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Educação do corpo na escola brasileira. Marcus Aurélio Taborda de Oliveira (org). Campinas: Autores Associados, 2006, 209 pp.

RESENHAS

Álvaro de Azeredo QuelhasI; Graziany Penna DiasII

IFaculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora <alvaro.quelhas@ufjf.edu.br>

IIProfessora de Educação Física da Secretaria de Educação de Juiz de Fora <grandias@ig.com.br>

Educação do corpo na escola brasileira. Marcus Aurélio Taborda de Oliveira (org). Campinas: Autores Associados, 2006, 209 pp.

Este livro é uma coletânea de dez textos que, em sua maioria, abordam a questão do trato do corpo e das práticas corporais nas escolas brasileiras. As análises apresentadas desenvolvem-se a partir de pesquisas na área da história da educação/educação física realizadas em sua maior parte por pesquisadores do estado do Paraná. Os trabalhos lançam novos olhares, perspectivas e expectativas para o desenvolvimento de pesquisas sobre o assunto, especialmente por abordarem temas bastante variados, tais como: disciplina; castigos corporais; relações entre escolarização e esporte; disciplinas escolares; higiene.

O texto de Marcus Aurélio Taborda de Oliveira, "A título de apresentação - educação do corpo na escola brasileira", é, segundo o autor, um conjunto de reflexões que pretendem sugerir algumas possibilidades para um programa de pesquisa em torno da instauração de práticas corporais no interior da escola. Estas reflexões são elaboradas a partir de quatro eixos: o sentido de um programa de pesquisa que pretende estudar historicamente a relação entre corporalidade e escolarização; o conjunto de temas que pode encerrar; a documentação sobre a qual se pode trabalhar; a interrelação entre diferentes campos disciplinares. Durante o trabalho, Oliveira aborda estes eixos através do diálogo com alguns resultados de um projeto de pesquisa sob sua coordenação, que vem estudando a questão no contexto da escola paranaense durante o período 1882-1920.

Em "Marcas do corpo escolarizado, inventário do acúmulo de ruínas: sobre a articulação entre memória e filosofia da história em Walter Benjamim", o autor Alexandre Fernandez Vaz reúne parte dos resultados de uma pesquisa que fez sobre teoria crítica, racionalidade e educação. Neste texto, Vaz ocupa-se do tema da memória e da história em Benjamim e Adorno, tendo como fonte para seus comentários as recordações de infância que aparecem em trechos de obras destes pensadores. Nas memórias de Benjamim, a escola aparece como espaço de restrição e sofrimento, enquanto em Adorno observa-se uma relação entre fascismo, os primeiros anos de vida e o cotidiano escolar.

A violência na escola é o tema abordado por Luciane Paiva Alves de Oliveira em "Violência, corpo e escolarização: apontamentos a partir da teoria crítica da sociedade". Apoiando-se em teóricos como Foucault, Marcuse, Horhheimer e Adorno, discute a negação do corpo nas práticas corporais presentes na escola como parte de um contexto mais amplo de uma sociedade marcada pela história de dominação, que, desde cedo, está presente na escola, pois qualquer aluno identifica e aprende a seguir regras que colaboram para o desenvolvimento do autocontrole sobre suas ações, representando algum tipo de sacrifício corporal ou não. Segundo a autora, a investigação da violência, dentro ou fora da escola, pode ser feita por intermédio da vinculação contraditória que o homem mantém com o corpo: relação de amor-ódio. A título de ilustração são relatadas algumas situações vivenciadas no contexto escolar onde se manifesta a violência: durante o recreio e no período de entrada e saída de turnos, propondo que a escolarização como um projeto formativo tenha como princípios fundamentais o combate à violência, ao ódio e à barbárie.

O uso dos castigos corporais empregados para disciplinar e conter os corpos das crianças que deveriam se submeter a uma educação escolarizada, em busca de uma civilização dos costumes pretendida em fins do século XIX, é o tema sobre o qual Talita Bance Dalcin discorre em seu texto "'Palmatoando' as fontes: os usos dos castigos físicos em nome da disciplinarização e da ordem nas escolas paranaenses da segunda metade do século XIX". Analisando documentos do Arquivo Público do Paraná, Dalcin aponta que os castigos corporais eram justificados sob dois argumentos centrais: o esgotamento do castigo moral, previsto em lei, como forma de disciplinar os alunos, e maior eficácia dos castigos corporais, especialmente da palmatória, para o disciplinamento que conduziria à 'civilidade'. Por volta de 1880, o uso desse recurso, além de não produzir os efeitos disciplinadores, passa a ser repulsado pela sociedade, ganhando força e aprovação social os castigos morais.

O processo de escolarização do esporte por meio da contribuição da Associação Brasileira de Educação (ABE) é tratado por Meily Assbú Linhales em "A produção de uma forma escolar para o esporte: os projetos culturais da Associação Brasileira de Educação (1926-1935) como indícios para a historiografia da educação física". Em sua exposição, Linhales analisa projetos da ABE, utilizando-se da categoria forma escolar para propor a identificação das estratégias de produção do que ela denomina de forma escolar para o esporte, e da categoria saberes escolares para pensar o esporte como uma 'disciplina' que participa da (con)formação da escola, da prescrição pedagógica e da organização sociocultural atinentes à experiência escolar moderna.

A forma como os intelectuais de diferentes formações abordaram a discussão da saúde, da higiene, da educação e da sociedade, assim como as influências destas questões na revista Educação Physica, nas décadas de 1930 e 1940, foram analisadas por Omar Shneider e Amarílio Ferreira Neto em "Saúde e escolarização: representações, intelectuais, educação e educação física". Evidencia-se a transposição de uma perspectiva que defendia um branqueamento da sociedade, para um discurso que aponta a educação do corpo de caráter higienista para a melhoria da população. A educação física, ressaltada na revista, tinha por função melhorar as condições biotipológicas promovendo uma homogeneidade da população, tendo como modelo a educação grega (física, moral e intelectual) e o culto ao padrão grego de estética corporal espelhado em sua estatutária. Aponta-se um processo onde está presente tanto continuidade quanto descontinuidade nos discursos e propostas de promoção da saúde por meio da escola.

Os programas de educação física para o ensino secundário e sua implementação no contexto escolar são analisados por Sérgio Roberto Chaves Júnior em "Os programas de educação física no ensino secundário: algumas considerações sobre o Ginásio Paranaense (1931-1947)". As análises desenvolvidas indicam que tanto o programa contido na reforma Francisco Campos quanto as diretrizes para a educação física nos estabelecimentos de ensino secundário de 1947 foram claramente baseados no método francês. Sua principal contribuição é a de demonstrar em que medida estes programas se efetivaram, ou não, no contexto do Ginásio Paranaense.

O trabalho de Vera Lúcia Gomes Jardim, intitulado "Educação musical: a concepção escolar para o ensino da música" trata dos processos de ensino da música implantados através das políticas educacionais nas escolas públicas de São Paulo em consonância com a filosofia educacional historicamente colocada no final do século XIX até os anos de 1920. Ao longo do texto, a autora procurou destacar as funções que estavam colocadas para a educação musical na formação escolar daquele período. Demonstra, por meio de sua análise, que os métodos utilizados na educação musical estavam sintonizados com os novos postulados da pedagogia e da psicologia, em especial com o método intuitivo desenvolvido por Pestalozzi, que se apoiava na intuição, na observação, nos sentidos e na experiência.

"O ensino de canto orfeônico e sua perspectiva higienista na primeira metade do século XX", de Wilson Lemos Junior, é um texto onde o autor procura destacar a perspectiva utilitarista com a qual pretendia-se ensinar a música orfeônica na escola, enfocando as práticas da escola secundária curitibana na primeira metade do século XX. Neste contexto, o aspecto higienista era muito enfatizado enquanto elemento de desenvolvimento físico das partes respiratória e circulatória do corpo, bem como recreador, socializador e moldador de um determinado perfil cultural para o país, principalmente, com o advento do Estado Novo.

O texto que encerra o livro, de autoria de Cássia Helena Ferreira Alvin e Marcus Aurelio Taborda de Oliveira, intitulado "Uma experiência de construção do currículo escolar para a educação física: das amarras da tradição à tentativa de reorientação", expõe, a partir das experiências de Araucária, no Paraná, uma proposta de reformulação para o ensino da educação física. Propõe como seu objeto de ensino a corporalidade concebida como a expressão criativa e consciente do conjunto de manifestações corporais historicamente produzidas, buscando a comunicação e interação de diferentes indivíduos com eles mesmos, com outros, com o seu meio social e natural. Assim, foram elaborados quatro eixos norteadores para a prática pedagógica deste componente curricular na escola: (a) desenvolvimento corporal e construção da saúde; (b) expressividade do corpo; (c) relação do corpo com o mundo globalizado; (d) o corpo que brinca e aprende. O ponto de partida do trabalho pedagógico na concepção pautada na corporalidade é entender o corpo como construção histórico-cultural, partindo do senso comum para o conhecimento científico-cultural elaborado, produzido pela humanidade, organizado e sistematizado.

Compreendemos que os trabalhos apresentados neste livro trazem importantes contribuições para o entendimento das relações entre os processos de escolarização e os processos de educação do corpo na sociedade brasileira, constituindo-se em fonte de inspiração para o desenvolvimento de novas pesquisas e reflexões, especialmente nas áreas da educação e educação física.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2007
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