Resumo
A saúde é indicada como uma das justificativas para a existência da educação física como componente curricular escolar. No entanto, ainda prevalece uma visão limitada de saúde, focada especialmente em questões biológicas e comportamentais. Uma resolução de 2018 estabeleceu entrada única nos cursos de educação física, instituindo que não haverá mais a entrada separada para bacharelado e licenciatura, e que os alunos devem escolher uma ou outra habilitação específica somente na segunda metade do curso. O objetivo deste estudo foi analisar as ementas dos novos currículos dos cursos de licenciatura em educação física das universidades públicas da região Sul do Brasil, especificamente em relação à sua aproximação com a temática da saúde coletiva. Trata-se de um estudo descritivo-analítico com análise documental. Foram analisadas 708 ementas de disciplinas de 11 cursos. Três cursos não tinham disciplinas relacionadas à temática saúde coletiva. Identificaram-se 17 disciplinas obrigatórias, sendo 13 ofertadas na etapa comum e quatro na etapa específica da licenciatura. Conclui-se que existem poucas inserções da temática da saúde coletiva nos cursos de licenciatura em educação física, principalmente na etapa específica do curso.
Palavras-chave:
educação física; capacitação de professores; currículo; educação em saúde pública; saúde coletiva
Abstract
Health is indicated as one of the justifications for the existence of physical education as a school curricular component. However, a limited view of health still prevails, focused especially on biological and behavioral issues. A resolution of 2018 established single ingress into physical education courses, instituting that there will no longer be separate ingress for bachelor’s and teaching degree, and that students should choose one or other specific qualification only in the second half of the course. The objective of this study was to analyze the syllabi of the new curricula of undergraduate courses in physical education of public universities in the southern region of Brazil, specifically in relation to their approach to the theme of collective health. This is a descriptive-analytical study with documentary analysis where 708 syllabi of subjects of 11 courses were analyzed. Three courses had no disciplines related to the theme collective health. We identified 17 compulsory subjects, 13 offered in the common stage and four in the specific stage of the degree. It is concluded that there are few insertions of the theme of collective health in undergraduate courses in physical education, especially in the specific stage of the course.
Keywords:
physical education; teacher training; curriculum; public health education; collective health
Resumen
La salud se indica como una de las justificaciones para la existencia de la educación física como componente curricular escolar. Sin embargo, sigue prevaleciendo una visión limitada de la salud, centrada especialmente en cuestiones biológicas y de comportamiento. Una resolución de 2018 estableció la entrada única en los cursos de educación física en Brasil, instituyendo que ya no habrá entrada separada para los grados de licenciatura y profesorado, y que los estudiantes deben elegir una u otra calificación específica solo en la segunda mitad del curso. El objetivo de este estudio fue analizar los menús de los nuevos planes de estudios de los cursos de profesorado en educación física de las universidades públicas de la región Sur de Brasil, específicamente en relación con su proximidade al tema de la salud colectiva. Se trata de un estudio descriptivo-analítico con análisis documental. Se analizaron 708 programas de disciplinas de 11 cursos. Tres cursos no tenían temas relacionados con el tema salud colectiva. Se identificaron 17 disciplinas obligatorias, de las cuales 13 ofrecidas en la etapa común y cuatro en la etapa específica del grado. Se concluye que hay pocas inserciones de la temática salud colectiva en los cursos de formación del profesorado en educación física, especialmente en su etapa específica.
Palabras clave:
educación física; formación del profesorado; curriculum; educación en salud pública; salud colectiva
Introdução
A educação física (EF) é um componente curricular obrigatório na educação básica escolar e deve estar integrada à proposta pedagógica da escola, fazendo parte do currículo obrigatório da educação básica (Brasil, 2020BRASIL. Senado Federal. Coordenação de Edições Técnicas. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 4. ed. Brasília, 2020. 59 p. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/572694. Acesso em: 22 maio 2021.
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). Nesse contexto, ela faz parte da área do conhecimento de linguagens, na perspectiva do movimento humano e inserida no âmbito da cultura, tematizando práticas corporais em suas diversas representações sociais e culturais, de modo a possibilitar um amplo repertório de conhecimentos aos alunos no qual se sobreponha e não se limite a concepção de “deslocamento espaço-temporal de um segmento corporal ou de um corpo todo” (Brasil, 2017aBRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: ME, 2017a. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 22 maio 2021.
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, p. 223).
Uma das temáticas que podem ser abordadas durante as aulas de EF na escola é a saúde, tema também relacionado ao campo da educação física pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que o aponta como um dos elementos fundamentais das práticas corporais (Brasil, 2017aBRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: ME, 2017a. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 22 maio 2021.
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), devendo ser abordado de maneira transversal em relação aos conteúdos estruturantes já existentes e legitimados da disciplina. No entanto, a tematização da saúde nas aulas de EF tem se tornado um grande desafio, pois muitas vezes observa-se o enfoque apenas em conhecimentos referentes aos aspectos biológicos e aos comportamentos individuais de saúde (Knuth e Loch, 2014KNUTH, Alan G.; LOCH, Mathias R. “Saúde é o que interessa, o resto não tem pressa”? Um ensaio sobre educação física e saúde na escola. Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde, Florianópolis, v. 19, n. 4, p. 429-440, 2014. https://doi.org/10.12820/rbafs.v.19n4p429. Disponível em: https://rbafs.org.br/RBAFS/article/view/3095/pdf194. Acesso em: 6 jun. 2022.
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; Mantovani, Maldonado e Freire, 2021MANTOVANI, Thiago V.; MALDONADO, Daniel T.; FREIRE, Elisabete S. A relação entre saúde e educação física escolar: uma revisão integrativa. Movimento: Revista de Educação Física da UFRGS , Rio Grande do Sul, v. 27, p. 1-23, 2021. http://dx.doi.org/10.22456/1982-8918.106792. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/106792. Acesso em: 15 maio 2021.
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).
Nesse contexto, autores como Nahas e Corbin (1992NAHAS, Markus V.; CORBIN, Charles. Aptidão física e saúde nos programas de educação física: desenvolvimentos recentes e tendências internacionais. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, Brasília, v. 6, n. 2, p. 47-58, 1992. https://doi.org/10.18511/rbcm.v6i2.215. Disponível em: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/rbcm/article/view/215. Acesso em: 16 maio 2021.
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) e Guedes (1999GUEDES, Dartagnan P. Educação para a saúde mediante programas de educação física escolar. Motriz: Revista de Educação Física, v. 5, n. 1, p. 10-14, 1999. Disponível em: http://www1.rc.unesp.br/ib/efisica/motriz/05n1/5n1_ART04.pdf. Acesso em: 6 jun. 2022.
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) trouxeram a discussão do tema saúde para as aulas de EF, defendendo abordagens com base em conceitos como o estilo de vida ativo e a aptidão física relacionada à saúde, que buscam possibilitar aos alunos melhor compreensão sobre benefícios e possibilidades de se manterem ativos fisicamente ao longo da vida. Entretanto, Ferreira (2001FERREIRA, Marcos S. Aptidão física e saúde na educação física escolar: ampliando o enfoque. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 22, n. 2, p. 41-54, 2001. Disponível em: http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/411. Acesso em: 21 maio 2021.
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) já apontava, no início do século XXI, a necessidade de se ampliar o enfoque da saúde na educação física escolar; apesar de reconhecer que a EF não deve deixar de encorajar os alunos a adotarem estilos/modos de vida ativos; era preciso maior aproximação com os determinantes sociais, econômicos, políticos e ambientais que influenciam os modos/estilos de vida.
Uma aproximação maior com o campo/área da saúde coletiva pode ser útil no sentido de ampliar a abordagem do tema saúde nas aulas de educação física, pois em razão do seu caráter multidisciplinar, do reconhecimento dos determinantes da saúde na perspectiva individual e coletiva, é que se pode superar a concepção de promoção da saúde como resultado apenas da prática de atividade física (Knuth e Loch, 2014KNUTH, Alan G.; LOCH, Mathias R. “Saúde é o que interessa, o resto não tem pressa”? Um ensaio sobre educação física e saúde na escola. Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde, Florianópolis, v. 19, n. 4, p. 429-440, 2014. https://doi.org/10.12820/rbafs.v.19n4p429. Disponível em: https://rbafs.org.br/RBAFS/article/view/3095/pdf194. Acesso em: 6 jun. 2022.
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). O nível de contato e aprofundamento nos temas da saúde que os estudantes terão durante sua graduação poderá influenciar o modo como esse tema será abordado nas aulas de educação física, quando esses estudantes se tornarem professores.
No entanto, a aproximação da formação inicial em EF com a saúde coletiva ainda parece tímida e incipiente. Alguns estudos investigaram essa aproximação (ou falta dela) já no começo dos anos 2000, como o trabalho de Pasquim (2010PASQUIM, Heitor M. A saúde coletiva nos cursos de graduação em Educação Física. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 193-200, 2010. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902010000100016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/BHqgs3z7TBzgZYpdzkhpN3C/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 22 maio 2021.
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), que observou que nos currículos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) existiam poucas disciplinas relacionadas à saúde coletiva, e estas, quando presentes, se faziam de forma isolada e com pequenas cargas horárias. Barboni, Carvalho e Souza (2021BARBONI, Viviane G. A. V.; CARVALHO, Yara M.; SOUZA, Vagner H. A Formação em saúde coletiva nos currículos de educação física: um retrato atual. Movimento: Revista de Educação Física da UFRGS , Porto Alegre, v. 27, n. 65, p. 1-18, 2021. https://doi.org/10.22456/1982-8918.113041. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/113041. Acesso em: 17 jan. 2022.
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) analisaram 173 currículos, de 87 instituições públicas nacionais, e apontaram que, apesar dos avanços, os cursos de EF pouco têm considerado a saúde coletiva na formação de seus estudantes, sendo identificado baixo número de disciplinas relacionadas a esse campo/área nos currículos. Na mesma linha, Tracz e colaboradores (2022TRACZ, Eduardo H. C. et al. Formação em educação física no contexto de saúde pública nos melhores cursos do Brasil. Revista de Educação Física, Maringá, v. 33, n. 1, p. e-3331, 2022. http://dx.doi.org/10.4025/jphyseduc.v33i1.3331. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/RevEducFis/article/view/60323. Acesso em: 5 nov. 2022.
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), ao analisarem 18 cursos de bacharelado em educação física de algumas das mais bem avaliadas universidades brasileiras, evidenciaram novamente a falta de aproximação com a saúde coletiva nos cursos de bacharelado, mas menos de 1% da carga horária dos currículos dessas universidades contemplava disciplinas sobre saúde pública/saúde coletiva.
O trabalho de Silva, Nicoes e Knuth (2021SILVA, Vítor T.; NICOES, Cintia R.; KNUTH, Alan G. Saúde coletiva e saúde pública no currículo dos cursos de educação física: uma revisão sistemática. Revista Pensar a Prática , Goiânia, v. 24, 2021. https://doi.org/10.5216/rpp.v24.61062. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/fef/article/view/61062. Acesso em: 6 jun. 2022.
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), autores que buscaram revisar publicações que investigaram a presença da saúde coletiva e da saúde pública nos cursos de EF em âmbito nacional, com base na análise de seis artigos, destacou pouca inserção das temáticas de saúde coletiva e saúde pública nos cursos de EF, além de indicar que estas aparecem majoritariamente nos cursos de bacharelado e com pouca aproximação com os serviços públicos de saúde.
Com a resolução do Conselho Nacional de Educação-Câmara de Educação Superior (CNE-CES) n. 6, de 18 de dezembro de 2018, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos Cursos de Graduação em Educação Física (Brasil, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n. 6, de 18 de dezembro de 2018. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de graduação em Educação Física e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2018. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2018-pdf/104241-rces006-18/file. Acesso em: 22 maio 2021.
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), tornou-se obrigatória a entrada única nos cursos de EF. A formação inicial passou a ser dividida entre etapa comum, com os alunos nos dois primeiros anos de curso tendo uma formação única, com conhecimentos comuns, e posteriormente uma etapa específica, também de dois anos, na qual podem optar por uma formação específica em bacharelado ou licenciatura, com conhecimentos específicos relativos a cada formação.
Vale mencionar que essa resolução (Brasil, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n. 6, de 18 de dezembro de 2018. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de graduação em Educação Física e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2018. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2018-pdf/104241-rces006-18/file. Acesso em: 22 maio 2021.
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) causou bastante controvérsia, até pela forma como ocorreu o processo de construção e implementação de tais diretrizes. Documento produzido pelo Grupo de Trabalho das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Física do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (2023)COLÉGIO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE. Grupo de Trabalho das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Física. Diretrizes curriculares nacionais da educação física: em defesa pela formação unificada no Brasil. 2023. (Grupo de Trabalho das DCNs EF CBCE). Disponível em: https://www.cbce.org.br/noticia/divulgado-relatorio-do-gt-do-cbce-sobre-as-diretrizes-curriculares-nacionais-da-educacao-fisica. Acesso em: 4 set. 2023
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considera que as alterações indicadas na resolução reforçam a fragmentação nos cursos de formação em EF, uma vez que a divisão entre etapa comum e etapa específica acaba por aprofundar e estimular a competitividade, isto é, faz com que cada campo de formação e atuação profissional se mantenha em disputa pela delimitação dos seus respectivos campos de trabalho, em uma formação fragmentada pautada pela lógica do mercado de trabalho e desestimulando uma formação mais integral.
Ao considerar que a temática saúde, especificamente a saúde coletiva, se torna fundamental nos cursos de licenciatura em educação física, até para se superar a ideia de que a saúde coletiva só deve fazer parte dos cursos de bacharelado em EF (Loch, Rech e Costa, 2020LOCH, Mathias R.; RECH, Cassiano R.; COSTA, Filipe F . A urgência da saúde coletiva na formação em educação física: lições com o Covid-19. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, n. 9, p. 3.511-3.516, 2020. https://doi.org/10.1590/1413-81232020259.19482020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232020000903511&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 10 maio 2021.
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), o objetivo deste estudo foi analisar as ementas dos novos currículos (baseados na resolução CNE-CES n. 6, de 18 de dezembro de 2018) dos cursos de licenciatura em educação física das universidades públicas da região Sul do Brasil, especialmente em relação à sua aproximação com a temática da saúde coletiva. Espera-se que este estudo contribua para a reflexão sobre a formação de professores de EF e traga elementos para uma formação mais próxima da saúde coletiva, lançando ainda um olhar crítico-reflexivo em relação às possibilidades de articulação da educação física com o tema saúde, com base em concepções não apenas essencialmente biológicas, porém mais ampliadas e integradas aos diferentes aspectos sociais, econômicos e políticos. Ainda que estudos anteriores tenham já identificado uma frágil aproximação entre o campo da saúde coletiva e a EF, este estudo é, possivelmente, o primeiro a realizar uma análise direcionada para os cursos de licenciatura em educação física e também a considerar os currículos implementados a partir da resolução n. 6, de 18 de dezembro de 2018.
Métodos
Realizou-se um estudo descritivo-analítico, com análise documental dos novos currículos dos cursos de licenciatura em educação física das universidades públicas da região Sul do Brasil, devidamente regulamentadas pelo Ministério da Educação (MEC) e consultadas na plataforma e-MEC (https://emec.mec.gov.br/emec/nova).
Em julho de 2021, foram identificadas vinte universidades públicas na região Sul do Brasil, sendo dez do Paraná, três de Santa Catarina e sete do Rio Grande do Sul. Destas, 15 tinham cursos de licenciatura em educação física (oito no Paraná, cinco no Rio Grande do Sul e duas em Santa Catarina). Uma das universidades do Paraná, a Universidade Estadual do Centro-Oeste, ofertava cursos em dois campi diferentes (Irati e Guarapuava), com distintas propostas curriculares. Assim, para fins de análise de dados, foram considerados os dois cursos ofertados pela universidade, sendo então identificados 16 cursos de licenciatura em educação física inicialmente elegíveis para o presente estudo, conforme o Quadro 1.
Realizou-se a busca nos sítios eletrônicos de cada uma das universidades elegíveis. Naquelas em que os novos currículos estavam disponibilizados, estes foram baixados para posterior análise. Em relação às universidades nas quais não foram localizados os novos currículos, fez-se contato com as respectivas coordenações de curso para solicitar informações sobre a previsão de aprovação e implementação dos novos currículos.
Dos 16 cursos elegíveis, foram obtidos currículos de 11 cursos: sete do Paraná (Unicentro campus Irati, Unicentro campus Guarapuava, Unespar, UEL, UEM, Unioeste e UEPG), três do Rio Grande do Sul (UFRGS, Unipampa e UFPel) e um de Santa Catarina (UFSC). As outras universidades informaram que os currículos ainda estavam em fase de elaboração ou aprovação e não disponibilizaram os documentos necessários para a análise.
Para identificar e selecionar as disciplinas com algum tipo de relação com a temática saúde coletiva, foram lidas todas as ementas das disciplinas presentes nos currículos e consideradas as que tinham, em seu nome ou na ementa, alguns dos seguintes termos: atenção básica, atenção à saúde, integralidade, educação em saúde, Sistema Único de Saúde (SUS), unidade básica, vigilância em saúde, serviços públicos de saúde, política em saúde, saúde ambiental, saúde da família, saúde pública, saúde coletiva, epidemiologia e promoção da saúde. Algumas disciplinas não tinham exatamente o termo definido a priori, mas termos semelhantes, como ‘epidemiológico’, foram também considerados aptos/elegíveis para compor nossas análises.
Após essa identificação, realizou-se a leitura das ementas para analisar se realmente apresentavam relação mais direta com a saúde coletiva, uma vez que foram identificadas disciplinas que até tinham um ou mais dos descritores considerados, mas na descrição da ementa era possível se identificar um viés mais clínico ou biológico ou mesmo focado somente na prescrição de exercícios físicos. Por exemplo: algumas disciplinas apresentavam o termo ‘promoção da saúde’, mas apenas dimensões biológicas no restante da ementa, ou disciplinas com foco na prescrição de exercícios físicos que citavam ‘usuários do Sistema Único de Saúde’ em determinadas populações, como cardiopatas e obesos. Mesmo ao se considerar um avanço que termos como ‘usuários do SUS’ sejam citados no contexto mencionado, não consideramos que as disciplinas com essa abordagem estavam de acordo com o objetivo do nosso estudo.
Tanto a identificação das disciplinas quanto a avaliação sobre a aproximação ou não destas com a temática saúde coletiva foram realizadas por dois avaliadores independentes; caso houvesse divergências, um terceiro avaliador fazia o desempate.
Analisaram-se 708 disciplinas, sendo 539 obrigatórias e 169 optativas, das quais 21 foram consideradas pertinentes para o presente estudo. Uma vez identificadas as disciplinas de interesse, organizou-se uma planilha eletrônica incluindo-se informações relativas a que momento do curso a disciplina era ofertada (etapa comum ou etapa específica da licenciatura), qual sua carga horária e se era obrigatória ou optativa. Importante destacar que alguns cursos apresentavam as disciplinas optativas por meio de outros termos, como disciplinas alternativas, eletivas ou complementares, mas optamos pela padronização do termo. Ressalta-se também que alguns cursos que ofertavam disciplinas optativas determinavam a etapa do curso em que estas deveriam ser cursadas, enquanto outros deixavam isso em aberto, de modo que decidimos não analisar as disciplinas optativas por etapa (comum ou licenciatura), como realizado com as obrigatórias.
Na análise dos dados, foram utilizados elementos da estatística descritiva, especialmente análise de frequência. Para tal procedimento, usaram-se os recursos de exploração textual como contagem de palavras, nuvem de palavras e pesquisa de texto do programa NVivo versão 13.
Resultados
Na Tabela 1, apresentam-se o número de disciplinas e as respectivas cargas horárias dos cursos analisados, tanto de maneira geral quanto das disciplinas consideradas como tendo relação mais direta com a temática saúde coletiva. Observou-se que dos 11 cursos de licenciatura em educação física analisados, oito tinham em seus currículos ao menos uma disciplina relacionada à temática saúde coletiva. Ao se considerarem todos os cursos, foram identificadas 21 disciplinas, totalizando estas 1.070 horas (2,5% da carga horária total das ementas analisadas), com 17 obrigatórias (o que representa 2,6% da carga horária total das disciplinas analisadas e 2,7% do número de disciplinas) e quatro optativas (2,2% da carga horária total dessas disciplinas).
Em três cursos (UEM, UEPG e Unespar) não foram identificadas disciplinas relacionadas à temática saúde coletiva. Verificou-se que o curso da UFPel foi aquele com maior número de disciplinas (cinco de um total de 109 analisadas), e em termos de carga horária, a Unicentro Guarapuava foi o curso com maior tempo (238 horas, o que corresponde a 6,2% do curso). Apenas dois cursos (UFRGS e UFPel) ofertavam disciplinas optativas que apresentavam relação com a temática saúde coletiva.
Na Tabela 2, apresenta-se o número de disciplinas obrigatórias e as respectivas cargas horárias na etapa comum (dois primeiros anos) dos cursos analisados. É nessa etapa que a maioria das disciplinas relacionadas à saúde coletiva estava inserida. Com exceção dos cursos da Unespar, da UEM e da UEPG, que não tinham nenhuma disciplina ao longo de todo o currículo, e da UFSC e da Unioeste, que contemplavam essa temática apenas na etapa específica da licenciatura, todos os cursos analisados apresentaram ao menos uma disciplina na etapa comum. O curso da Unicentro de Guarapuava e o da Unipampa foram aqueles com maior número de disciplinas (três cada). UFRGS, UFPel e UEL tinham duas disciplinas, e Unicentro de Irati, uma, totalizando assim 13 disciplinas obrigatórias relacionadas à temática da saúde coletiva nos 11 cursos analisados. Em relação à etapa específica da licenciatura, quatro cursos (UEL, UFSC, UFPel e Unioeste) apresentaram em seus currículos disciplinas relacionadas à temática saúde coletiva, com uma disciplina em cada um desses cursos.
Número de disciplinas obrigatórias com as respectivas cargas horárias nas etapas comum e específica da licenciatura; número de disciplinas específicas (relacionadas à saúde) com respectivas cargas horárias; porcentagem da carga horária de cada etapa (comum e específica da licenciatura) dos cursos de educação física de universidades públicas do sul do Brasil pesquisadas.
No Quadro 2, apresentam-se os nomes e as respectivas ementas das disciplinas que foram consideradas no presente estudo, bem como as universidades e as etapas em que eram ofertadas. O descritor ‘promoção da saúde’ foi o mais encontrado nas disciplinas entre os descritores identificados, estando presente em sete disciplinas. O descritor ‘Sistema Único de Saúde (SUS)’ foi encontrado em cinco disciplinas; ‘saúde coletiva’ e ‘epidemiologia/epidemiológicos’ em quatro; ‘vigilância em saúde’, ‘saúde da família’ e ‘serviços públicos de saúde em duas’; e os demais descritores em uma disciplina.
Observa-se nas ementas uma diversidade de enfoques, tais como questões das minorias, inclusão, imbricações com cultura e arte, locais e campos de atuação do profissional de educação física e, principalmente, uma preocupação em se traçar um histórico dos estudos em saúde, em especial em saúde coletiva. Na Figura 1, ilustra-se a diversidade de palavras e termos utilizados na elaboração das ementas.
Nuvem de palavras e termos mais frequentes presentes nas ementas selecionadas para o estudo.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo analisar as ementas dos novos currículos (resolução CNE-CES n. 6, de 18 de dezembro de 2018) dos cursos de licenciatura em EF das universidades públicas da região Sul do Brasil, especificamente em relação à sua aproximação com a temática da saúde coletiva. Alguns dos principais achados foram: 1) dos 11 cursos analisados, três não apresentavam disciplinas cujas ementas citavam termos relacionados mais diretamente com a temática da saúde coletiva; 2) somente 21 (3,0%) das 708 disciplinas analisadas apresentavam termos que sugeriam uma relação mais direta com a saúde coletiva - no que se refere à carga horária, isso correspondeu a 2,5% dos cursos; 3) mesmo nos cursos com maior número de disciplinas e carga horária relativa destinada a esse assunto, o número foi baixo, sendo cinco o número máximo de disciplinas encontradas em um curso, o que correspondeu a 6,2% da sua carga horária; 4) a maior parte das disciplinas identificadas estava na etapa comum dos cursos (13, contra apenas quatro na etapa licenciatura - outras quatro eram optativas); 5) observou-se que nas 21 ementas analisadas os principais termos relacionados apareceram pulverizados e com baixa frequência.
Os projetos curriculares dos cursos analisados seguem a nova diretriz prevista para os cursos de licenciatura em educação física, que direciona o campo de atuação do licenciado especificamente para a atuação na educação básica. Entretanto, a ausência de maior número de discussões relacionadas à temática da saúde coletiva nas disciplinas presentes nos currículos é preocupante. Ainda que exista ao menos uma disciplina relacionada a essa temática em oito dos 11 cursos analisados, o número de disciplinas pode ser considerado insuficiente diante da quantidade total de disciplinas que cada curso ofertava em seu currículo. Ademais, a falta de reconhecimento das reais potencialidades da saúde coletiva como conhecimentos necessários à formação do professor de educação física se reflete em currículos fragmentados, haja vista que esses conhecimentos não estão presentes em outras disciplinas que deveriam, minimamente, manter relação com questões da saúde coletiva, como as disciplinas de síntese e as voltadas à organização curricular da educação física na educação básica. Tal situação, como apontam Barboni, Carvalho e Souza (2021BARBONI, Viviane G. A. V.; CARVALHO, Yara M.; SOUZA, Vagner H. A Formação em saúde coletiva nos currículos de educação física: um retrato atual. Movimento: Revista de Educação Física da UFRGS , Porto Alegre, v. 27, n. 65, p. 1-18, 2021. https://doi.org/10.22456/1982-8918.113041. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/113041. Acesso em: 17 jan. 2022.
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), não é o suficiente para reinventar a formação e a atuação profissional do professor na escola.
Vale ressaltar que na maioria dos cursos que apresentaram alguma disciplina relacionada à saúde coletiva em seus currículos, ela apareceria somente na etapa comum do curso, evidenciando que, apesar de a etapa comum priorizar os conhecimentos comuns a ambas as formações, ainda existe uma tendência de maior aproximação da temática saúde com o bacharelado, talvez pelo fato de o profissional a se formar ter sua atuação em academias, atividades laborais, treinamento esportivo, por exemplo, o que propicia um falso entendimento de que saúde não é tema a ser priorizado na licenciatura, desconsiderando a temática em ambiente escolar (Manchein et al., 2021MANCHEIN, Luiz G. M. et al. Educação para a saúde nos cursos de licenciatura em educação física: uma abordagem nas universidades públicas estaduais. Revista Humanidade e Inovação, Palmas, v. 8, n. 44, p. 228-237, 2021. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/3534. Acesso em: 12 jan. 2022.
https://revista.unitins.br/index.php/hum...
).
Segundo Abib e Knuth (2021ABIB, Leonardo T.; KNUTH, Alan G. As diretrizes curriculares nacionais da educação física de 2018 e as imprecisões em torno da saúde coletiva e o SUS. Revista Pensar a Prática, Goiânia, v. 24, 2021. https://doi.org/10.5216/rpp.v24.67182. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/fef/article/view/67182/37755. Acesso em: 6 jun. 2022.
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), a nova diretriz instituída a partir da resolução CNE-CES n. 6, de 18 de dezembro de 2018 para os cursos superiores de educação física prevê conhecimentos procedimentais que aproximam o campo da saúde coletiva da educação física na etapa comum, pois o documento indica alguns conhecimentos que vão além da visão reducionista de saúde, como diagnóstico, avaliação, meio ambiente e sustentabilidade. Essa aproximação com a temática saúde coletiva prevista pelo documento por meio de conhecimentos procedimentais para a etapa comum pode justificar a predominância de disciplinas relacionadas ao tema estarem em maioria presentes na etapa comum nos currículos, uma vez que o documento que estabelece as diretrizes para construção dos currículos não cita nenhuma vez a saúde coletiva na etapa específica da licenciatura.
Os currículos que contemplam ao menos uma disciplina relacionada à saúde coletiva na etapa específica da licenciatura indicam maior preocupação com a formação de futuros professores que sejam, no mínimo, capazes de proporcionar conhecimentos na perspectiva da saúde coletiva também em ambiente escolar. No entanto, o fato de apenas quatro cursos apresentarem as disciplinas na etapa específica reafirma a fragmentação entre as duas formações, em que a licenciatura apresenta maior distanciamento da temática saúde coletiva por ofertar uma quantidade menor de disciplinas em termos numéricos (apenas 20% das disciplinas obrigatórias identificadas se encontram na etapa específica). Loch, Rech e Costa (2020LOCH, Mathias R.; RECH, Cassiano R.; COSTA, Filipe F . A urgência da saúde coletiva na formação em educação física: lições com o Covid-19. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, n. 9, p. 3.511-3.516, 2020. https://doi.org/10.1590/1413-81232020259.19482020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232020000903511&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 10 maio 2021.
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), apesar de reconhecerem que nos últimos anos tem acontecido maior aproximação entre a saúde coletiva e a educação física, afirmam que é preciso assumir que a aproximação entre essas áreas/campos deve também acontecer na licenciatura. Loch (2011)LOCH, Mathias R. A promoção da atividade física na escola: um difícil e necessário desafio. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde , Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 76-77, 2012. https://doi.org/10.12820/rbafs.v.16n1p76-77. Disponível em: https://rbafs.org.br/RBAFS/article/view/560. Acesso em: 22 ago. 2022.
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ressalta que a divisão entre licenciatura e bacharelado acabou por distanciar o tema saúde da formação do licenciado em EF, havendo, em alguns casos, uma noção simplista de que tudo que se refere à temática saúde é de competência do bacharel em educação física.
Em oposição a essa concepção, e a título de exemplo, pode-se constatar na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2017a)BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: ME, 2017a. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 22 maio 2021.
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que, dentre as dez competências específicas de educação física para o Ensino Fundamental, muitas têm relação com a temática da saúde coletiva, como: “refletir criticamente sobre as relações entre a realização das práticas corporais e os processos de saúde/doença, inclusive no contexto das atividades laborais”; “usufruir das práticas corporais de forma autônoma para potencializar o envolvimento em contextos de lazer e ampliar as redes de sociabilidade e a promoção da saúde”; e “reconhecer o acesso às práticas corporais como direito do cidadão, propondo e produzindo alternativas para sua realização no contexto comunitário”. Com base nestas e em outras competências não citadas aqui, o professor de educação física tem o papel de construir em conjunto com os educandos uma série de competências e habilidades que passam pela reflexão crítica sobre as relações entre a realização das práticas corporais e os processos de saúde/doença. Assim, espera-se que a etapa específica da licenciatura em educação física apresente e discuta de forma pedagógica, didática e crítica os conhecimentos, habilidades, atitudes e valores a serem mobilizados pelos estudantes para a resolução de demandas da vida cotidiana relacionadas ao campo da saúde, respeitando princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. Portanto, a aproximação da licenciatura em educação física com os saberes e práticas da saúde coletiva não é apenas uma questão de ordem teórica ou de conteúdo, mas sim uma condição para que se tenha assegurado o direito de aprendizagem e desenvolvimento pleno dos estudantes.
Ainda relacionado ao baixo número de disciplinas observado na etapa específica da licenciatura, é preciso ponderar que a aproximação com a temática da saúde coletiva pode acontecer por outros ‘caminhos’ que não as disciplinas. As próprias Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) sugerem que os cursos de licenciatura em educação física deverão incluir algumas atividades como “pesquisa e estudo das relações entre educação e trabalho, educação e diversidade, direitos humanos, cidadania, educação ambiental, entre outras temáticas centrais da sociedade contemporânea” (Brasil, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n. 6, de 18 de dezembro de 2018. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de graduação em Educação Física e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2018. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2018-pdf/104241-rces006-18/file. Acesso em: 22 maio 2021.
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, p. 5), que certamente estão relacionadas à temática da saúde coletiva. Outras aproximações poderiam ainda ser viabilizadas, como a discussão de políticas públicas relacionadas à saúde e à educação física - como o Programa Saúde na Escola, por exemplo -, o que possibilitaria maior aproximação entre saúde, educação física e escola, além de buscar trabalhar a ideia de que saúde é um direito social de todos os indivíduos e não privilégio de alguns (Abib e Knuth, 2021ABIB, Leonardo T.; KNUTH, Alan G. As diretrizes curriculares nacionais da educação física de 2018 e as imprecisões em torno da saúde coletiva e o SUS. Revista Pensar a Prática, Goiânia, v. 24, 2021. https://doi.org/10.5216/rpp.v24.67182. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/fef/article/view/67182/37755. Acesso em: 6 jun. 2022.
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).
O baixo número geral de disciplinas e de carga horária destinada à temática da saúde coletiva nos cursos analisados pode ser compreendido também com base na própria complexidade e grande abrangência da educação física, no sentido de que esta é uma área que foi influenciada por diversos campos do conhecimento (Lima, 2012LIMA, Rubens R. Para compreender a história da educação física. Educação e Fronteiras, Dourados, v. 2, n. 5, p.149-159, 2012. Disponível em: https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/educacao/article/view/2241/1277. Acesso em: 2 maio 2023.
https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/educac...
; Almeida, Bracht e Vaz, 2012ALMEIDA, Felipe Q.; BRACHT, Valter; VAZ, Alexandre F. Classificações epistemológicas na Educação Física: redescrições. Movimento: Revista de Educação Física da UFRGS, Porto Alegre, v. 18, n. 4, p. 241-263, 2012. https://doi.org/10.22456/1982-8918.27727. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/view/27727/23457. Acesso em: 7 set. 2023.
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; Vaz, 2019VAZ, Alexandre F. Certa herança marxista no recente debate da educação física no Brasil. Movimento: Revista de Educação Física da UFRGS , Porto Alegre, v. 25, p. e25069, 2019. https://doi.org/10.22456/1982-8918.96236. Disponível em: https://www.scielo.br/j/mov/a/WkWjkG85 wcmRG9TcwTC9Y7D/#. Acesso em: 7 set. 2023.
https://www.scielo.br/j/mov/a/WkWjkG85 w...
; Bungenstab, 2020 BUNGENSTAB, Gabriel C. Epistemologia da educação física brasileira: (re)descrições da atividade epistemológica no século XXI. Movimento: Revista de Educação Física da UFRGS , Porto Alegre, v. 26, p. e26029, 2020. http://dx.doi.org/10.22456/1982-8918.100551. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/view/100551. Acesso em: 7 set. 2023.
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) e de que estes precisam, de algum modo, ser contemplados nos currículos. Além do mais, os projetos pedagógicos curriculares são construções históricas e sociais (Goodson, 1989GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. Rio de Janeiro: Petrópolis, 1989.; Chervel, 1990CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria e Educação, Porto Alegre, n. 2, p. 177-229, 1990. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3986904/mod_folder/content/0/Chervel.pdf. Aceso em: 7 nov. 2023.
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; Silva, 1999SILVA, Tomaz T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.; Lopes e Macedo, 2002LOPES, Alice C.; MACEDO, Elizabete. (org). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002.; Lopes, 2007LOPES, Alice C. Currículo e epistemologia. Rio Grande do Sul, Ijuí: Unijuí, 2007.), e no caso da educação física, até em razão da influência dos diversos campos de conhecimentos já citados, é esperado de algum modo que existam disputas entre os diferentes grupos; mesmo em relação específica com a questão da saúde, ainda predomina, assim como em outras áreas da saúde, um forte viés biomédico (Carvalho e Ceccim, 2006CARVALHO, Yara M.; CECCIM, Ricardo B. Formação e educação em saúde: aprendizados com a saúde coletiva. In: CAMPOS, Gastão W. S. et al (org.). Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec, 2006. p. 149-182.; Manoel e Carvalho, 2011MANOEL, Edison J.; CARVALHO, Yara M. Pós-graduação na educação física brasileira: a atração (fatal) para a biodinâmica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 2, p. 389-406, 2011. https://doi.org/10.1590/S1517-97022011000200012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ep/a/PwmGj5kXrVpdj6YgnRpptgt/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 7 ago. 2023.
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; Nogueira e Bosi, 2017NOGUEIRA, Júlia A. D.; BOSI, Maria L. M. Saúde coletiva e educação física: distanciamentos e interfaces. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 22, n. 6, p. 1.913-1.922, 2017. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017226.23882015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/8c6KXJxMmyd4g7qHgjvbyBQ/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 7 ago. 2023.
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; Carvalho, Guerra e Loch, 2020CARVALHO, Fabio FB.; GUERRA, Paulo H.; LOCH, Mathias R . Potencialidades e desafios das práticas corporais e atividades físicas no cuidado e promoção da saúde. Motrivivência, Florianópolis, v. 32, n. 63, p. 1-18, jul. 2020. https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020e71546. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia/article/view/2175-8042.2020e71546/43847. Acesso em: 7 set. 2023.
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). Nesse contexto, seria surpreendente se a temática da saúde coletiva aparecesse nos currículos analisados como um conteúdo de alta presença.
Dada essa impossibilidade, ou pelo menos dificuldade, para que a temática da saúde coletiva seja mais bem contemplada em disciplinas mais específicas nos currículos em educação física, um possível caminho seria fortalecer o processo de interdisciplinaridade entre os diferentes campos de saberes e disciplinas. No entanto, é preciso ponderar que interdisciplinaridade ainda é um termo polissêmico que vem gerando algumas confusões em relação ao seu conceito e tem dificultado a efetividade desse processo (Fonseca et al., 2011FONSECA, Silvio A. et al. Pela criação da Associação Brasileira de Ensino da Educação Física para a Saúde: ABENEFS. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, Florianópolis, v. 16, n. 4, p. 283-288, 2012. http://dx.doi.org/10.12820/rbafs.v.16n4p283-288. Disponível em: https://rbafs.org.br/RBAFS/article/view/615. Acesso em: 20 maio 2023.
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; Loch, 2015LOCH, Mathias R. A promoção da saúde e a formação inicial do profissional de saúde: desafios e possibilidades. Saúde e Meio Ambiente: Revista Interdisciplinar, Mafra, v. 4, n. 1, p. 3-16, 2015. http://dx.doi.org/10.24302/sma.v4i1.910. Disponível em: https://www.periodicos.unc.br/index.php/sma/article/view/910. Acesso em: 20 maio 2023.
https://www.periodicos.unc.br/index.php/...
; Reis, Gomes e Oliveira, 2020REIS, Wladimir B.; GOMES, Ricardo J.; OLIVEIRA, Rogério C. A interdisciplinaridade no estágio supervisionado de um curso de educação física. Pro-Posições, Campinas, SP, v. 31, p. e20180030, 2020. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2018-0030. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8660670. Acesso em: 20 maio 2023.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
; Santos, Coelho e Fernandes, 2020SANTOS, Genário; COELHO, Maria T. Á. D.; FERNANDES, Sérgio A. F. A produção científica sobre a interdisciplinaridade: uma revisão integrativa. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 36, n. 1, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-4698226532. Disponível em: https://www.scielo.br/j/edur/a/RPXFmWkVYVTc3V9TXqWrWvR/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 20 maio 2023.
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).
Um ponto que precisa ser considerado na discussão do presente estudo diz respeito ao Novo Ensino Médio (NEM), que por meio da lei n. 13.415/2017, a qual alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 2017bBRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as leis n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e 11.494, de 20 de junho de 2017, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis de Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei n. 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei n. 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Brasília: MEC 2017b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm. Acesso em: 3 maio 2023.
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), teve sua estrutura alterada e configura-se como outro grande desafio à necessária aproximação entre licenciatura em educação física e o campo da saúde coletiva. Sem amplo debate durante seu processo de elaboração, tem sido alvo de algumas críticas de autores como Jesus Júnior (2023JESUS JÚNIOR, Osvaldo A. No meio do caminho, eis que surge uma medida provisória: análise de discursos em torno do “novo” ensino médio e de suas bases teórico-epistemológicas estruturantes. Rebena: Revista Brasileira de Ensino e Aprendizagem, Alagoas, v. 6, n.12, p. 191-207, 2023. Disponível em: https://rebena.emnuvens.com.br/revista/article/view/105. Acesso em: 3 maio 2023.
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), que, apesar de considerarem que as reformas educacionais fazem parte e são necessárias no processo histórico brasileiro, acreditam que o NEM, da forma com que foi imposta sem maiores debates com a comunidade educacional, poderá implicar negativamente o desenvolvimento emancipatório dos alunos, uma vez que tem uma lógica de mercado neoliberal que negligencia questões sociais e culturais em detrimento da ideologia do empreendedorismo. O NEM foi aprovado em 2017 e estabeleceu mudanças em relação à carga horária e à organização do currículo que impactaram negativamente a oferta e a valorização da educação física.
Uma das principais mudanças é a possibilidade de os estudantes escolherem um itinerário formativo que não inclui a EF, ou seja, ainda que a educação física continue sendo ofertada, ela torna-se optativa a depender do itinerário escolhido pelo estudante. Mesmo quando o itinerário formativo inclui o referido componente curricular, deve-se destacar que o faz mediante um entendimento reducionista, haja vista que o foco da trilha de aprendizagem está em habilidades e objetivos relacionados predominantemente às práticas esportivas. Dessa forma, o NEM vai na contramão de uma formação integral voltada para o protagonismo comunitário e o pleno exercício da cidadania que demande saberes e práticas alinhados ao campo da saúde coletiva.
Considerações finais
Em relação às limitações deste trabalho, destaca-se que das 15 universidades que tinham o curso de licenciatura em educação física, foram obtidos os projetos curriculares baseados nas novas diretrizes de 11 cursos. Possivelmente isso tem relação com as dificuldades que algumas universidades estavam/estão encontrando em planejar os novos currículos, uma vez que devem seguir novas diretrizes que não foram amplamente discutidas com as/dentro das universidades, o que implica falta de clareza, diferentes interpretações e certa confusão em diversos pontos. Vale ressaltar que a análise ficou limitada às ementas e ao nome das disciplinas; não foram realizadas análises de outras informações, como referências bibliográficas e objetivos das disciplinas, bem como não foram analisados os projetos curriculares de maneira mais ampla.
Entretanto, é importante ressaltar que o trabalho pode ter sido o primeiro a realizar a análise com os novos currículos e focada na licenciatura. Sugere-se que estudos futuros nessa temática busquem ampliar a abrangência dos cursos, inclusive de outras regiões do Brasil e de universidades privadas. Estudos com outros delineamentos podem ser elaborados para se compreenderem melhor as dificuldades e potencialidades da aproximação da educação física escolar com a saúde coletiva.
Evidentemente, não é possível estabelecer com precisão o que seria um número adequado de disciplinas com aproximação com a temática da saúde coletiva, uma vez que esse número depende de diversos aspectos, entre os quais o próprio perfil do egresso que cada universidade pretende formar e mesmo as necessidades sociais dos contextos em que essas universidades estão inseridas. Além disso, ter disciplinas mais relacionadas à temática da saúde coletiva não é e nem deve ser o único caminho possível para maior aproximação da licenciatura em educação física com a saúde coletiva. Projetos, cursos e estágios, por exemplo, podem ser de grande importância nesse sentido. Como já mencionado, de acordo com as limitações deste trabalho, apenas avaliamos as ementas das disciplinas.
Mesmo com essas limitações e sem a pretensão de definir um número, ou carga horária, que fosse adequado para maior aproximação com a saúde coletiva, ao considerar as mais de setecentas ementas analisadas de cursos de licenciatura em educação física, concluímos que esses cursos, em geral, pouco apresentam disciplinas relacionadas à temática da saúde coletiva; quando apresentam, geralmente se faz com um número muito baixo em relação à quantidade total de disciplinas que os cursos oferecem. Além disso, existe uma fragmentação de conhecimentos curriculares nas universidades, uma vez que a maioria das disciplinas relacionadas à temática da saúde coletiva foi contemplada nas etapas comuns dos cursos; apenas três universidades contemplaram disciplinas relacionadas à temática na etapa específica.
Este estudo identificou poucas inserções do campo da saúde coletiva nas ementas dos currículos de formação específica para a licenciatura em educação física, observando-se um distanciamento entre saúde coletiva e escola, que indica que mesmo os avanços nos últimos anos ainda não têm sido suficientes para maior aproximação entre essas áreas de conhecimento.
Referências
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-
Financiamento
Não houve. -
Aspectos éticos
Não se aplica. -
Apresentação prévia
Este artigo é resultante do trabalho de conclusão de curso Formação de professores de educação física e o tema saúde coletiva: análise das ementas dos cursos de licenciatura de universidades públicas da região Sul do Brasil, de autoria de Thiago Henrique Egidio, pelo curso de licenciatura em educação física da Universidade Estadual de Londrina, 2022.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Fev 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
05 Jun 2023 -
Aceito
23 Out 2023