Resumo
O artigo tem por objetivo contribuir com análises sobre o contato proporcionado pelas audiências de custódia entre custodiados e atores do sistema de justiça criminal, sobretudo com juízes, e em que medida esse encontro impacta (ou não) a produção da decisão judicial. O texto é baseado em uma pesquisa realizada em audiências de custódia de algumas cidades do estado de São Paulo, que contou com entrevistas semiestruturadas e observação de campo para a construção do corpus empírico estudado. A partir de análises desses contatos, criamos categorias para descrever como esses encontros acontecem. Definimos cinco tipos de contatos: olho no olho, olho na “pessoa de direito”, olho na moral, olho na tela e olho nos fatos. A despeito das ambivalências retratadas, a audiência de custódia representa um avanço ao permitir que o magistrado possa olhar quem é a pessoa presa. Contudo, ainda é preciso que esse olhar realmente enxergue o custodiado, caso contrário torna-se mais uma fase pré-processual automatizada de produção judicial.
Audiência de custódia; contato; legitimidade; judiciário; direitos humanos
Abstract
The article aims to contribute with analyzes concerning the contact provided by pretrial detentions among arrested citizens and criminal justice players, mainly judges, and to what extent this meeting impacts (or not) the production of the decision. The text is based on a research conducted during pretrial detentions in some cities in the state of São Paulo, which featured semi-structured interviews and field observation to build the empirical corpus studied. From the analysis of these contacts, categories were created to describe how these encounters take place. We have defined five types of contacts: eye-to-eye, eyes on the “person of right”, eyes on moral rules, eyes on the screen and eyes on the facts. In spite of the ambivalences portrayed, the pretrial detention represents an improvement by allowing the judge to notice who the arrested person is. However, it is still important that this look can really allow the person to be seen, otherwise, the pretrial detention is likely to become an automated pre-procedural phase of judicial production.
Pretrial detention; contact; legitimacy; judiciary; human rights
Introdução
A audiência de custódia representou a inserção de novas dinâmicas no sistema de justiça criminal, tornando possível a presença da pessoa presa diante do juiz, seu defensor e promotor público, em até 24 horas, tanto para averiguação da necessidade da manutenção da prisão e sua legalidade quanto para a identificação e apuração de possíveis casos de violência policial. Mas como esse encontro acontece? O contato é considerado relevante para os atores do sistema de justiça criminal, sobretudo para os juízes?
O artigo tem por objetivo contribuir com o debate sobre a importância do contato proporcionado pela audiência de custódia e em que medida ele é avaliado pelos atores do sistema de justiça criminal, sobretudo pelos juízes, responsáveis pela tomada de decisões. Para isso, utilizamos como fonte um estudo1 que teve por objetivo melhor compreender se a presença do preso nessas audiências seria capaz de gerar reflexos na decisão judicial responsável por determinar a manutenção da prisão; seu relaxamento, em caso de ilegalidade; ou a concessão de liberdade provisória, a qual pode ser cumulada com medidas provisórias diversas da prisão. Essa pesquisa adotou a entrevista semiestruturada2 e a observação de campo como técnicas para a produção do corpus empírico. No total foram entrevistados 23 juízes das seguintes cidades do estado de São Paulo, além da Capital: Santos, Mogi das Cruzes, São Bernardo do Campo, Osasco e Guarulhos. Em relação à observação das audiências, de inspiração etnográfica, foram acompanhadas 78 audiências de custódia nas mesmas cidades em que foram realizadas as entrevistas. A produção desse extenso material empírico nos levou a mobilizá-lo, a fim de aprofundar as discussões sobre o olhar dos juízes com relação à presença das pessoas presas nas audiências de custódia e seus possíveis impactos na produção judicial.3 A análise desse conjunto de dados moldou a formulação de cinco categorias que representam os tipos de encontros entre pessoas presas e juízes, que serão aprofundadas no decorrer deste artigo: olho no olho, olho na “pessoa de direito”, olho na moral, olho na tela e olho nos fatos.
O artigo também dialoga com outras pesquisas que têm observado a qualidade do contato entre pessoas presas e atores do sistema de justiça criminal nas audiências de custódia, sobretudo aquelas que analisam de que maneira os juízes avaliam esse encontro. Diferentes estudos têm procurado entender a implementação desse novo mecanismo judicial, especialmente considerando a fala dos operadores do direito, cujas concepções são centrais para entender o seu funcionamento.4
Para além da discussão proposta no presente artigo, acreditamos que a audiência de custódia tem um papel importante para a garantia dos direitos humanos no sistema de justiça criminal brasileiro, tanto para o combate à tortura e violência policial quanto para oportunizar que os acusados tenham o direito de responder um possível processo em liberdade. Pesquisas realizadas sobre essas audiências têm indicado que, apesar de ser um importante instrumento de garantia de direitos, esse dispositivo tem se desviado de suas funções e se acomodado à “velha” forma de funcionamento do sistema de justiça criminal (KULLER, 2017; KULLER e DIAS, 2019), com sua seletividade e moralismo autorreferenciado, com a permanência do descrédito das narrativas das pessoas presas, sobretudo das referentes à violência institucional (BANDEIRA, 2018; KULLER, 2017).
Nosso objetivo é justamente descrever que tipos de contato ocorrem nesse encontro entre juízes e pessoas presas, compreendendo de que maneira isso se reflete no processo de decisão judicial, observando possíveis rupturas e continuidades do modo de produção de justiça.
1. Audiências de custódia: breve conceito e delimitação do tema
De acordo com a Resolução n. 213 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “[...] toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão”. A audiência de custódia busca, portanto, aproximar a pessoa presa da autoridade judicial. Segundo Julita Lemgruber, o instituto tem por objetivo oferecer “uma avaliação mais realista da situação de pobreza e vulnerabilidade social da esmagadora maioria das pessoas que a polícia prende diariamente nas ruas” (LEMGRUBER et al., 2016, p. 20). Assim, a proximidade entre a prisão e a apresentação da pessoa presa permitiria ao magistrado notar nuances as quais não seriam alcançadas por meio do exame de documentos, como características físicas, marcas de violência, gestos corporais, empatia e estado emocional.
Durante anos, diversas organizações da sociedade civil, como Conectas Direitos Humanos, Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e Instituto Sou da Paz, lutaram pela implementação da audiência de custódia, inclusive no âmbito do Legislativo (TOLEDO, 2019). Estudo realizado em maio de 2012 pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), em parceria com a Pastoral Carcerária Nacional, já havia apontado como “[...] a prisão provisória tem sido utilizada em São Paulo como instrumento político de gestão populacional e, no caso aqui tratado, voltado ao controle de uma camada específica da população” (ITTC, 2012, p. 94). Cabe destacar que a pesquisa já havia recomendado à época a criação da audiência de custódia pelo Congresso Nacional (ITTC, 2012, p. 95).
Apesar dos esforços, a audiência de custódia passou a ser adotada nos Tribunais de Justiça dos estados por ação do CNJ somente a partir de 2015. Em São Paulo, essas audiências foram instaladas no Fórum Criminal da Barra Funda a partir de fevereiro desse mesmo ano. Mesmo diante das resistências enfrentadas no início de sua implementação, essas audiências foram sendo incorporadas ao funcionamento do sistema de justiça criminal, sobretudo em cumprimento à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário.5
O procedimento adotado pelos juízes antes da implementação das audiências de custódia era o de somente analisar os autos de prisão em flagrante enviados pelas delegacias de polícia. Era a partir da avaliação dessa documentação que os magistrados averiguavam a legalidade da prisão e decidiam se havia a necessidade de sua manutenção ou não. Mesmo com a adoção das medidas cautelares, com a implementação da Lei n. 12.403/2011, que ampliou o rol de alternativas à prisão, juízes continuaram a utilizar a prisão provisória como regra, e não como exceção (INSTITUTO SOU DA PAZ, 2014; IDDD, 2014; LEMGRUBER et al., 2013).6 Nesse formato, também não era possível averiguar possíveis situações de tortura e abusos policiais, porque toda a produção da informação com relação ao flagrante estava restrita àquilo que era produzido pelos agentes que efetuaram o flagrante (JESUS, 2018).
A possibilidade de apresentação da pessoa presa em flagrante em 24 horas na presença do juiz, promotor e defensor (público ou particular) propiciou uma oportunidade inovadora de contato até então não experimentada em nosso ordenamento processual. O fato de os atores do sistema de justiça poderem ver e ouvir essas pessoas abriu não apenas uma fenda em um sistema extremamente inquisitorial (KANT DE LIMA, 1995; MISSE et al., 2010a), mas oportunizou uma maior aplicação das medidas cautelares, até então pouco aplicadas pelos magistrados. No entanto, é importante destacar que atualmente a maioria das liberdades provisórias são concedidas com algum tipo de medida cautelar (IDDD, 2019). Além disso, permitiu que pesquisadores observassem empiricamente de que maneira os juízes avaliam as prisões em flagrante produzidas pela polícia (JESUS, 2018; TOLEDO, 2019). É nesse último ponto que vamos nos ater para as análises das audiências de custódia como momento significativo de encontro, que pode gerar mudanças ou reforçar a forma como os juízes avaliam as prisões em flagrante e, sobretudo, como olham para as pessoas que são presas.
2. O contato realmente importa?
Saber a percepção dos juízes sobre as audiências de custódia era, sem dúvida, uma das questões despertadoras da pesquisa que influenciou a produção deste artigo (TOLEDO, 2019). As entrevistas semiestruturadas7 realizadas com magistrados e magistradas tiveram por objetivo melhor compreender se o contato com o custodiado teria representado alguma mudança em relação à sistemática anteriormente aplicada, na qual a decisão da manutenção da prisão em flagrante dependia apenas do exame de documentos. Entre o total de doze juízes/as entrevistados/as, os/as cinco primeiros/as ressaltaram a relevância da presença física do preso em audiência, essencialmente no que se refere à possibilidade de oferecer uma gama maior de elementos necessários para justificar a decisão judicial.8 Para alguns dos magistrados, o contato com a pessoa permitiria que “o papel tomasse vida” e o “flagrante ganhasse voz”. Em entrevista, uma das autoridades judiciais afirmou que, por meio da experiência oferecida pela audiência de custódia, “[...] você começa a ter percepções que você não tinha quando fazia audiência já de instrução, que a pessoa vem de um Centro de Detenção Provisória, de um estabelecimento prisional”. Segundo ele, “com a pessoa ali, obviamente a gente não entra no mérito, mas a gente consegue ter mais elementos para tomar uma decisão mais adequada”.
O contato foi considerado central na produção da decisão judicial para esses entrevistados. Contudo, é preciso destacar, os juízes que demonstraram esse posicionamento integravam o grupo de magistrados que participou do projeto piloto do CNJ para a implementação das audiências de custódia no Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) do Fórum Criminal da Barra Funda da cidade de São Paulo. Vale ressaltar que houve um grande investimento político para que essas audiências fossem de fato acolhidas pelo sistema de justiça (BANDEIRA, 2018; TOLEDO, 2019; KULLER, 2017; IDDD, 2016). Além do empenho de atores relevantes do Poder Judiciário, como o ministro Ricardo Lewandowski (à época presidente do Supremo Tribunal Federal [STF] e CNJ), Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi, auxiliar da Presidência do CNJ, e Antônio Maria Patiño Zorz, juiz corregedor do Dipo, a Escola Paulista de Magistratura também ofereceu curso de capacitação aos juízes que passariam a atuar em audiências de custódia (TOLEDO, 2019).
Essa mesma aprovação das audiências de custódia por parte dos juízes foi identificada na pesquisa de Gisi, Jesus e Silvestre (2019). Segundo as autoras, os magistrados que atuavam nas audiências de custódia do Fórum da Barra Funda consideraram o encontro com a pessoa presa essencial para a condução da audiência e para a elaboração das suas decisões.
Importa ressaltar que a estrutura oferecida pelo Tribunal de Justiça para a realização das audiências de custódia também pode ter favorecido a aceitação do novo instituto na capital. Ainda que o fórum dessa cidade não disponha de sala para a realização de entrevista reservada entre a defesa e o custodiado, o espaço destinado às audiências de custódia apresenta melhor estrutura quando comparado com as demais cidades que fizeram parte da pesquisa (TOLEDO, 2019). Ademais, cabe destacar que apenas o Fórum da Capital apresenta um Centro de Alternativas Penais e Inclusão Social (Ceapis), responsável por atender custodiados que apresentam elevado grau de vulnerabilidade social (IDDD, 2016).
Tendo em vista a harmonia entre os posicionamentos de juízes do Fórum da Barra Funda, houve a opção de ampliar o corpus empírico dessa pesquisa a fim de compreender se a aprovação das audiências de custódia e do contato com os custodiados seria adotada por aqueles com atuação em cidades distintas da capital paulista.9 Foram entrevistados juízes responsáveis por presidir audiências de custódia em Santos, Mogi das Cruzes, São Bernardo do Campo, Osasco e Guarulhos, o que totalizou o número de 23 magistrados. Observou-se que os entrevistados não apresentavam o mesmo entusiasmo retratado pelos juízes da capital em relação à audiência de custódia. O entrevistado número 7 expôs algumas das razões pelas quais não concordava com a implementação da audiência de custódia:
Existe uma ilusão de que a custódia resolverá o problema do número de encarcerados. Então, assim, as grandes autoridades, os criminologistas de plantão, eles fazem a afirmativa que 40% dos réus estão presos, 40% das pessoas nas cadeias estão presos por questões provisórias, por processos em andamento. Isso para mim, ao contrário da análise padrão, é a maior prova de que o sistema, ele tem uma certa rapidez, tirando um ou outro caso, uma ou outra anormalidade. Por quê? E aí eu faço menção a um número que é comum. Se você pegar o número de processos em andamento, eu vou te dizer com uma certa tranquilidade que 90% deles, senão mais, se originou em situações de flagrante. Então o que acontece? 90% do trabalho policial são flagrantes. Evidentemente, esses flagrantes vão gerar prisões em flagrante que vão ou não ser convertidas em prisão preventiva. Seria absolutamente ilógico, se a porta de entrada é imediata, quer dizer, é resultado de um momento de atuação policial, seria completamente desarrazoado querer que as prisões estivessem cheias de pessoas que só foram presas depois de investigação. Então, assim, essa premissa da prisão provisória, ela parte, essa ideia da prisão provisória, ela parte de uma premissa errada. De quê? De que o processo, de que o preso é encarcerado e mantido injustamente e que se apresentar o preso na frente do juiz, a possibilidade dele sair é muito alta. Na verdade, o que ocorre? Ocorre que os presos são apresentados, sistematicamente, porque não há, você não tem uma investigação. Você não tem presos em decorrência de uma investigação prolongada que vai resultar num processo e depois o sujeito vai ser preso. A ideia de que a Justiça é lenta não leva em consideração que o modelo policial não é um modelo investigativo. É um modelo absolutamente reativo.
Nota-se que o magistrado destaca como a atuação policial não segue um “modelo investigativo”, mas tão somente “reativo”. A declaração pode ser corroborada pela pesquisa de Giane Silvestre (2018), a qual aponta a consolidação de política militarizada da Polícia Militar de São Paulo no controle de crimes, especialmente após o massacre do Carandiru: “nessa estratégia, a letalidade policial é crescente e o trabalho investigativo de controle do crime se torna secundário, consequentemente, fragilizando a Polícia Civil” (SILVESTRE, 2018, p. 67). Contudo, apesar de destacar a adoção de modelo reativo pela polícia, o entrevistado não oferece reflexão analítica sobre a abordagem policial ou mesmo em relação à legalidade da prisão em flagrante. Assim, a narrativa policial, descrita no auto de prisão em flagrante, seria presumida como uma verdade absoluta pela autoridade judicial. Cabe destacar que a crença em fatos narrados pela polícia já foi amplamente retratada no trabalho “O que está no mundo não está nos autos”: a construção da verdade jurídica nos processos criminais de tráfico de drogas (JESUS, 2016). De acordo com a pesquisa, entre os argumentos adotados por juízes e promotores para que as versões das narrativas policiais sejam acolhidas, estão a crença na atividade da polícia, a fé pública dos agentes, bem como o fato de os policiais atuarem em defesa da sociedade. Na pesquisa que inspirou o presente estudo, é relevante notar como o fundamento pautado na fé pública também é adotado pelo entrevistado número 13:
A gente põe, a gente gasta um dinheiro tremendo, que está faltando para todo mundo, é para botar um monte de agente público para fiscalizar outro agente público. Poxa, o delegado de polícia é um sujeito que tem fé pública. O Estado escolheu o delegado de polícia para falar: “Você passa por um concurso dificílimo, o que você assina, o que você assina embaixo é verdade.” Você tem fé pública, assim como os escreventes têm. Assim como o juiz não tem essa fé pública, mas, assim, a gente bota uma responsabilidade nas costas do juiz, fala: “Você passa por um concurso dificílimo é para isso, porque a gente confia em você.” E para o delegado a gente fala: “A gente confia em você, mas eu vou pôr mais vinte caras para ficar te fiscalizando aí para ver se é isso mesmo”.
Nesse sentido, diante do que foi narrado pelos juízes entrevistados, não há uma unanimidade no entendimento de que o contato proporcionado nas audiências de custódia realmente importa, variando de juiz para juiz. Esse resultado se aproxima daquele apresentado na pesquisa de Gisi e outras pesquisadoras (2019), de que há juízes que acreditam que o contato é extremamente relevante, e outros que acham essa relação com o público desnecessária, seja para a tomada de sua decisão, seja para a afirmação de sua autoridade como magistrado. Conforme veremos ainda a seguir, a adoção de critérios objetivos também representou um dos aspectos centrais para muitos dos juízes contrários à implementação das audiências de custódia. Segundo esses magistrados, as informações disponíveis em documentos seriam suficientes para averiguar se a prisão em flagrante deveria ser mantida no curso do processo.
Ressalta-se que algumas das autoridades judiciais entrevistadas na pesquisa que serviu como base para o presente trabalho atuavam na Justiça Federal e já haviam presidido audiências de custódia (TOLEDO, 2019). Segundo o estudo, com exceção de uma entrevista, todas as demais foram concedidas por juízes com atuação no mesmo fórum e ocorreram em uma única data. Não houve agendamento ou contato prévio com os magistrados. A primeira autoridade judicial procurada foi solícita e prontamente se dispôs a conceder entrevista, após receber uma cópia da carta-convite. Ao final, o próprio juiz tomou a iniciativa de entrar em contato com seus colegas para que também participassem da pesquisa. Tal situação foi considerada inesperada, já que apenas nessa data foram concedidas cinco entrevistas. Por outro lado, além de não ter havido a autorização para gravação em áudio por nenhuma dessas autoridades, muitas delas responderam às perguntas de forma extremamente objetiva, o que impediu o aprofundamento de pontos relevantes previstos no roteiro de entrevistas, como no caso da entrevista concedida pelo entrevistado número 19:
Pesquisador: Tipos de crime e região da cidade no qual ocorreram influenciam a decisão?
Não soube responder.
Pesquisador: Qual o fator preponderante para a tomada de decisão na custódia?
Entende que é o tipo de delito ou o fato de ser brasileiro ou estrangeiro.
Situação semelhante pode ser notada em relação ao entrevistado número 23:
Pesquisador: Variáveis de natureza econômica fazem diferença na hora de decidir?
Entende que não.
Pesquisador: O fato de o custodiado estar empregado, possuir carteira de trabalho, influencia?
Afirma que sim, que isso é levado em consideração.
Apesar de boa parte das respostas ter sido burocrática, as entrevistas permitiram notar, por exemplo, que o custodiado não é mantido algemado em audiências conduzidas pela Justiça Federal, ao contrário do que foi visto em todas as audiências acompanhadas na Justiça Estadual, em que se notou que a pessoa foi mantida algemada todo tempo. Além das entrevistas, foram acompanhadas 78 audiências de custódia, entre os dias 6 de fevereiro e 15 de março de 2018. Por meio da observação participante, a pesquisa identificou alguns dos reflexos gerados pelo contato da pessoa presa com o juiz, como inquietações relacionadas aos corpos tatuados, julgamentos morais ou mesmo certa indiferença em relação ao indiciado. A análise dessa observação, traspassada pelas entrevistas, originou a elaboração de cinco categorias construídas, as quais representam tipos de contato observados desse encontro entre a pessoa presa e a autoridade judicial. São elas: olho no olho, olho na “pessoa de direito”, olho na moral, olho na tela e olho nos fatos.
3. Como o(s) contato(s) “realmente” acontece(m)
A observação sistemática das audiências de custódia permitiu perceber certos padrões de contato entre os juízes e as pessoas presas. Essas observações foram analisadas junto com as entrevistas realizadas com os juízes. A partir dessas análises, podemos dizer que foram elaborados “tipos ideais” para descrever as características de cada um desses encontros. Trata-se de recurso analítico para a construção de categorias que reúnem características que compõem cada um desses contatos, tal como o sociólogo Max Weber (1999) concebeu ao estudar os tipos ideais. Ou seja, esses tipos nos ajudam a explicar como os contatos acontecem nessas audiências, mas não correspondem exatamente à realidade, pois um tipo pode ser permeado por outro tipo. Podemos ter uma situação em que os juízes olham não apenas para a pessoa (“olho no olho”), mas também fazem uma avaliação moral da trajetória do custodiado (“olho na moral”), tudo isso em uma mesma audiência. Portanto, não se trata de dizer que os contatos seguem estritamente os tipos apresentados, mas que encontramos certa recorrência de traços que compõem esses padrões. A ideia de utilizar o “olhar” como o ponto que distingue os tipos de contato tem relação com a forma como os juízes interagem (ou não) com as pessoas presas e como isso foi captado na pesquisa de campo. O olhar a partir das diversas lentes que essa ação carrega de valores, de crenças, de indiferença ou de sensibilização. Um olhar que qualifica, seleciona, julga e, por vezes, pune antecipadamente.
É relevante ainda destacar que os trechos de entrevistas e de cadernos de campo que serão retratados nas categorias a seguir fazem parte da pesquisa que serviu como base para o presente estudo (TOLEDO, 2019).
3.1. Olho no olho
O olho no olho resulta das primeiras impressões do custodiado a partir do olhar da autoridade judicial. A audiência de custódia permitiria desconstruir eventual imagem da pessoa presa estabelecida pelo magistrado com base na leitura de dados presentes nos autos da prisão em flagrante. De acordo com o entrevistado número 3, a presença do preso representou mudança significativa “[...] porque uma coisa é você ler e imaginar, outra coisa é você olhar e ter ali elementos subjetivos que façam você interpretar o que está escrito”.
Durante o período de observação de campo na capital do estado de São Paulo foi possível notar como vasta parcela dos presos apresentava alto grau de vulnerabilidade social. Alguns dos custodiados afirmaram morar na rua, enquanto outros declararam habitar a Cracolândia, região notoriamente conhecida por abrigar pessoas dependentes do uso de entorpecentes. Para a maior parcela de juízes com atuação no Fórum Criminal da Barra Funda, o contato inicial com presos em evidente situação de hipossuficiência teria sido impactante, especialmente no que se refere à distinção entre usuários de drogas e traficantes. Segundo o entrevistado número 16, “como é que um cara que está sendo apontado como um traficante está sem tênis, descalço, esfarrapado, sem roupa?”. A custódia teria ainda permitido aos juízes notar quem eram “os grandes ‘traficantes’ de São Paulo oriundos da Cracolândia”, conforme relato do entrevistado número 15. De acordo com o magistrado, muitas dessas prisões representavam casos de usuários que precisavam vender entorpecentes no intuito de manter o próprio vício: “[...] é aquele cara que precisa vender seis, para consumir quatro para sobreviver”.
Entre as nuances geradas pela presença física da pessoa presa, o olho no olho foi considerado elemento essencial para a tomada de decisão em audiência de custódia pelo entrevistado número 2: “Eu acho que esse tipo de contato muda porque se você não tem coragem de deixar uma pessoa presa e dizer para ela olhando no olho, então tem alguma coisa errada com a sua decisão”. Conforme abordaremos a seguir, questões morais e aspectos físicos da pessoa presa também se mostraram capazes de influenciar os magistrados. Entretanto, importa notar que a adoção desses critérios para a tomada de decisão em audiência de custódia representou uma das principais críticas de juízes que não fizeram parte do primeiro grupo formado na cidade de São Paulo. Para eles, tais critérios são dotados de alta carga de subjetividade. De acordo com o entrevistado número 7, ao adotar a audiência de custódia, produzimos “[...] uma justiça absolutamente subjetiva, absolutamente vinculada à ideia de que o juiz vai olhar e vai ficar com pena”. A necessidade de adoção de critérios objetivos foi mencionada pelo entrevistado número 13, quando questionado se a reiteração delituosa poderia influenciar sua decisão:
A gente precisa tomar essas decisões por critérios objetivos. Então, assim, às vezes é um reforço de argumentação. Ah, o sujeito não é empregado, então ele vai voltar a cometer crime porque ele não tem o que fazer ou não tem de onde tirar dinheiro, é um reforço argumentativo. Mas a gente tem que decidir a possibilidade de reiteração criminosa com base em critérios objetivos, que basicamente é a reincidência. Então eu decido com base obviamente na reincidência, que é um critério legal, e eu decido com base em eventual descumprimento de medidas cautelares anteriores, muitas vezes a gente libera o indiciado, desde que ele cumpra com algumas medidas e aí ele vai preso de novo, quer dizer, as medidas que eu impus antes não foram suficientes para conter ou refrear a prática criminosa por ele, então, me acaba levando a crer que ele reiterará, então, me parece que é um critério objetivo também.
Interessante ainda notar como para alguns juízes, mesmo após anos decidindo sobre a necessidade de conversão da prisão em flagrante em preventiva tendo como base apenas documentos, a presença da pessoa presa pareceu não representar diferença para a decisão. É o caso do entrevistado número 9:
Pesquisador: O senhor lembra um pouquinho como foi sua experiência na primeira audiência de custódia?
Lembro, foi recente, inclusive, no plantão que fiz aqui no ano passado, então me lembro sim. Não faz tanto tempo.
Pesquisador: O senhor se lembra de alguns detalhes, como é que foi esta primeira experiência? Se não lembrar não tem problema...
Detalhes do caso, do processo em si, eu não me lembro, não foi nada muito fora do usual, não houve nada que me chamasse atenção dessas audiências que fiz no comecinho lá.
Importa destacar que o fato de os juízes não notarem distinção entre a primeira experiência em decidir sobre a necessidade de manutenção da prisão, contando com todos os elementos oferecidos pela presença física da pessoa presa, é em si um dado relevante de pesquisa, já que denotaria a ausência de relevância do indiciado para a tomada de decisão.
3.2. Olho na “pessoa de direito”
Além de eventuais reflexos gerados pelo contato inicial do juiz com a pessoa presa, nesse olho no olho, há outro que foi identificado no percurso da pesquisa e que se refere ao olho na “pessoa de direito”. Nesse tipo de encontro, buscamos retratar como o indiciado se comporta perante o Poder Judiciário. A confissão e o arrependimento pela prática da conduta delituosa representam alguns dos comportamentos adotados pelos custodiados. Em uma das audiências observadas na pesquisa, o preso afirmou ter sido morador de rua e usuário de drogas, entretanto sua situação teria melhorado após a decisão de voltar a morar com a mãe. Ele foi acusado de furtar barras de chocolate em um supermercado, mas relatou ter se arrependido do crime. O magistrado decidiu pela concessão de liberdade provisória e declarou que daria “um voto de confiança” ao indiciado. Esse tipo de situação também foi identificado na pesquisa de campo do pesquisador João Vitor Abreu (2018), que observou audiências de custódia na cidade do Rio de Janeiro. Segundo ele, era comum que, ao decidirem conceder a liberdade provisória, juízes manifestassem a decisão como uma “oportunidade” aos custodiados, como se eles estivessem recebendo um “favor” e que deveriam ficar gratos por isso, e não como uma decisão baseada na lei pela qual o magistrado deveria ser orientado. É como se a pessoa estivesse sendo privilegiada, em vez de ter o reconhecimento de um direito garantido. Esse tipo de interação recompõe a experiência de termos uma sociedade extremamente desigual, em que os direitos são lidos como privilégios (CALDEIRA, 2000). Conforme Kant de Lima (2004), em nossa tradição os direitos parecem passar por um processo de particularização, em que a “concessão” deles perpassa um sentido de privilégios, e não de igualdade, reconhecimento e garantia.
Alguns dos juízes entrevistados também afirmaram que a confissão e o arrependimento representaram fatores capazes de influenciar seus posicionamentos em audiência de custódia. O entrevistado número 5, integrante da primeira equipe formada na cidade de São Paulo, relatou que a pessoa presa e encaminhada à audiência optou por não mais acobertar as práticas do próprio filho e se emocionou ao confessar que os entorpecentes encontrados em sua residência pertenciam a ele. Segundo o magistrado, o choro e a indignação da indiciada ao relatar que as drogas encontradas em sua residência pertenciam ao próprio filho foram considerados determinantes para a tomada de decisão em audiência.
Segundo pesquisa realizada por Kuller (2017), a confissão da pessoa presa em audiência de custódia também possibilitou a geração de reflexos capazes de influenciar a decisão da autoridade judicial. A confissão evidenciaria a sinceridade do indiciado perante o juiz. Entretanto, casos nos quais o indiciado nega prévia confissão em delegacia de polícia são interpretados de maneira distinta pelos juízes. Segundo Jesus (2018), a chamada “confissão informal” realizada pelo preso no momento da prisão ou na delegacia é aceita como verdadeira pelos juízes e promotores, o que leva a tornar toda a narrativa do preso como falsa.
Enquanto a confissão parece gerar efeitos em casos pontuais, a reincidência representa requisito essencial para a manutenção da prisão segundo a ampla maioria dos juízes consultados. A distinção entre os posicionamentos diz respeito apenas à adoção de critérios específicos pelos magistrados. Para os entrevistados número 5, 10 e 14, a reincidência importa por se tratar de questão de “ordem pública”, prevista no artigo 312 do CPP, embora a expressão seja questionada por parte da literatura em razão de sua imprecisão (BADARÓ, 2018).
Já para o entrevistado número 4, o lapso temporal entre as condutas pode influenciar a decisão: “por vezes a pessoa ficou um tempo sem cometer crimes, então isso de certa forma é sopesado de maneira diferente da pessoa que está ali, todo dia, que está há dez anos cometendo vários, tem vários processos [...]”. Outro ponto ressaltado pelos magistrados diz respeito à reincidência específica. Segundo o entrevistado número 1, a prática do mesmo crime, bem como o descumprimento de medidas cautelares previamente estabelecidas, são motivos para a decretação da prisão, ainda que o preso seja tecnicamente primário. Já para o entrevistado número 18, a reincidência específica representa “um fator muito forte para você manter a prisão”, denotando “a necessidade de uma atuação mais dura do Estado”. Cabe destacar que, para a maioria dos entrevistados, a passagem do indiciado pela Fundação Casa – antiga Febem – também pode gerar reflexos para a tomada de decisão em audiência. Para o entrevistado número 5, se a pessoa cometeu ato infracional, significa que está reiterando a prática de crimes, enquanto para o entrevistado número 14 a infração cometida pelo adolescente pode influenciar em razão da ordem pública e periculosidade. Outros juízes afirmaram que a situação deve ser examinada caso a caso. Apenas os entrevistados número 7 e 9 afirmaram não levar em consideração quaisquer aspectos de infrações cometidas durante a adolescência, embora não tenham apresentado razões específicas para a adoção de seus posicionamentos.
O olhar na pessoa de direito ilustra como as autoridades judiciais manipulam, ajustam e mobilizam certos requisitos legais aos casos de prisão em flagrante avaliados nas audiências de custódia. A forma como consideram a confissão, o arrependimento, a reincidência, a reincidência “específica” e a passagem por medidas socioeducativas de internação entra em um cálculo considerado “objetivo” pelos magistrados. Uma visão semelhante a essa surgiu nas entrevistas realizadas por Gisi, Jesus e Silvestre (2019), em que foram identificados dois perfis de juízes: os que se autodefiniam como “técnicos”, e outros que poderiam ser chamados de “humanistas”. No primeiro grupo, há uma ideia de que o direito deve estar restrito a decisões técnicas, mobilizando critérios objetivos para a produção da decisão judicial, uma visão que dispensa o contato com a pessoa em audiência como relevante. O segundo grupo considera fundamental o contato com o custodiado para a formulação de decisões, sobretudo para serem justas, visto que olhar apenas para os antecedentes criminais pode desconsiderar a realidade em que a pessoa vive, a hipossuficiência e as consequências que uma prisão pode gerar na vida dessa pessoa.
Ao utilizar o argumento da tecnicidade, o juiz transmite a ideia de que suas decisões são formuladas de maneira imparcial, nutrindo com isso a crença da neutralidade do Direito, o chamado “mito da imparcialidade judicial”, tendo como efeito a ocultação das subjetividades, sobretudo a carga moral, que atravessaram a produção da decisão jurídica (BAPTISTA, 2013).
3.3. Olho na moral
Outro ponto que chamou a atenção na pesquisa foi a credibilidade da pessoa presa, que foi representada pela categoria olho na moral. Ao construir o perfil do custodiado, o magistrado passa a avaliar como certas características podem favorecer ou prejudicar a manutenção da prisão, a depender de sua avalição ao tomar contato com o preso. Ao exemplificar sobre a possibilidade de o juiz adentrar no mérito durante a audiência, o entrevistado número 6 acabou por retratar como certas características da indiciada teriam favorecido na concessão de sua liberdade provisória. Segundo esse juiz, a custodiada havia sido presa por portar quantidade substancial de maconha. Durante a audiência de custódia, a Defensoria Pública teria relatado que a indiciada “[...] seria uma usuária de maconha há muito tempo e que ela era uma mãe de família, então que ela não queria ir toda hora comprar maconha, então por isso ela comprava uma quantidade muito grande”. Apesar da elevada parcela de entorpecente, afirmou o entrevistado tratar-se de “mãe de família” e “funcionária pública”. Ao responder quais elementos da pessoa são considerados relevantes para compreender quem é a pessoa presa, o entrevistado número 2 manifestou-se da seguinte maneira:
Principalmente histórico da pessoa, se ele tem filhos, se ele usa drogas, se ele bebe, o grau de escolaridade dele, como que é o estado emocional dele ali na audiência, se ele é uma pessoa que está mais nervosa, se ele chora se ele não chora, mas principalmente o histórico, muitas vezes a pessoa... a maioria dos presos são usuários de drogas, nem que seja só maconha, e aí eu sempre pergunto: “O senhor usa droga? Desde quando? O senhor está na rua? Não está na rua?” Então vendo se ele está numa situação de vulnerabilidade social você acaba entendendo melhor se a prisão vai ser uma solução para evitar uma reiteração criminosa ou vai ser simplesmente uma colocação daquela pessoa numa situação mais perigosa. Ou senão um menino de dezoito, dezenove anos que nunca foi preso nunca passou em uma Fundação Casa, mas vai ser incluído dentro do meio prisional que a gente sabe que é bastante complicado, se ele vai entrar para universidade do crime ou não. Se ele já está inserido naquele meio criminoso isso a gente consegue pegar muito pela presença ali: tatuagem, corte de cabelo, linguagem, expressão, quando mentem:
“– Já passou na infância?
– Não.”
A gente sabe que é mentira porque assim que eles entram na sala eles já falam: “Boa tarde, senhor, com licença, senhor.” Se começa com esse discurso típico do adolescente que já passou pela Fundação Casa, a gente sabe que é mentira. Então também até para ver se ele mente nesse ponto porque a gente tem condições de saber.
Nota-se que elementos como corte de cabelo, tatuagem e linguagem são considerados determinantes para adequar a pessoa no perfil de criminoso.10 Ademais, segundo o entrevistado, a maior parte dos presos é usuária de drogas, “nem que seja só maconha”.
Ao serem questionados se as tatuagens dos custodiados poderiam de alguma forma influenciar a decisão sobre a manutenção da prisão, a maior parte dos entrevistados ressaltou que não influenciam o juiz. Segundo o entrevistado número 12, as preferências estéticas do indiciado não podem influenciar o magistrado: “Não, não influencia, mesmo porque hoje tem grandes tatuadores, grandes estilistas, pessoas de todos os níveis, classes sociais, tatuados, não pode interferir, assim, um preconceito, ou uma preferência estética do juiz não pode interferir no julgamento de uma pessoa, né?”. O entrevistado número 17 afirmou nem sequer questionar se o custodiado possui tatuagem; entretanto, ressaltou que no início das audiências de custódia os promotores perguntavam o significado de algumas delas, especialmente as que teriam alguma conexão com o universo do crime:
Tatuagem para mim não influencia. Eu nem pergunto. É interessante essa pergunta porque no começo tinham alguns promotores que ficavam perguntando para os presos: “Ah, você tem carpa? Tem palhaço?” Porque tem toda uma simbologia, né? Já matou polícia é (artigo) 157.
Apesar de a ampla maioria dos entrevistados ter negado sofrer influência em razão de tatuagens exibidas pelos custodiados, a observação de campo revelou que magistrados questionaram por diversas vezes quantas tatuagens o indiciado possuía, bem como seu significado. Tais situações foram notadas em audiências dos dias 6 e 7 de fevereiro de 2018. Em praticamente todas as audiências acompanhadas no dia 7 de fevereiro o magistrado buscou informações sobre as tatuagens da pessoa presa.
Essa questão da avaliação moral realizada pelos juízes nas audiências de custódia também foi destacada por outras pesquisas.11 Segundo Bandeira e Jesus (2016), as audiências de custódia evidenciam vícios já muito conhecidos daqueles que atuam no sistema de justiça criminal. As perguntas realizadas às pessoas presas não visam apenas conferir as informações que constam nos autos de prisão em flagrante; há, para além disso, uma vontade de saber que constitui a espinha dorsal da audiência. Ser preso ou ser solto depende de uma combinação de elementos que levam em conta a “construção de trajetórias biográficas e as operações de controle social” (ADORNO, 1994, p. 145). Decidir o futuro da pessoa presa parece estar condicionado a uma operação de duas ordens de motivação: a ordem burocrática (baseada em um ajustamento do caso às normas jurídicas) e a ordem de “móveis subjetivos” (em que se levam em conta as trajetórias e a biografia do acusado) (BANDEIRA e JESUS, 2016).
Perguntas sobre a vida pessoal do/a preso/a podem ser convertidas a um critério de manutenção da prisão ou não. O juiz constrói um retrato moral do custodiado a partir das suas respostas. A régua utilizada para definir entre a prisão ou a liberdade parece levar em conta concepções sobre família, filho, trabalhador, mãe, pai, “cidadão de bem” dos juízes e juízas que estão avaliando o caso (BANDEIRA e JESUS, 2016). Essa prática não é novidade no sistema de justiça brasileiro, tampouco surge com as audiências de custódia. Há anos pesquisadores já têm demonstrado que as audiências judiciais constituem arenas morais, em que pessoas são julgadas não apenas por suposta autoria de crimes, mas por seu modo de vida (CORRÊA, 1983; ADORNO, 1994).
Além disso, algumas pesquisas têm discutido o quanto as audiências de custódia reforçam “estereótipos sociais” e como eles são operacionalizados no processo de produção da decisão judicial (LAGES e RIBEIRO, 2019; FERREIRA, 2017; ABREU, 2018). Outra importante questão relacionada ao olho na moral diz respeito a certos marcadores sociais, como gênero e raça. Segundo apontado pela pesquisa de Lages e Ribeiro (2019, p. 1): “dimensões como o sexo e a cor da pele aumentam a chance de prisão em detrimento da liberdade provisória. Logo, as Audiências de Custódia reforçam a seletividade policial e os estereótipos sociais do ‘elemento suspeito’”. As narrativas policiais e a forma como esses agentes conduzem os flagrantes não são objeto de questionamento dos juízes, tampouco dos promotores, havendo uma presunção de veracidade que descarta qualquer possibilidade de analisar se aquela prisão foi motivada por critérios alheios à lei (JESUS, 2018). De acordo com estudo do IDDD (2019) realizado em 13 cidades de 9 estados do país, “[...] a raça também se manifesta como possível marcador de desigualdade nos resultados das audiências de custódia” (IDDD, 2019, p. 15). A amostra pesquisada revelou que 64,1% das pessoas que passaram pelas audiências de custódia eram negras. O perfil do custodiado, de acordo com o estudo, é de “um homem jovem, negro, solteiro, que não concluiu o Ensino Fundamental e sem renda fixa” (IDDD, 2019, p. 15). É de se notar que a mesma pesquisa também demonstrou como mulheres grávidas continuam sendo encarceradas mesmo após o STF ter concedido habeas corpus coletivo favorecendo gestantes ou presas com filhos de até 12 anos (IDDD, 2019). Ademais, em muitos casos a custodiada não foi questionada sobre eventual gestação durante a realização da audiência de custódia.
3.4. Olho na tela
A próxima categoria foi denominada olho na tela, e representa a atuação protocolar de boa parte dos juízes observados durante a pesquisa de campo. Em muitas das audiências acompanhadas, os juízes prestaram pouca atenção à pessoa presa. Na ampla maioria, enquanto o promotor e o defensor público – ou o advogado constituído, em alguns casos – se manifestavam oralmente, os magistrados dificilmente olhavam para esses atores ou mesmo para os custodiados. Em regra, os olhares estavam sempre fixados na tela do computador.
Em uma das audiências observadas na pesquisa, notou-se como a autoridade judicial nem sequer olhou quem era a pessoa presa durante todo o curso da audiência. Ao final, por não manifestar verbalmente sua decisão, somente foi possível notar que a prisão preventiva havia sido decretada porque o assistente do juiz realizou uma ligação telefônica para o setor do fórum responsável pela detenção dos custodiados. Situação semelhante foi observada em outra audiência, em que a autoridade judicial solicitou a todos os custodiados a saída da sala ao término da audiência sem informar o teor da decisão. Um dos presos questionou se “responderia na rua”, contudo o juiz se limitou a dizer que ele seria informado ao lado de fora da sala sobre a decisão.
Notamos ainda que o excesso de formalismo, bem como o uso de linguagem técnica, muitas vezes dificultou o entendimento da pessoa presa sobre os objetivos da custódia. Em uma das audiências acompanhadas, após a decisão que concedeu a liberdade provisória cumulada com medida cautelar diversa da prisão, o preso solicitou ao juiz que esclarecesse uma dúvida. Contudo, antes de terminar sua manifestação, foi abruptamente interrompido pelo juiz, o qual ressaltou que os esclarecimentos seriam feitos pela Defensoria Pública ao lado de fora da sala. Além da ausência de empatia pelo custodiado, notou-se ainda cenário no qual a decisão judicial estava sendo impressa antes mesmo de o preso adentrar à sala de audiência. No caso, após conversar com os custodiados no corredor ao lado de fora da sala de audiência, o defensor público retornou e informou ao juiz que os presos possuíam advogado constituído, razão pela qual estava receoso em defender os custodiados. Instaurada a dúvida sobre a realização da audiência naquele momento ou somente com a chegada do advogado, a autoridade judicial informou que o ato poderia ser realizado naquele momento, pois sua decisão já estava pronta. Cabe ressaltar que, embora tenha sido concedida liberdade provisória aos custodiados, não é possível afirmar se decisões convertendo a prisão provisória em preventiva também não estavam sendo tomadas pelo juiz antes mesmo do início da audiência.
O olho na tela expressa um cotidiano comum das audiências de custódia e evidencia a necessidade que os atores do sistema de justiça têm de encerrar com rapidez as atividades do dia, o que significa reduzir qualquer tipo de situação que vá gerar demora ou interromper o ritmo de trabalho que se pretende célere. O grande número de flagrantes realizados por dia é apontado pelos magistrados como fator central para justificar a rapidez com a qual precisam fazer as audiências (TOLEDO, 2019). A falta de interação com as pessoas presas e, por vezes, a tomada de decisões antes mesmo da realização das audiências seriam apresentadas como necessárias para o juiz “dar conta” da pauta do dia (TOLEDO, 2019).
O pesquisador João Vitor Abreu (2018) também se deparou com cenário semelhante em sua observação das audiências de custódia no Rio de Janeiro. Logo em suas primeiras observações, percebeu a questão da “agilidade das audiências”, e que em grande parte dos casos as decisões já eram produzidas antes mesmo da entrada da pessoa presa na audiência de custódia (ABREU, 2018, p. 14). Ele observou que os juízes achavam bons os defensores que falavam pouco e eram rápidos em suas manifestações. De acordo com Lages e Ribeiro (2019), a audiência de custódia é, assim como outras audiências, permeada por uma “cultura jurídica que compromete a atividade do defensor, uma vez que engendra uma espécie de procedimento padrão que o deixa de fora”, visto que é preciso “reduzir ao máximo o tempo da audiência e, a partir de uma lógica de linha de montagem, garantir que as prisões preventivas possam ser aplicadas àqueles que parecem ser perigosos à ordem social” (LAGES e RIBEIRO, 2019, p. 29).
Ao que parece, a audiência de custódia, apesar de todo o potencial de conferir o contato da pessoa presa com os atores do sistema de justiça e a possibilidade de averiguação de violência policial, transformou-se em um procedimento padrão, tornando-se apenas uma etapa pré-processual (SILVESTRE, JESUS e BANDEIRA, 2020), que tem como foco dar conta de realizar as audiências com celeridade, o que transforma a decisão judicial em uma lógica de produtividade (FERREIRA, 2017).
Cabe ainda destacar que, segundo pesquisa encomendada pelo CNJ e conduzida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a audiência de custódia não foi capaz de promover a redução do número de prisões provisórias. De acordo com o estudo, “dos seis estados pesquisados houve crescimento do percentual de presos provisórios no sistema no período de dezembro de 2015 a junho de 2016”. Além de São Paulo, foram pesquisados os estados do Distrito Federal, da Paraíba, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e de Tocantins (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2018, p. 48).
3.5. Olho nos fatos
A última categoria é representada pelo olho nos fatos, ou seja, a audiência de custódia permitiria ao magistrado obter não só a versão colhida pela autoridade policial durante sua abordagem, mas também dados oferecidos pela presença da pessoa presa. O entrevistado número 1 aponta como o contato permite que dados descritos no papel possam ser confrontados com elementos apresentados pelo indiciado:
Pesquisador: O outro elemento que o senhor mencionou bastante é a passagem anterior pelo sistema criminal, né? Então a FA (folha de antecedentes) é o elemento documental que o senhor teria no flagrante independente da custódia, mas na audiência é possível acessar mais sobre a biografia, né, do custodiado, da custodiada?
Sim, porque às vezes a FA, ela não é fidedigna. Ela não representa a realidade dos antecedentes criminais. E a partir de um dado que ele fala é possível acessar o sistema e verificar se realmente aquilo é verídico ou não, né? Às vezes ele fala alguma coisa que você vai olhar de novo, e aí verifica realmente o que ele está falando é verdade.
Em entrevista, o magistrado afirmou que muitos dos documentos encaminhados ao juiz são rasos e contam com cópia de depoimentos de policiais. Nesses casos, “o flagrante perde a sua força, e o homem, o ser humano, com a sua voz, ganha credibilidade”. O entrevistado retratou ainda um caso no qual a narrativa policial constante dos autos ressaltava como o custodiado teria fugido de diversos agentes antes de ser preso pela suposta prática de tráfico de entorpecentes. Em audiência, o juiz afirmou que o indiciado deveria ter cerca de 60 anos, porém aparentava ser mais velho. Ademais, relatou que o preso “veio escoltado com máscara porque era suposto tuberculoso, então, olhando friamente, nós víamos praticamente um atleta jamaicano que quase conseguiu enganar os policiais e, do outro, fisicamente você via um cara que padecia muito”. Vale ressaltar que o cenário apontado pelo juiz se assemelha à cena inicial do documentário “Justiça”, na qual pessoa presa em flagrante na cidade do Rio de Janeiro é cadeirante e, ao prestar esclarecimentos sobre as circunstâncias envolvendo seu encarceramento, salienta que não seria capaz de praticar as condutas relatadas pelos policiais militares, como pular o muro de uma residência com o objetivo de cometer delitos (JUSTIÇA, 2014).
Há toda uma discussão polêmica sobre a possibilidade de se entrar no mérito dos casos em audiências de custódia. Por um lado, existe uma preocupação acusatorial, de que a pessoa presa tenha seus direitos preservados e não corra o risco de produzir provas contra si mesma. Por outro, muitas vezes a menção aos fatos pode significar o esclarecimento de situações que implicariam a concessão de liberdade provisória à pessoa presa. O fato é que a pessoa que tenta se manifestar nessas audiências é, via de regra (salvo algumas exceções), interrompida de forma abrupta pelos juízes, que alegam não poder entrar no mérito porque a audiência não pretende analisar o crime, mas se a pessoa vai responder ao processo presa ou solta. Contudo, em alguns casos, falar sobre o que aconteceu pode fazer toda a diferença para essa decisão, sobretudo nos casos de tráfico de drogas (JESUS, 2018).
4. “Olhares” que julgam e punem
Apesar de alguns juízes afirmarem que o contato nas audiências de custódia é importante, sobretudo para a tomada de decisões mais “justas”, outros consideram essa relação dispensável. Os discursos produzidos sobre essas audiências pelos magistrados não são, portanto, unanimidade. Há uma heterogeneidade de percepções sobre esse dispositivo que deve ser considerada quando analisamos o papel da audiência de custódia no cumprimento dos princípios aos quais ela foi idealizada.
Quando descrevemos os tipos de contatos que ocorrem nas audiências de custódia, algo aparece como comum a todos eles: a completa ausência do ponto de vista da pessoa presa. Seu olhar não é considerado, de fato, relevante, mesmo quando os juízes acham importante ter diante de si a pessoa presa para a tomada de decisão. Exceto quando o custodiado tem que responder às perguntas formuladas pelos atores do sistema de justiça, em nenhum momento ela tem direito de se manifestar livremente. Quando tenta fazê-lo, é automaticamente repreendida. Ou seja, a quem mais importa aquela audiência, a voz é negada. Temos praticamente apenas um ponto de vista: o do olhar do julgador. O da pessoa presa é considerado apenas quando inserido no cálculo de decisões burocrática e/ou de avaliação de confiança/desconfiança. O preso parece ser apenas um objeto de avaliação, sem voz e quase sem direitos, mesmo quando assistido por alguém responsável por sua defesa. Por vezes, o próprio advogado ou defensor orienta a pessoa a não se manifestar na audiência, porque isso é visto como prejudicial ao caso. O juiz pode “se irritar” e isso pode impactar na sua decisão (TOLEDO, 2019). Conforme apontado por Carolina Ferreira (2017), o momento de encontro proporcionado pelas audiências de custódia entre as pessoas presas e os atores do sistema de justiça poderia ser uma oportunidade de “descoberta” e “(re)conhecimento de uma diferente história”. Contudo, a narrativa do custodiado é praticamente desconsiderada. “A cultura punitiva supera as expectativas de um encontro que deveria produzir novas informações, novos sentidos” (FERREIRA, 2017, p. 296).
A questão do contato entre cidadãos e autoridades públicas e da importância da qualidade dessa interação para a construção da legitimidade das instituições vem sendo tema de pesquisa em alguns países, como Estados Unidos e Inglaterra. Uma das referências mais citadas com relação a esse tema é Tom Tyler (1990, 2006 e 2007). No Brasil, uma pesquisa dessa mesma natureza vem sendo realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), e tem como um de seus recortes de estudo a legitimidade das instituições do Estado, entre elas, o Poder Judiciário (NEV-USP, 2019). A noção de legitimidade utilizada nesse estudo tem como pressuposto uma discussão empírica sobre a centralidade da relação entre cidadãos e servidores do Estado para a constituição da autoridade, que resulta em obediência e dispensa o uso da força (TYLER, 1990, 2006 e 2007), baseada no modelo da justeza procedimental (procedural justice model), no qual a percepção da autoridade como legítima é fortemente influenciada pela avaliação que os cidadãos fazem do tratamento recebido por ela (TYLER, 2003, p. 284). Nessa perspectiva, a legitimidade é o resultado de uma inter-relação entre os cidadãos e os servidores públicos, avaliada pelo tratamento justo, com direito a voz, igualitário e transparente, baseado em uma comunicação acessível e respeitosa dos agentes do Estado.
Na perspectiva da justeza procedimental, o contato nas audiências de custódia permitiria não somente acessar o contexto em que o custodiado está inserido e entender o que está acontecendo naquele caso específico, mas também o inserir na formulação da decisão, na medida em que ele participaria da audiência exercendo seu direito de ter voz, algo que faria todo o sentido, uma vez que o desfecho do caso impacta diretamente sua vida. A audiência de custódia seria um ponto de reflexão interessante para avaliar essa interação, porque permitiria uma inversão: em vez de o juiz ver mais o caso do que a pessoa (como ocorre tradicionalmente), passaria a enxergar primeiro a pessoa e depois o caso (GISI, JESUS e SILVESTRE, 2019, p. 264).
Contudo, nosso artigo mostra que as pessoas presas raramente são ouvidas na audiência de custódia. Há um tipo de “escuta seletiva” (TOLEDO, 2019), em que questionamentos são realizados apenas com objetivo de extrair do custodiado as informações necessárias para a produção de decisão judicial, em determinada racionalidade já estabelecida. Conforme retrata a pesquisa que descrevemos neste artigo, as audiências de custódia revelam uma diversidade de interações que ora considera relevante a presença da pessoa presa, ora desconsidera esse contato para a tomada de decisão.
É preciso considerar também que há diferenças muito relevantes a respeito do funcionamento das organizações do sistema de justiça criminal em países como Estados Unidos e Inglaterra, com relação ao Brasil. Segundo Kant de Lima (1995 e 2004), a justiça criminal aqui mescla modelos repressivos de controle social com formas inquisitoriais de produção da verdade jurídica, o que aprofunda ainda mais nossas relações de desigualdades sociais, sobretudo a jurídica. Nesse sentido, falar de legitimidade das instituições nesse contexto exige de nós compreender de que maneira a autoridade é vista pela população. Luís Roberto Cardoso de Oliveira (2011) já apontava as limitações em comparar contextos muito diversos de concepções de igualdade e cidadania vigentes em países como Estados Unidos, por exemplo, com a realidade brasileira.
O Brasil mescla uma visão republicana, igualitária e democrática com uma sociedade extremamente desigual e piramidal, que mistura princípios constitucionais liberais-igualitários com um sistema judiciário hierárquico. De acordo com Kant de Lima (2004, p. 57), o controle social em um contexto como esse tem por objetivo manter o status quo, utilizando-se, para isso, da força repressiva, “sob pena de desmoronar toda a estrutura social”. Nesse sentido, não se pretende que as pessoas internalizem as regras, como Tyler e outros autores afirmam ao descreverem os pressupostos da legitimidade, mas sim manter a hierarquia, pois a aplicação das leis não será universal, mas escalonada de acordo com a inserção social do indivíduo nessa pirâmide, uma vez que as regras são aplicadas de maneira desigual.
Nesse sentido, o “contato não é valorizado como meio de promover a legitimidade do sistema de justiça pela garantia de um tratamento justo e equitativo. A finalidade do contato é, como visto, oferecer mais elementos para o juiz julgar a particularidade do caso” (GISI, JESUS e SILVESTRE, 2019, p. 267). Caberia então perguntarmos: Que tipo de legitimidade é construída a partir de uma relação que pressupõe a desigualdade, o controle do direito de voz e o julgamento moral? Em que medida podemos falar de legitimidade em um sistema que reproduz o autoritarismo?
As audiências de custódia não estão alheias à cultura jurídica que permeia nosso sistema de justiça criminal (KANT DE LIMA, 2004; OLIVEIRA, 2011), ainda que seja considerada um dispositivo desencarcerador (FERREIRA, 2017; KULLER, 2017; KULLER e DIAS, 2019). A principal preocupação dos juízes não parece ser realmente a de produzir uma decisão mais justa para a pessoa presa, uma vez que ela nem participa desse processo ou, quando participa, é para fornecer informações que serão utilizadas na decisão judicial. Os olhos da justiça parecem voltados para o próprio Poder Judiciário, na sua capacidade de produzir decisões, que têm como argumento a “garantia da ordem”, da “defesa da sociedade” e a punição como uma forma de “proteger a população do crime”, como se isso garantisse a sua própria legitimidade (JESUS, 2018). Nessa perspectiva, o contato com a pessoa presa e a sua participação no processo decisório não são considerados relevantes para a constituição da autoridade, tampouco fonte de legitimidade. O que se tem é a produção do poder punitivo, em uma ideia de que a prisão é um recurso necessário para a manutenção do controle social e da ordem pública (JESUS, 2018).
Considerações finais
Entre as maiores dificuldades para que o instituto da audiência de custódia alcance suas potencialidades, podemos citar a adoção de linguagem técnica, bem como a indiferença retratada por boa parte dos profissionais envolvidos, os quais preferem se ater essencialmente aos dados previstos nos autos processuais. Segundo estudo resultante da parceria entre o Departamento Penitenciário Nacional e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, de autoria de Paula R. Ballesteros, as audiências parecem estar “mais voltadas ao cumprimento do ritual que lhes foi imposto do que para averiguar a real necessidade de manutenção da prisão e as reais circunstâncias da prisão” (2016, p. 44). Relatório publicado pelo IDDD em 2019 destacou que avanços “continuam ofuscados pela tímida contribuição das audiências de custódia para o desencarceramento e a efetividade da Justiça” (2019, p. 33). Cenário similar foi apontado na dissertação de mestrado Audiências de custódia: um ponto de inflexão no sistema de justiça criminal? (KULLER, 2017), a qual teve início no ano de 2015 e adotou como locus o Fórum Criminal da Barra Funda. Em suas considerações finais após a pesquisa de campo, a autora ressaltou como certos magistrados se mostravam “[...] aparentemente impermeáveis a qualquer tipo de informação ou argumento trazido pela Defesa ou mesmo pelo próprio preso, como se realizassem apenas um procedimento pró-forma [...]” (KULLER, 2017, p. 123). De acordo com a autora, tal posicionamento é mantido primordialmente pela crença nos dados registrados no auto de prisão em flagrante. Conforme também observado no presente artigo, embora a audiência de custódia represente um dos poucos atos estritamente orais previstos em nosso sistema processual, as partes demonstraram dificuldade em atuar sem a leitura dos autos.
Importa destacar que a Resolução n. 213 do CNJ não permite que questões de mérito sejam abordadas durante a audiência, motivo pelo qual parcela da literatura entende que a norma violaria a liberdade do sujeito preso de expor fatos que poderiam influenciar no convencimento do juiz (FLAUSINO, 2017; PAIVA, 2018). Nota-se ainda suposta ambiguidade em relação ao uso de argumentos que envolvem o mérito, visto que, embora possam não ser aceitos para consubstanciar a defesa, acabam por vezes sendo adotados para justificar a prisão (ABROMOVAY e RECONDO, 2016). A viabilidade de análise do mérito representa tema relevante, o qual demanda aprofundamento; contudo, nesta oportunidade não trataremos da questão.
A despeito das ambivalências abordadas, a audiência de custódia representa um avanço ao permitir que o magistrado note quem é, de fato, a pessoa antes retratada apenas no papel. Contudo, para que o instituto seja capaz de cumprir com os objetivos imaginados por seus idealizadores e defensores, é necessário que não assuma uma função meramente burocrática. Além da atenção em relação a eventuais marcas físicas decorrentes de abuso durante a abordagem policial, entendemos primordial não só que a narrativa do custodiado seja ouvida pelo juiz, como também passe a ser confrontada com aquela oferecida pela autoridade judicial. A aplicação dessas práticas, a adoção de uma linguagem menos técnica, assim como a atualização dos atores do sistema de justiça criminal por meio de cursos periódicos parecem se mostrar alternativas significativas para o amadurecimento do instituto.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo apoio financeiro (Código de Financiamento 001) à dissertação de mestrado “O flagrante ganha voz?”: os significados da presença da pessoa presa nas audiências de custódia no estado de São Paulo, que influenciou o presente artigo. Agradecem também à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e aos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cedip) (Processo Fapesp 13079237) pelo apoio financeiro à pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP).
REFERÊNCIAS
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ABROMOVAY, Pedro; RECONDO, Felipe. Banalidade do réu: um dia de observação das audiências de custódia. Um olhar etnográfico. Jota, 19 jul. 2016. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/especiais/banalidade-reu-um-dia-de-observacao-das-audiencias-de-custodia-19072016 Acesso em: 20 jan. 2021.
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AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli (coord. geral) et al. Justiça Pesquisa: direitos e garantias fundamentais: audiência de custódia, prisão provisória e medidas cautelares: obstáculos institucionais e ideológicos à efetivação da liberdade como regra. Sumário Executivo. Conselho Nacional de Justiça, 2017. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/01/FBSP_Direitos_Garantias_Fundamentais_Audiencia_Custodia_2017_Sumario.pdf Acesso em: 20 jan. 2021.
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- WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas ciências sociais. Weber-Sociologia. [S. l: s. n.], 1999.
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1
O artigo é o desdobramento de análises realizadas na pesquisa de mestrado de Fabio Lopes Toledo (2019), “O flagrante ganha voz?”: os significados da presença da pessoa presa nas audiências de custódia no estado de São Paulo. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace;/bitstream/handle/10438/27418/DISSERTAC%cc%a7A%cc%83O%20-%20FABIO%20LOPES%20TOLEDO%20-%20ARQUIVO%20PARA%20ALTERA%c3%87%c3%83O.Pdf?sequence=4&isAllowed=y. Acesso em: 19 dez. 2020.
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Estamos cientes da existência de diversas autoridades judiciais do sexo feminino, contudo optamos por utilizar o masculino universal, já que o Poder Judiciário paulista é predominantemente formado por magistrados do sexo masculino.
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É de se notar que, a fim de evitar repetições desnecessárias, as citações diretas que contenham trechos de entrevistas colhidas durante a pesquisa de campo não contarão com o nome do autor e a data, visto que todas elas fazem parte do mesmo trabalho.
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Ver as pesquisas de IDDD (2016, 2017, 2019), Azevedo et al. (2017), Ballesteros (2016), Bandeira (2018), Kuller (2017), Kuller e Dias (2019), Jesus (2018), Toledo (2019), Ferreira (2017), Abreu (2018) e Lages e Ribeiro (2019).
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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm. Acesso em: 5 out. 2020.
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Conforme estabelecido pelo artigo 310 do Código de Processo Penal (CPP): “Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). I – relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011)” (BRASIL, 1941).
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Realizadas entre os meses de outubro e dezembro de 2017.
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A pesquisa respeitou o anonimato dos magistrados. Ressaltamos que durante a pesquisa todos os entrevistados receberam carta-convite, bem como assinaram o devido Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
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Cabe destacar que o primeiro grupo de magistrados formado para atuar nas audiências de custódia na capital foi substituído pela nova corregedora do Dipo no início de 2018.
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Aqui, podemos trabalhar também com a ideia de “sujeição criminal” (MISSE, 2010b), que consiste em processos de rotulação, estigmatização e tipificação em que determinadas pessoas são vigiadas e enquadradas como criminosas por apresentarem certas características sociais, como se o crime estivesse impresso “em sua própria alma; não é alguém que comete crimes, mas que sempre cometerá crimes, um bandido, um sujeito perigoso, um sujeito irrecuperável” (MISSE, 2010a, p. 19), “numa única identidade social, especificamente ligada ao processo de incriminação e não como um caso particular de desvio” (MISSE, 2010b, p. 23).
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Ver as pesquisas de IDDD (2016, 2017, 2019), Azevedo et al. (2017), Ballesteros (2016), Bandeira (2018), Kuller (2017), Kuller e Dias (2019), Jesus (2018), Toledo (2019), Ferreira (2017), Abreu (2018) e Lages e Ribeiro (2019).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Mar 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
09 Mar 2020 -
Aceito
17 Dez 2020