Open-access Tendência temporal da mortalidade por desnutrição proteico-calórica em pessoas idosas no Brasil, no período de 2000 – 2021

Resumo

Objetivo  Analisar a tendência temporal da mortalidade por desnutrição proteico-calórica em pessoas idosas no Brasil, no período de 2000 a 2021.

Método  Trata-se de um estudo epidemiológico, com delineamento ecológico, descritivo e analítico. Os dados foram obtidos anualmente no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), no período especificado. Foram calculadas as taxas de mortalidade brutas e ajustadas por idade, utilizando o método direto e a população mundial como referência. Para observar a tendência de mortalidade foram utilizados o modelo de Prais-Winsten e a Taxa de Incremento Anual (TIA).

Resultados  No período de 2000 a 2021, a taxa de mortalidade geral por desnutrição proteico-calórica em pessoas idosas oscilou, atingindo a máxima em 2006 (28,74) e mínima em 2021(10,64), com uma tendência decrescente (β= -0,015; p=0,005; TIA= -3,454%). Ao analisar as taxas padronizadas de mortalidade por sexo, identificou-se tendência decrescente para os dois grupos, com taxas maiores entre os homens durante toda a série histórica. Com relação à faixa etária, a tendência de mortalidade foi decrescente entre aqueles de 60 a 79 anos e estacionária para os indivíduos com 80 ou mais anos.

Conclusão  Os resultados desta pesquisa evidenciaram queda nas taxas de mortalidade por desnutrição proteico-calórica entre pessoas idosas, entretanto, as taxas de mortalidade por essa causa, que pode ser modificável, continuam elevadas, reforçando a necessidade de melhoria na assistência à saúde dessa população específica.

Palavras-Chave: Estudos de Séries Temporais; Mortalidade; Desnutrição Proteico-Calórica; Saúde da Pessoa Idosa

Abstract

Objective  To analyze the temporal trend in mortality from protein-calorie malnutrition among older adults in Brazil from 2000 to 2021.

Method  An epidemiological study with an ecological, descriptive analytical design was conducted. Annual data were obtained from the Brazilian Mortality Information System (SIM) for the specified period. Crude and age-adjusted mortality rates were calculated using the direct method and the world population as a reference. The Prais-Winsten model and Annual Percentage Change (APC) were used to observe the mortality trend.

Results  From 2000 to 2021, the general mortality rate from protein-calorie malnutrition in older adults fluctuated, reaching a maximum in 2006 (28.74) and minimum in 2021 (10.64), with a decreasing trend (β=- 0.015; p=0.005; APC=-3.454%). Analysis of standardized mortality rates by sex revealed a decreasing trend for both genders, and higher rates among men throughout the historical series. Regarding age group, a decline in mortality among individuals aged 60-79 years and a stable trend in subjects aged ≥ 80 years was observed.

Conclusion  The study results showed a drop in the rate of mortality from protein-calorie malnutrition among older adults. However, mortality rates from this modifiable cause remain high, underscoring the need to improve health care for this specific population.

Keywords Time Series Studies; Mortality; Protein-Calorie Malnutrition; Geriatric Health

INTRODUÇÃO

O aumento da expectativa de vida e as baixas taxas de natalidade estão transformando as pirâmides etárias ao redor do mundo1. Esta transição demográfica traz consigo uma mudança no perfil epidemiológico e nutricional das populações, com destaque para as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) que têm prevalência elevada nos indivíduos idosos. Em 2016, por exemplo, 63,9% das mortes no mundo ocorreram em pessoas idosas, em que as DCNT representavam as principais causas2. No contexto brasileiro, as doenças crônicas correspondem a quase 70% de anos de vida perdidos por incapacidade2.

Sabe-se que os indivíduos idosos apresentam predisposição maior às deficiências nutricionais, principalmente em situações de doenças e estresse. Nesse cenário, a desnutrição proteico-calórica pode surgir em decorrência de fatores sociais e fisiológicos, implicando em prejuízos às atividades diárias e às funções fisiológicas do corpo humano3. Além disso, está relacionada à diminuição da qualidade de vida, com maior susceptibilidade às infecções e aumento da taxa de mortalidade4-6.

Embora as doenças crônicas não transmissíveis relacionadas, sobretudo, à obesidade, representam na atualidade a principal causa de óbito na população mundial, mortes por desnutrição ainda se constituem um importante problema de saúde pública, sobretudo em países de média e baixa renda7,8. No Brasil, em 2012, a região Sul foi a que apresentou a menor taxa de mortalidade por desnutrição em pessoas idosas (16,37/100.000) e a região Nordeste, a maior taxa (31,80/100.000)8.

Neste contexto, estudos sobre mortalidade por desnutrição proteico-calórica ainda permanecem relevantes, uma vez que se trata de uma causa frequente de morbimortalidade que pode ser evitada através de uma assistência à saúde adequada e de qualidade, garantida através de políticas públicas que assegurem a promoção do envelhecimento ativo9,10. Além disso, conhecer a taxa de mortalidade por desnutrição proteico-calórica na população idosa e avaliar a tendência de ocorrência dos óbitos em uma série histórica de 20 anos poderá subsidiar gestores em saúde na tomada de decisões, auxiliá-los no planejamento e condução de políticas públicas, considerando que possíveis mudanças no padrão populacional podem ter ocorrido neste período.

Sendo assim, este estudo objetivou analisar a tendência temporal da mortalidade por desnutrição proteico-calórica entre pessoas idosas no Brasil, no período de 2000 a 2021.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de séries temporais, a partir de dados secundários retrospectivos da mortalidade por desnutrição proteico-calórica da população idosa brasileira.

Neste estudo, foi considerado pessoas idosas àquelas com idade ≥60 anos. Os dados referentes aos óbitos foram extraídos do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), sistema coordenado pelo Departamento de Informática do SUS (DATASUS) do Ministério da Saúde (MS)11, no qual foi selecionado o universo de óbitos anuais de pessoas registrados no Brasil, no período de 2000 a 2021, por local de ocorrência.

Foram analisados todos os óbitos por desnutrição proteico-calórica em indivíduos idosos, informados no SIM-MS, que ocorreram no território brasileiro. Foram selecionados os óbitos com códigos E43 a E46, pertencentes à categoria “desnutrição proteico-calórica”, registrados no período selecionado, e que tenha recebido a classificação de acordo com os critérios de Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (Décima Revisão) CID-1012. Os registros que não contemplaram idade e sexo foram excluídos da análise. Entre os anos de 2000 e 2021, foram registrados 93.868 óbitos nas pessoas idosas no Brasil pela causa especificada; entretanto, para atender aos critérios de exclusão propostos, 18 foram excluídos, permanecendo para as análises 93.850 óbitos.

Para análise descritiva, foram selecionadas as variáveis: ano do óbito (2000-2021), sexo (masculino; feminino), faixa etária em anos (60-64; 65-69; 70-74; 75-79; ≥80), raça/cor (branca; preta; amarela; parda; indígena; ignorado), escolaridade em anos de estudo (1-3; 4-7; 8-11; ≥12; ignorado) e estado civil (solteiro; casado; viúvo; separado judicialmente; outros; ignorado).

As taxas de mortalidade geral e específica foram calculadas dividindo-se o número de óbitos ocorridos na população de estudo (óbitos totais, óbitos por sexo, óbitos por faixa etária) pela população correspondente no período e grupo (sexo e faixa etária) estimado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)13, multiplicado por 100 mil habitantes. Em seguida, as taxas de mortalidade por desnutrição proteico-calórico das pessoas idosas foram padronizadas por idade pelo método direto, sendo utilizada como padrão a população mundial. A taxa ajustada por idade calculada foi: ∑ (taxa específica por idade) × (população padrão mundial na faixa etária)/∑ população padrão mundial14.

Para fins de análise, a partir dos dados obtidos foram calculadas as distribuições absolutas e relativas, o indicador taxa de mortalidade, a padronização das taxas e os valores dos logaritmos decimais, além da elaboração dos gráficos.

A tendência temporal dos indicadores foi analisada pela regressão linear de Prais-Winsten, que considera a autocorrelação serial15. Para tanto, foi realizada análise de regressão do logaritmo decimal (log de base 10) de cada indicador (variável dependente – Y) segundo ano de registro do óbito (variável independente – X), considerando a fórmula:

L o g ( Y t ) = β ) 0 + β 1 x ,

onde: Log(Yt): valor do logaritmo decimal do indicador Y no ano t; β0: constante ou intercepto; β1: coeficiente de tendência linear; x: ano de registro do óbito.

A tendência foi classificada em crescente (quando o coeficiente β1 foi positivo e p-valor <0,05 no teste de Wald), decrescente (quando o coeficiente β1 foi negativo e p-valor <0,05 no teste de Wald) ou estacionária (quando p-valor >0,05 no teste de Wald, independentemente do valor do coeficiente β1)15.

Para a Taxa de Incremento Anual (TIA), utilizou-se a seguinte fórmula:

T I A = ( 1 + 10 β ) 100

Onde o valor de β corresponde ao coeficiente de inclinação da reta formada na regressão.

Para o cálculo do intervalo de confiança (IC) das medidas do estudo, utilizou-se a seguinte fórmula:

I C 95 % = ( 1 + 10 ( β ± t E P ) ) 100

Onde t é o valor em que a distribuição t de Student apresenta 21 graus de liberdade a um IC95% bicaudal; e EP é o erro-padrão da estimativa de β, fornecido pela análise de regressão.

De acordo com a Resolução nº 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e a Lei nº 12.527/2011, estudos que utilizam informações de acesso público e irrestrito, cujos dados não têm possibilidades de identificação nominal, não necessitam de avaliação por Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

Foram registrados no Brasil, no período de 2000 a 2021, 93.850 óbitos por desnutrição proteico-calórica em pessoas idosas. As principais características sociodemográficas estão descritas na Tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas das pessoas idosas que morreram por desnutrição proteico-calórica no Brasil no período de 2000 a 2021 (n=93.850).

Ao longo do período investigado, houve uma variação na taxa padronizada de mortalidade por desnutrição proteico-calórica, com aumento nos primeiros anos da série. Entretanto, a partir do ano de 2010, as taxas começaram a cair, sendo que ao longo da série, a maior taxa registrada foi no ano de 2006 (28,74/100.000 habitantes) e a menor em 2021, (10,69/100.000 habitantes) (Tabela 2). Quando calculada a taxa padronizada de mortalidade específica por sexo, a maior taxa registrada para os homens foi 33,53/100.000 habitantes, nos anos de 2005 e 2006, e para as mulheres foi 25,01/100.000 habitantes em 2006 (Tabela 2, Figura 1).

Figura 1
Taxa padronizada de mortalidade por desnutrição proteico-calórica em pessoas idosas, específica por sexo no período de 2000 a 2021.
Tabela 2
Taxa padronizada de mortalidade por desnutrição proteico-calórica entre pessoas idosas (por 100.000 habitantes) geral e específica por sexo e faixa etária (em anos), Brasil, 2000 a 2021 (n=93.850).

Quando calculada a taxa padronizada de mortalidade por desnutrição proteico-calórica específica por faixa etária, os resultados apontam para um aumento nas taxas à medida que aumenta a idade. Destaca-se que as maiores taxas no Brasil, no período estudado, foram registradas entre os indivíduos com 80 ou mais anos (Tabela 2, Figura 2).

Figura 2
Taxa padronizada de mortalidade por desnutrição proteico-calórica em pessoas idosas, específica por faixa etária (em anos) no período de 2000 a 2021.

A análise da tendência das taxas padronizadas de mortalidade por desnutrição proteico-calórica em pessoas idosas no Brasil, geral e específica por sexo e faixa etária, no período de 2000 a 2021, está apresentada na Tabela 3. A mortalidade por desnutrição proteico-calórica nos indivíduos idosos, na série temporal estudada, foi decrescente (β=-0,015; p=0,005; TIA=-3,454%). Ao analisar as taxas padronizadas de mortalidade por sexo, identificou-se tendência decrescente para os dois grupos. Com relação à faixa etária, a tendência de mortalidade foi decrescente entre aqueles de 60 a 79 anos e estacionária para os indivíduos com 80 ou mais anos (Tabela 3).

Tabela 3
Tendência das taxas padronizadas de mortalidade por desnutrição proteico-calórica em pessoas idosas no Brasil, geral e específica por sexo e faixa etária, no período de 2000 a 2021.

DISCUSSÃO

Esse estudo analisou a tendência temporal da mortalidade por desnutrição proteico-calórica em pessoas idosas brasileiras no período de 2000 a 2021. Como resultado, verificou-se que houve uma variação nas taxas de mortalidade ao longo do período estudado, sendo que quando específicas por sexo e faixa etária, as taxas foram maiores no sexo masculino e em indivíduos com 80 ou mais anos. Além disso, a análise indicou uma tendência decrescente da mortalidade por desnutrição proteico-calórica em pessoas idosas no geral, nas taxas específica por sexo e na faixa etária entre 60 e 79 anos, já para o grupo ≥80 anos, a tendência foi estacionária, ou seja, demonstrando que para as pessoas com maior longevidade, não houve tendência de queda da mortalidade por esta causa.

Apesar dos resultados observados neste estudo quanto à diminuição da mortalidade por desnutrição proteico-calórica ao longo da série temporal estudada, a literatura evidencia que a desnutrição em indivíduos idosos continua sendo um importante problema de saúde pública no Brasil5,16 e no mundo6,17.

Estudos têm discutido o impacto da desnutrição na saúde da população idosa, indicando que este grupo apresenta pior prognóstico para os agravos à saúde4-6,18. É importante destacar que a desnutrição proteico-calórica é um fator preditor para outras morbimortalidades, e está associada ao declínio do estado funcional, influenciando nas atividades da vida diária, diminuindo a qualidade de vida em geral3. Além disso, a desnutrição também compromete a função muscular, diminui a massa óssea, causa disfunção imunológica, anemia, redução da função cognitiva, má cicatrização de feridas, atraso na recuperação da cirurgia, taxas mais altas de readmissão hospitalar, podendo contribuir para o desenvolvimento de síndromes geriátricas na população idosa, aumentando, assim, a mortalidade4-6,18. Sendo que o baixo peso extremo entre indivíduos idosos é apontado como um dos fatores mais fortemente associado à mortalidade18,19.

Destaca-se, ainda, que o processo de envelhecimento traz consigo modificações fisiológicas, tais como alterações no paladar, alterações digestivas, polifarmácia, redução da massa magra e aumento da massa gorda que contribuem para a deterioração do estado nutricional5.

Estudos relativos ao tema desnutrição em pessoas idosas merecem maior atenção, considerando o aumento da expectativa de vida e os desafios colocados pelo envelhecimento7,8. Assim, mesmo tendo sido observadas taxas decrescentes de óbitos por desnutrição proteico-calórica, as mesmas ainda são altas, considerando ser um agravo previnível, confirmando a perspectiva dada na literatura, de necessidade de maior atenção ao grupo de pessoas idosas nos cuidados em saúde7,20,21.

As taxas de mortalidade por desnutrição proteico-calórica foram maiores em indivíduos do sexo masculino, corroborando com outros estudos brasileiros que avaliaram a mortalidade em pessoas idosas por desnutrição20-22 e por outras causas23,24.

Há evidências de que a maior mortalidade por causas evitáveis, como é o caso da desnutrição na população do sexo masculino, se dá em função da negligência do homem com relação à adesão a um estilo de vida saudável, bem como às práticas de cuidado com a saúde23-25.

Essa falta de cuidado inclui baixa adesão a uma alimentação adequada, que pode estar associado ao menor conhecimento e preocupação dos homens com questões ligadas, não só à alimentação saudável, mas à saúde como um todo, menor procura dessa população por serviços de saúde, tornando-os vulneráveis a algumas doenças e quando eles decidem usar os serviços, muitas vezes não há tempo oportuno para tratamento eficaz da doença, e essas questões podem implicar o aumento das taxas de mortalidade masculina23-25.

Os resultados aqui apontam para a necessidade de os formuladores e gestores da saúde aprimorarem as políticas e programas de atenção à saúde do homem, principalmente da população idosa já que a assistência a esse público ainda apresenta limitações. É importante também intensificar a participação desta população em grupos específicos sobre cuidados para a saúde, inclusive sobre alimentação saudável, além de oferecer um espaço de acolhimento e escuta de problemas diversos26.

Como observado nesse estudo, as taxas de mortalidade por desnutrição proteico-calórica em pessoas idosas aumentaram com o avançar da idade. Estudos realizados por Mostafa et al.,27 e Bardon et al.,28, confirmam esses achados, possivelmente, devido às transformações que o organismo sofre durante o processo de envelhecimento, desencadeando alterações fisiológicas, patológicas, sociais e psicológicas, que impactam inclusive no estado nutricional do indivíduo. Assim, como consequência dessa vulnerabilidade crescente, as taxas de mortalidade também são maiores à medida que aumenta a idade, o que pode justificar a tendência estacionária em pessoas com maior longevidade.

Destacam-se vários fatores relacionados às elevadas taxas de desnutrição e, consequentemente, da mortalidade por desnutrição em pessoas idosas. Com o aumento da idade, o apetite e, consequentemente, o consumo de alimentos tendem a diminuir, o que pode levar o indivíduo a um quadro de desnutrição, resultado de um desequilíbrio entre a quantidade e a qualidade de micro e macronutrientes ingeridos e a necessidade do organismo, o que causa uma redução mensurável no tecido e, também, muitas vezes do peso6,29.

A redução no apetite e na ingestão de energia, relacionada com a idade, é denominada de anorexia do envelhecimento. Esta pode se relacionar com a presença de doenças crônicas e agudas, polifarmácia, ou medicamentos específicos, processos gastrintestinais de saciedade, modificações sensoriais típicas do envelhecimento, regulação central do apetite e aumento da adiposidade corporal, com aumento de adipocitocinas, e citocinas pró-inflamatórias, sendo que este desfecho tende a se intensificar, à medida que as pessoas vão ganhando mais idade6. Este fato pode justificar as maiores taxas de mortalidade com o avançar da idade, e maior susceptibilidade de pessoas idosas mais velhas, conforme observado nos resultados do presente estudo.

O declínio da mortalidade por desnutrição proteico-calórica observado entre as pessoas idosas de até 79 anos pode ser justificado pela ampliação de direitos e programas sociais e de saúde. Desde 1988, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, que o governo federal vem implementando políticas públicas para o combate à desnutrição e seus fatores desencadeantes30. Entre 1996-2006, houve uma redução considerável da fome, e consequentemente, na desnutrição, fato atribuído ao aumento do poder aquisitivo das famílias, sobretudo a partir de 2003, com amplificação e criação de novos programas de transferência de renda, em associação à forte expansão do acesso aos serviços públicos de educação básica e de atenção primária em saúde, e que se estendeu até meados de 2015, tirando o Brasil do mapa mundial da fome30-32.

As políticas públicas se mostraram com saldo positivo no geral, mas, com as mudanças políticas ocorridas no Brasil em geral, a partir de 2016, houve um retorno e ampliação das desigualdades, sobretudo junto à população pobre, resultado do descrédito com as políticas sociais de segurança alimentar e nutricional que ocorreram no Brasil nos últimos tempos, sobretudo durante a pandemia de covid-1932-34.

Neste contexto, considerando o cenário da (in)segurança alimentar no Brasil e a necessidade de políticas públicas efetivas e eficazes, a desnutrição no grupo de pessoas idosas desperta o interesse de pesquisadores, não apenas pelo número expressivo de óbitos observados a cada ano, mas, especialmente pela natureza do evento4. É importante que as políticas públicas já existentes, sejam discutidas e aprimoradas, e que novas políticas, sejam implementadas, sobretudo com um olhar para as pessoas mais longevas, cujos resultados deste estudo apontam que a mortalidade por desnutrição proteico-calórica entre aqueles com idade ≥80 anos foi estacionária, demonstrando a importância da atenção à saúde dessa população.

Faz-se necessário também que os serviços de saúde estejam preparados para identificar de forma precoce aqueles indivíduos em risco nutricional para que também de forma precoce, se estabeleça intervenções adequadas, sobretudo para as pessoas idosas acamadas, cuja ocorrência de desnutrição é elevada, possivelmente devido à baixa prioridade dada a questões relativas à avaliação nutricional bem como à terapia nutricional35.

O presente estudo possui algumas limitações, dentre essas se destacam a procedência dos dados analisados, obtidos de fontes secundárias, que podem conter dados imprecisos devido à inadequação no preenchimento dos registros e formulários, além da subnotificação, principalmente durante a pandemia da covid-19. Entretanto, como pontos fortes, o trabalho conta com o uso de um registro nacional de qualidade, que inclui uma população final expressiva e robusta, além de uma série histórica de 21 anos, o que possibilita o monitoramento e avaliação das políticas públicas de alimentação e nutrição, bem como auxiliar no planejamento para as ações na saúde pública, sobretudo para essa população específica. Outro destaque é a metodologia utilizada, pois houve uma padronização das taxas de mortalidade ajustadas pela população mundial permitindo comparações com outros estudos.

CONCLUSÃO

Este estudo apresentou a taxa de mortalidade por desnutrição proteico-calórica no Brasil e sua evolução ao longo dos últimos 21 anos. Apesar da tendência de queda, destaca-se que as taxas de mortalidade por desnutrição na população idosa brasileira, ainda são altas, principalmente no sexo masculino, e quanto à idade, quanto mais avançada, maiores são as taxas, conferindo importância para o monitoramento constante dessas taxas e das políticas e programas adotados para a sua redução.

Nesse contexto, espera-se que os resultados deste estudo possam contribuir para o conhecimento e discussão sobre os aspectos epidemiológicos da mortalidade por desnutrição proteico-calórica em pessoas idosas no Brasil. E mais, que possam auxiliar profissionais da saúde e gestores no planejamento de ações estratégicas para promoção da saúde prevenção da desnutrição em pessoas idosas.

  • Financiamento da pesquisa: Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal do Amazonas/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIBIC/UFAM/CNPq), pela concessão da bolsa de iniciação científica a Danilo Esteves Gomes.
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS
    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente Ronilson Ferreira Freitas.

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Editado por

  • Editado por: Camila Alves dos Santos

Disponibilidade de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2024
  • Aceito
    12 Jun 2024
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