentes estão presentes em níveis elevados em búfalos da região estudada (ROXO, 1989, PITUCO et al., 1993; LANGONI et al., 1999), provocando transtornos reprodutivos, mas não há estimativas de taxas, nem notícia de surtos epidêmicos de abortamentos; porém há registro de 7 % de morte embrionária, sem causa definida (BARUSELLI et al.,1997).

Devido à crescente expansão da bubalinocultura no Vale do Ribeira, SP, e a escassez de informações a respeito da neosporose nesta espécie animal, foi delineado o presente trabalho que teve como objetivo a pesquisa de anticorpos anti-N. caninum em bubalinos criados em propriedades desta região e a comparação com a soroprevalência de Leptospira spp., Brucella abortus, Toxoplasma gondii e vírus da IBR.

MATERIAL E MÉTODOS

No período de janeiro a maio de 1999 foram colhidas 222 amostras de sangue de búfalas da raça Murrah e suas cruzas divididas em quatro faixas etárias como se segue: faixa 1 compreendendo animais de três a cinco anos de idade; faixa 2, de seis a oito; faixa 3, de nove a 11 e faixa 4, de 12 a 16 anos. Os animais pertenciam a 11 propriedades dos municípios de Registro, Sete Barras, Cananéia e Pariquera-Açu, da região do Vale do Ribeira, Estado de São Paulo, onde são criados em regime extensivo para produção de carne e leite. Os proprietários utilizam inseminação artificial e monta natural e mantêm um registro razoável de dados referentes ao estado sanitário e reprodutivo, dos animais, desde 1993.

As amostras de soros foram submetidas à RIFI para N. caninum utilizando-se o kit (Veterinary Medical Research and Development, Inc. - VMRD, Pullman-USA) segundo o protocolo do fabricante, no entanto foi adotada a diluição a 1: 25 para caracterizar os animais como infectados (SCHARES et al., 1999; VENTURINI et al.,1999). O conjugado anti-búfalo foi produzido pelo Centro de Controle de Zoonoses da Prefeitura Municipal de São Paulo (CCZ/PMSP). Considerouse a reação como positiva quando toda a superfície do taquizoíto mostrou-se fluorescente.

O antígeno de T.gondii, da cepa RH, para a RIFI foi produzido nos laboratórios de Doenças Parasitárias do VPS/FMVZ/USP (CAMARGO et al., 1964). O soro de um búfalo com oito meses de idade, antes da inoculação de T.gondii foi utilizado como controle negativo e o soro do mesmo animal, após inoculação, como controle positivo (título 4.096). O conjugado anti IgG de búfalo foi produzido pelo CCZ/PMSP e diluído a 1:1.500. Considerou-se a diluição 1:64 como ponto de corte (COSTA et al., 1977).

As provas de soroaglutinação lenta em tubos (SAL) para Brucella abortus foram realizadas segundo normas da OMS (ALTON et al., 1975).

Na soroaglutinação microscópica (SAM) para Leptospira spp. (FAINE, 1982) utilizou-se uma coleção de 24 antígenos vivos (australis, bratislava, autunmalis, butembo, bataviae, castellonis, grippotyphosa, cynopteri, whitcombi, hebdomadis, canicola, copenhageni, icterohaemorrhagiae, javanica, panama, pomona, pyrogenes, hardjo, wolffi, shermani, tarassovi, andamana, patoc, sentot) . Os sorovares admitidos como mais prováveis foram os que apresentaram maior título de aglutininas e quando duas ou mais variantes apresentavam títulos iguais este animal foi eliminado da análise do sorovar mais provável, no entanto foi considerado como reator para Leptospira sp. no grupo de animais examinados. A sorologia para IBR foi feita com kit comercial (ELISA Herd Check anti-IBR - IDEXX Laboratories, Inc. - USA).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela 1 estão resumidos os resultados da pesquisa de anticorpos contra os vários agentes pesquisados.

A freqüência de anticorpos anti-Neospora caninum foi de 66,3% pela RIFI. O título 25 como ponto de corte para identificação de animais infectados segue a tendência atual (SCHARES et al., 1999; VENTURINI et al., 1999). Esse resultado se assemelha com os 68% encontrados no Egito por DUBEY et al. (1998), pelo Neospora aglutination test (NAT) e o ponto de corte foi a diluição 1:200. Estes mesmos soros foram submetidos ao NAT e se obteve 51,8% de reagentes com títulos ≥ 40 (FUJII et al., 2000). Porém, considerando-se o ponto de corte 200, pela RIFI, como preconizado pela maioria de autores, verificou-se que somente 7% das amostras do Vale do Ribeira estavam positivos, índice esse muito inferior aos 36,5% encontrados no Estado da Bahia por PITA GONDIN et al. (1999), mas próximo ao de HUONG et al. (1998) de 1,5% no Vietnã, utilizando a RIFI (≥ 640) e ELISA (DO = 0,045). Os soros foram titulados até a diluição 1:800 e somente três animais (1,35%) apresentaram essa titulação, concordando com GUARINO et al. (2000).

Neste trabalho, utilizando-se o teste do χ ² observou-se uma associação significante (p < 0,05) entre soropositividade para N. caninum e faixas etárias; assim, nas faixas 2 e 3 os números de reagentes foram bem maiores que os esperados (Tabela 2). Esses resultados concordam com os de GUARINO et al. (2000) que também verificaram que a positividade de búfalos com mais de cinco anos de idade era mais significante que a dos animais com menos idade.

Concordando com DUBEY et al. (1998) e HUONG et al. (1998) a prevalência de anticorpos anti-T.gondii foi baixa (3,2%). Essa baixa prevalência pode ser devido ao hábito dos búfalos de passarem a maior parte do tempo em locais lodosos, ou em aguadas, longe do habitat dos gatos ou ao fato de ocorrer uma queda no nível de anticorpos anti-T.gondii com o aumento da idade (NAVIDPOUR & HOGHOOGHI-RAD, 1998).

Em relação à Brucella spp., os 8,6% de soropositivas concordam com os 7% encontrados na mesma região por ROXO (1989), sendo pouco superiores aos de outras localidades do estado de São Paulo de 3,4 e 4,5%, (OGASSAWARA et al., 1969, SANDOVAL et al., 1979), mas muito inferior aos 40,9% e 24,0% (SANTA ROSA et al., 1961, FEITOSA et al., 1991), todos esses trabalhos utilizando a SAR.

A soropositividade para Leptospira spp. (50,5%) foi superior aos 37,7% encontrada na mesma região por LANGONI et al. (1999) e às freqüências observadas por outros pesquisadores que variaram de 6,7 a 22,4% (SANTA ROSA et al., 1969/1970, SANDOVAL et al., 1979, GIORGI et al.,1981, YASUDA et al., 1982, GIRIO et al., 1984) no Estado de São Paulo. Os sorovares mais prováveis encontrados neste trabalho foram, em ordem decrescente, australis (26,4%), autumnalis (17,6%), castellonis (15,4%), hardjo (11,0%), pomona (7,7%), bratislava (5,5%), pyrogenes, (4,5%) e grippotyphosa (2,2%), no entanto até o início da década de 80 predominaram as variantes wolffi e pomona, tendo em conta que nessas investigações a variante hardjo não foi incluída (SANTA ROSA et al., 1969/1970, SANDOVAL et al., 1979, GIORGI et al.1981, YASUDA et al., 1982, GIRIO et al., 1984). Na mesma região do Vale do Ribeira, LANGONI et al. (1999) encontraram em ordem decrescente os sorovares wolffi, icterohemorrhagiae, hardjo e castellonis porém não utilizaram o mesmo critério de caracterização sorológica. FAVERO et al. (1999), em estudo retrospectivo, encontraram o sorovar hardjo como o sorovar mais provável nos rebanhos de bubalinos da região estudada.

Tabela 1
Pesquisa de anticorpos contra Neospora caninum (título ≥ 25) e Toxoplasma gondii (título ≥ 64) pela reação de imunofluorescência indireta, Brucella abortus, pela soroaglutinação lenta em tubos, Leptospira spp. pela soroaglutinação microscópica e vírus BHV-1, da rinotraqueíte infecciosa bovina, pelo ELISA indireto em soros de 222 búfalas com três a 16 anos de idade, Vale do Ribeira, SP, 2000.

Agentes	Positivo		Negativo
	No	%	No	%
N. caninum	142	63,9	80	36,1
T.gondii	7	3,2	115	96,8
B. abortus	19	8,6	202	91,4
Leptospira spp.	113	50,5	109	49,5
Vírus BHV-1	171	77,7	51	22,3

Tabela 2
Proporção de búfalas soropositivas para Neospora caninum pela RIFI (Títulos ≥ 25), por faixa etária. Vale do Ribeira, SP, 2000.

Faixa etária	No positivos/ Total de examinados	Positivos ( % )
1 ( 3 a 5 anos)	46 / 84	54,7
2 (6 a 8 anos)	46 / 59	77,9
3 ( 9 a 11 anos)	30 / 45	66,6
4 (12 a 16 anos)	20 / 34	58,8

A soropositividade de 77,7% para IBR foi superior aos 42% encontrados na mesma região, por PITUCO et al. (1993) utilizando a técnica de soroneutralização, aos de 58,2% no Estado de São Paulo (IKUNO et al., 1984) pela técnica da hemaglutinação (HA), mas foi inferior aos 95,2% da Austrália (GEORGE & PHILPOTT, 1972). As búfalas deste trabalho não foram vacinadas contra a IBR e, portanto, os títulos de anticorpos encontrados são decorrentes de infecções naturais, e esse alto percentual de soropositivas pode ser conseqüência do manejo mais intensivo desses animais, que amplia as possibilidades de transmissão ou a oportunidade de exposição que cresce, principalmente com a faixa etária (ARUNA & SURIBABU, 1992). Esses elevados índices de ocorrência levaram alguns pesquisadores a sugerirem que os búfalos fossem importantes reservatórios da infecção (HEDGER & HAMBLIN, 1978). No entanto, no presente estudo, como já observado por IKUNO et al. (1984), tanto as búfalas soropositivas quanto as soronegativas não apresentaram qualquer alteração respiratória ou genital.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP pelo apoio financeiro ao projeto e ao CNPq pela bolsa de Mestrado outorgada a T.U.Fujii e de produtividade em pesquisa a S.A.Vasconcellos, L.J.Richtzenhain, P.L.Baruselli e S.M.Gennari.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  07 Out 2024
• Data do Fascículo
  Jul-Dec 2001

Histórico

• Recebido
  01 Mar 2001
• Aceito
  06 Ago 2001