Resumo
Objetivo analisar a prevalência de multimorbidade em idosos e seus fatores associados.
Método estudo transversal, parte de uma coorte de base populacional, realizado em Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Realizou-se uma amostragem probabilística, por conglomerados, em dois estágios: por setor censitário e por domicílios, segundo a densidade populacional de idosos. A variável dependente foi a multimorbidade, considerando o acúmulo simultâneo de duas ou mais e três ou mais doenças crônicas em idosos comunitários. Foram estimadas as razões de prevalência por meio da regressão de Poisson, com variância robusta. Resultado: a prevalência de multimorbidade em idosos, com duas ou mais e três ou mais doenças crônicas, foi de 67,8% e 43,4%, respectivamente. Após análise múltipla, o sexo feminino (RPaj=1,15; IC95% 1,04-126)/(RPaj=1,19; IC95%108-1,31), a fragilidade (RPaj=1,15; IC95%1,05-1,27)/(RPaj= 1,28; IC95% 1,16-1,41) e a realização de consulta médica nos últimos 12 meses (RPaj=1,25; IC95%1,06-1,47)/(RPaj=1,22; IC95% 1,06-1,41) relacionaram-se à multimorbidade, tanto com duas ou mais, quanto com três ou mais doenças crônicas, respectivamente. A autopercepção de saúde ruim (RPaj=1,20; IC95%1,09-1,32) associou-se à multimorbidade com duas ou mais doenças crônicas, enquanto não possuir plano de saúde particular (RPaj=1,14; IC95%1,04-1,25) foi associado à multimorbidade com três ou mais doenças crônicas.
Conclusão A prevalência de multimorbidade foi alta em idosos comunitários, considerando duas ou mais e três ou mais doenças crônicas. O conhecimento dessas condições pode auxiliar nas ações de promoção, prevenção e vigilância em saúde de idosos comunitários.
Palavras-Chave: Envelhecimento; Multimorbidade; Doenças crônicas; Idoso; Epidemiologia; Fatores de risco
Abstract
Objective to analyze the prevalence of multimorbidity in the elderly and its associated factors.
Method cross-sectional study, part of a population-based cohort, carried out in Montes Claros, Minas Gerais, Brazil. A probabilistic sampling was carried out, by conglomerates, in two stages: by census sector and by households, according to the population density of the elderly. The dependent variable was multimorbidity, considering the simultaneous accumulation of two or more and three or more chronic diseases in community-dwelling elderly. Prevalence ratios were estimated using Poisson regression, with robust variance.
Result the prevalence of multimorbidity in the elderly, considering two or more and three or more chronic diseases, was 67.8% and 43.4%, respectively. After multiple analysis, the female sex (PRaj=1.15; 95%CI 1.04-126)/(PRaj=1.19; 95%CI108-1.31), frailty (PRaj=1.15; 95%CI 1.05-1.27)/(PRaj= 1.28; 95%CI 1.16-1.41) and medical consultation in the last 12 months (PRaj=1.25; 95%CI 1.06-1 .47)/(PRaj=1.22; 95%CI 1.06-1.41) were associated with multimorbidity, both with two or more and with three or more chronic diseases, respectively. Poor self-perception of health (PRaj=1.20; 95%CI1.09-1.32) was associated with multimorbidity with two or more chronic diseases, while not having a private health plan (PRaj=1.14; 95%CI1.04-1.25) was associated with multimorbidity with three or more chronic diseases.
Conclusion The prevalence of multimorbidity was high in community-dwelling elderly, considering two or more and three or more chronic diseases. Knowledge of these conditions can help in health promotion, prevention and surveillance actions for community-dwelling elderly people.
Keywords Aging; Multimorbidity; Chronic diseases; Elderly; Epidemiology; Risk Factors
Introdução
O envelhecimento populacional decorrente do declínio da fecundidade e da redução da mortalidade proporcionou uma mudança no perfil epidemiológico da população1. Junto à maior expectativa de vida, uma carga de doenças e agravos não transmissíveis também sobrevieram, ocasionando a multimorbidade em idosos e, consequentemente, uma maior demanda por serviços de saúde2.
A multimorbidade pode ser definida como a presença de duas ou mais doenças crônicas simultaneamente no mesmo indivíduo³,4 . Porém, outros autores consideram essa condição como a presença de três ou mais condições crônicas. Há uma diversidade na concepção dessa condição no que diz respeito ao número de doenças crônicas. Essa variedade metodológica e a ausência de um consenso na sua definição originam desigualdades nas estatísticas de prevalência5,6.
A multimorbidade piora a qualidade de vida, eleva o risco de morte e se torna também um desafio para os serviços de saúde, devido aos maiores custos com consultas médicas e internações prolongadas7. Por sua prevalência e gravidade, a prevenção e o acompanhamento da multimorbidade têm se tornado uma prioridade para a saúde pública3,4. A prevalência dessa condição em idosos é alta, com um percentual que pode atingir mais de 50%, considerando a presença de duas ou mais doenças crônicas, com tendência a aumentar com o envelhecimento populacional8.
Diante desse importante desafio para a saúde pública, sobretudo a multimorbidade em idosos, justifica-se a necessidade de estudos que possam ampliar a discussão, com vistas ao aprimoramento dos cuidados à saúde da pessoa idosa. Os aspectos relacionados a essa condição são considerados indicadores essenciais para avaliar a saúde de idosos, assim como oferecer informações imprescindíveis para a elaboração de políticas públicas, contribuir para ampliar a reflexão acerca do planejamento em saúde e auxiliar a compreensão acerca da magnitude da multimorbidade em âmbito nacional9. Ademais, os resultados nos permitirão conhecer as características sociodemográficas dos idosos portadores de multimorbidades e suas condições de saúde e, assim, possibilitar a formulação de estratégias voltadas para a prevenção e vigilância desses agravos para os idosos comunitários. Além disso, esta pesquisa poderá agregar conhecimento às demais contribuições científicas, visto que boa parte dos autores que se propuseram a estudar esse tema o fizeram em populações de pequeno porte. Este estudo apresenta o seguinte questionamento: Qual é a prevalência de multimorbidade em idosos e seus possíveis fatores determinantes? A partir desse questionamento, desenha-se uma ampla discussão sobre a multimorbidade, que representa o acúmulo de duas ou mais e três ou mais doenças. Permite-se, assim, uma análise mais completa e profunda sobre a temática.
Nesse contexto, este estudo tem por objetivo analisar a prevalência de multimorbidade em idosos e seus fatores associados.
Método
Trata-se de um estudo transversal alinhado a uma coorte de base populacional, de caráter analítico e domiciliar. O estudo foi desenvolvido com idosos comunitários na cidade de Montes Claros, localizada no Norte de Minas Gerais, Brasil. O município conta com uma população estimada em 2021 de aproximadamente 417.478 habitantes e representa o principal polo urbano regional10.
O tamanho da amostra na linha de base foi calculado para estimar a prevalência de cada desfecho em saúde investigado no inquérito epidemiológico, considerando uma população estimada de 30.790 idosos, residentes na região urbana, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com um nível de confiança de 95%, uma prevalência conservadora de 50% para os desfechos desconhecidos e um erro amostral de 5%. Por tratar-se de amostragem por conglomerados, o número identificado foi multiplicado por um fator de correção e efeito de delineamento (deff) de 1,5% e acrescido de 15% para eventuais perdas. O número mínimo de idosos definido pelo cálculo amostral foi de 656 pessoas.
Na linha de base do estudo, ocorrido entre maio e julho de 2013, o processo de amostragem foi probabilístico, por conglomerados e em dois estágios. No primeiro estágio, o setor censitário foi utilizado como unidade amostral. No segundo estágio, foi definido o número de domicílios, conforme a densidade populacional de idosos com idade maior ou igual a 60 anos.
A fim de dar continuidade à investigação de saúde desses idosos, foi realizada a primeira onda do estudo, entre os meses de novembro de 2016 e fevereiro de 2017, configurando o segundo estágio. Nessa etapa, o domicílio de todos os idosos que participaram na linha de base foi considerado elegível para outra entrevista.
A população da presente investigação é composta pelos idosos que permaneceram no estudo durante o seguimento da primeira onda. A opção por trabalhar com a população da primeira onda se deve a esses dados serem mais recentes. A fim de garantir representatividade semelhante entre a população da linha de base e a da primeira onda, foi realizada a análise de perda diferencial por meio do teste qui-quadrado de Pearson.
Destaca-se que, ao se optar por trabalhar com os idosos que permaneceram no estudo, não há comprometimento em relação ao seu poder estatístico, já que a quantidade de idosos que se mantiveram na investigação é superior ao número mínimo amostral para estudos de prevalência. Isso pode ser evidenciado pelos seguintes parâmetros amostrais para estudos transversais: população de 30.790 idosos, prevalência conservadora de 50%, erro amostral de 5% e intervalo de confiança de 95%, que perfazem um cálculo mínimo de 380 pessoas.
A variável desfecho foi a multimorbidade, representada pelo acúmulo simultâneo de duas ou mais, bem como de três ou mais doenças crônicas em idosos comunitários. As comorbidades incluídas foram: acidente vascular encefálico, asma, embolia pulmonar, diabetes mellitus, doença cardíaca, doença osteoarticular, doença pulmonar obstrutiva crônica, hipertensão arterial sistêmica, neoplasia e osteoporose. Nesse sentido, a variável dependente foi dicotomizada em dois níveis: sem multimorbidade (até uma doença crônica autorreferida) e com multimorbidade (duas ou mais doenças crônicas autorreferidas), bem como sem multimorbidade (até duas doenças crônicas autorreferidas) e com multimorbidade (três ou mais doenças crônicas autorreferidas).
As variáveis de exposição analisadas foram igualmente dicotomizadas: sexo (masculino ou feminino), faixa etária (até 79 anos ou ≥ 80 anos), situação conjugal (com ou sem companheiro), arranjo familiar (residir sozinho ou acompanhado), escolaridade (até quatro anos de estudo ou mais que quatro anos de estudo), alfabetização (sabe ler ou não), renda própria (sim ou não), renda familiar mensal (até um salário mínimo ou mais que um salário mínimo), prática religiosa (sim ou não), tabagismo (sim ou não), polifarmácia (sim ou não), perda de peso nos últimos três meses (sim ou não), presença de cuidador (sim ou não), queda nos últimos 12 meses (sim ou não), consulta médica nos últimos 12 meses (sim ou não), internação nos últimos 12 meses (sim ou não), dificuldade de acesso ao serviço de saúde (sim ou não) e plano de saúde particular (sim ou não).
Também foram consideradas variáveis independentes a autopercepção de saúde e a fragilidade. A autopercepção de saúde foi avaliada por meio da questão “Como o(a) Sr.(a). classificaria seu estado de saúde?”, cujas respostas possíveis eram “muito bom”, “bom”, “regular”, “ruim” ou “muito ruim”. Assumiu-se como percepção positiva da saúde as respostas “muito bom” e “bom”. Por outro lado, as respostas “regular”, “ruim” e “muito ruim” foram classificadas como percepção negativa da saúde11. A fragilidade foi identificada pela Edmonton Frail Scale - EFS12, considerada uma ferramenta de fácil manuseio e aplicação por todos os profissionais da área da saúde. A EFS inclui nove domínios: cognição, estado de saúde, independência funcional, suporte social, uso de medicamento, nutrição, humor, continência urinária e desempenho funcional, distribuídos em 11 itens com pontuação de 0 a 17. O escore final de 0 a 4 indica que não há presença de fragilidade; 5 e 6 definem o idoso como aparentemente vulnerável para fragilidade; 7 e 8, como fragilidade leve; 9 e 10, como fragilidade moderada; e 11 ou mais pontos, como fragilidade severa12,13. Os resultados dessa variável independente foram dicotomizados em dois níveis: sem fragilidade (escore final ≤6) e com fragilidade (escore final >6).
As análises bivariadas foram realizadas para identificar os fatores associados à variável resposta pelo teste qui-quadrado de Pearson. Aquelas que se mostraram associadas até o nível de 20% (p≤0,20) foram selecionadas para análises de associação múltipla entre as variáveis de exposição e a variável desfecho, por meio de regressão múltipla de Poisson, com variância robusta. A magnitude das associações foi estimada a partir das razões de prevalência (RP), seguidas de seus respectivos Intervalos de Confiança de 95% (IC 95%), sendo adotado para o modelo final o nível de significância de 5% (p<0,05). Para escolha do modelo final mais ajustado foram utilizados os os testes de ajuste Deviance goodness-of-fit e de Pearson goodness-of-fit, também foram analisados valores e mudanças do Log Likelihood. A análise dos resíduos foi feita por meio do R2 ajustado. A multicolinearidade foi avaliada e por meio dela foram identificadas variáveis correlacionadas entre si que foram retiradas para melhor ajuste do modelo final. As informações coletadas foram analisadas por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0 (SPSS).
Todos os participantes foram orientados sobre a pesquisa e apresentaram a sua anuência ao assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros, por meio do Parecer Consubstanciado nº 1.629.395, respeitando a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde.
Resultados
Participaram desta pesquisa 394 idosos comunitários, dentre aqueles 685 idosos avaliados no ano-base, pois 67 idosos não foram encontrados na residência após a realização de três visitas, 78 idosos mudaram de endereço residencial e não foram localizados, 92 idosos se recusaram a participar da segunda fase e 54 idosos haviam falecido.
A Tabela 1 apresenta a comparação das características do ano-base entre a população de idosos acompanhada e a população de idosos perdida durante o seguimento deste estudo. Não foram encontradas diferenças significativas para as principais características dos grupos, o que destaca uma perda não diferencial.
Comparação das principais características entre idosos acompanhados e perdidos na primeira onda de seguimento do estudo. Montes Claros, MG, 2013-2017.
A prevalência de multimorbidade entre os idosos, considerando duas ou mais, três ou mais, quatro ou mais e cinco ou mais doenças crônicas foi de 67,8%, 43,4%, 23,1% e 9,6%, respectivamente.
A Tabela 2 evidencia que as variáveis (análise bivariada) que se mostraram estatisticamente associadas à multimorbidade com duas ou mais Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) (autorreferidas) foram o sexo feminino (67%), possuir cuidador (12%), a ocorrência de queda nos últimos 12 meses (31%), a autopercepção de saúde ruim (53%), a presença de fragilidade (37%) e a realização de consulta nos últimos 12 meses (91%).
Caracterização demográfica, social, econômica e cuidados relacionados à saúde de idosos comunitários e fatores associados à multimorbidade com duas ou mais DCNT (análise bivariada). Montes Claros, MG, 2017.
Em análise da Tabela 3, percebe-se que as variáveis (análise bivariada) sexo feminino (67%), faixa etária (92%), queda nos últimos 12 meses (31%), autopercepção de saúde ruim (53%), possuir fragilidade (37%) e consulta nos últimos 12 meses (91%) mantiveram-se associadas à multimorbidade entre os idosos que apresentaram três ou mais DCNT (autorreferidas). Quanto à situação conjugal (51%), declararam não possuir companheiro, e o grau de escolaridade (75%) predominante foi até quatro anos ou menos de estudos, com (24%) das pessoas analfabetas. Entre os idosos, (62%) afirmaram não possuir plano de saúde particular.
Caracterização demográfica, social e econômica, cuidados relacionados à saúde de idosos comunitários e fatores associados à multimorbidade com três ou mais DCNT (análise bivariada). Montes Claros, MG, 2017.
As variáveis que se mostraram associadas até o nível de 20% (p≤0,20) foram selecionadas para análises de associação múltipla entre as variáveis de exposição e a variável desfecho por meio de regressão múltipla de Poisson, com variância robusta. A magnitude das associações foi estimada a partir das razões de prevalência (RP), seguidas de seus respectivos Intervalos de Confiança de 95% (IC 95%), sendo adotado para o modelo final o nível de significância de 5% (p<0,05).
Após análise múltipla, as variáveis que se mantiveram estatisticamente associadas à multimorbidade em idosos comunitários com duas ou mais doenças crônicas foram: sexo feminino (RPaj=1,15; IC95% 1,04-126), autopercepção de saúde ruim (RPaj=1,20; IC95% 1,09-1,32), fragilidade (RPaj=1,15; IC95% 1,05-1,27) e ter realizado consulta médica nos últimos 12 meses (RPaj=1,25; IC95% 1,06-1,47). Ao se considerar três ou mais doenças crônicas, estiveram estatisticamente associados à multimorbidade o sexo feminino (RPaj=1,19; IC95% 1,08-1,31), não possuir plano de saúde particular (RPaj=1,14; IC95% 1,04-1,25), a fragilidade (RPaj= 1,28; IC95% 1,16-1,41) e ter realizado consulta médica nos últimos 12 meses (RPaj=1,22; IC95% 1,06-1,41) (Tabela 4).
Fatores associados à multimorbidade em idosos comunitários (análise múltipla). Montes Claros, MG, 2017.
Discussão
Este estudo analisou a prevalência de multimorbidade em idosos comunitários e permitiu conhecer alguns fatores associados. A prevalência de multimorbidade encontrada, considerando duas ou mais e três ou mais doenças crônicas, foi de 67,8% e 43,4%, respectivamente. A multimorbidade foi maior entre mulheres, frágeis, que realizaram consulta médica nos últimos 12 meses, com autopercepção de saúde ruim e que não possuíam plano de saúde. A alteração do número de doenças crônicas acumuladas, incluídas na definição de multimorbidade, promoveu uma diferenciação na prevalência e nos fatores associados.
A prevalência de multimorbidade em idosos apresenta uma ampla variação nos estudos pesquisados. Uma revisão de literatura realizada em idosos residentes em países de alta renda encontrou prevalência de 66,1%, 44,2% e 12,3%, considerando a multimorbidade com duas ou mais, com três ou mais e com cinco ou mais doenças crônicas, respectivamente9. Tal resultado é parecido ao encontrado neste trabalho, o qual identificou uma prevalência de multimorbidade entre os 394 idosos comunitários com duas ou mais e três ou mais doenças crônicas de 67,8% e 43,4%, respectivamente.
Em revisão sistemática de 70 estudos, com tamanho amostral variando de 264 a 162.464 participantes e com análises globais e estratificadas, utilizou-se como ponto de corte para a definição de multimorbidade ≥ 2 doenças crônicas incluídas na meta-análise e identificou-se a prevalência de multimorbidade de 37,9% em países de alta renda, e 29,7% nos países de média e baixa renda3.
Outro estudo internacional identificou uma prevalência de multimorbidade em idosos de 30,7% na Índia14, 39,2% no Vietnã15, 45,0% em Kosovo16 e 55,0% na Suécia17. Em estudos nacionais, considerando a base de dados da Pesquisa Nacional de Saúde, a prevalência da multimorbidade na população idosa foi de 53,1%8 e em idosos longevos, de 57,1%18. Uma revisão integrativa identificou uma prevalência variando de 30,7% a 57,0% de multimorbidade em idosos5. A prevalência com duas ou mais, três ou mais, quatro ou mais e cinco ou mais condições de saúde em idosos foi de 93,4%, 85,9%, 76,2% e 64,7%, respectivamente, em estudo realizado em Pelotas, Rio Grande do Sul2.
Esses resultados sugerem uma certa tendência de menor prevalência de multimorbidade por doenças crônicas em idosos com menor renda ou residentes em países em desenvolvimento. Também é possível notar que, na região Sul do Brasil, em geral com melhores índices de desenvolvimento, a prevalência de multimorbidade foi mais alta que a observada no presente estudo. Foi semelhante àquela observada em países europeus com prováveis melhores condições sociais e de saúde. Diante dessas observações, algumas hipóteses explicativas podem ser descritas, como a possibilidade de, entre pessoas com melhor renda e residentes em locais com melhores condições sociais e de saúde, o acesso aos serviços diagnósticos ser mais adequado, o que poderia facilitar a confirmação de diversas condições crônicas. Além disso, o acesso a alimentos industrializados em populações com melhores condições socioeconômicas, considerados até certo ponto saudáveis pela indústria alimentícia, porém ricos em sal e conservantes, pode estar associado ao maior desenvolvimento de doenças crônicas. Importante salientar que essas são hipóteses explicativas que, para serem comprovadas, precisam ser objeto de estudos longitudinais.
De acordo com Salive7, a alta prevalência de multimorbidade com duas ou mais e três ou mais doenças pode ser explicada pelo aumento da expectativa de vida desses idosos comunitários, o que proporciona uma maior probabilidade de aquisição e acúmulo de doenças crônicas por esses indivíduos.
Considerando a alta ocorrência dessa condição, percebe-se a necessidade de se atentar aos fatores associados a essa situação. Ademais, através desse achado, verifica-se que a multimorbidade pode acarretar a alta demanda de atendimentos hospitalares, o que, consequentemente, gera maiores custos com cuidados e tratamento em saúde8. Sendo assim, tornam-se necessárias a criação de estratégias preventivas e de vigilância em saúde, visando ao cuidado qualificado desses indivíduos.
Os resultados deste estudo identificaram, após análise múltipla, que as variáveis sexo feminino, fragilidade e ter realizado consulta médica nos últimos 12 meses associaram-se à multimorbidade em idosos comunitários, tanto com duas ou mais, como com três ou mais doenças crônicas acumuladas. Ainda, mostraram que a autopercepção de saúde ruim esteve associada à multimorbidade com duas ou mais doenças crônicas, enquanto não possuir plano de saúde particular foi associado à multimorbidade com três ou mais doenças crônicas.
O desfecho de diversos estudos identificou a associação do sexo feminino com a multimorbidade em idosos comunitários3,5,8,14,16,19. Isso pode ser justificado pelo fato de as mulheres possuírem maior expectativa de vida, mesmo com a presença de doenças crônicas, em comparação aos homens8. Além disso, as mulheres utilizam mais os serviços de saúde, o que permite o diagnóstico precoce das condições de saúde20. Outro importante ponto relacionado ao gênero é a crescente ocupação das mulheres no mercado de trabalho, que, quando associada às atribuições do lar, pode gerar uma rotina três vezes maior em relação aos homens. Há também o aspecto biológico, pois as mulheres na pós-menopausa têm uma redução do estrogênio, período em que se tornam mais suscetíveis às DCNT8.
A fragilidade também se mostrou associada à multimorbidade em idosos neste estudo. A multimorbidade e a fragilidade são condições complexas que estão relacionadas com o envelhecimento21. Trata-se da redução das reservas energéticas pelas alterações envolvidas no processo de envelhecimento, constituída pela sarcopenia, desregulação neuroendócrina e disfunção imunológica22,23. A fragilidade em idosos representa um estado de vulnerabilidade fisiológica e não pode ser confundida com multimorbidade21, já que pode ser identificada em idosos debilitados fisiologicamente para sustentar ou retomar a homeostase após o surgimento de eventos estressores23.
Em revisão de literatura, com estudos transversais e longitudinais, a multimorbidade foi associada à fragilidade em análises agrupadas, e a prevalência dessa condição em indivíduos frágeis foi de 72%, enquanto que a prevalência de fragilidade entre indivíduos multimórbidos foi de 16%. Estudo sugere uma associação bidirecional entre multimorbidade e fragilidade. Conclui-se que os achados encontrados não são conclusivos para afirmar uma associação causal entre as duas condições. Ressalta-se a importância de mais estudos longitudinais, bem desenhados, a fim de desvendar a relação entre fragilidade e multimorbidade24.
Este estudo encontrou uma associação entre consulta médica nos últimos 12 meses e multimorbidade em idosos comunitários. A multimorbidade é comum entre os idosos e está associada à utilização dos serviços de saúde15,25,26. Pacientes com múltiplas doenças crônicas buscaram mais consultas clínicas e tiveram maior número de encaminhamentos para cuidados especializados e mais prescrições medicamentosas do que pacientes com uma ou sem doença crônica25. Nesse sentido, percebe-se que o envelhecimento da população exige esforços alocados na prestação de serviços de saúde para idosos na comunidade e na capacitação dos profissionais da atenção primária para enfrentar a carga de doenças crônicas presente na população idosa14.
Pesquisas com metodologia transversal de base populacional, delineamento amostral por conglomerados, bem como análise de razões de prevalência por meio de regressão de Poisson e revisão sistemática, mostram associação da multimorbidade em idosos comunitários que referiram a autopercepção de saúde ruim18,21,27. A autopercepção do estado de saúde compreende componentes físicos, cognitivos e emocionais do idoso, bem como aspectos ligados ao bem-estar e à satisfação com a própria vida. É um indicador subjetivo da percepção do idoso sobre a própria saúde11.
O idoso com multimorbidade pode apresentar limitações, dificuldades de autocuidado, uso de mais medicamentos para controlar as doenças crônicas existentes, assim como necessitar de consultas médicas mais frequentes e exames complementares para a avaliação da condição de saúde5,28. Assim, é possível supor que eventos como o acúmulo de DCNT refletem uma percepção negativa da própria saúde29. Um estudo demonstra que a presença de doenças crônicas exerce influência na autoavaliação da saúde, de forma geral, e revela forte associação entre pior saúde percebida e aumento do número de doenças21.
Quanto à variável não possuir plano de saúde particular, difere dos apresentados na literatura8,21, pois idosos longevos com plano de saúde médico apresentaram maior acúmulo de doenças crônicas21. Sabe-se que a posse de plano de saúde pode facilitar o acesso aos serviços de saúde, a realização de mais consultas médicas e, por consequência, a maior oportunidade para o diagnóstico de doenças crônicas. Todavia, idosos mais debilitados procuram adquirir planos de saúde particular a fim de melhorar o acesso aos serviços de atenção secundária e terciária8,21. Pesquisa realizada no Vietnã reitera a importância do acesso aos serviços de saúde, ao mostrar a associação de multimorbidade com a incapacidade de obtenção de cuidados médicos pelos idosos16.
Alguns fatores foram associados à multimorbidade em outras investigações5,8,28, mas não se mostraram presentes neste estudo: tabagismo, consumo de álcool, morar em áreas rurais, baixa escolaridade, renda familiar baixa, idosos longevos5, viúvos8 e polifarmácia28. As diferenças observadas retratam provavelmente as particularidades apresentadas por grupo populacional estudado30.
O conhecimento dessas condições pode auxiliar nas ações de promoção de saúde e prevenção de doenças crônicas não transmissíveis em idosos comunitários, em que a Atenção Primária à Saúde é o nível de assistência mais adequado para a abordagem da multimorbidade, pelo enfoque generalista e por possuir características complexas e amplas, que perpassam várias áreas do conhecimento médico.
Quanto às limitações do presente estudo, é preciso considerar que a multimorbidade se limita ao diagnóstico autorreferido de DCNT, sujeitando-se à subnotificação por viés de memória do idoso ou cuidador entrevistado.
Conclusão
A partir dos resultados encontrados, a prevalência de multimorbidade entre os 394 idosos comunitários, com duas ou mais e três ou mais doenças crônicas, foi de 67,8% e 43,4%, respectivamente.
Ser do sexo feminino, a fragilidade e a realização de consulta médica nos últimos 12 meses associaram-se à multimorbidade em idosos comunitários, tanto com duas ou mais quanto com três ou mais doenças crônicas não transmissíveis. Por outro lado, a autopercepção de saúde ruim relacionou-se à multimorbidade com duas ou mais doenças crônicas simultâneas, enquanto não possuir plano de saúde particular associou-se à multimorbidade com três ou mais doenças crônicas.
Os resultados identificados podem impulsionar novos estudos na área da pesquisa, na assistência clínica e na saúde pública. Esses resultados também poderão contribuir para garantir a esse público, em especial, a manutenção da sua autonomia e independência. Ademais, por meio das evidências deste estudo, os perfis de idosos mais suscetíveis podem ser monitorados e atenuados com práticas voltadas para a reabilitação funcional e prevenção da multimorbidade nessa população.
Além disso, por meio desses achados, é possível implementar protocolos de rastreio que culminem na identificação do perfil funcional de idosos comunitários, o que pode viabilizar a implementação de medidas direcionadas à promoção do envelhecimento saudável com menores prevalências de multimorbidades.
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Editado por
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Editado por: Marquiony Marques dos Santos
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Fev 2023 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
28 Jun 2022 -
Aceito
11 Nov 2022