RESUMO
A intensificação da agropecuária na Amazônia ameaça a manutenção da biodiversidade, interfere na ciclagem da água e nos estoques de carbono, alterando os ciclos biogeoquímicos em escala local e regional. Recentemente, na Amazônia, políticas públicas têm sido criadas para promover o desenvolvimento sustentável, tal como observado com o Plano Nacional de Produção e uso do Biodiesel (PNPB) em 2005, e o Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma (PPSOP) em 2010, facilitando a entrada de alguns municípios do nordeste paraense na cadeia produtiva da palma de óleo (dendê - Elaeis guineensis Jacq.). Assim, o objetivo deste trabalho é quantificar a cobertura vegetal e o uso da terra para avaliar a qualidade ambiental do município de Mãe do Rio no Pará, para os anos de 2008 e 2016. A metodologia inclui revisão bibliográfica, análise espacial/temporal da cobertura e uso da terra e o Índice de Transformação Antrópica (ITA). Os resultados demonstram que as principais mudanças ocorridas em 2008 e 2016 são: i. o desmatamento contínuo das florestas primárias, enquanto a floresta secundária aumenta em área; ii. a expansão gradual dos dendezeiros sobre as áreas de agropecuária; iii. o aumento da área de solo exposto indica uma alta rotatividade do uso e cobertura da terra; iv. em 2008 e 2016, os índices são 7,56 e 7,64 respectivamente, considerados “potencialmente insustentáveis”, devido à continua supressão de floresta primária, degradada e campinaranas, favorecendo a perda da biodiversidade na região, condição que justifica o apoio à política da dendeicultura.
Palavras-chave:
Amazônia; Sustentabilidade; Uso da terra
ABSTRACT
The intensification of agriculture in the Amazon threatens the maintenance of biodiversity, interferes with water cycling and carbon stocks, altering biogeochemical cycles on a local and regional scale. Recently, in the Amazon, public policies have been created to promote sustainable development, as observed with the National Plan for the Production and Use of Biodiesel (PNPB) in 2005 and the Sustainable Palm Oil Production Program (PPSOP) in 2010, facilitating the entry of some municipalities in the northeast of Pará to the oil palm productive chain (oil palm - Elaeis guineensis Jacq.). Thus, the objective is to quantify the vegetation cover and land use to assess the environmental quality of the municipality of Mãe do Rio in Pará for the years 2008 and 2016. The methodology includes bibliographic review, spatial/temporal analysis of the coverage and use of land, and the Anthropic Transformation Index (ITA). The results show that the main changes that occurred in 2008 and 2016 are: i. the continuous deforestation of primary forests, while the secondary forest increases in area; ii. the gradual expansion of oil palm over agricultural areas; iii. the increase in the area of exposed soil indicates a high turnover in land use and coverage; iv. in 2008 and 2016, the indexes are 7.56 and 7.64 respectively, considered “potentially unsustainable,” due to the continuous suppression of primary, degraded and campinaranas forests, favoring the loss of biodiversity in the region, a condition that justifies support for oil palm.
Keywords:
Amazon; Sustainability; Land use
1 INTRODUÇÃO
A região amazônica tem grande visibilidade internacional devido à grande extensão de sua floresta tropical, alta diversidade biológica e dinâmica sociocultural e, em contrapartida, também vivencia a intensificação das atividades agropecuárias que põem em risco a manutenção desses ambientes naturais, introduzindo novos hábitos culturais mais centrados na vida urbana. Essa dinâmica é reflexo de ações governamentais que se materializaram sobre o espaço e podem ser resumidas em dois momentos distintos: o primeiro com a criação de políticas desenvolvimentista do Estado voltada principalmente para a integração nacional e o crescimento econômico em bases predatórias (1960 - 1980), o segundo com o lançamento de programas e planos de cunho sustentáveis (pós-década de 1980).
No primeiro momento, observa-se o forte incentivo à ocupação territorial da região, principalmente a partir da década de 1960, estimulado pelo crescimento populacional e econômico. Aponta-se como principais consequências a expansão da fronteira agropecuária, a formação de grandes latifúndios, a exploração madeireira, a redução das áreas florestadas, a formação de pastagens, a implantação da rede de integração espacial, a exploração mineral, a expansão urbana e o agronegócio (RIVERO et al., 2009RIVERO, S. et al. Pecuária e desmatamento: uma análise das principais causas diretas do desmatamento na Amazônia. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 19, n. 1, p. 41-66, 2009.).
No segundo, são nítidas as críticas ao modelo de desenvolvimento implantado até então, no qual as mudanças na cobertura e uso da terra resultaram em grande perda de biodiversidade, mais de 200.000 km² de pastagens degradadas e improdutivas, altas taxas de desmatamento (da ordem de 15 a 20.000 km² por ano) e emissões de grandes quantidades de gases de efeito estufa e aerossóis (VIEIRA; SILVA; TOLEDO, 2005VIEIRA, I. C. G., SILVA, J. M. C.; TOLEDO, P. M. Estratégias para evitar a perda de biodiversidade na Amazônia. Estudos Avançados, [s. l.], v. 19, n. 54, p. 153-164, 2005.). Convergindo para a instalação de um novo modelo de desenvolvimento regional em bases sustentáveis (MELLO; ARTAXO, 2017MELLO, N. G. R. D.; ARTAXO, P. Evolução do plano de ação para prevenção e controle do desmatamento na Amazônia legal. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 66, p. 108-129, 2017.), como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal - PPCDA, voltado para a redução da taxa de desmatamento e da degradação florestal na Amazônia Legal, esse plano está baseado em três eixos: i. Ordenamento Fundiário e Territorial; ii. Monitoramento e Controle Ambiental; e iii. Fomento às Atividades Produtivas Sustentáveis.
Percebe-se, ao longo dos anos, a contínua ocupação abrindo novas fronteiras agrícolas na Amazônia. No ano de 2008, o biodiesel entrou no mercado nacional, aumentando, dessa forma, as perspectivas favoráveis para a expansão do plantio da palma de óleo na região Amazônica. Estudos realizados pela EMBRAPA avaliam que o Estado do Pará apresenta condições edafoclimáticas para o cultivo da palma (VENTURIERI, 2011VENTURIERI, A. Evolução da área plantada com palma de óleo no Brasil, com ênfase no estado do Pará. Agroenergia em Revista, Brasília, DF, v. 2, p. 18, 2011.). Costa (2010COSTA, W. M. D. Communities arrangements, productive systems, scientific and technological inputs for land use and forest resources in Amazon. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, [s. l.], v. 5, n. 1, p. 41-57, 2010.) calcula que aproximadamente 5 milhões de hectares estão aptos para o plantio dessa cultura.
Tais condições incentivaram a criação do Plano Nacional de Produção e uso do Biodiesel (PNPB) em 2005, e o Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma (PPSOP) em 2010, o que motivou outros municípios paraenses a entrar na cadeia produtiva do óleo de palma (dendê - Elaeis guineensis Jacq.). O aumento desses cultivos na região trouxe no bojo a necessidade de acompanhar as mudanças na cobertura e uso da terra, a avaliação da sustentabilidade e gestão territorial. Assim, o objetivo deste artigo é quantificar a cobertura vegetal e o uso da terra para avaliar a qualidade ambiental do município de Mãe do Rio no Pará, nos anos de 2008 e 2016. O interesse por essa área da Amazônia oriental se justifica por estar inserida na cadeia produtiva da dendeicultura no Estado do Pará, apresentar índices crescentes de desmatamento, ser a mais antiga área de ocupação dirigida, apresentar padrões de desenvolvimento diferenciados, alta vulnerabilidade socioeconômica e problemas ambientais acentuados (WATRIN; GERHARD; MACIEL, 2009WATRIN, O. D. S.; GERHARD, P.; MACIEL, M. Dinâmica do uso da terra e configuração da paisagem em antigas áreas de colonização de base econômica familiar, no Nordeste do estado do Pará. Geografia, Rio Claro, v. 34, n. 3, p. 455-472, set./dez. 2009.; LAMEIRA; VIEIRA; TOLEDO, 2015LAMEIRA, W. J. de M.; VIEIRA, I. C. G.; TOLEDO, P. M. Análise da expansão do cultivo da palma de óleo no Nordeste do Pará (2008 a 2013). Novos Cadernos NAEA , Belém, v. 8, n. 2, 2015.).
2 MATERIAL E MÉTODO
2.1 Área de estudo
Mãe do Rio pertence à mesorregião nordeste paraense. Possui cerca de 467 km², cuja sede municipal está localizada nas coordenadas 02º02’48” de latitude Sul e 47º33’12” de longitude a Oeste de Greenwich (IBGE, 2018IBGE. Malha municipal digital: escala 1:250.000. 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.ibge.gov.br.php . Acesso em: 08 fev. 2018.
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). Trata-se de uma área de ocupação consolidada, cuja dinâmica da cobertura e uso da terra está fortemente ligada à abertura da rodovia BR-010 (Belém-Brasília), no início da década de 1960 (Figura 1). Entre as décadas de 1980 e 1990, Mãe do Rio, no Pará, foi apontado como grande produtor de madeira do Estado. Tal extração contribuiu para aumentar os índices de desmatamento na região, tanto que, em 2000, restavam apenas 20% de sua cobertura original, e, em 2019, menos que 5% (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS, 2019INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS (Brasil). Projeto PRODES. Brasília, 2019. Disponível em: Disponível em: http://www.dpi.inpe.br/prodesmunicipal.php . Acesso em: 22 mar. 2021.
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).
O padrão climático é classificado como megatérmico e úmido, com temperatura média anual, em torno de 25°C. O principal tributário é o igarapé Mãe do Rio e os solos predominantes são os Latossolos Amarelos e o Concrecionário Laterítico (IBGE, 2018IBGE. Malha municipal digital: escala 1:250.000. 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.ibge.gov.br.php . Acesso em: 08 fev. 2018.
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). A geologia é formada por sedimentos Terciários da Formação Barreiras (arenitos, argilitos, coalinicos e siltitos) e do Quartenário Subatual e Recente (areias, siltos, argilas e cascalhos) (EMBRAPA, 2009EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Serviço de Produção de Informação. Sistema brasileiro de classificação de solos. Brasília, 2009.). A população estimada é de 29.260 pessoas, com densidade demográfica de 59,43 hab/km² (IBGE, 2017IBGE. Estimativas da população. Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: Disponível em: https://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2017/estimativa_dou_2017.pdf . Acesso em: 15 dez. 2017.
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). Cerca de 46,7% dessa população têm rendimento nominal mensal per capita de até 1/2 salário mínimo, sendo que apenas 41% possui esgotamento sanitário adequado. Esses números indicam uma fragilidade socioeconômica local.
2.2 Classificação da cobertura vegetal e uso da terra (2008 - 2016)
As informações de cobertura vegetal e uso da terra, para o ano de 2008, foram obtidas a partir do banco de dados no escopo do Projeto Cenário para a Amazônia (ALMEIDA; VIEIRA, 2014ALMEIDA, A. S.; VIEIRA, I. C. G. Cenários para a Amazônia: área de endemismo Belém: sumário executivo. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2014.), realizado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e, para o ano de 2016, as informações foram obtidas através de imagens orbitais ortorretificadas do satélite Landsat 8 sensor OLI (Operational Land Imager), órbita/ponto 223/61 de 20 de outubro de 2016, resolução espacial 30 m (UNITED STATES GEOLOGICAL SURVEY, 2016UNITED STATES GEOLOGICAL SURVEY. Imagens orbitais digitais gratuitas do satélite Landsat-8: data de passagem 04/08/2016. United States, 2016. Disponível em: Disponível em: http://landsat.usgs.gov . Acesso em: 19 ago. 2016.
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). A seguir, foram combinadas as bandas das faixas espectrais do vermelho (banda 4), infravermelho próximo (banda 5) e infravermelho médio (banda 6) em uma composição colorida (R6G5B4) para a execução da classificação. Aplicou-se também a técnica de realce espacial (fusão de imagens) que associa as características espectrais das bandas multiespectrais com a resolução espacial da banda pancromática, gerando uma imagem de 15 metros de resolução espacial, procedimento necessário à distinção das áreas de cobertura e uso da terra.
Logo após tal procedimento, realizou-se a classificação não supervisionada, aplicando o algoritmo de agrupamento ISODATA (Iterative Self-Organizing Data Analysis Technique), para identificar os padrões dos níveis de cinza predominantes na cena. Utilizou-se como parâmetro o intervalo de 5 a 10 classes para serem identificadas com 10 interações e agrupamento mínimo 10 pixels por classe.
O banco de dados do Centro de Endemismo Belém serviu de referência para definir a legenda do mapa de cobertura e uso da terra de 2016, a saber: floresta primária, floresta degradada, campinarana, floresta secundária, agropecuária (agricultura e pasto sujo), pasto limpo, dendezeiros, solo exposto, e outros (água, sombra e nuvens). As florestas primárias caracterizam-se principalmente pela presença de árvores de 30 a 40 m de altura e dosséis emergentes (IBGE, 2012IBGE. Manual técnico da vegetação brasileira: sistema fitogeográfico, inventário das formações florestais e campestres, técnicas e manejo de coleções botânicas, procedimentos para mapeamentos. Rio de Janeiro, 2012. 271 p.). A campinarana ocorre em áreas de baixa declividade e solos arenosos, às proximidades de rios, enquanto nas florestas degradadas observa-se a presença de remanescentes de floresta nativa e áreas com intervenção antrópica, tais como ramais de estradas, pátios de estocagem de madeireira e cicatrizes de fogo. A floresta secundária ocupa áreas em processo de sucessão florestal, que ocorre após intervenção antrópica para o uso da terra (mineração, agricultura e/ou pecuária) (IBGE, 2012IBGE. Manual técnico da vegetação brasileira: sistema fitogeográfico, inventário das formações florestais e campestres, técnicas e manejo de coleções botânicas, procedimentos para mapeamentos. Rio de Janeiro, 2012. 271 p.). A agropecuária, neste estudo, abrange as culturas temporárias de subsistência e o pasto sujo que são pastagens cultivadas em estado de degradação. O pasto limpo destaca a cadeia da pecuária extensiva, a qual emprega técnicas de manejo de pastagens. Outra classe identificada foi o dendezeiro em áreas voltadas para o plantio da palma de óleo, para produção do biodiesel na Amazônia. O solo exposto refere-se a áreas urbanizadas e/ou com exposição total ou parcial da terra.
Aplicou-se o algoritmo MAXVER (Máxima Verossimilhança) para gerar a classificação supervisionada (CELINSKI; ZIMBACK, 2010CELINSKI, T. M.; ZIMBACK, C. R. L. Discriminação de classes de cobertura vegetal utilizando técnicas de classificação digital de imagens de sensoriamento remoto. Revista Energia na Agricultura, Botucatu, v. 25, n. 1, p. 152-170, 2010.). Nos casos em que os pixels foram classificados em outra classe, utilizou-se a extensão ClassEdit (edição de classes), para os devidos ajustes. Tais processamentos foram realizados na plataforma ENVI 5.0 (ENVIRONMENT FOR VISUALIZING IMAGES, 2017ENVIRONMENT FOR VISUALIZING IMAGES. Guia do ENVI em Português. [S. l.]: Sulsoft, 2017.), enquanto as análises espaciais e layout dos mapas foram realizadas no ArcGIS 10.5 (ENVIRONMENTAL SYSTEMS RESEARCH INSTITUTE, 2017ENVIRONMENTAL SYSTEMS RESEARCH INSTITUTE. ArcGIS desktop and spatial analyst extension: release 10.5. [S. l.: s. n.], 2017.).
Foram realizadas duas viagens de campo em 2016, para reconhecimento da área de estudo e validação das classificações supervisionada de 2016. Elaborou-se previamente um roteiro de campo com as classes mapeadas e as características espaciais/visuais identificadas na imagem de satélite. Tais pontos foram inseridos em um receptor GPS (Global Positioning System) de navegação modelo GPSmap 62s, que em campo foram checados e armazenados com registros fotográficos. Em seguida, gerou-se a matriz de erro ou confusão para avaliar a classificação de 2016 mediante a análise da Exatidão Global e do Índice de Kappa (valor de 0 - 1) (HUDSON; RAMM, 1987HUDSON, W. D.; RAMM, C. W. Correct formulation of the kappa coefficient of agreement. Photogrammetric Engineering & Remote Sensing, Falls Church, v. 53, n. 4, p. 421-422, 1987.).
2.3 Avaliação da pressão antrópica
O Índice de Transformação Antrópica (ITA) é uma metodologia que permite mensurar a pressão antrópica no ambiente com base no uso e cobertura da terra. Por isso, tem ampla aplicabilidade na identificação das práticas agrícolas e na gestão eficaz dos recursos naturais para o desenvolvimento econômico com menor impacto ambiental. Trata-se de um valor agregado que quantifica dados de cobertura vegetal e o uso da terra (GOUVEIA; GALVANIN; NEVES, 2013GOUVEIA, R. G. L.; GALVANIN, E. A. S.; NEVES, S. M. A. S. Aplicação do índice de Transformação Antrópica, na análise multitemporal da Bacia do Córrego do Bezerro Vermelho em Tangará da Serra - MT. Revista Árvore, Viçosa, MG, v. 37, n. 1, p. 1045-1054, 2013.). Avalia a qualidade ambiental de uma determinada área, cuja saída é um índice do potencial de pressão antrópica sobre os recursos naturais. Tal índice é dado pela Equação (1):
Em que: Uso = área (em %) do tipo de uso da terra no componente do ambiente. Peso = quantidades máximas de tipos de cobertura e uso da terra quanto ao grau de alteração antrópica; varia de 1 a 10, em que 10 indica as maiores pressões.
Utilizou-se o intervalo de 0 a 10, sendo que a menor pressão é igual a zero (0) e a maior é igual a dez (10). A seguir, esses pesos foram classificados em cinco níveis de pressão: 0 - 2, sustentável; 2,1 - 4,0 potencialmente sustentável; 4,1- 6,0 intermediário; 6,1 - 8,0 potencialmente insustentável; 8,1 - 10,0 insustentável. Essa divisão em cinco intervalos consegue destacar dois componentes: a direção e a intensidade, gerando uma distribuição semelhante à normal, que aumenta o nível de confiabilidade dos resultados. As regras para mensurar a pressão antrópica estão descritas na Tabela 1.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Mudanças da cobertura e uso da terra em Mãe do Rio, Pará (2008 - 2016)
O cálculo da matriz de erro mostra que as classes com maior número de acertos foram: agropecuária (93%), floresta primária (90%) e a floresta degradada (85%). A Exatidão Global da classificação de 2016 foi de 0,90% e o índice Kappa 0,89, indicando uma alta qualidade da classificação supervisionada de 2016. A síntese das mudanças na cobertura e uso da terra observadas de 2008 a 2016 pode ser visualizada na Tabela 2.
Na cobertura vegetal, a floresta primária foi a classe com menor distribuição em área (2,88 km²), com perda contínua de sua área original. Nas campinaranas, essa perda ultrapassou os 89%, passando de 12,95 km² para 1,39 km². As florestas degradadas também tiveram reduções de aproximadamente 92,5%, restando apenas 3,81 km² (7,5%) em 2016. A exceção foi as florestas secundárias, que tiveram acréscimos de 224,4%, passando de 49,22 km² para 159,69 km². Sabe-se que as mudanças na cobertura vegetal na região estão fortemente relacionadas com o modelo importado de desenvolvimento regional, baseado na remoção de florestadas nativas, tidas como um recurso de baixo valor, mas com papel determinante na manutenção da biodiversidade regional (WATRIN; GERHARD; MACIEL, 2009WATRIN, O. D. S.; GERHARD, P.; MACIEL, M. Dinâmica do uso da terra e configuração da paisagem em antigas áreas de colonização de base econômica familiar, no Nordeste do estado do Pará. Geografia, Rio Claro, v. 34, n. 3, p. 455-472, set./dez. 2009.). Mãe do Rio, no Pará, segue essa tendência de retirada dessas formações florestais. As florestas secundárias triplicaram sua distribuição na área de estudo, tal comportamento possui duas justificativas: (i) a forma tradicional da agricultura de corte e queima (itinerante) na região, que adota diferentes períodos de rotação dos campos e pousio para maximizar o capital energético e nutritivo do complexo natural solo-vegetação da floresta, principal técnica de manejo das populações rurais locais (PEDROSO JÚNIOR et al., 2008PEDROSO JÚNIOR, N. N. et al. A agricultura de corte e queima: um sistema em transformação. Boletim do Museu Paranaense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 2, p. 153-174, 2008.); (ii) as Instruções Normativas (IN) nº 02/2014 (substituída pela IN nº 08/2015), passando a regular o processo de supressão de florestas secundárias, permitindo apenas as de estágios iniciais de sucessão (PARÁ, 2015PARÁ. Instrução Normativa nº 8/2015, de28 de outubro de 2015. Limpeza e autorização de supressa de vegetação secundária em estágio inicial de regeneração nos imóveis rurais, no âmbito do Estado do Pará. Belém, 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.semas.pa.gov.br/2015/11/03/instrucao-normativa-no-08-de-28-de-outubro-de-2015 /. Acesso em: 05 dez. 2015.
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).
No uso da terra, observou-se que a agropecuária reduziu em 26,2%. Do total de áreas de agropecuária em 2008, cerca de 52,6% (143,14 km²) permaneceram como agropecuária em 2016, sendo o restante convertido em outras classes, floresta secundária (65,37 km² - 24%), seguido de solo exposto (29,72 km² - 10,9%), pasto limpo (17,68 km² - 6,5%) e dendezeiros (14,1 km² - 5,2%). Os dendezeiros aumentaram de 0,05 km² para 18,52 km², e avançaram principalmente para as áreas de agropecuária. No pasto limpo, houve redução de 57,7%, que foi convertido para agropecuária (27,51 km²) e floresta secundária (18,72 km²). O solo exposto aumentou de 11,82 km² para 49,24 km², avançando para as áreas de agropecuária em 29,72 km² e 7,58 km² no pasto limpo. Vale ressaltar que o aumento de áreas expostas ocorre em período menos chuvoso, quando a terra está sendo preparada para novo plantio (MORAES et al., 2005MORAES, B. C. D. et al. Variação espacial e temporal da precipitação no estado do Pará. Acta Amazonica, Manaus, v. 35, n. 2, p. 207-214, 2005.). As mudanças mais significativas no uso da terra, em Mãe do Rio, foram nas classes de dendezeiros e pasto limpo. Em 2008, começam a surgir algumas pequenas áreas de dendezeiros para o biodiesel. Em 2016, esse acréscimo foi maior que 36.000%, indicando a instalação de um novo ciclo econômico no setor agrícola na área de estudo. O pasto limpo foi a classe com maior rotatividade, substituindo as áreas de pasto sujo e agricultura de subsistência (agropecuária) (45,19%), floresta secundária (30,75%) e solo exposto (12,45%), demonstrando a alta rotatividade do sistema de uso da terra local, como apresenta a Figura 2.
Mapeamento da cobertura vegetal e uso da terra nos anos de 2008 e 2016 no município de Mãe do Rio - PA
3.2 Índice de transformação antrópica (ITA) de Mãe do Rio, Pará (2008 - 2016)
A pressão antrópica em Mãe do Rio se materializa a partir da análise das mudanças na cobertura e uso da terra de 2008 a 2016, como mostra a Tabela 3. Havendo um pequeno aumento no valor do índice de 7,56 (2008) para 7,64 em 2016.
Em 2008, a agropecuária (ITA 5,24) foi a classe que mais exerceu pressão antrópica (69,3%). Enquanto em 2016, a floresta secundária (ITA 2,05) e solo exposto (ITA 1,05) assumiram essa pressão. Dos cinco gradientes de sustentabilidade, o município de Mãe do Rio no Pará está no nível potencialmente insustentável (6,1 - 8,0), devido à expansão das áreas de agropecuária e de dendezeiros terem avançado sobre as áreas de florestas primárias, campinaranas e degradadas).
Almeida e Vieira (2019ALMEIDA, A. S.; VIEIRA, I. C. G. Transformações antrópicas da paisagem agrícola com palma de óleo no Pará. Novos Cadernos NAEA, Belém, v. 22, n. 2, p. 9-26. 2019. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/view/6535 . Acesso em: 17 mar. 2021.
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) também aplicaram esse método de avaliação no município de Moju, Pará (área consolidada de expansão dos dendezeiros) para 2013 e 2017, apresentando um potencial entre o “regular” e o “degradado”, resultado um pouco melhor que os índices encontrados para Mãe do Rio. A capacidade de identificar a pressão antrópica na região amazônica pode orientar mais eficientemente a expansão da dendeicultura no nordeste paraense, que tem padrões de mudanças de usos da terra extremamente heterogêneos em termos espaciais e temporais, uma vez que, após o desmatamento da floresta primária, a conversão predominante é para pastagens, seguido de floresta secundária e solo exposto.
4 CONCLUSÃO
Uma das principais mudanças foi constatada na classe de floresta primária, que em 2008 apresentou somente 7,64 km² de área ocupada, considerada extremamente pequena e em 2016 essa mesma floresta passou a ocupar área de 2,88 km², caracterizando contínuo processo de supressão. Isso remete a um problema mais grave, que são as Áreas de Proteção Permanente - APP, que precisam ser protegidas como estabelece a Lei Nº 12.727, de 17 de outubro de 2012.
O aumento das áreas de floresta secundária provavelmente teve influência direta das Instruções Normativas (INs) nº 02/ 2014 (substituída pela IN nº 08/2015), que regulam tais áreas. A expansão acentuada dos dendezeiros na Amazônia paraense está ocorrendo sobre as áreas já desmatadas, seguindo as normativas do programa do biodiesel na Amazônia. A maior ocorrência de solo exposto confirma a alta rotatividade do uso da terra na região, pois nessas áreas o preparo para o plantio é intenso.
O valor de 7,56 (2008) e 7,64 (2016) obtidos no ITA aponta que o município de Mãe do Rio está, no período avaliado, potencialmente insustentável. Conclui-se que as áreas como floresta primárias, campinarana, floresta degradada e floresta secundária precisariam zerar o resultado do ITA, para o município atingir níveis de pressão sustentável, potencialmente sustentável ou intermediário. Identificar o potencial de qualidade ambiental por meio de indicadores, como o ITA, na Amazônia oriental pode colaborar mais eficientemente no planejamento da cobertura e uso da terra, na preservação dos serviços ambientais que precisam ser restabelecidos e auxiliar na gestão territorial.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), pela liberação do Laboratório de Unidades Espaciais - UAS, para a realização dos processamentos digitais. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq pela concessão de bolsas (Processos: nº 300718/2018/7) e ao Programa de Pós-Graduação de Geografia - PPGEO.
REFERÊNCIAS
- ALMEIDA, A. S.; VIEIRA, I. C. G. Cenários para a Amazônia: área de endemismo Belém: sumário executivo. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2014.
- ALMEIDA, A. S.; VIEIRA, I. C. G. Centro de Endemismo Belém: Status da Vegetação Remanescente e Desafios para a Conservação Biológica e Restauração Ecológica. REU, Sorocaba, SP, v. 36, n. 3, p. 95-111, dez. 2010.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Jun 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Mar 2022
Histórico
-
Recebido
19 Set 2018 -
Aceito
16 Maio 2021