Resumo
Objetivo
Investigar e comparar o perfil sociodemográfico, cognitivo e de fragilidade dos participantes do Estudo Fragilidade em Idosos Brasileiros em medidas de seguimento (SG) e linha de base (LB) realizadas em 2016-2017 e 2008-2009, respectivamente.
Métodos
Participaram da LB 1.284 idosos residentes em Campinas e Ermelino Matarazzo (SP), Brasil, que compuseram amostra única. No SG foram novamente entrevistados 549 participantes (42,5%); 192 tinham falecido (14,9%) e 543 foram perdidos (42,4%). Em ambos os momentos, foram avaliadas as variáveis sexo, idade, escolaridade, estado conjugal, renda familiar, arranjo de moradia, status cognitivo (Mini-Exame do Estado Mental) e fenótipo de fragilidade (três ou mais de cinco critérios). As diferenças intergrupos e intragrupos foram verificadas pelos testes qui-quadrado de Pearson e de McNemar, respectivamente. O nível de significância foi estabelecido em p<0,05.
Resultados
Entre os sobreviventes, os participantes eram mais jovens (72,2±5,3 anos) do que entre os falecidos (75,5±6,8 anos) e havia mais idosos casados, com nível educacional mais elevado, sem deficit cognitivo e pré-frágeis. Da LB para o SG, houve aumento estatisticamente significativo do número de idosos que moravam sozinhos (17,1% vs. 22,0%), não tinham companheiro(a) (46,4% vs. 55,4%), tinham renda familiar menor que três salários-mínimos (52,2% vs. 62,2%), apresentavam deficit cognitivo (17,7% vs. 23,5%) e eram frágeis (9,8% vs. 24,5%)
Conclusão
Da LB para o SG, ocorreu aumento da vulnerabilidade física, cognitiva e social dos idosos. Estes resultados reforçam a importância de políticas públicas que favoreçam a qualidade de vida dos idosos e a redução das iniquidades de saúde ao longo da vida.
Palavras-Chave:
Fragilidade; Fenótipo; Idoso; Idoso de 80 anos ou mais; Testes de Estado Mental e Demência; Estudos Longitudinais
Abstract
Objective
To investigate and compare the sociodemographic, cognitive and frailty profile of participants from the Frailty in Brazilian Older Adults (Fibra) study regarding follow-up (FW) and baseline (BL) measurements carried out in 2016-2017 and 2008-2009, respectively.
Methods
A total of 1,284 older adults living in Campinas and Ermelino Matarazzo (SP), Brazil, participated in the BL, comprising a pooled sample. At FW, 549 older adults (42.7%) were interviewed again; 192 had died (14.9%) and 543 were lost to follow-up (42.4%). Sex, age, education, marital status, family income, housing arrangement, cognitive status (Mini-Mental State Examination) and frailty phenotype (score ≥3 out of 5) were evaluated at both timepoints. Intergroup and intragroup differences were verified by Pearson's chi-square and McNemar's tests. Statistical significant level was set at p<0.05
Results
The survivors were younger (72.2±5.3 years) than the deceased (75.5±6.8 years) and individuals included in the FW were mostly married, higher educated, cognitively unimpaired and pre-frail. Between BL and FW there was an increase in the number of participants who lived alone (17.1% vs. 22.0%), had no partner (46.4% vs. 55.4%), a family income <3 minimum wages (52.2% vs. 62.2%), cognitive impairment (17.7% vs. 23.5%) and frailty (9.8% vs. 24.5%).
Conclusion
Between BL and FW there was an increase in the physical, cognitive and social vulnerability of the older adults. These results reinforce the importance of public policies that favor the quality of life of older people and a reduction in health inequities throughout life.
Keywords
Aged; Aged, 80 and Over; Frailty; Mental Status and Dementia Tests; Phenotype; Longitudinal Studies
INTRODUÇÃO
Fragilidade é uma condição clínica complexa associada ao envelhecimento, caracterizada por diminuição da reserva funcional de diferentes sistemas corporais e por maior susceptibilidade individual a desfechos negativos frente a eventos estressores internos, ambientais e associados ao estilo de vida11 Hoogendijk EO, Afilalo J, Ensrud KE, Kowal P, Onder G, Fried LP. Frailty: implications for clinical practice and public health. Lancet [Internet]. 2019;394(10206):1365–75. Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0140673619317866. Evidências acumuladas nas últimas décadas apoiam a associação entre fragilidade e risco aumentado para desenvolver limitações físicas, incapacidades, quedas, hospitalização, institucionalização e morte em idosos22 Vermeiren S, Vella-Azzopardi R, Beckwée D, Habbig A-K, Scafoglieri A, Jansen B, et al. Frailty and the Prediction of Negative Health Outcomes: A Meta-Analysis. J Am Med Dir Assoc [Internet]. 2016;17(12):1163.e1–1163.e17. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jamda.2016.09.010,33 Kojima G. Frailty as a Predictor of Nursing Home Placement Among Community-Dwelling Older Adults: A Systematic Review and Meta-analysis. J Geriatr Phys Ther [Internet]. 2018;41(1):42–8. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1519/JPT.0000000000000097. A prevalência de fragilidade aumenta com o avanço da idade44 Andrade JM, Duarte YADO, Alves LC, Andrade FCD, Souza Junior PRD, Lima-Costa MF, et al. Frailty profile in Brazilian older adults. Rev Saude Publica [Internet]. 2019;52(Suppl 2):17s. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rsp/article/view/153933,55 O’Caoimh R, Sezgin D, O’Donovan MR, Molloy DW, Clegg A, Rockwood K, et al. Prevalence of frailty in 62 countries across the world: a systematic review and meta-analysis of population-level studies. Age Ageing [Internet]. 2021;50(1):96–104. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1093/ageing/afaa219 e é influenciada pelo sexo55 O’Caoimh R, Sezgin D, O’Donovan MR, Molloy DW, Clegg A, Rockwood K, et al. Prevalence of frailty in 62 countries across the world: a systematic review and meta-analysis of population-level studies. Age Ageing [Internet]. 2021;50(1):96–104. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1093/ageing/afaa219, pelos métodos de avaliação55 O’Caoimh R, Sezgin D, O’Donovan MR, Molloy DW, Clegg A, Rockwood K, et al. Prevalence of frailty in 62 countries across the world: a systematic review and meta-analysis of population-level studies. Age Ageing [Internet]. 2021;50(1):96–104. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1093/ageing/afaa219,66 Melo RC, Cipolli GC, Buarque GLA, Yassuda MS, Cesari M, Oude Voshaar RC, et al. Prevalence of Frailty in Brazilian Older Adults: A Systematic Review and Meta-analysis. J Nutr Health Aging [Internet]. 2020;24(7):708–16. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s12603-020-1398-0 e pela origem dos participantes66 Melo RC, Cipolli GC, Buarque GLA, Yassuda MS, Cesari M, Oude Voshaar RC, et al. Prevalence of Frailty in Brazilian Older Adults: A Systematic Review and Meta-analysis. J Nutr Health Aging [Internet]. 2020;24(7):708–16. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s12603-020-1398-0. Estudos de meta-análise estimam que a prevalência de fragilidade entre idosos não-institucionalizados seja maior em países de renda média e baixa do que nos países de renda alta55 O’Caoimh R, Sezgin D, O’Donovan MR, Molloy DW, Clegg A, Rockwood K, et al. Prevalence of frailty in 62 countries across the world: a systematic review and meta-analysis of population-level studies. Age Ageing [Internet]. 2021;50(1):96–104. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1093/ageing/afaa219,66 Melo RC, Cipolli GC, Buarque GLA, Yassuda MS, Cesari M, Oude Voshaar RC, et al. Prevalence of Frailty in Brazilian Older Adults: A Systematic Review and Meta-analysis. J Nutr Health Aging [Internet]. 2020;24(7):708–16. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s12603-020-1398-0.
No Brasil, a prevalência da fragilidade entre idosos é estimada em 24%66 Melo RC, Cipolli GC, Buarque GLA, Yassuda MS, Cesari M, Oude Voshaar RC, et al. Prevalence of Frailty in Brazilian Older Adults: A Systematic Review and Meta-analysis. J Nutr Health Aging [Internet]. 2020;24(7):708–16. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s12603-020-1398-0 e pode variar conforme o método de avaliação utilizado e o local de recrutamento dos participantes44 Andrade JM, Duarte YADO, Alves LC, Andrade FCD, Souza Junior PRD, Lima-Costa MF, et al. Frailty profile in Brazilian older adults. Rev Saude Publica [Internet]. 2019;52(Suppl 2):17s. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rsp/article/view/153933,66 Melo RC, Cipolli GC, Buarque GLA, Yassuda MS, Cesari M, Oude Voshaar RC, et al. Prevalence of Frailty in Brazilian Older Adults: A Systematic Review and Meta-analysis. J Nutr Health Aging [Internet]. 2020;24(7):708–16. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s12603-020-1398-0. Adicionalmente, estima-se que 53% dos idosos brasileiros são pré-frágeis66 Melo RC, Cipolli GC, Buarque GLA, Yassuda MS, Cesari M, Oude Voshaar RC, et al. Prevalence of Frailty in Brazilian Older Adults: A Systematic Review and Meta-analysis. J Nutr Health Aging [Internet]. 2020;24(7):708–16. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s12603-020-1398-0, um dado que reforça a importância de estratégias preventivas, visto que a pré-fragilidade tem mais chance de ser revertida do que a fragilidade77 Kojima G, Taniguchi Y, Iliffe S, Jivraj S, Walters K. Transitions between frailty states among community-dwelling older people: A systematic review and meta-analysis. Ageing Res Rev [Internet]. 2019;50:81–8. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.arr.2019.01.010. De acordo com dados do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), a fragilidade está associada à idade avançada, à baixa escolaridade, a não ter cônjuge, à saúde autorreferida como ruim e muito ruim, à multimorbidade e às limitações quanto ao desempenho de atividades de vida diária44 Andrade JM, Duarte YADO, Alves LC, Andrade FCD, Souza Junior PRD, Lima-Costa MF, et al. Frailty profile in Brazilian older adults. Rev Saude Publica [Internet]. 2019;52(Suppl 2):17s. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rsp/article/view/153933. Publicações derivadas da primeira onda do Estudo Fragilidade em Idosos Brasileiro (Fibra; 2008-2009) demonstraram que a fragilidade tem associação com multimorbidade, polifarmácia, deficit cognitivo sugestivo de demência, sintomas depressivos, dependência para o desempenho de atividades de vida diária, quedas, hospitalização e mortalidade88 Borim FSA, Francisco PMSB, Neri AL. Sociodemographic and health factors associated with mortality in community-dwelling elderly. Rev Saude Publica [Internet]. 2017;51:42. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0034-89102017000100236&lng=en&nrm=iso&tlng=en
9 Vieira RA, Guerra RO, Giacomin KC, de Souza Vasconcelos KS, de Souza Andrade AC, Pereira LSM, et al. Prevalência de fragilidade e fatores associados em idosos comunitários de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil: dados do estudo FIBRA [Internet]. Cad Saude Publica. 2013;29:1631–43. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s0102-311x2013001200015-1010 Macuco CRM, Batistoni SST, Lopes A, Cachioni M, da Silva Falcão DV, Neri AL, et al. Mini-Mental State Examination performance in frail, pre-frail, and non-frail community dwelling older adults in Ermelino Matarazzo, São Paulo, Brazil [Internet]. Int Psychogeriatr. 2012;24:1725–31. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1017/s1041610212000907.
Assim como a fragilidade, o declínio e os deficits em funções cognitivas são condições que influenciam diretamente a qualidade da saúde dos idosos, aumentam o risco de incapacidades e dependência, prejudicam a qualidade de vida e contribuem para outros desfechos adversos1111 Panza F, Seripa D, Solfrizzi V, Tortelli R, Greco A, Pilotto A, et al. Targeting Cognitive Frailty: Clinical and Neurobiological Roadmap for a Single Complex Phenotype. J Alzheimers Dis [Internet]. 2015;47(4):793–813. Disponível em: http://dx.doi.org/10.3233/JAD-150358. O declínio cognitivo é um processo gradual, contínuo e altamente variável, caracterizado por alterações normativas e não-normativas na velocidade do processamento da informação, no pensamento, na memória, no raciocínio e no planejamento. As diferenças na época de início, na velocidade da progressão e nas trajetórias do declínio cognitivo associadas ao envelhecimento podem ser explicadas pela interação entre fatores individuais, ambientais e de estilo de vida1212 McQuail JA, Dunn AR, Stern Y, Barnes CA, Kempermann G, Rapp PR, et al. Cognitive Reserve in Model Systems for Mechanistic Discovery: The Importance of Longitudinal Studies. Front Aging Neurosci [Internet]. 2020;12:607685. Disponível em: http://dx.doi.org/10.3389/fnagi.2020.607685,1313 Salthouse TA. Trajectories of normal cognitive aging. Psychol Aging [Internet]. 2019;34(1):17–24. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1037/pag0000288.
A marcante diferença observada entre o Brasil e os países de alta renda11 Hoogendijk EO, Afilalo J, Ensrud KE, Kowal P, Onder G, Fried LP. Frailty: implications for clinical practice and public health. Lancet [Internet]. 2019;394(10206):1365–75. Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0140673619317866,1313 Salthouse TA. Trajectories of normal cognitive aging. Psychol Aging [Internet]. 2019;34(1):17–24. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1037/pag0000288
14 Welstead M, Jenkins ND, Russ TC, Luciano M, Muniz-Terrera G. A Systematic Review of Frailty Trajectories: Their Shape and Influencing Factors. Gerontologist [Internet]. 2021;61(8):e463–75. Disponível em: https://doi.org/10.1093/geront/gnaa061-1515 Fonseca Travassos G, Bragança Coelho A, Arends-Kuenning MP. The elderly in Brazil: demographic transition, profile, and socioeconomic condition. Rev Bras Estud Popul [Internet]. 2020;37:1–27. Disponível em: https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0129 em relação a determinantes sociais de saúde que podem influenciar a instalação e a progressão do declínio cognitivo e da fragilidade, reforça a importância da realização de estudos longitudinais para melhor compreender os determinantes de agravamento dessas condições nos idosos. Estudos longitudinais podem fornecer informações importantes ao desenvolvimento de políticas públicas voltadas à identificação de idosos sob risco de desenvolver fragilidade, bem como ao manejo de suas manifestações nos serviços de atenção primária à saúde de adultos e idosos.
Dessa forma, este estudo tem como objetivo investigar o perfil sociodemográfico, cognitivo e de fragilidade dos participantes do Estudo Fibra, residentes em Campinas (SP) e Ermelino Matarazzo, subdistrito da cidade de São Paulo, (SP), em medidas de seguimento realizadas em 2016-2017, comparando-as com as de linha de base provenientes de avaliações realizadas em 2008-2009.
MÉTODO
Em sua origem, o Estudo Fibra é um estudo multicêntrico, multidisciplinar e de base populacional realizado em 17 cidades localizadas nas cinco regiões geográficas do país escolhidas por conveniência. Nos anos 2008 e 2009, quatro grandes universidades públicas brasileiras se responsabilizaram pelo recrutamento e pela coleta de dados do estudo, que teve um protocolo comum às localidades e protocolos específicos a cada uma delas. O objetivo foi investigar associações entre fragilidade e variáveis demográficas, socioeconômicas, de saúde e psicossociais em idosos brasileiros com 65 anos ou mais. A cidade de Campinas (SP) e o subdistrito de Ermelino Matarazzo em São Paulo (SP), Brasil, integraram o grupo de localidades pertencentes ao polo coordenado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, SP).
No polo Unicamp, participaram da primeira onda de medidas do Estudo Fibra 1.284 idosos (65 anos e mais) residentes em domicílios familiares localizados em setores censitários selecionados por sorteio em Campinas e no subdistrito de Ermelino Matarazzo. Domicílios e pontos de fluxo de idosos das áreas sorteadas de Campinas (90 setores censitários) e Ermelino Matarazzo (62 setores censitários) foram percorridos por duplas de recrutadores treinados (estudantes de Pós-Graduação e Agentes Comunitários de Saúde). Os idosos identificados que cumpriam os critérios de elegibilidade foram convidados pelos recrutadores a comparecer a uma sessão de entrevista e de medidas de saúde, com 60 a 90 minutos de duração, realizada em centros comunitários, escolas, clubes e igrejas, em datas e horários previamente estipulados. Foram convocadas cotas adicionais equivalentes a 25% das amostras estimadas para as duas localidades, para repor perdas.
Foram considerados como critérios de elegibilidade, a idade de 65 anos ou mais, e residência permanente na cidade e no domicílio. Não foram incluídos na amostra, idosos com problemas cognitivos sugestivos de demência, sequelas graves de acidente vascular cerebral, doença de Parkinson em estágio grave ou instável e deficiências auditivas ou visuais graves. Aqueles idosos que estavam restritos ao leito, se encontravam em estado terminal, tinham câncer ou estavam em tratamento quimioterápico também foram excluídos (ver detalhes em publicação prévia1616 Neri AL, Yassuda MS, Araújo LF de, Eulálio M do C, Cabral BE, Siqueira MEC de, et al. Metodologia e perfil sociodemográfico, cognitivo e de fragilidade de idosos comunitários de sete cidades brasileiras: Estudo FIBRA. Cad Saude Publica [Internet]. 2013;29(4):778–92. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000400015).
A coleta de dados foi dividida em dois blocos. Do primeiro, do qual os 1.284 idosos participaram, constaram variáveis de identificação, sociodemográficas, antropométricas, clínicas (saúde bucal e pressão arterial), de fragilidade e de status cognitivo. Na segunda parte, da qual participaram apenas os idosos que pontuaram acima da nota de corte no teste de rastreio cognitivo (Mini-Exame do Estado Mental – MEEM) aplicado no final da primeira fase (n=991), foram incluídas variáveis de autorrelato de saúde física e mental, capacidade funcional, psicossociais e eventos de vida estressantes. As notas de corte do MEEM foram 17 para os analfabetos e os que nunca foram à escola, 22 para os com 1 a 3 anos de escolaridade, 24 para os com 5 a 8 e 26 para os com 9 ou mais1717 Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. [Suggestions for utilization of the mini-mental state examination in Brazil]. Arq Neuropsiquiatr [Internet]. 2003;61(3B):777–81. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s0004-282x2003000500014.
Nos anos de 2016 e 2017, em média nove anos depois da realização da primeira onda de medidas ou linha de base, foi realizada a segunda onda ou seguimento. O recrutamento dos participantes foi feito em domicílio, a partir dos endereços registrados no banco de dados da linha de base. Foram feitas três tentativas de localização para cada idoso. Os idosos localizados foram convidados a participar de uma avaliação de seguimento do Fibra 2008-2009, por meio de sessão única com duração média de 80 minutos e conduzida por pesquisadores previamente treinados (estudantes de Graduação e Pós-graduação). Foram usados os mesmos critérios de elegibilidade e exclusão da fase anterior. Foi solicitada a presença de um familiar ou outro proxy para mediar a interação entre o entrevistador e os idosos e para responder itens sobre a saúde e a funcionalidade que os idosos tivessem dificuldade de responder. Para os idosos com pontuação inferior a nota de corte do MEEM, a entrevista era realizada com um familiar ou outro proxy.
As variáveis selecionadas para estudo foram: sexo (com as opções masculino e feminino); idade, derivada de pergunta sobre a data de nascimento; morar sozinho (uma pergunta com resposta sim ou não); estado civil (com as alternativas com o cônjuge ou companheiro, solteiro, divorciado e viúvo); alfabetizado (sim ou não); escolaridade com as opções nunca foi à escola, 1 a 4 anos, 5 a 8 anos e 9 anos ou mais de estudo); chefia familiar (sim e não) e renda familiar (<1,0, 1,1 a 3,0, 3,1 a 5,0 e >5,1 salários-mínimos).
A presença de deficit cognitivo sugestivo de demência foi novamente avaliada utilizando-se o MEEM, com notas de corte ajustadas pelos anos de escolaridade, notas essas obtidas em estudo populacional com idosos brasileiros1717 Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. [Suggestions for utilization of the mini-mental state examination in Brazil]. Arq Neuropsiquiatr [Internet]. 2003;61(3B):777–81. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s0004-282x2003000500014.
A fragilidade foi avaliada com base no modelo do fenótipo, operacionalizado por Fried et al.1818 Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in Older Adults: Evidence for a Phenotype [Internet]. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2001;56:M146–57. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1093/gerona/56.3.m146 em cinco componentes: perda de peso não-intencional nos 12 meses anteriores à entrevista, correspondente a 4,5 kg ou 5% do peso corporal; fadiga indicada por resposta sempre e quase sempre a dois itens escalares sobre fadiga extraídos da escala de depressão do Center for Epidemiologic Studies Depression (CES-D); baixa força de preensão palmar, refletido em um valor em kg força localizado abaixo do 1o quintil da distribuição das médias da amostra relativas a três tentativas consecutivas de apertar a alça de um dinamômetro modelo Jamar, médias essas ajustadas por sexo e por Índice de Massa Corporal (IMC); lentidão da marcha indicada pela média do tempo em segundos despendido para percorrer 4,6 m em linha reta e com passo usual, valor esse localizado acima do percentil 80 da distribuição da amostra, ajustado por sexo e pela altura, e baixo nível de atividade física indicado por gasto calórico semanal inferior ao valor do 1o quintil da distribuição das unidades metabólicas despendidas pelos idosos na prática semanal acumulada de atividades domésticas e de exercícios físicos de intensidade leve, moderada e vigorosa, conforme respostas a itens selecionados do Minnesota Leisure Time Activities Questionnaire 1919 Lustosa LP, Pereira DS, Rosâ, Dias NC, Britto RR, Parentoni AN, et al. Translation and cultural adaptation of the Minnesota Leisure Time Activities Questionnaire in community-dwelling older people. Geriatr Gerontol Aging. 2011;5(2):57–65.. Pontuaram para baixo nível de atividade física os idosos cujo o cálculo dos equivalentes metabólicos (METs) situava-se abaixo do 1º quintil da amostra, corrigido por sexo. Os procedimentos, os critérios, as notas de corte e as variáveis de ajuste adotados foram os descritos por Fried et al.1818 Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in Older Adults: Evidence for a Phenotype [Internet]. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2001;56:M146–57. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1093/gerona/56.3.m146.
Para os idosos que pontuaram abaixo da nota de corte no MEEM, o fenótipo de fragilidade foi determinado por meio de escala válida2020 Nunes DP, Duarte YA de O, Santos JLF, Lebrão ML. Screening for frailty in older adults using a self-reported instrument. Rev Saude Publica [Internet]. 2015;49:2. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s0034-8910.2015049005516 correspondente ao modelo de Fried et al.1818 Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in Older Adults: Evidence for a Phenotype [Internet]. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2001;56:M146–57. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1093/gerona/56.3.m146, com seis itens respondidos pelos proxies. Os participantes que pontuaram para um ou dois critérios foram classificados como pré-frágeis; os que pontuaram para três ou mais como frágeis, e os que não pontuaram para nenhum como não-frágeis ou robustos.
Os princípios éticos que fundamentam a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (nº 466/2012) foram obedecidos. Na linha de base e no seguimento, os participantes assinaram Termos de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto do estudo de 2008-2009 foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas mediante os pareceres de no 208/2007 e 907.575. O projeto para o estudo de seguimento foi aprovado mediante os pareceres no 1.332.651 e no 2.952.507.
As frequências relativas das variáveis sociodemográficas, do status cognitivo e do status de fragilidade foram calculadas e estão apresentadas de acordo com a condição dos participantes na linha de base e no seguimento (reentrevistados, falecidos ou perdidos). A significância estatística das diferenças entre as quantidades de idosos encontradas nas análises intergrupos foram analisadas por meio do teste qui-quadrado de Pearson; as observadas entre os resultados da linha de base e do seguimento por meio do teste de McNemar. Em ambas as análises foram consideradas as mesmas variáveis sociodemográficas como de interesse para o estudo. O nível de significância das diferenças foi estabelecido em p<0,05 para ambos os testes.
RESULTADOS
O número de idosos da linha de base conforme sua distribuição nas subamostras do seguimento é mostrado na Tabela 1. Percentuais comparáveis de participantes da linha de base compuseram as três subamostras do seguimento, mas Campinas localizou e reentrevistou mais idosos e teve menos idosos categorizados como falecidos e menos perdas amostrais do que Ermelino Matarazzo. Em relação a amostra total, quinhentos e quarenta e nove idosos (42,7%) foram localizados e reentrevistados no seguimento, 192 (14,9%) haviam falecido desde a linha de base e 543 (42,4%) foram considerados como perdas amostrais por diferentes motivos (Tabela 1).
Distribuição dos participantes da linha de base nas subamostras do seguimento. Estudo Fibra, Brasil. Idosos, 2008-2009 e 2016-2017.
O principal motivo das perdas amostrais foi a não localização dos endereços ou dos idosos. Ermelino Matarazzo apresentou-se com a maior frequência de idosos não localizados por falta de informações sobre o atual endereço ou por erro nos registros dos endereços encontrados no banco da dados da linha de base. Nas duas localidades, percentuais comparáveis de participantes da linha de base deixaram de participar do seguimento, porque foram excluídos por critérios da pesquisa, porque não chegaram a completar a sessão de coleta de dados ou porque os entrevistadores não se sentiram seguros para permanecer no domicílio (Tabela 2). Dos idosos que constituíram as perdas totais, 57,9% não foram localizados nos endereços, 34,5% recusaram-se a participar, 5,5% desistiram ou abandonaram a entrevista antes do término, 1,6% apresentavam critérios de exclusão e 0,5% não foram entrevistados porque o entorno do domicílio não pareceu seguro aos entrevistadores (Tabela 2).
Frequências de perdas amostrais conforme os motivos pelos quais participantes da linha de base não integraram a amostra do seguimento. Estudo Fibra, Brasil. Idosos, 2008-2009 e 2016-2017.
A maioria dos participantes da linha de base era composta por mulheres (68,7%), por idosos com 70 a 79 anos (51,2%; Midade =72,6±5,8 anos), por participantes que não moravam sozinhos (83,8%) e por idosos que tinham cônjuge ou companheiro(a) (50,9%). A maioria dos idosos relatou serem alfabetizados (78,1%) e terem estudado por 1 a 4 anos (56,4%); 43,9% tinham renda familiar mensal de 1,1 a 3,0 salários-mínimos e 58,2% relataram ter responsabilidade pelo sustento da família. Deficit cognitivo e fragilidade estiveram presentes, respectivamente, em 22,8% e 11,6% dos idosos entrevistados na linha de base e foram mais frequentes entre os falecidos do que entre os perdidos. Foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre as frequências de idosos reentrevistados e falecidos quanto à idade, à alfabetização, aos anos de escolaridade, à pontuação para deficit cognitivo e ao nível de fragilidade: os idosos falecidos eram proporcionalmente mais numerosos entre os homens, aqueles com 80 anos e mais, os não-alfabetizados, os que nunca estudaram, os participantes com deficit cognitivo e os frágeis (Tabela 3).
Comparação entre os percentuais de idosos participantes da linha de base e do seguimento considerando as variáveis sociodemográficas, o status cognitivo e a fragilidade. Estudo Fibra, Brasil. Idosos, 2008-2009 e 2016-2017.
Em relação as frequências de falecidos e perdas, observaram-se diferenças estatisticamente significantes nas variáveis sexo, faixa etária, morar sozinho, alfabetização, anos de escolaridade e deficit cognitivo. Em comparação com os idosos tratados como perda amostrais, as proporções de idosos falecidos foram mais elevadas entre os segmentos do sexo masculino, de 80 anos ou mais, que não moravam sozinhos, que não eram alfabetizados ou que nunca estudaram e que tinham deficit cognitivo. Entre os idosos reentrevistados e as perdas amostrais no seguimento, observou-se que somente as variáveis morar sozinho (14,8% dos reentrevistados vs. 19,4% das perdas) e deficit cognitivo (17,7% dos reentrevistados vs. 25,4% das perdas) diferiram estatisticamente (Tabela 3).
Da linha de base para o seguimento, foram observados aumentos estatisticamente significativos nas proporções de idosos que moravam sozinhos (17,1% para 22,0%), sem cônjuge (46,4% para 55,4%), com renda familiar de até três salários mínimos (52,2% para 62,2%), com deficit cognitivo (17,7% para 23,5%) e com fragilidade (9,8% para 24,5%). Por outro lado, houve redução na quantidade de idosos considerados robustos após nove anos (33,6% para 18,6%) (Tabela 4).
Variáveis sociodemográficas, deficit cognitivo e fragilidade na linha de base e no seguimento. Estudo Fibra, Brasil. Idosos, 2008-2009 e 2016-2017.
DISCUSSÃO
Este é um estudo analítico de coorte, que buscou verificar e comparar perfis de variáveis entre o seguimento (2016-2017) e a linha de base (2008-2009), em amostra de idosos urbanos, recrutados nos domicílios, com 65 anos ou mais por ocasião da linha de base, e com 74 anos ou mais no seguimento. Depois de, em média, 9 anos da realização das medidas de linha de base, 42,7% dos participantes foram localizados e reentrevistados. Trata-se de proporção similar à de outros estudos longitudinais sobre fragilidade em idosos. Por exemplo, em estudo envolvendo idosos americanos de origem mexicana, Ottenbacher et al.2121 Ottenbacher KJ, Graham JE, Al Snih S, Raji M, Samper-Ternent R, Ostir GV, et al. Mexican Americans and frailty: findings from the Hispanic established populations epidemiologic studies of the elderly. Am J Public Health [Internet]. 2009;99(4):673–9. Disponível em: http://dx.doi.org/10.2105/AJPH.2008.143958 avaliaram 38% da amostra inicial após 10 anos. Em outros dois estudos2222 Espinoza SE, Jung I, Hazuda H. Frailty transitions in the San Antonio Longitudinal Study of Aging. J Am Geriatr Soc [Internet]. 2012;60(4):652–60. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.2011.03882.x,2323 Bentur N, Sternberg SA, Shuldiner J. Frailty Transitions in Community Dwelling Older People. Isr Med Assoc J [Internet]. 2016;18(8):449–53. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28471574 com intervalos mais curtos entre a primeira e a segunda medidas (sete e seis anos, respectivamente), 46% e 63% dos participantes foram reentrevistados. Nesses três trabalhos2121 Ottenbacher KJ, Graham JE, Al Snih S, Raji M, Samper-Ternent R, Ostir GV, et al. Mexican Americans and frailty: findings from the Hispanic established populations epidemiologic studies of the elderly. Am J Public Health [Internet]. 2009;99(4):673–9. Disponível em: http://dx.doi.org/10.2105/AJPH.2008.143958
22 Espinoza SE, Jung I, Hazuda H. Frailty transitions in the San Antonio Longitudinal Study of Aging. J Am Geriatr Soc [Internet]. 2012;60(4):652–60. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.2011.03882.x-2323 Bentur N, Sternberg SA, Shuldiner J. Frailty Transitions in Community Dwelling Older People. Isr Med Assoc J [Internet]. 2016;18(8):449–53. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28471574, a proporção de participantes que morreram e que foram perdidos entre a linha de base e o seguimento variou de 20% a 44% e de 18% a 24%, respectivamente. Esses valores contrastam em parte com nossos dados, pois tivemos 14,9% de falecidos e 42,3% de perdas. Se, por um lado, não foi possível quantificar todos os casos de falecimento entre as perdas observadas, por outro, a realização das entrevistas no domicílio e a possibilidade de participação de proxies pode ter reduzido a prevalência e a incidência de perdas decorrentes de limitações físicas e/ou de comprometimento cognitivo.
As perdas ao longo do tempo são inevitáveis em estudos de coorte envolvendo a população idosa. Parte delas pode ser explicada pelas variáveis mortalidade e morbidade2424 Bhamra S, Tinker A, Mein G, Ashcroft R, Askham J. The retention of older people in longitudinal studies: A review of the literature. Qual Ageing [Internet]. 2008;9(4):27–35. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/14717794200800025/full/html. O nível de atrição da amostra devido à perda não controlada de participantes tende a aumentar em função do intervalo entre a primeira e a última avaliação. Além disso, tende a ser maior nas coortes mais velhas do que nas mais jovens2424 Bhamra S, Tinker A, Mein G, Ashcroft R, Askham J. The retention of older people in longitudinal studies: A review of the literature. Qual Ageing [Internet]. 2008;9(4):27–35. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/14717794200800025/full/html
25 Cacioppo JT, Cacioppo S. The Population-Based Longitudinal Chicago Health, Aging, and Social Relations Study (CHASRS): Study Description and Predictors of Attrition in Older Adults. Arch Sci Psychol [Internet]. 2018;6(1):21–31.Disponível em: http://dx.doi.org/10.1037/arc0000036-2626 Jacobsen E, Ran X, Liu A, Chang C-CH, Ganguli M. Predictors of attrition in a longitudinal population-based study of aging. Int Psychogeriatr [Internet]. 2021;33(8):767–78. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1017/S1041610220000447. Em estudos de coorte envolvendo a população idosa, piores condições de saúde e socioeconômicas são fatores associados à perda do controle sobre as condições da amostra como um todo e, consequentemente, à atrição. Os participantes que necessitam de mais assistência têm maior probabilidade de não serem avaliados no seguimento2626 Jacobsen E, Ran X, Liu A, Chang C-CH, Ganguli M. Predictors of attrition in a longitudinal population-based study of aging. Int Psychogeriatr [Internet]. 2021;33(8):767–78. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1017/S1041610220000447,2727 Young AF, Powers JR, Bell SL. Attrition in longitudinal studies: who do you lose? [Internet]. Australian New Zealand J Public Health. 2006;30:353–61. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-842x.2006.tb00849.x. Dessa forma, os dados dos participantes remanescentes podem ser tendenciosos, refletindo mais as características daqueles com condições de saúde suficientes para continuar no estudo do que as condições de todos os idosos. Semelhante ocorrência dá origem a um efeito conhecido como de “sobrevivência saudável”, comumente observado em coortes mais velhas2727 Young AF, Powers JR, Bell SL. Attrition in longitudinal studies: who do you lose? [Internet]. Australian New Zealand J Public Health. 2006;30:353–61. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-842x.2006.tb00849.x. Mesmo sabendo que a representatividade das amostras de seguimento tende a se deteriorar com o tempo, óbitos são esperados e, portanto, tendem a causar menos viés do que a atrição por outros fatores2828 Brilleman SL, Pachana NA, Dobson AJ. The impact of attrition on the representativeness of cohort studies of older people. BMC Med Res Methodol [Internet]. 2010;10:71. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1186/1471-2288-10-71.
No presente estudo, os idosos falecidos antes do seguimento eram mais velhos e tinham escolaridade mais baixa do que os sobreviventes reentrevistados no seguimento. As prevalências de comprometimento cognitivo e de fragilidade na linha de base também foram significativamente maiores no grupo de falecidos do que entre os reentrevistados. Esses dados são consistentes com os de estudos que observaram diferenças entre os não entrevistados por motivo de óbito ou por outras razões e os entrevistados no seguimento, com relação a variáveis sociodemográficas, estado cognitivo e condições de saúde2525 Cacioppo JT, Cacioppo S. The Population-Based Longitudinal Chicago Health, Aging, and Social Relations Study (CHASRS): Study Description and Predictors of Attrition in Older Adults. Arch Sci Psychol [Internet]. 2018;6(1):21–31.Disponível em: http://dx.doi.org/10.1037/arc0000036,2626 Jacobsen E, Ran X, Liu A, Chang C-CH, Ganguli M. Predictors of attrition in a longitudinal population-based study of aging. Int Psychogeriatr [Internet]. 2021;33(8):767–78. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1017/S1041610220000447.
Em um estudo longitudinal de 10 anos, Cacioppo e Cacioppo2525 Cacioppo JT, Cacioppo S. The Population-Based Longitudinal Chicago Health, Aging, and Social Relations Study (CHASRS): Study Description and Predictors of Attrition in Older Adults. Arch Sci Psychol [Internet]. 2018;6(1):21–31.Disponível em: http://dx.doi.org/10.1037/arc0000036 relataram que a atrição por todas as causas apresentou associação com idade, educação, renda familiar e aposentadoria. Ao mesmo tempo, a retenção dos participantes na amostra relacionou-se com melhor função cognitiva e com mais relacionamentos sociais. Em outra investigação2626 Jacobsen E, Ran X, Liu A, Chang C-CH, Ganguli M. Predictors of attrition in a longitudinal population-based study of aging. Int Psychogeriatr [Internet]. 2021;33(8):767–78. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1017/S1041610220000447 também com 10 anos de seguimento, as perdas em ondas sucessivas foram mais prováveis entre os participantes mais velhos, do sexo masculino, socialmente isolados, fisicamente inativos e com comprometimento cognitivo na linha de base. Para cada ano adicional de idade no seguimento, o risco de atrição aumentou em 2,8%, enquanto para cada ponto a mais no MEEM na linha de base, o risco foi reduzido em 6,0%2626 Jacobsen E, Ran X, Liu A, Chang C-CH, Ganguli M. Predictors of attrition in a longitudinal population-based study of aging. Int Psychogeriatr [Internet]. 2021;33(8):767–78. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1017/S1041610220000447.
Além da mortalidade, o comprometimento cognitivo também figura entre as causas comuns de atrição em estudos longitudinais envolvendo idosos. De acordo com Chatfield et al.2929 Chatfield MD, Brayne CE, Matthews FE. A systematic literature review of attrition between waves in longitudinal studies in the elderly shows a consistent pattern of dropout between differing studies. J Clin Epidemiol [Internet]. 2005;58(1):13–9. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jclinepi.2004.05.006, que revisaram sistematicamente fatores associados à atrição em estudos de coorte com idosos, o aumento da idade e do comprometimento cognitivo são determinantes independentes de perda amostral no seguimento, excluindo-se a atrição decorrente do falecimento dos participantes. Esses autores observaram altas taxas de desistência entre aqueles que tinham deficit cognitivo, viviam sozinhos e não eram casados.
No presente estudo não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os reentrevistados e as perdas, considerando variáveis como idade, sexo, escolaridade, renda familiar e fragilidade na linha de base. Ao acompanhar uma subamostra da rede Fibra de Juiz de Fora (MG), Barbosa et al.3030 Barbosa SR, Mansur HN, Colugnati FAB. Impacts of frailty on the negative health outcomes of elderly Brazilians. Rev Bras Geriatr Gerontol [Internet]. 2017;20(6):836–44. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-22562017020.170069 tampouco observaram descaracterização da amostra estudada, com exceção de maior proporção de idosos que moravam sozinhos na linha de base entre as perdas amostrais ocorridas no seguimento de cinco/seis anos, o que se alinha parcialmente com nossos achados. Ressalte-se que diferenças metodológicas na coleta dos dados de seguimento entre o estudo de Barbosa et al.3030 Barbosa SR, Mansur HN, Colugnati FAB. Impacts of frailty on the negative health outcomes of elderly Brazilians. Rev Bras Geriatr Gerontol [Internet]. 2017;20(6):836–44. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-22562017020.170069 e a presente investigação, ou seja, menor intervalo de tempo entre as avaliações, exclusão dos idosos com deficit cognitivo e realização das entrevistas via telefone, podem ter contribuído para as divergências desses resultados.
Na comparação entre a linha de base e o seguimento, observamos um aumento significativo no número de idosos que moravam sozinhos, que não tinham companheiro(a), que tinham baixa renda e que apresentavam deficit cognitivo. Além disso, houve diminuição da proporção de idosos não-frágeis e aumento de idosos frágeis. Ao avaliar uma coorte de idosos longevos por cerca de cinco anos, Rhor et al.3131 Röhr S, Löbner M, Gühne U, Heser K, Kleineidam L, Pentzek M, et al. Changes in Social Network Size Are Associated With Cognitive Changes in the Oldest-Old. Front Psychiatry [Internet]. 2020;11:330. Disponível em: https://doi.org/10.3389/fpsyt.2020.00330 relataram que um terço dos participantes estavam socialmente isolados no seguimento. Além de serem mais velhos e apresentarem menor pontuação no MEEM, a maioria não tinha companheiro(a) e morava só. Dados do ELSA (English Longitudinal Study of Ageing)3232 Abell JG, Steptoe A. Why is living alone in older age related to increased mortality risk? A longitudinal cohort study. Age Ageing [Internet]. 2021;50(6):2019–24. Disponível em: https://doi.org/10.1093/ageing/afab155 mostraram que o risco de mortalidade em oito anos foi superior para os idosos que passaram a morar sozinhos durante o seguimento, seja por divórcio, seja por viuvez, ou então por depressão, solidão e redução da mobilidade. Em situações de viuvez, independentemente de alterações da renda, idosos longevos podem passam a residir com filhos e netos o que muitas vezes acaba por comprometer o seu próprio bem-estar3333 Carr D, Utz RL. Families in Later Life: A Decade in Review. J Marriage Fam [Internet]. 2020;82(1):346–63. Disponível em: https://doi.org/10.1111/jomf.12609.
Entre as mudanças observadas depois de nove anos, o desempenho cognitivo merece atenção porque tem impacto negativo na saúde dos idosos, aumenta o risco de incapacidade, reduz a qualidade de vida e contribui para outros desfechos adversos1111 Panza F, Seripa D, Solfrizzi V, Tortelli R, Greco A, Pilotto A, et al. Targeting Cognitive Frailty: Clinical and Neurobiological Roadmap for a Single Complex Phenotype. J Alzheimers Dis [Internet]. 2015;47(4):793–813. Disponível em: http://dx.doi.org/10.3233/JAD-150358. O declínio cognitivo associado ao envelhecimento varia entre os indivíduos, sendo que algumas pessoas manterão níveis relativamente altos de função cognitiva na velhice, enquanto outras experimentarão declínio rápido1616 Neri AL, Yassuda MS, Araújo LF de, Eulálio M do C, Cabral BE, Siqueira MEC de, et al. Metodologia e perfil sociodemográfico, cognitivo e de fragilidade de idosos comunitários de sete cidades brasileiras: Estudo FIBRA. Cad Saude Publica [Internet]. 2013;29(4):778–92. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000400015,3535 Fhon JRS, Rodrigues RAP, Santos JLF, Diniz MA, dos Santos EB, Almeida VC, et al. Factors associated with frailty in older adults. Rev Saúde Pública [Internet]. 2018;52:74–74. Disponível em: https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000497. De acordo com a revisão de Wu et al.3434 Wu Z, Phyo AZZ, Al-Harbi T, Woods RL, Ryan J. Distinct Cognitive Trajectories in Late Life and Associated Predictors and Outcomes: A Systematic Review. J Alzheimers Dis Rep [Internet]. 2020;4(1):459–78. Disponível em: https://doi.org/ doi.org/10.3233/ADR-200232, diferentes trajetórias na cognição são passíveis de acontecer. Determinantes sociais de saúde comumente associados a trajetórias mais favoráveis incluem escolaridade alta, engajamento social e atividade física, enquanto sintomas depressivos, limitações físicas, diabetes e fumo figuram entre fatores de risco3434 Wu Z, Phyo AZZ, Al-Harbi T, Woods RL, Ryan J. Distinct Cognitive Trajectories in Late Life and Associated Predictors and Outcomes: A Systematic Review. J Alzheimers Dis Rep [Internet]. 2020;4(1):459–78. Disponível em: https://doi.org/ doi.org/10.3233/ADR-200232.
Em estudos internacionais com períodos de seguimento de seis a 10 anos2121 Ottenbacher KJ, Graham JE, Al Snih S, Raji M, Samper-Ternent R, Ostir GV, et al. Mexican Americans and frailty: findings from the Hispanic established populations epidemiologic studies of the elderly. Am J Public Health [Internet]. 2009;99(4):673–9. Disponível em: http://dx.doi.org/10.2105/AJPH.2008.143958,2222 Espinoza SE, Jung I, Hazuda H. Frailty transitions in the San Antonio Longitudinal Study of Aging. J Am Geriatr Soc [Internet]. 2012;60(4):652–60. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.2011.03882.x, alterações no status da fragilidade seguem o mesmo padrão observado no presente estudo, ou seja, diminuição da proporção de idosos não-frágeis e aumento de idosos frágeis. Até onde é do nosso conhecimento, poucos estudos no Brasil acompanharam idosos por longos períodos, com relação a mudanças nas condições de vida e de saúde3030 Barbosa SR, Mansur HN, Colugnati FAB. Impacts of frailty on the negative health outcomes of elderly Brazilians. Rev Bras Geriatr Gerontol [Internet]. 2017;20(6):836–44. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-22562017020.170069,3535 Fhon JRS, Rodrigues RAP, Santos JLF, Diniz MA, dos Santos EB, Almeida VC, et al. Factors associated with frailty in older adults. Rev Saúde Pública [Internet]. 2018;52:74–74. Disponível em: https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000497. Fhon et al.3535 Fhon JRS, Rodrigues RAP, Santos JLF, Diniz MA, dos Santos EB, Almeida VC, et al. Factors associated with frailty in older adults. Rev Saúde Pública [Internet]. 2018;52:74–74. Disponível em: https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000497, por exemplo, observaram aumento da fragilidade após seis anos, e estimaram aumento no escore médio da fragilidade de 0,5% para cada ano adicional na idade e de 8,4% para aqueles que viviam sem cônjuge ou companheiro(a). Como ocorreu na investigação ora relatada, esses autores observaram aumento no número de participantes classificados como frágeis (17,6% vs. 50,4%) e uma diminuição no número de não-frágeis (59,5% vs. 28,6%), da linha de base para o seguimento3535 Fhon JRS, Rodrigues RAP, Santos JLF, Diniz MA, dos Santos EB, Almeida VC, et al. Factors associated with frailty in older adults. Rev Saúde Pública [Internet]. 2018;52:74–74. Disponível em: https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000497. O agravamento da fragilidade parece estar associado a diferentes fatores, com destaque para o aumento da idade, sexo feminino, presença de doenças neurodegenerativas, deficit cognitivo e condições socioeconômicas desfavoráveis. Em contraste, outros fatores (sexo masculino, escolaridade, apoio social, envolvimento cultural e atividade física) podem ter efeitos protetores1414 Welstead M, Jenkins ND, Russ TC, Luciano M, Muniz-Terrera G. A Systematic Review of Frailty Trajectories: Their Shape and Influencing Factors. Gerontologist [Internet]. 2021;61(8):e463–75. Disponível em: https://doi.org/10.1093/geront/gnaa061.
Este estudo apresenta limitações, entre elas o elevado número de perdas entre a linha de base e o seguimento. Como parte da atrição ocorreu por causa de eventos inevitáveis e frequentemente esperados em coortes idosas, entre eles morte e declínio cognitivo, acreditamos que não ocorreu descaracterização da amostra e, assim, os idosos reentrevistados representam brasileiros longevos. Uma outra limitação inerente a este estudo, é a extensão do intervalo entre as medidas de linha de base e seguimento, ou a ausência de medidas intermediárias entre elas. O planejamento de novos estudos longitudinais deveria tentar superar essa deficiência, pois assim agindo, terão maior chance de identificar determinantes diretos e indiretos de desfechos negativos tais como deficit cognitivo, fragilidade, incapacidade e multimorbidade.
Os altos custos financeiros, a maioria sem retorno imediato, a escassez de equipes permanentes preparadas para planejar e executar projetos de pesquisa longitudinal e a carência e a descontinuidade de recursos materiais e humanos estão na base da baixa frequência de estudos longitudinais no Brasil. No entanto, sua realização é fundamental para a compreensão das repercussões do envelhecimento na saúde e no bem-estar da população.
A segunda onda do estudo Fibra incluiu amostra de idosos longevos recrutados em domicílios familiares, um segmento populacional pouco investigado no Brasil. Considerando que, para as próximas décadas, há estimativas de aumento do número de idosos longevos com baixo nível educacional, pobres e com a saúde prejudicada1515 Fonseca Travassos G, Bragança Coelho A, Arends-Kuenning MP. The elderly in Brazil: demographic transition, profile, and socioeconomic condition. Rev Bras Estud Popul [Internet]. 2020;37:1–27. Disponível em: https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0129, este estudo exemplifica a decisão de tentar conhecê-los em profundidade para melhor intervir nas suas condições de vida, prejudicadas por adversidades antigas e atuais.
CONCLUSÃO
Após nove anos, houve aumento da vulnerabilidade física, cognitiva e social dos idosos. Além disso, os falecidos no período se diferenciaram dos sobreviventes na linha de base em termos de idade, escolaridade, status cognitivo e status de fragilidade. Esses dados colocam foco na necessidade de políticas públicas que favoreçam não só a qualidade de vida dos idosos longevos, mas também reduzam as inequidades de saúde ao longo da vida. Assim, ao identificar mudanças no perfil da população idosa ao longo do tempo, estratégias de prevenção individuais e coletivas poderão ser melhor planejadas e implementadas, visando não só ao bem-estar dos indivíduos e suas famílias, mas também à redução do impacto do envelhecimento populacional brasileiro nos sistemas de saúde e social. Portanto, estudos de coorte com amostras representativas da população e com mais medidas ao longo do tempo fazem-se necessários para o delineamento de políticas públicas para a pessoa idosa, seja de caráter preventivo, seja de cuidados de longo prazo.
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Financiamento da pesquisa: CAPES/PROCAD. No do processo: 2972/2014-01; FAPESP. No do processo: 2016/00084-8 e CNPq. No do processo: 424789/2016-7.
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Editado por
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Jun 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
09 Nov 2021 -
Aceito
28 Mar 2022