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As batalhas com jacarés na ilha de Mexiana, por Gottfried Hagmann

The Alligator Battles on Mexiana Island by Gottfried Hagmann

Resumo

Este trabalho apresenta um relato inédito em português de Gottfried Hagmann sobre a caça de jacarés na ilha de Mexiana, publicado quando era auxiliar de zoologia do então Museu Goeldi. Hagmann, acompanhado de Joseph Schönmann e de Manoel de Pinto Lima Guedes, respectivamente, preparador da seção de zoologia e preparador de botânica da mesma instituição, realizou uma expedição pela mencionada ilha durante três meses, ao longo de 1901. A memória de viagem, fruto dessa expedição, oferece-nos detalhes da brutal caçada aos jacarés na ilha de Mexiana, revelando as técnicas, a cultura e o conhecimento dos habitantes locais. Ao mesmo tempo, esse documento permite-nos compreender as concepções e contradições do autor sobre a conservação da fauna amazônica.

Palavras-chave
Gottfried Hagmann; Caça aos jacarés; Ilha de Mexiana; Marajó

Abstract

This work presents an unpublished report in Portuguese authored by Gottfried Hagmann about alligator hunting on Mexiana Island, published while he was a zoologist at the Goeldi Museum. Hagmann accompanied by Joseph Schönmann and Manoel de Pinto Lima Guedes, respectively, the zoology preparator, and the botany preparator of the same institution, conducted an expedition to Mexiana island for three months throughout 1901. The travel memoirs resulting from the expedition, provides us details of the brutal alligator hunting on Mexiana Island, revealing the techniques, culture and knowledge of the local inhabitants. At the same time, this document allows us to understand the author's conceptions and contradictions regarding the conservation of Amazonian fauna.

Keywords
Gottfried Hagmann; Alligator hunting; Mexiana Island; Marajó

AS EXPEDIÇÕES DO MUSEU GOELDI AO ARQUIPéLAGO DO MARAJÓ

Ao longo do final do século XIX e das primeiras décadas do XX, o arquipélago do Marajó foi um dos principais campos de pesquisa dos funcionários e colaboradores do Museu Goeldi, atual Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Durante os denominados 'anos suíço-germânicos' da mencionada instituição, circunscritos entre os anos de 1894 e 1914, contabilizam-se dezesseis expedições dirigidas àquele arquipélago ou que adotaram o local como ponto de apoio e de coleta episódica de cultura material e espécimes vegetais e animais. Nos primeiros seis anos dessa fase, entre 1894 e 1902, houve treze excursões anuais, destinadas às regiões do rio Arari, Cabo Maguari, rio Camará e ilhas de Mexiana e de Caviana, todas no arquipélago do Marajó. De modo geral, essas viagens de pesquisa ocorreram entre os meses de junho e dezembro, um intervalo que coincide com o popularmente conhecido 'verão amazônico', caracterizado por uma trégua das chuvas e por temperaturas elevadas. Tal período, portanto, mostrava-se particularmente propício para as investigações, dadas as condições climáticas e, consequentemente, ambientais favoráveis.

As motivações para a escolha do arquipélago do Marajó como um local privilegiado para estudo e expedições anuais eram diversas. Entre os vários fatores que influenciaram as deliberações dos pesquisadores, destacam-se: as questões logísticas, abrangendo o transporte, a hospedagem, o apoio local e a acessibilidade das regiões a serem percorridas; o interesse científico na fauna, flora e cultura material do Marajó; as condições climáticas e ecológicas da região; as relações estabelecidas com os fazendeiros locais; a existência de redes de conhecimento locais; o ímpeto científico; e, inquestionavelmente, uma considerável dose de inventividade e fortuita casualidade.

Gottfried Hagmann, assistente da Seção de Zoologia do Museu Goeldi entre 1899 e 1904, apontou a importância da escolha de uma “localidade apropriada” para o êxito das viagens de coleta feita pelos funcionários do museu, afinal nem todos os locais do interior da Amazônia eram “convenientes” (citado em Sanjad et al., 2012Sanjad, N., Oren, D. C., Silva Junior, J. S., Hoogmoed, M. S., & Higuchi, H. (2012). Documentos para a história do mais antigo jardim zoológico do Brasil: o Parque Zoobotânico do Museu Goeldi. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 7(1), 210-258. https://doi.org/10.1590/S1981-81222012000100013
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, p. 219). O assistente de zoologia do museu chegou a revelar, inclusive, algumas das questões que envolviam a preparação das expedições do museu durante a gestão de Goeldi:

Consideramos, em primeiro lugar, as fazendas, que podem nos oferecer abrigo durante nossa estadia e também algum auxílio. Para esta finalidade, só podem entrar em consideração localidades que ofereçam meios de transporte relativamente bons, pois apenas estes possibilitam o transporte de um grande número de animais vivos. Ao mesmo tempo, o local deve ser numa região afastada, de pouco contato com a civilização; nestes lugares, devem viver nativos que conheçam cada palmo de sua região, que sejam caçadores e conheçam muito bem os animais que ali vivem. Para que se tenha sucesso, o local escolhido deve apresentar variações na sua estrutura geográfica, apresentando floresta alternada com 'campos', rios com mangues nas margens e lagos interiores. Além da questão da localidade [adequada], deve-se levar em consideração também a estação do ano, excluindo a estação das chuvas; qualquer mês do verão pode ser escolhido para uma viagem (Hagmann citado em Sanjad et al., 2012Sanjad, N., Oren, D. C., Silva Junior, J. S., Hoogmoed, M. S., & Higuchi, H. (2012). Documentos para a história do mais antigo jardim zoológico do Brasil: o Parque Zoobotânico do Museu Goeldi. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 7(1), 210-258. https://doi.org/10.1590/S1981-81222012000100013
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, pp. 219-220).

O êxito de uma expedição envolvia uma série de incumbências imputadas ao cientista em campo, desde o zelo pela técnica de coleta até a salvaguarda e o translado seguro de espécimes ou cultura material do ambiente de campo para o museu. Considerando a cautela para não cair em nenhum determinismo geográfico, mas mantendo em mente as exigências ditadas pela realidade amazônica, é passível de sustentação, com base no relato acima, que o espaço, a estação do ano e a malha de conexões locais balizavam a seleção do local e dos momentos para a efetuação das expedições; e, por desdobramento, regulavam o interesse científico subjacente.

Sobre o cotidiano das expedições, sabe-se pouco a respeito, a maior parte das informações encontra-se nas próprias publicações científicas do museu, como a do próprio Hagmann (Sanjad et al., 2012Sanjad, N., Oren, D. C., Silva Junior, J. S., Hoogmoed, M. S., & Higuchi, H. (2012). Documentos para a história do mais antigo jardim zoológico do Brasil: o Parque Zoobotânico do Museu Goeldi. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 7(1), 210-258. https://doi.org/10.1590/S1981-81222012000100013
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). Os funcionários do museu de história natural localizado em Belém deslocavam-se para o campo de trabalho com grandes e pesadas bagagens, carregadas de armas e munições e demais equipamentos para as caçadas, gaiolas, equipamentos de marcenaria e alimentos. Sobre a locomoção nas coletas pelo arquipélago, a comitiva da instituição se utilizava de cavalos, para percorrer os campos, e canoas e montarias, para atravessar os cursos d'água, furos e alagados; dessa forma, adaptando-se às transições de paisagens características do arquipélago do Marajó. Ainda, a respeito da rotina e da divisão do tempo em campo, o assistente de zoologia assim descreveu que o começo da manhã era dedicado para a caça; “durante as horas de calor, após o almoço, são feitos trabalhos de preparação; o final da tarde é utilizado para abastecer a cozinha com carne fresca, de caça” (Hagmann citado em Sanjad et al., 2012Sanjad, N., Oren, D. C., Silva Junior, J. S., Hoogmoed, M. S., & Higuchi, H. (2012). Documentos para a história do mais antigo jardim zoológico do Brasil: o Parque Zoobotânico do Museu Goeldi. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 7(1), 210-258. https://doi.org/10.1590/S1981-81222012000100013
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, p. 220).

Nesse mesmo relato, Hagmann afirmou que nos campos da ilha do Marajó havia grande quantidade de fazendas que pertencem aos proprietários de gado, que, geralmente, moravam em Belém do Pará. Famílias tradicionais dominavam as atividades agropecuárias na região, arrecadando capital a partir da venda de cabeças de gado e de negócios no fornecimento de carne verde, como era o caso das famílias Bezerra, Pombo, Lobato, Chermont e Penna (Ângelo, 2012Ângelo, H. (2012). O longo caminho dos Corrêa de Miranda no século XIX: um estudo sobre família, poder e economia [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará]. https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/4572
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; Cancela, 2011Cancela, C. D. (2011). Casamento e família em uma capital amazônica (Belém, 1870-1920). Açaí.). As fazendas dessas tradicionais famílias paraenses serviam de base de operações nas excursões do Museu Goeldi durante os 'anos suíço-germânicos'.

Conforme Lima (2014, p. 25)Lima, C. O. (2014). A experiência de campo de Alfred Russel Wallace na Amazônia oitocentista: viagem, ciência e interações [Tese de doutorado, Fundação Oswaldo Cruz]. https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/16082
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, “as amizades e redes de relações constituídas no interior da Amazônia foram imprescindíveis para todos os naturalistas que estiveram no extremo norte durante coleta em campo”. A título de exemplo disso, encontramos no artigo do assistente de zoologia o relato de que os funcionários recebiam na fazenda desses proprietários rurais, de forma solícita, “alojamento e toda ajuda necessária, bem como o material necessário para as caçadas, como cavalos e botes a remo” (Hagmann citado em Sanjad et al., 2012Sanjad, N., Oren, D. C., Silva Junior, J. S., Hoogmoed, M. S., & Higuchi, H. (2012). Documentos para a história do mais antigo jardim zoológico do Brasil: o Parque Zoobotânico do Museu Goeldi. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 7(1), 210-258. https://doi.org/10.1590/S1981-81222012000100013
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, p. 220). Essa 'ajuda necessária' comportava todo tipo de apoio logístico (suprimentos, estadia, transporte e mão de obra) e acesso a saberes tradicionais, que só são possíveis de ter a partir da aliança com uma rede formada por sujeitos humanos e não humanos no campo de trabalho.

A relação entre o Museu Goeldi e a elite proprietária marajoara revela particularidades que se afastam da concepção tradicional do mecenato científico. No âmbito desse mecenato ligado à ciência, é comum observar a intervenção de indivíduos, autoridades governamentais, corporações e entidades, que oferecem recursos financeiros e proteção aos cientistas e às suas pesquisas (Ruellet, 2016Ruellet, A. (2016). La Maison de Salomon. Histoire du patronage scientifique et technique en France et en Angleterre au XVIIe siècle. Presses Universitaires de Rennes.; Mesnard, 1985Mesnard, J. (1985). Le mécénat scientifique avant l'Académie des sciences. In R. Mousnier & J. Mesnard (Orgs.), L'âge d'or du mécénat (1598-1661) (pp. 107-117). Editions du CNRS.; Beugnot, 1985Beugnot, B. (1985). La figure de Mecenas. In R. Mousnier & J. Mesnard (Orgs.), L'âge d'or du mécénat (1598-1661) (pp. 285-293). Editions du CNRS.; Sanglard, 2005Sanglard, G. P. (2005). Entre os salões e o laboratório: filantropia, mecenato e práticas científicas: Rio de Janeiro, 1920-1940 [Tese de doutorado, Fundação Oswaldo Cruz]. https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/3980
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). Mesnard (1985)Mesnard, J. (1985). Le mécénat scientifique avant l'Académie des sciences. In R. Mousnier & J. Mesnard (Orgs.), L'âge d'or du mécénat (1598-1661) (pp. 107-117). Editions du CNRS. propõe que o mecenato científico seja reconhecido apenas quando há uma assistência material, especialmente de natureza pecuniária, direcionada aos profissionais da ciência, garantindo-lhes sustento, moradia, subsídios ou pensões, e cobertura dos custos da pesquisa. Entretanto, ao analisarmos o caso do Museu Goeldi, não encontramos registros nas fontes históricas e na historiografia de alocação de recursos financeiros por parte da elite paraense para a instituição. Efetivamente, deparamo-nos com um cenário em que a instituição e seus funcionários recebiam proteção e assistência logística e intelectual da elite paraense durante expedições e doações de coleções de cultura material, bem como exemplares da fauna e da flora (Sanjad, 2019Sanjad, N. (2019). Nimuendajú, a Senhorita Doutora e os “etnógrafos berlinenses”: rede de conhecimento e espaços de circulação na configuração da etnologia alemã na Amazônia no início do século XX. Asclepio, 71(2), 197-297. https://doi.org/10.3989/asclepio.2019.14
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; Coelho, 2021Coelho, M. C. (2021). Objetos entre contextos e significados: as coleções etnográficas do Museu Paraense Emílio Goeldi entre 1894 e 1905 [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará]. https://pphist.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/dissertacoes/2021/COELHO_Matheus_Dissertacao.pdf
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).

Diante das particularidades da relação entre o Museu Goeldi e a elite paraense, que se distingue do modelo de mecenato científico convencional, consideramos chamá-la de 'relação de patronato'. Esse conceito novo se refere a uma dinâmica em que indivíduos, membros da elite local, conhecidos como patronos, oferecem apoio logístico, intelectual e social a uma instituição científica, no caso aqui estudado, o Museu Goeldi. Essa relação não se baseia no auxílio financeiro, mas sim no intercâmbio simbólico, social e material entre as partes.

Em certos trabalhos e correspondências dos funcionários do museu, como de Gottfried Hagmann e da ornitóloga alemã Emília Snethlage, podemos identificar expressões de agradecimento aos fazendeiros marajoaras e aos coronéis de barranco1 1 Conforme Sanjad (2019), os coronéis de barranco eram personalidades detentoras de consideráveis posses, autoatribuindo-se a posição de senhores dos rios. Esses indivíduos, gozando de influência e prestígio na esfera local, tomavam posse de vastas extensões territoriais, explorando navegação e os recursos naturais, frequentemente subjugando as populações indígenas e ribeirinhas, por vezes por intermédio do sistema de aviamento. , sublinhando a relevância do apoio prestado por esses agentes para as expedições (Snethlage, 1914Snethlage, E. (1914). Carta de Emilia Snethlage a Eduard Seler. Pará, 17 de março de 1914 [Tradução de J. B. P. Silva e N. Sanjad, Transcrição de B. Hoffmann]. Acta betreffend die Erwerbung ethnologischer Gegenstände aus Amerika, v. 38, Pars IB (Archiv, E 231/14, E 979/14, E 383/15). Ethnologisches Museum Berlin, Berlin, Alemanha.; Sanjad, 2019Sanjad, N. (2019). Nimuendajú, a Senhorita Doutora e os “etnógrafos berlinenses”: rede de conhecimento e espaços de circulação na configuração da etnologia alemã na Amazônia no início do século XX. Asclepio, 71(2), 197-297. https://doi.org/10.3989/asclepio.2019.14
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; Sanjad et al., 2012Sanjad, N., Oren, D. C., Silva Junior, J. S., Hoogmoed, M. S., & Higuchi, H. (2012). Documentos para a história do mais antigo jardim zoológico do Brasil: o Parque Zoobotânico do Museu Goeldi. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 7(1), 210-258. https://doi.org/10.1590/S1981-81222012000100013
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). Esses representantes da elite regional forneciam amplo suporte logístico e proteção durante as missões. Ademais, por meio de suas conexões e influência nas esferas locais de poder, facilitavam o acesso e as interações dos cientistas com novos espaços de circulação2 2 O conceito de “espaços de circulação”, conforme formulado por Raj (2017), refere-se a espaços delimitados, caracterizados por configurações irregulares, onde se desdobram os processos de deslocamento e transformação dos saberes e práticas no contexto das interações interculturais, ou seja, a circulação do conhecimento. Essa concepção “sugere um tecido com desníveis topográficos, assimetrias (de poder) e a possibilidade de explorar um continuum já existente, ou nuvem, de relações, em vez de meramente construir ligações individuais” (Raj, 2017, p. 52, tradução nossa). , muitas vezes sujeitos a restrições para estrangeiros.

Nas relações de patronato, os membros da elite obtinham ganhos materiais, simbólicos e sociais, em contrapartida às suas doações, à proteção e ao auxílio logístico que recebiam. Ao participarem de uma rede de conhecimento, fornecerem suporte logístico e intelectual, proteção e contribuírem com coleções para o Goeldi, esses indivíduos da elite integravam-se (ou garantiam sua permanência) em uma rede social mais ampla, que abarcava as autoridades governamentais do estado do Pará, as quais concebiam a instituição museológica como fundamental para a promoção dos ideais republicanos de patriotismo, civilidade e cientificidade e a concretização de seu projeto político (Sanjad, 2010Sanjad, N. (2010). A Coruja de Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República (1866-1907). Editora Fiocruz.). Dessa forma, eles garantiam ou ampliavam seu capital social3 3 O conceito de capital social foi definido por Bourdieu (1998, p. 67) como “o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e inter-reconhecimento ou, em outros termos, de vinculação a um grupo, como um conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis”. .

Um exemplo elucidativo é a Sociedade Zeladora do Museu Paraense, estabelecida em 1896, sob a liderança de José Coelho da Gama Abreu, o Barão do Marajó, e composta por membros proeminentes da sociedade paraense. Essa associação, criada com o propósito de promover o interesse pela ciência e “uma rápida popularização dos trabalhos realizados no Museu Estadual e empresas científicas de sua iniciativa”, funcionou, na prática, como um espaço de intercâmbio social e simbólico (Marajó, 1900Marajó, B. (1900). Discurso proferido pelo Exmo. Dr. Barão de Marajó. Boletim do Museu Paraense de Historia Natural e Ethnographia, 2(2), 114-120., pp. 114-115). O engajamento na Sociedade Zeladora conferia aos membros da elite reconhecimento por seu apoio à causa da ciência no contexto do Pará perante as autoridades governamentais, permitindo o estreitamento dos laços. Concomitantemente, o Museu Goeldi fortalecia sua influência e seu prestígio dentro desse estrato da sociedade.

Além disso, é possível interpretar as doações de coleções e espécimes ao Museu Goeldi, um fenômeno comum no final do século XIX e início do XX, também como uma forma de acumulação de capital simbólico pela elite paraense. As contribuições eram devidamente reconhecidas, com os nomes dos doadores arrolados nos relatórios elaborados pelo diretor da instituição e remetidos ao governador do estado do Pará, as quais eram posteriormente publicadas nos exemplares do periódico científico do museu. Na seção intitulada 'Donativos', o diretor dirigia palavras de elogio e gratidão aos doadores, assim, elevando o capital simbólico dos patronos da instituição.

Em sua análise, Bourdieu (2009)Bourdieu, P. (2009). O poder simbólico. In Autor, O senso prático (Tradução de M. Ferreira) (pp. 187-202). Vozes. ressalta a capacidade do capital simbólico de se transformar em capital cultural e econômico. Dessa maneira, as contribuições e o apoio ao Museu Goeldi conferiam à elite paraense status, prestígio e reconhecimento social, os quais, por sua vez, poderiam ser convertidos em benefícios educacionais, propriedades, nomeações para cargos públicos, contratos governamentais e acesso a crédito.

A EXPEDIÇÃO A ILHA DE MEXIANA EM 1901

No período de setembro4 4 No relatório referente a 1901, Goeldi (1904) cita o início da expedição no mês de agosto, enquanto Hagmann (1902) aponta o início em setembro do mesmo ano, inclusive reafirmando que a duração da expedição foi de três meses. a novembro de 1901, uma expedição à ilha de Mexiana, localizada no arquipélago do Marajó, foi liderada por Gottfried Hagmann, auxiliar de zoologia do Museu Goeldi, acompanhado de Joseph Schönmann e de Manoel de Pinto Lima Guedes, respectivamente, preparador da seção de zoologia e preparador de botânica do mesmo museu. Hagmann (1902b, p. 405, tradução nossa)Hagmann, G. (1902b). Die Eier von Caiman niger. Zweiter Beitrag zur Kenntniss der Lebens- und Fortpflanzungsweise der brasilianischen Reptilien. Zoologische Jahrbücher (Abteilung für Systematik, Geographie und Biologie der Tiere), 16, 405-410. https://www.biodiversitylibrary.org/part/189896
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resumiu os objetivos dessa estadia de três meses na propriedade da proeminente família Pombo como “estudar as condições faunísticas, florísticas e etnográficas-arqueológicas” da mencionada ilha.

Provinda do Reino da Galizia, a família Pombo estabeleceu-se no Pará na segunda metade do século XVIII (Cancela, 2009Cancela, C. D. (2009). Famílias de elite: transformação da riqueza e alianças matrimoniais. Belém 1870-1920. Topoi, 10(18), 24-38. https://doi.org/10.1590/2237-101X018010003
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). De acordo com Cancela (2009)Cancela, C. D. (2009). Famílias de elite: transformação da riqueza e alianças matrimoniais. Belém 1870-1920. Topoi, 10(18), 24-38. https://doi.org/10.1590/2237-101X018010003
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, no século XIX, a fortuna dessa família estava fundamentada na propriedade de terras – incluindo a ilha de Mexiana –, engenhos e fazendas dedicadas à criação de gado, onde eram empregados trabalhadores escravizados. A partir da segunda metade dos oitocentos, esse panorama começou a mudar gradativamente e os seringais em Mexiana ganharam cada vez mais importância nos negócios da família Pombo. Todavia, simultaneamente aos investimentos na extração de borracha, prosseguiram alocando recursos na pecuária, mantendo por algum tempo o status de referência nesse negócio na região.

A excursão realizada por Hagmann, Schönmann e Guedes se revelou produtiva para o museu, resultando em notáveis acréscimos ao inventário de animais vivos e às coleções científicas da instituição, especialmente em relação a aves e objetos arqueológicos, como relatado por Emílio Goeldi em seu comunicado ao governador do Pará (Goeldi, 1904Goeldi, E. (1904). Relatório sobre o Museu, relativo ao ano de 1901, apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Secretário de Estado da Justiça, Interior e Instrução Pública pelo Dr. Emílio Augusto Goeldi, Diretor do mesmo Museu. Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia (Museu Goeldi), 4(1), 1-30. https://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/1167?mode=full
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). Ademais, é relevante ressaltar que as observações registradas e as amostras coletadas na ilha de Mexiana redundaram na consecução de artigos e livros veiculados em periódicos científicos (cf. Hagmann, 1902aHagmann, G. (1902a). Alligatoren-schlachten im Amazonenstrom. Reise-Erinnerungen von der Insel Mexiana. Die Schweiz, 6, 460-464., 1902bHagmann, G. (1902b). Die Eier von Caiman niger. Zweiter Beitrag zur Kenntniss der Lebens- und Fortpflanzungsweise der brasilianischen Reptilien. Zoologische Jahrbücher (Abteilung für Systematik, Geographie und Biologie der Tiere), 16, 405-410. https://www.biodiversitylibrary.org/part/189896
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; Sanjad et al., 2012Sanjad, N., Oren, D. C., Silva Junior, J. S., Hoogmoed, M. S., & Higuchi, H. (2012). Documentos para a história do mais antigo jardim zoológico do Brasil: o Parque Zoobotânico do Museu Goeldi. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 7(1), 210-258. https://doi.org/10.1590/S1981-81222012000100013
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).

No final do século XIX e início do XX, a ilha de Mexiana se destacava por ser um reduto de jacarés, em grandes quantidades. Emílio Goeldi (1902, p. 393)Goeldi, E. (1902). Maravilhas da natureza: na Ilha de Marajó (Rio Amazonas). Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia (Museu Goeldi), 3(3-4), 370-399. https://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/1149
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, zoólogo suíço e então diretor do museu, com a finalidade de enfatizar esse aspecto, chegou a afirmar que as ilhas de Caviana e de Mexiana constituíam um “El-dorado phenomenal de jacarés”. O zoólogo suíço registrou a facilidade com que os jacarés eram encontrados em seus habitats naturais no Marajó, de modo geral: lagoas; pântanos circundados por arbustos de papiro, em parte oculto por vegetação, conhecidos como 'mondongos'; rios. Todavia, a presença desses animais na região consistia em prejuízos para os fazendeiros que, nas palavras de Goeldi, se viam “obrigados a fazer anualmente grandes caçadas onde os matam em quantidades assombrosas” (Goeldi, 1902Goeldi, E. (1902). Maravilhas da natureza: na Ilha de Marajó (Rio Amazonas). Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia (Museu Goeldi), 3(3-4), 370-399. https://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/1149
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). Corroborando essa ideia, um dos patronos do museu e grande proprietário de terra no Marajó chegou a assinalar que “a praga [os jacarés] no começo da secca é terribilissimamente numerosa e tal modo flagela os animaes, que o gado miúdo algumas vezes não resiste às sugações, acompanhadas de noite de martyrisada insomnia” (Miranda, 1909Miranda, V. C. (1909). Os campos de Marajó e sua flora: considerados sob o ponto de vista pastoril. Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia, 5(1-2), 96-151. https://hemeroteca-pdf.bn.gov.br/424692/per424692_1908_00001.pdf
https://hemeroteca-pdf.bn.gov.br/424692/...
, p. 101). Dessa forma, a matança desses animais era vista como uma forma de preservar as suas propriedades.

No decorrer da sua permanência na ilha de Mexiana, no período que decorreu entre os dias 15 e 16 de novembro, Gottfried Hagmann assistiu a caça aos jacarés5 5 No texto em análise, Gottfried Hagmann omitiu a identificação específica das espécies de jacarés. Entretanto, em um artigo subsequente, no mesmo ano, abordando o ciclo reprodutivo dos jacarés na ilha de Mexiana, Hagmann faz menção ao Melanosuchus niger (Spix, 1825), anteriormente denominado como Caiman niger, reconhecido popularmente como jacaré-açu (Hagmann, 1902). é plausível inferir que Hagmann tenha testemunhado o abate dessa mesma espécie por vaqueiros. . Dessa experiência, ele produziu o relato e as fotografias inclusos no trabalho intitulado, em alemão, “Alligatoren-Schlachten im Amazonenstrom. Reise-Erinnerungen von der Insel Mexiana” (Hagmann, 1902aHagmann, G. (1902a). Alligatoren-schlachten im Amazonenstrom. Reise-Erinnerungen von der Insel Mexiana. Die Schweiz, 6, 460-464.), a qual viu sua primeira publicação em 1902 no periódico de divulgação científica Die Schweiz, de Zurique. No presente trabalho, além de examinar essa obra, divulgamos uma tradução do texto para o português, até então inédita, acrescido de notas pelos autores, e algumas ilustrações e fotografias feitas por Hagmann a partir da excursão à mencionada ilha.

BREVE BIOGRAFIA DE GOTTFRIED HAGMANN

No dia 15 de novembro de 1874, nasceu Gottfried Ludwig Hagmann, em Lichtensteig, na Suíça (Papavero & Overal, 2011Papavero, N., & Overal, W. L. (2011). Taperinha: histórico das pesquisas de história natural realizadas em uma fazenda da região de Santarém, no Pará, nos séculos XIX e XX. Museu Paraense Emílio Goeldi.; Aerni, s.d.Aerni, A. (s.d.). Gottfried Hagmann [Manuscrito]. Arquivo Guilherme de La Penha. Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém.). Era o primogênito entre os cinco filhos de Gottfried Karl Hagmann (1852-1913) e Ida Maria Hagmannn (1853-1924). Durante certo tempo, seu pai desempenhou o papel de guarda-florestal regional do Cantão de Sankt Gallen (Lichtensteig e Uznach), mas, a partir de 1876, assumiu a direção do zoológico de Basileia. Em 1887, Gottfried Hagmann e sua família obtiveram a cidadania de Basileia e, no ano seguinte, renunciaram à cidadania de Sevelen e Lichtensteig.

Gottfried Hagmann completou seus estudos na “Realchule” de Basileia (Papavero & Overal, 2011Papavero, N., & Overal, W. L. (2011). Taperinha: histórico das pesquisas de história natural realizadas em uma fazenda da região de Santarém, no Pará, nos séculos XIX e XX. Museu Paraense Emílio Goeldi.). Posteriormente, dedicou-se ao estudo de Geologia e Zoologia nas universidades de Basileia e Estrasburgo. Em 1897, tornou-se membro ordinário da Sociedade de Pesquisa Natural de Basileia. Em 7 de fevereiro de 1898, obteve o título de 'Dr. Phil.' pela Universidade de Basileia. Hagmann dedicou-se à pesquisa da fauna de vertebrados diluvianos de Vöklingshofen (Alta Alsácia), cujo título original foi “Die diluviale Wirbeltierfauna von Vöklinshofen (Ober-Elsass)” (Hagmann, 1899Hagmann, G. (1899). Die diluviale Wirbeltierfauna von Vöklinshofen (Ober-Elsass) (Abhandlungen zur geologischen Specialkarte von Elsass-Lothringen, Neue Folge, Heft 3). Strassburger Druckerei und Verlagsanstalt, vorm. R. Schultz & cie. https://www.biodiversitylibrary.org/bibliography/86945
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).

A vinda ao Pará ocorreu devido ao convite do zoólogo suíço e então diretor do Museu Goeldi, Emílio Goeldi, que, naquele ano, estava na Europa e buscava preencher os cargos científicos da instituição paraense com profissionais qualificados vindos desse continente (Sanjad, 2010Sanjad, N. (2010). A Coruja de Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República (1866-1907). Editora Fiocruz.). No dia 15 de outubro de 1899, Goeldi e sua família embarcaram rumo a Belém, acompanhados de Hagmann e Karl von Kraatz-Koschlau (Aerni, s.d.Aerni, A. (s.d.). Gottfried Hagmann [Manuscrito]. Arquivo Guilherme de La Penha. Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém.).

Hagmann ocupou posições no Museu Goeldi entre 1899 e 1904, desempenhando os papéis de assistente de zoologia e inspetor do jardim zoológico (Sanjad, 2010Sanjad, N. (2010). A Coruja de Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República (1866-1907). Editora Fiocruz.). Em 1900, assumiu interinamente, e de forma breve, a direção do Museu Goeldi, na ausência de Emílio Goeldi e Jacques Huber. Esses primeiros anos na instituição foram caracterizados por uma vigorosa atividade de coleta e análise da abundante fauna amazônica, especialmente nas regiões do arquipélago do Marajó e em Cametá, Ourém e Irituia, no nordeste do Pará. Ao mesmo tempo, Hagmann recebeu a tarefa de organizar os catálogos de mamíferos e aves na instituição, incumbência delegada por Goeldi (Sanjad, 2006Sanjad, N. (2006). Emílio Goeldi (1859-1917) e a institucionalização das ciências naturais na Amazônia. Revista Brasileira de Inovação, 5(2), 455-477. https://doi.org/10.20396/rbi.v5i2.8648936
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). Além disso, compartilhou os resultados de suas pesquisas sobre a fauna amazônica e o jardim zoológico do museu em publicações científicas internacionais (cf. Sanjad et al., 2012Sanjad, N., Oren, D. C., Silva Junior, J. S., Hoogmoed, M. S., & Higuchi, H. (2012). Documentos para a história do mais antigo jardim zoológico do Brasil: o Parque Zoobotânico do Museu Goeldi. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 7(1), 210-258. https://doi.org/10.1590/S1981-81222012000100013
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).

O primeiro período no Museu Goeldi foi encerrado em 1904 devido a conflitos com o então diretor, Emílio Goeldi. Posteriormente, Gottfried Hagmann foi encarregado de supervisionar uma plantação e fazenda de gado na ilha de Mexiana, que era propriedade da família Pombo e onde anteriormente havia conduzido uma expedição em nome do museu, em 1901. Durante o período na ilha, ele se dedicou ao estudo dos vertebrados terrestres. Os resultados desses estudos culminaram na publicação de vários artigos, abordando aves (Hagmann, 1906bHagmann, G. (1906b). Anomalien im Gebiss brasilianischen Säugethiere. Verhandlungen der Deutschen Zoologischen Gesellschaft, 16, 274-276. https://www.zobodat.at/pdf/Verh-dtsch-zool-Ges_16_0259-0276.pdf
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, 1908bHagmann, G. (1908b). Die Vogelwelt der Inseln Mexiana, Amazonenstrom. Zoologische Jahrbücher. Abteilung für Systematik, Geographie und Biologie der Tiere, 26, 11-62. https://www.biodiversitylibrary.org/part/189971
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), mamíferos terrestres (Hagmann, 1908aHagmann, G. (1908a). Die Lan. Die Landsaugetiere der Insel Mexiana. Als Beispiel der Einwirkung der Isolation auf Die Umbildung der Arten. Archiv für Rassenbiologie, 5, 1-31.) e répteis da ilha (Hagmann, 1906aHagmann, G. (1906a). Die Einer von Gonatodes humeralis, Tupinambis nigropunctatus und Caiman sclerops. 3. Beitrag zur Kenntiniss der Lebens – und Fortpflazungsweise der brasilianischen Reptilien. Zoologische Jahrbücher. Abteilung für Systematik, Geographie und Biologie der Tiere, 24, 307-316., 1909Hagmann, G. (1909). Die Reptilien der Insel Mexiana, Amazonenstrom. Zoologische Jahrbücher. Abteilung für Systematik, Geographie und Biologie der Tiere, 28, 473-504. https://www.biodiversitylibrary.org/part/190001
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). Hagmann permaneceu nessa posição até 1906, quando retornou com a família, estabelecendo-se primeiramente em Basileia e, posteriormente, em Estrasburgo.

Em 1910, Hagmann e sua família regressaram ao Brasil, estabelecendo-se em Cacoal Grande, na margem esquerda do Amazonas (Papavero & Overal, 2011Papavero, N., & Overal, W. L. (2011). Taperinha: histórico das pesquisas de história natural realizadas em uma fazenda da região de Santarém, no Pará, nos séculos XIX e XX. Museu Paraense Emílio Goeldi.). No ano seguinte, ele adquiriu a fazenda Taperinha dos herdeiros do Barão de Santarém, situada nas proximidades do município de Santarém, no estado do Pará. Nessa fazenda, continuou suas atividades científicas e hospedou naturalistas e cientistas, como Ernst Garbe, do Museu Paulista, e os coletores Alois Strympl e Anton Hermann Fassl, que realizaram estudos e fizeram grandes coleções na fazenda e em regiões vizinhas.

De acordo com um artigo de Souza (1924)Souza, A. (1924, nov. 28). A produccção de fibras no Pará. O Paiz, (14649), 2. https://memoria.bn.gov.br/docreader/DocReader.aspx?bib=178691_05&pagfis=19460
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, publicado no jornal carioca O Paiz, em 1924, Hagmann trabalhava como funcionário do serviço meteorológico do Ministério da Agricultura, atuando no município de Santarém. Na região, ele estava envolvido na cultura do curauá, uma bromélia nativa da Amazônia cujas fibras são resistentes e leves, permitindo diversas aplicações industriais. O cultivo extensivo dessas plantas na fazenda Taperinha começou em 1914 (Papavero & Overal, 2011Papavero, N., & Overal, W. L. (2011). Taperinha: histórico das pesquisas de história natural realizadas em uma fazenda da região de Santarém, no Pará, nos séculos XIX e XX. Museu Paraense Emílio Goeldi.). No entanto, segundo o engenheiro agrônomo Hugo Rangel Borborema, em um artigo de 1944, a experiência de Hagmann com o cultivo de curauá em suas propriedades, que abrangiam uma área de 23 hectares, não foi bem-sucedida, devido à falta de recursos para adquirir máquinas de desfibramento e ao apoio necessário para promover essa bromeliácea (Borborema, 1944Borborema, H. R. (1944). O Curauá. O Campo, 173, 47-49., p. 48).

Aerni (s.d.Aerni, A. (s.d.). Gottfried Hagmann [Manuscrito]. Arquivo Guilherme de La Penha. Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém., tradução de João B. Poça da Silva) afirma que “Hagmann deve ter sido admitido como meteorologista no serviço público brasileiro” a partir de 1914. Em seguida, parece ter alcançado a posição de liderança na direção da Estação Meteorológica Central para toda a região amazônica. Fato também apontado em coluna do Jornal do Brasil de 1927 (“Decretos assignados”, 1927Decretos assignados. (1927, mar. 27). Jornal do Brasil, (74), 7. https://memoria.bn.gov.br/DOCREADER/DocReader.aspx?bib=030015_04&hf=www.google.com&pagfis=54350
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), que afirma que “Godofredo Hagmann” havia sido nomeado por decreto do Presidente da República para o cargo de chefe da Estação Climatológica de 1ª classe da diretoria de Meteorologia na pasta da Agricultura.

Na década de 1930, quase três décadas após sua partida do Museu Goeldi, Hagmann retornou à instituição. Sob a administração de Carlos Estêvão de Oliveira, ele assumiu oficialmente o posto de chefe da Seção de Zoologia. Durante esse segundo período no museu, o zoólogo suíço continuou suas investigações sobre a fauna amazônica, especialmente focando na análise de crânios de mamíferos, répteis e aves (Papavero & Overal, 2011Papavero, N., & Overal, W. L. (2011). Taperinha: histórico das pesquisas de história natural realizadas em uma fazenda da região de Santarém, no Pará, nos séculos XIX e XX. Museu Paraense Emílio Goeldi.). Foi lá, inclusive, durante suas atividades científicas, que Hagmann encontrou de modo repentino a morte, em 16 de maio de 1946.

AS MEMÓRIAS DE VIAGEM DE HAGMANN

Não obstante sua modéstia em termos de extensão, o artigo de Hagmann, aqui traduzido como “Batalhas com jacarés no rio Amazonas: memórias de viagem à ilha de Mexiana”, destaca-se como um dos registros mais detalhados e vívidos dos violentos embates entre os vaqueiros marajoaras e os imponentes animais. Nele, ao longo de suas páginas, o autor delineia um retrato da brutalidade que permeava tais confrontos, os perigos e a luta pela sobrevivência em meio ao ambiente amazônico. Paralelamente, ele desvela as técnicas, a cultura e os saberes dos habitantes locais, assim como as relações sociais de compadrio que os compeliam a se arriscar na perigosa caçada. Além dessas questões, a leitura do texto permite investigar e visualizar aspectos do cotidiano e da logística do trabalho de campo dos funcionários do Museu Goeldi, bem como as concepções e contradições do autor do texto acerca da conservação da fauna amazônica e da amplitude da tentativa de extermínio infligido à população de jacarés.

Um dos aspectos mais interessantes do texto de Gottfried Hagmann repousa na sua inerente, ainda que não talvez inteiramente consciente, tentativa de justificar o extermínio de jacarés na ilha. Da mesma forma que Emílio Goeldi, diretor da instituição em que desempenhava suas funções na época, o assistente de zoologia sustentou que a necessidade de resguardar o gado compelia os fazendeiros a aniquilar o maior número possível de animais anualmente. Ao adotar tal perspectiva, Hagmann isentava seus patronos, como a família Pombo, que abrigou os funcionários do museu em suas terras durante três meses, de qualquer responsabilidade. Em última análise, sugeria que as ações daqueles indivíduos eram, até mesmo, uma reação compulsória diante das inelutáveis demandas pela própria natureza amazônica.

Em dois dias de caça, segundo o próprio Hagmann, foram mortos cerca de 800 exemplares de jacarés. Ele registrou essa experiência como um 'espetáculo' que se destacaria como uma das lembranças mais intrigantes de sua vivência no mundo tropical. Não obstante as suas atribuições de assistente de zoologia e sua formação na área, a consciência do cientista aparentemente não se chocou com as práticas vividas em campo. Em seu discurso sobre tal prática, não há nenhuma perspectiva concernente à preservação destes animais – igualmente a Goeldi ao descrever e analisar a mesma prática em outro momento (cf. Goeldi, 1902Goeldi, E. (1902). Maravilhas da natureza: na Ilha de Marajó (Rio Amazonas). Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia (Museu Goeldi), 3(3-4), 370-399. https://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/1149
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). Antecipando possíveis questionamento dos leitores acerca de alguma eventual redução no número de jacarés, dada a grande quantidade anualmente abatida, o autor sustentou que, em Mexiana e na região central do Marajó, havia grandes pântanos inacessíveis, onde se refugiava o maior contingente de jacarés, enquanto apenas uma parcela minoritária passava o verão nos lagos e charcos acessíveis aos vaqueiros durante as suas caçadas.

Como visto, o discurso de Hagmann sobre a caça de jacarés se caracteriza pela escassez de reflexões em relação à preservação destes animais. Sem cair em anacronismos à luz dos debates contemporâneos sobre a conservação das espécies, importa salientar que, já desde o final do século XIX, emerge uma série de debates suscitados pelas ameaças decorrentes da caça indiscriminada de animais silvestres (Duarte, 2006Duarte, R. H. (2006). Pássaros e cientistas no Brasil: em busca de proteção, 1894-1938. Latin American Research Review, 41(1), 3-26. https://doi.org/10.1353/lar.2006.0006
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, 2010Duarte, R. H. (2010). A Biologia militante: o Museu Nacional, especialização científica, divulgação do conhecimento e práticas políticas no Brasil - 1926-1945. Editora UFMG.; Franco & Drummond, 2009Franco, J. L. A., & Drummond, J. A. (2009). Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920-1940. Editora Fiocruz.). Durante a Primeira República, as instituições museológicas, a exemplo do Museu Nacional, Museu Paulista, Museu Paraense e Jardim Botânico, foram centros de crescente inquietação com o mundo natural. De acordo com Franco e Drummond (2009, p. 27)Franco, J. L. A., & Drummond, J. A. (2009). Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920-1940. Editora Fiocruz., nesse contexto, “ao lado do interesse científico pela natureza, surgiam preocupações com a proteção de um patrimônio natural vasto, tanto do ponto de vista da utilidade econômica quanto daquele da fruição estética”.

O próprio Emílio Goeldi, entre maio de 1895 e maio de 1896, fez uso de sua autoridade científica e prestígio social para denunciar veementemente a caça indiscriminada de garças e guarás na região do baixo Amazonas, especialmente na ilha do Marajó. Segundo ele, as suas razões para condenar o extermínio dessas aves eram “predominantemente de ordem esthetica e humanitária” (Goeldi, 1897Goeldi, E. (1897). Destruição das garças e guarás. Boletim do Museu Paraense de História Natural e Etnographia, 2(1), 27-42. https://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/1099
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, p. 30). Nesse sentido, as garças possuíam direitos naturais que os seres humanos deveriam respeitar. Mais do que isso, em uma de suas representações públicas, o zoólogo suíço aponta que a caça indiscriminada que exterminava populações de aves, como a garça, era um crime contra a natureza brasileira. Em consequência das representações de Goeldi, amplamente divulgadas no estado do Pará, diversas intendências municipais proibiram a caça de garças e guarás para fins comerciais (Goeldi, 1897Goeldi, E. (1897). Destruição das garças e guarás. Boletim do Museu Paraense de História Natural e Etnographia, 2(1), 27-42. https://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/1099
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).

Preocupações em relação à natureza e às ameaças decorrentes da caça indiscriminada de animais silvestres, em especial de jacarés, não se limitaram apenas ao meio científico; a imprensa também foi palco dessas discussões (Pacheco & Cutrim, 2014Pacheco, A. S., & Cutrim, H. L. (2014). Marajoaras na Belle époque: história, patrimônios e condições de vida. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, 1(2), 157-175. https://core.ac.uk/download/pdf/233889637.pdf
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). No entanto, a matança desenfreada desses animais para atender às demandas comerciais e proteger o gado continuou por algum tempo e resultou em uma redução significativa da população de jacarés. Essa situação levou o governo a implementar uma lei de proteção para a preservação da espécie. Essas mudanças tiveram impacto na prática da vaquejada de jacarés, que prosseguiu até a Segunda Guerra Mundial, quando a indústria de couro, associada ao comércio de peles de jacarés, se consolidou na ilha, subsidiando a indústria em Belém (Silva, 2023Silva, M. H. P. (2023). Paisagens, histórias e ecologias mais que humanas do gado ao longo dos campos na Amazônia Marajoara. Ilha – Revista de Antropologia, 25(3), 23-42. https://doi.org/10.5007/2175-8034.2023.e94144
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). Posteriormente, foram estabelecidas leis em nível nacional para regulamentar essa atividade.

O massacre dos jacarés e a crueldade contra esses animais no Marajó, que resultaram na morte de pelo menos 800 exemplares em dois dias de caça nos lagos Acauã e Açaí, não suscitaram uma reação correspondente de indignação por parte de Emílio Goeldi e Gottfried Hagmann. Esse episódio expõe as limitações e contradições dos cientistas no que tange à proteção da natureza e à sensibilidade em relação à interação entre o homem e o mundo natural. No caso de Hagmann, e de outros funcionários do Museu Goeldi, os limites do conservacionismo devem ser compreendidos, para além de questões de ordem pessoal e psicológica, a partir do contexto das relações que a instituição mantinha com os fazendeiros do Marajó, indivíduos que comandavam e gerenciavam essas caçadas, frequentemente em suas propriedades.

Certamente, na qualidade de zoólogo, Hagmann estava consciente das implicações dessas práticas ao ecossistema local e das consequências a longo prazo decorrentes da continuidade da caça predatória desses répteis. Todavia, ele também tinha ciência de que se manifestar com veemência e publicamente contra essa prática poderia não agradar os fazendeiros, resultando em conflitos com alguns dos principais patronos da instituição. Tal atitude poderia prejudicar a logística e o desenvolvimento de futuras expedições, assim como a aquisição de espécimes de história natural e objetos de cultura material. Dessa forma, Hagmann e outros funcionários da instituição adotaram uma postura alinhada com o discurso da elite proprietária, passando a justificar e normalizar o extermínio dos jacarés em nome da defesa da propriedade privada, a despeito dos crescentes debates conservacionistas no meio científico e de posições anteriores postuladas dentro da própria instituição museológica.

Além do texto, incluímos as quatro ilustrações que acompanhavam o artigo na sua primeira edição; inclusive, optamos por preservar as legendas originais feitas por Hagmann nas Figuras 1 a 4. Também acrescentamos, ao final, três negativos de vidro produzidos durante essa expedição, pertencentes ao Arquivo Guilherme de La Penha, do Museu Paraense Emílio Goeldi (Figuras 5 a 7). Essas fotografias permitem uma visualização mais ampla do trabalho dos vaqueiros e do campo de trabalho em Mexiana. Ademais, possibilitam a comparação do processo de montagem das ilustrações originais presentes no texto.

Figura 1
Lago Acauã, com sua enorme quantidade de jacarés. A fotografia (aqui ampliada) foi tirada no momento da chegada e retrata os jacarés em seu estado natural e autêntico.
Figura 2
Os vaqueiros capturam os jacarés grandes com o laço, arrastam-nos para terra e ali os abatem.
Figura 3
Rodada no lago Açaí: à direita, as cabeças dos jacarés na água. Os vaqueiros conduzem os animais até o braço estreito do igarapé, onde ocorre a batalha principal.
Figura 4
Os dois gigantes do lago Açaí, de considerável comprimento corporal (4,2 m).
Figura 5
Fotografia dos vaqueiros com laços e lanças durante a caça aos jacarés no lago Açaí. Foto: Gottfried Hagmann, 1901.
Figura 6
Registro dos vaqueiros marajoaras, alguns carregando varas, durante a caçada. Foto: provavelmente Gottfried Hagmann, 1901.
Figura 7
Registro dos vaqueiros marajoaras durante a caçada, além deles, vê-se provavelmente Hagmann e um homem não identificado, ambos de camisas brancas e chapéus, observando a atividade.

Na Figura 1, o foco é especialmente direcionado ao lago Acauã, onde cerca de 350 jacarés foram abatidos durante as caçadas. Segundo a legenda original, a fotografia foi tomada quando vaqueiros e pesquisadores se aproximavam do lago, revelando uma cena que impactou profundamente Hagmann, que a descreveu como um 'magnífico espetáculo natural': centenas de jacarés agrupados, com as cabeças próximas umas das outras, os corpos quase submersos na lama, encarando os intrusos. Provavelmente, o assistente de zoologia do Museu Goeldi selecionou essa imagem para ilustrar o momento em que o autor relata seu impacto com essa visão do mundo natural, fazendo-o refletir brevemente sobre como aquilo evocava períodos geológicos remotos.

As imagens subsequentes ao final do artigo (Figuras 2 a 4) são registros capturados durante e após as caçadas. Na Figura 2, vemos os vaqueiros em ação no lago Acauã, com seus corpos imersos até quase os joelhos na lama, alguns empunhando laços e outros, varas. A Figura 3 retrata a caçada em outro lago, o Açaí. Na imagem, que permite uma visualização do ambiente da segunda batalha e das atividades dos vaqueiros, vê-se, de um lado, as cabeças dos jacarés imergindo na água, enquanto, no lado oposto, os trabalhadores marajoaras direcionam os animais para o estreito braço que deságua no igarapé Jacaré, local onde ocorreu a batalha principal que resultou na morte de 450 animais ao longo de seis horas.

Na Figura 5, um negativo de vidro produzido por Hagmann e armazenado no Arquivo Guilherme de La Penha, podemos observar a origem da imagem previamente analisada (Figura 3). Ao compará-las, destacam-se duas diferenças principais. Primeiramente, a ausência do primeiro vaqueiro da esquerda para a direita, presente no negativo, mas ausente na gravura do artigo. Em segundo lugar, a inclusão, na gravura, de uma segunda parte não presente no negativo, mostrando uma paisagem natural com as cabeças dos répteis e um braço do estreito igarapé do Jacaré. No acervo de negativos de vidro do Arquivo Guilherme de La Penha, do Museu Paraense Emílio Goeldi, não foi encontrado o material que serviu de base para a composição da gravura. Isso sugere sua possível ausência nos arquivos ou um processo de criação por parte de Hagmann e da equipe editorial, utilizando outras imagens como referência. A primeira hipótese parece ser a mais plausível, embora a falta de mais documentos torne difícil confirmá-la.

Outra imagem que merece uma breve consideração é a Figura 4. Nesta imagem, vê-se Hagmann, em primeiro plano, trajando uma camisa branca, calças e chapéu escuros, em uma pose imponente, sentado entre os gigantescos animais abatidos. Em suas mãos, ele segura uma faca voltada para baixo que toca suavemente o couro de um dos espécimes, enquanto o pano de fundo deste registro é composto das águas serenas do lago Açaí e da vegetação que cobre as suas margens. Curiosamente, apesar de ser o elemento em destaque, o assistente de zoologia pareceu ignorar intencionalmente a sua presença ao escrever a legenda da fotografia, destacando somente o casal de animais: “os dois gigantes do lago Açaí, de considerável comprimento corporal (4,2 m)” (Hagmann, 1902aHagmann, G. (1902a). Alligatoren-schlachten im Amazonenstrom. Reise-Erinnerungen von der Insel Mexiana. Die Schweiz, 6, 460-464., p. 464). Ao fazer isso, o assistente de zoologia provavelmente visava proteger tanto sua autoimagem quanto a objetividade científica que reivindicava, a fim de precaver-se contra possíveis acusações de vaidade ou presunção excessivas por parte dos leitores.

No entanto, as questões suscitadas pela fotografia não cessam por aí, é necessário compreender o caráter e os fatores simbólicos e subjetivos, e que não deixam de ser históricos, relativos à aludida fotografia e à escolha de Hagmann. Seguindo a observação de Kossoy (2012, p. 119)Kossoy, B. (2012). Fotografia & história (4. ed.). Ateliê Editorial., a fotografia pode e deve ser utilizada por historiadores como documento histórico, sem, contudo, se perder de vista que “o assunto registrado mostra um fragmento da realidade, um e só um enfoque da realidade passada: um aspecto determinado”. O conteúdo é resultado de uma seleção de possibilidades feita pelo fotógrafo, que se baseia, evidentemente, em seu gosto estético e em suas intenções de atender às suas próprias demandas ou às de seu contratante. Além disso, consideramos oportuno acrescentar que, nas representações imagéticas, se percebe que os gestos, as roupas, os acessórios, as poses e os objetos seguem também um padrão da sua época e estão geralmente carregados de significado simbólico, conforme assinalado por Burke (2004)Burke, P. (2004). Testemunha ocular: história e imagem. EDUSC..

Mauad (1996)Mauad, A. M. (1996). Através da imagem: fotografia e história, interfaces. Tempo, 1(2), 73-98., por sua vez, percebe a utilização da fotografia pelos historiadores como uma prática que demanda uma abordagem crítica renovada. Ela destaca que o testemunho fotográfico mantém sua validade, independentemente das intenções subjacentes ao registro, seja para documentar eventos específicos ou para retratar modos de vida. Contudo, a historiadora avança em sua argumentação, em sintonia com o entendimento proposto por Jacques Le Goff, ao salientar a necessidade de considerar a fotografia tanto como imagem/documento quanto como imagem/monumento. Isso significa compreender a fotografia como um documento que reflete uma realidade passada, enquanto reconhece sua natureza de monumento, influenciada pela intervenção dos fotógrafos na preservação e na transmissão de suas próprias representações e de uma determinada visão de mundo para o futuro, consciente ou inconscientemente.

Nos últimos parágrafos do trabalho, Hagmann oferece algumas pistas sobre sua percepção quanto à função das fotografias publicadas em sua obra. Ele ressalta que o pessoal do Museu Goeldi estava consciente de que os relatos sobre o número de animais abatidos em tais eventos, mencionados em estudos anteriores, frequentemente eram alvo de questionamentos ou rotulados como exagerados. Contudo, ao inspecionar as imagens fotográficas veiculadas no mencionado artigo, o leitor facilmente constataria que o abate em massa em um lapso temporal reduzido é, de fato, uma contingência verossímil, admitindo, desse modo, que os dados apresentados correspondiam aos fatos, e não havia no seu relato nenhum exagero. Dessa forma, essas fotografias serviam como indícios, vestígios de uma materialidade pretérita, e tinham o propósito de atestar a veracidade das informações e a dimensão da matança dos jacarés na ilha de Mexiana.

Para além de servir como evidência da experiência vivida pelo cientista no campo, a Figura 4 também carrega uma significativa carga simbólica, conforme destacado por Burke (2004)Burke, P. (2004). Testemunha ocular: história e imagem. EDUSC.. Os gestos e a postura adotados por Hagmann, empunhando uma faca e posicionado entre o casal de animais selvagens, bem como a seleção do cenário, não se revelam destituídos de significado. Essa imagem, considerada simultaneamente um documento e um monumento, pode ser interpretada como uma tentativa de representar a posição social de Hagmann, um homem da ciência exercendo trabalho de campo, e a aura mística que envolvia a figura do cientista-explorador, ressaltando uma suposta masculinidade intrínseca ao trabalho de campo. Além disso, ela revela uma determinada visão de mundo sobre a natureza e a caça de animais, notavelmente distante das perspectivas conservacionistas existentes desde o final do século XIX.

Por último, as Figuras 5 a 7 são negativos de vidro, datados de 1901, dois deles com a assinatura de Gottfried Hagmann, e que atualmente fazem parte da coleção fotográfica do Arquivo Guilherme de La Penha. As Figuras 5 e 7 capturam os vaqueiros em plena ação durante as caçadas, manejando laços e varas para cercar, capturar e abater os animais. Além disso, na Figura 7, além dos trabalhadores, percebem-se dois homens com trajes diferentes dos vaqueiros, ambos vestindo camisas brancas e chapéus, que observam na margem a empreitada. Na Figura 6, os vaqueiros posam conscientemente para o fotógrafo, exibindo seus trajes simples, já encharcados e sujos, mostrando suas ferramentas e armas para a caçada, tendo um dos lagos das caçadas como pano de fundo. Alguns seguram varas, outros machados e facões, e ainda há dois com armas de fogo. Esta fotografia representa um registro interessante e profícuo que revela alguns detalhes das vestimentas, ferramentas, fisionomias e identidade dos vaqueiros marajoaras, embora os nomes destes permaneçam ocultos tanto nos artigos quanto em outras fontes.

Em última análise, as fotografias produzidas no contexto das caçadas aos jacarés na ilha de Mexiana não oferecem uma compreensão total e precisa da realidade de campo; afinal, elas capturam apenas uma fração da realidade passada, moldada pelas escolhas do seu autor e pelas demandas do contratante, neste caso, o Museu Goeldi (Kossoy, 2012Kossoy, B. (2012). Fotografia & história (4. ed.). Ateliê Editorial.). Contudo, em conjunto com a literatura pertinente e outras fontes documentais, elas nos facultam a capacidade de entender – ou até mesmo de questionar – as ideias, concepções e intenções de uma era específica e de seus protagonistas acerca do universo laboral e da natureza. Da mesma forma, contribuem para identificar e visualizar as práticas e a labuta de atores históricos que permanecem muitas vezes invisíveis nas redes de conhecimento, como é o caso dos vaqueiros marajoaras. A tradução do texto foi feita por João B. Poça da Silva diretamente do alemão. Um texto traduzido é, em essência, uma obra de coautoria, por maior que seja o intento de isenção e acuidade do tradutor. Nesse sentido, traduzir Hagmann foi, para este tradutor, a experiência do continuar tentando ser exato, ciente de que a exatidão se desmembra em inúmeros aspectos: vocabulário, estilo, aspectos de subjetividade que as palavras registradas permitem evocar, como a presença ou ausência de senso de humor (sim, os pesquisadores alemães às vezes têm senso de humor!), ou traços de lirismo, ou ainda impressões não ditas sobre o objeto observado.

No presente texto, o desafio passou inicialmente pela caligrafia, aspecto que constantemente desafia a experiência do tradutor alemão-português. Os caracteres góticos constituem, assim, divertido desafio, que lançou mão de pesquisa adicional. A atualização ortográfica também foi necessária, embora de fácil implementação. Por fim, em relação a mensagens dadas pela subjetividade do autor, no caso de Hagmann, o que ficou muito nítido tantas vezes foi o assombro. A luta inglória da natureza com os vaqueiros, embora aquela, em termos de voracidade, estivesse tão bem representada pelos jacarés, marcou tanto o espírito do alemão que ele não teve como não expressar suas impressões. Se o leitor em português notar essa furtiva tomada de posição do autor, ter-se-á alcançado o propósito do humilde tradutor.

Por fim, é importante ressaltar que o texto, juntamente com as imagens que serão apresentadas adiante, possui um caráter singular, estabelecendo-se como uma importante fonte para futuras investigações nos campos da Antropologia, História das Ciências, História Ambiental e História dos Animais. Para este último campo, a memória de Hagmann pode fornecer contribuições significativas para examinar as ações humanas e suas consequências no início do século XX, como a ameaça de extinção da espécie Melanosuchus niger, bem como a perspectiva dos museus de história natural e de cientistas sobre tais práticas humanas e a relação entre os animais (cf. Sanjad, 2010Sanjad, N. (2010). A Coruja de Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República (1866-1907). Editora Fiocruz.; Jørgensen, 2021Jørgensen, D. (2021). O desaparecimento do que está extinto: a caça às focas monge-do-caribe e as práticas de acervos museológicos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, 28(Supl. 1), 161-183. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702021000500007
https://doi.org/10.1590/S0104-5970202100...
). Espera-se que a divulgação deste trabalho possa estimular novas pesquisas e debates sobre a prática de caça aos jacarés, os conhecimentos e técnicas dos vaqueiros marajoaras, bem como a análise da obra e das concepções de Gottfried Hagmann em relação à conservação da fauna amazônica.

Batalhas com jacarés no rio Amazonas: memórias de viagem à ilha de Mexiana

Dr. Gottfried Hagmann, Basileia, Assistente do Departamento de Zoologia do Museu Goeldi, Pará (rio Amazonas)

Contém quatro ilustrações originais [Figuras 1 a 4]

Já no quarto ano desta revista, o Prof. Dr. E. A. Goeldi, Diretor do Museu Goeldi, no Pará, pôs em evidência as incontáveis hordas de jacarés que todos os anos são dizimadas nas diversas fazendas do Marajó. Wallace também nos conta sobre Mexiana, onde em 1848 ele testemunhou uma batalha com jacarés. Naquela época, esses animais eram caçados para obtenção de gordura como insumo para iluminação e, portanto, era mínimo o número de animais mortos. Hoje, porém, quando os proprietários de terras dependem de lutar contra os jacarés para manter o seu gado, todos os anos são forçados a neutralizar o maior número possível desses vorazes inimigos. Eu também tive minha oportunidade de testemunhar essas batalhas com jacarés durante uma estada de três meses em Mexiana, e dei muita sorte ao conseguir tirar várias fotografias de excelente qualidade retratando os acontecimentos.

A ilha de Mexiana, destino de uma viagem de pesquisa patrocinada pela diretoria do Museu Goeldi, está localizada no estuário setentrional do Amazonas, não muito distante de Marajó, sua irmã maior. Os irmãos Pombo, proprietários da ilha e nossos gentis anfitriões, fizeram todo o possível para nos familiarizar com as maravilhas naturais de sua ilha. Pouco antes de partirmos, ainda nos foi possível presenciar duas dessas famosas batalhas com jacarés e, como já havíamos ouvido muito sobre elas, aguardávamos com grande entusiasmo o dia em que nos seria exibido um dos grandes espetáculos do rio Amazonas.

Chegara o grande dia; o sol matinal despontou feito um poderoso hemisfério carmesim por detrás dos cúmulos cinza-claros alongados e lançou seus primeiros raios pálidos em direção ao nosso alojamento. Nada o impediu de nos antecipar a primeira saudação do dia, porque, diante de nós, estava o campo aberto, que só ao longe tinha algumas ilhas de mato, as quais mais pareciam silhuetas baixas e escuras. Antes ainda que o sol nascesse, já se deixava notar a animada vida em torno da “mansão”, que, pela sua localização solitária no centro da ilha, consistia tão só de um barracão de madeira coberto com telhas de zinco, mas que, por outro lado, fora para nós uma agradável e interessante base durante seis semanas. Nossos cavalos já se encontravam completamente selados, amarrados ao esteio da casa; alguns dos “vaqueiros”, que no dia anterior já haviam preparado as suas lanças, machados, facas e espingardas de chumbo, estavam montados e impacientes, esperando até que nós, os “senhores”, tomássemos nosso café da manhã. Enquanto isso, o sol pairava no horizonte, então montamos nas selas e, assim, foi dado o sinal para a partida de todos.

A trote, atravessamos o infindável campo e, após duas horas de cavalgada, apareceu no horizonte uma silhueta baixa de mata. Nosso destino ficava passando esse local; era ali que deveríamos encontrar os jacarés amontoados, cabeças rente umas às outras, em uma pequena lagoa. Extensas planícies cobertas de juncos de caule fino se alternavam com amplas áreas de capim, algumas das quais cobertas por árvores baixas e retorcidas, de grandes flores amarelo-enxofre que se destacavam graciosamente contra o fundo verde-escuro da ilha de mato logo atrás. Sem demora, chegamos à beira dos “mondongos”, isto é, pântanos margeados por arbustos de papiro e parcialmente cobertos de vegetação. O olhar treinado dos vaqueiros correu velozmente pela vastidão sem fim em busca do local mais adequado para atravessar o charco. Cavalgávamos com cuidado, um atrás do outro, por entre os arbustos de papiro, os quais não raro eram tão altos, que, em cima de nossas montarias, não conseguíamos enxergar por sobre eles. Nossos cavalos não tardariam a afundar até os tornozelos na camada seca da superfície da vegetação pantanosa e só a muito custo conseguiriam avançar, por isso achamos melhor descer dos cavalos e conduzi-los. Porém, o solo foi ficando cada vez mais instável e, quanto mais nos aproximávamos do meio do pântano, mais os cavalos afundavam, a ponto de nós mesmos termos de passar a vau afundados até os joelhos em meio à seca vegetação castanho-escura, muito embora no centro do mondongo não estivéssemos mais em fila indiana, mas lado a lado, a fim de garantir que todos tivessem chance de encontrar algum terreno firme. Após muito esforço, chegávamos à outra margem do mondongo e, com ele, ao nosso destino.

Havíamos chegado à beira de um extenso aningal6 6 [Nota do autor] Dá-se o nome de aningal ao local onde a aninga (Montrichardia) forma vegetação fechada. , em cujo centro fica o “lago Acauã”, um pequeno lago que no verão fica quase totalmente tomado de jacarés, que aqui se refugiam quando seca a área pantanosa. Amarramos nossos cavalos à sombra das aningas (Montrichardia7 7 [M.C.] Atual Montrichardia linifera (Arruda) Schott. ), que em média atingiam 4 a 5 m de altura, e nos preparamos para a batalha. Ainda não topáramos com nenhum exemplar dos bichos que neste país chamam de jacarés, antes de tudo porque tivemos que percorrer um longo caminho por entre o cerrado aningal, o que exigia habilidade de ginástica e custou muitas gotas de suor. No entanto, todos os nossos esforços foram ricamente recompensados e o que presenciei foi muito além de todas as expectativas. Lá estavam eles, amontoados, cabeças rente cabeças, corpos quase completamente afundados na lama, olhando fleumáticos para nós, intrusos. A primeira impressão que esse magnífico espetáculo natural nos causou foi avassaladora e simplesmente entorpeceu nossos sentidos. Na verdade, precisei refletir durante um tempo para saber se estava sonhando ou realmente acordado. Mal pude esperar até chegar à margem oposta, que, pela sua posição menos cerrada, proporcionou-me uma visão geral (Figura 1). Ali, entre aquelas Montricardias altas e de aspecto bastante rústico, estávamos completamente isolados do resto do mundo e, ao olhar para aquela estarrecedora sopa de hidrossauros, podíamos sentir como se tivéssemos sido transportados de volta a um remoto período geológico. Assim deve ter sido no apogeu dos répteis das eras triássica e jurássica. Do mesmo modo podem ter vivido os ancestrais dos nossos répteis modernos, cuidando da sua ninhada nas margens dos mares triássico e jurássico.

A maioria desses jacarés era de comprimento superior a 2 metros, muitos tinham 3 metros e alguns exemplares gigantes chagavam até 4 metros. O número de jacarés com menos de 1,5 metros era relativamente pequeno; os menores, todos machos de menos de um ano, mediam de 1 a 1,5 metros.

A um sinal do nosso anfitrião, deu-se um ataque generalizado. A orla do aningal estava guarnecida por alguns vaqueiros armados com possantes lanças para impedir que os jacarés fugissem da lagoa. O primeiro ataque começou pela retaguarda. Dali, todo aquele emaranhado de animais, com seus bramidos horrendos e batidas de rabo, rolava na lama em direção à extremidade superior do charco, que tinha apenas 100 metros de comprimento e cerca de 20 metros de largura. A efetiva porção de água estava cercada de gente e, como éramos apenas dezesseis homens, todos tivemos de unir forças para evitar que os animais rompessem a linha. A luta contra os temidos ladrões de boi foi iniciada por apenas um dos flancos, com machados, lanças e terçados grandes. Com firmeza e terrível vigor, os vaqueiros, afundados na lagoa até acima dos joelhos, desferiam suas machadadas sobre os crânios dos que estavam próximos e que, contorcendo-se na lama, travavam a batalha mortal. Os indivíduos grandes, que gostam de submergir na lama, eram descobertos e trazidos para cima pelas lanças, e muitas vezes pelos próprios pés dos homens. Os bichos eram puxados a terra com laços feitos com couro de boi, com o círculo lançado sobre as cabeças dos animais, muitas vezes exigindo que quatro ou cinco homens usassem toda a sua força. Os gigantes costumavam girar nos laços dentro da lama a tal ponto, que eram puxados para a beira da lagoa como massas disformes. Mal chegava o monstro a terra, um dos vaqueiros pulava direto para a frente de sua cabeça, sem se esquivar de seus terríveis dentes, e desferia rapidamente de oito a dez machadadas em seu crânio, gerando um barulho como se alguém estivesse golpeando um bloco de madeira. O que jacaré tem de mais temido e perigoso é o golpe com a cauda, por isso nunca se deixam de fazer quanto antes vários cortes profundos nos músculos da cauda do animal. Por essa razão, os exemplares maiores são puxados para terra, afinal eles conseguem girar com agilidade espantosa e, na lama funda do meio da lagoa, é quase impossível uma pessoa se livrar do terrível golpe da cauda, o que seria suficiente para matar uma pessoa. No ataque à horda toda, o sucesso almejado conta com a ponta afiada de uma lança em punho e isso se obtém penetrando-a fundo no mesentério do inimigo, entre o dorso e o ventre rígido, após o que este, no lamaçal sangrento, tenta libertar-se, emitindo horríveis ruídos e executando movimentos de torção. Constatei a intensidade do esforço e da força física com que se trava a luta mortal observando um animal, se bem que gigantesco, o qual, sem maiores esforços, havia simplesmente quebrado a ponta de uma lança de 1,5 centímetros de espessura, aproximadamente 30 centímetros de comprimento e 8 centímetros de largura! Embora os jacarés sejam extremamente indolentes no verão, ainda acontece de um deles logo revidar ao ataque, e certamente não faltaram momentos de suspense. São verdadeiramente admiráveis a frieza e a coragem demonstradas pelos vaqueiros nessas batalhas, afinal não é para qualquer um a tarefa de andar por entre esses jacarés emaranhados.

A Figura 2 retrata os vaqueiros em ação; grande parte dos jacarés maiores está espalhada, morta na lama, enquanto os que ainda estão vivos se mantêm amontoados na extremidade superior do charco. Sem pausa nem descanso, os vaqueiros trabalham como verdadeiros condenados, sem mais nenhuma consciência de perigo, todo tempo concentrados no esforço de não deixar escapar com vida nenhum dos ladrões de gado que tanto odeiam. A cada novo ataque dos vaqueiros, era evidente a fúria com que desejavam vingar os bois novos, vitimados pelos jacarés, e cada golpe de machado ou de lança bem aplicado era seguido por uma alegria geral com doce sabor de vingança. – A batalha durou cinco horas, das dez da manhã às três da tarde, sob o sol escaldante direto sobre o equador, e no campo de batalha jaziam em sinistra confusão mais de 350 jacarés mortos. Alguns animais que antes tinham conseguido sair da lama no meio do lago foram atingidos pelos rifles, de modo que a reta final da batalha degenerou em um tiro ao alvo generalizado, com cada um tentando superar os outros numa disputa para ver quem tinha melhor pontaria.

Cansados, famintos, quase mortos de sede e ainda por cima cobertos de lama e sangue da cabeça aos pés, iniciamos nossa jornada de volta, após terminar o serviço, com muitas histórias engraçadas da véspera sendo o tema da conversa para amenizar a demora da viagem pelo campo sem fim. Já cintilavam os raios dourados do sol da tarde por entre as copas da selva e as guaribas davam os primeiros acordes de seu concerto noturno, quando chegamos ao nosso alojamento, que ficava na beira da floresta. Não demorou muito para que tudo ao redor da casa ficasse quieto e não muito depois só se podia ouvir, de vez em quando, o canto monótono dos bacuraus na suave noite estrelada. Todos ficaram felizes por poderem recolher-se em suas redes; em seus sonhos, alguns deles certamente terão matado jacarés, e esse sonho deveria realizar-se, porque já havia ordens para que a segunda batalha se desse na manhã seguinte no lago Açaí.

O sol não havia ainda nem terminado de nascer no horizonte e já estávamos todos de volta às selas para começarmos nossa viagem até o lago Açaí. O ar fresco da manhã teve um efeito benéfico nos nossos membros ainda cansados, e o ritmo moderado mantido na primeira hora nos devolveu o ritmo certo.

O lago Açaí fica a leste do lago Acauã, na beira da mata que cobre toda a ilha ao longo da costa. O igarapé Jacaré, um pequeno curso d'água, corre do lago Açaí até o litoral, enquanto, em direção ao centro da ilha, vários braços de mondongos deságuam no campo, que, aqui, em intermináveis trechos, é tomado de papiro (piri) e forma o que se chama de pirizal. Assim como no lago Acauã, os jacarés recuam para o lago quando seca o pântano. O lago propriamente dito é em grande parte coberto por Eichhornia8 8 [M.C.] Provavelmente, refere-se a Eichhornia crassipes (Mart.) Solms. , uma planta que flutua na superfície e em muitos lugares cresce tão densamente na flor-d'água, que tudo fica mais parecendo um prado verde do que um lago. Dada a enorme abundância de peixes, o lago é um verdadeiro paraíso para os jacarés.

A Figura 3 nos mostra uma parte do lago Açaí, ao fundo quase totalmente coberto de Eichhornia. Os vaqueiros estão a ponto de bloquear o lago, no intento de encurralar os jacarés rumo ao estreito braço que deságua no igarapé (à direita da foto). Ali, no centro de um imenso aningal, foi travada a batalha principal. Também aqui os primeiros espécimes capturados foram os gigantes, a laço. Os maiores, um macho e uma fêmea mostrados na Figura 4, tinham, cada um, corpo de 4,2 metros de comprimento, dos quais 57 centímetros correspondiam ao crânio. Num período de seis horas, foram abatidos aproximadamente 450 jacarés.

Desse modo, em dois dias (15 e 16 de novembro de 1901), cerca de oitocentos desses perigosos inimigos dos rebanhos bovinos foram neutralizados, e o espetáculo que isso proporcionou permanecerá para sempre em mim como uma das mais interessantes lembranças deste fabuloso mundo tropical.

Milhares de jacarés são abatidos todos os anos e o leitor deve estar se perguntando como é possível que mesmo assim não se veja sua quantidade diminuindo. Por essa razão, cumpre ainda mencionar que no centro do Marajó, assim como em Mexiana, existem grandes pântanos de difícil acesso, onde se refugia a grande maioria dos jacarés, enquanto apenas um ínfimo número passa o verão em lagoas e charcos mais acessíveis, e que apenas estes caem nas mãos dos vaqueiros.

Nós do museu local temos plena ciência de que o número de jacarés mortos nessas ocasiões, fato que já mencionamos em trabalhos anteriores, foi, em diversas circunstâncias, se não logo tachado como um exagero, no mínimo posto em dúvida. No entanto, diante de meus registros fotográficos, o leitor prontamente constata que é possível um número tão grande de jacarés ser morto em tão pouco tempo e, assim, ser-lhe-á forçoso admitir que os nossos números correspondem fielmente aos fatos e que, portanto, não devem ser classificados como narrativa de um conto de fadas.

  • 1
    Conforme Sanjad (2019)Sanjad, N. (2019). Nimuendajú, a Senhorita Doutora e os “etnógrafos berlinenses”: rede de conhecimento e espaços de circulação na configuração da etnologia alemã na Amazônia no início do século XX. Asclepio, 71(2), 197-297. https://doi.org/10.3989/asclepio.2019.14
    https://doi.org/10.3989/asclepio.2019.14...
    , os coronéis de barranco eram personalidades detentoras de consideráveis posses, autoatribuindo-se a posição de senhores dos rios. Esses indivíduos, gozando de influência e prestígio na esfera local, tomavam posse de vastas extensões territoriais, explorando navegação e os recursos naturais, frequentemente subjugando as populações indígenas e ribeirinhas, por vezes por intermédio do sistema de aviamento.
  • 2
    O conceito de “espaços de circulação”, conforme formulado por Raj (2017)Raj, K. (2017). Networks of knowledge, or spaces of circulation? The birth of British cartography in colonial south Asia in the late eighteenth century. Global Intellectual History, 2(1), 49-66. https://doi.org/10.1080/23801883.2017.1332883
    https://doi.org/10.1080/23801883.2017.13...
    , refere-se a espaços delimitados, caracterizados por configurações irregulares, onde se desdobram os processos de deslocamento e transformação dos saberes e práticas no contexto das interações interculturais, ou seja, a circulação do conhecimento. Essa concepção “sugere um tecido com desníveis topográficos, assimetrias (de poder) e a possibilidade de explorar um continuum já existente, ou nuvem, de relações, em vez de meramente construir ligações individuais” (Raj, 2017Raj, K. (2017). Networks of knowledge, or spaces of circulation? The birth of British cartography in colonial south Asia in the late eighteenth century. Global Intellectual History, 2(1), 49-66. https://doi.org/10.1080/23801883.2017.1332883
    https://doi.org/10.1080/23801883.2017.13...
    , p. 52, tradução nossa).
  • 3
    O conceito de capital social foi definido por Bourdieu (1998, p. 67)Bourdieu, P. (1998). O capital social – notas provisórias. In M. A. Nogueira & A. Catani (Orgs.), Escritos de educação (Tradução de D. B. Catani e A. M. Catani) (pp. 65-71). Vozes. como “o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e inter-reconhecimento ou, em outros termos, de vinculação a um grupo, como um conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis”.
  • 4
    No relatório referente a 1901, Goeldi (1904)Goeldi, E. (1904). Relatório sobre o Museu, relativo ao ano de 1901, apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Secretário de Estado da Justiça, Interior e Instrução Pública pelo Dr. Emílio Augusto Goeldi, Diretor do mesmo Museu. Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia (Museu Goeldi), 4(1), 1-30. https://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/1167?mode=full
    https://repositorio.museu-goeldi.br/hand...
    cita o início da expedição no mês de agosto, enquanto Hagmann (1902)Hagmann, G. (1902a). Alligatoren-schlachten im Amazonenstrom. Reise-Erinnerungen von der Insel Mexiana. Die Schweiz, 6, 460-464. aponta o início em setembro do mesmo ano, inclusive reafirmando que a duração da expedição foi de três meses.
  • 5
    No texto em análise, Gottfried Hagmann omitiu a identificação específica das espécies de jacarés. Entretanto, em um artigo subsequente, no mesmo ano, abordando o ciclo reprodutivo dos jacarés na ilha de Mexiana, Hagmann faz menção ao Melanosuchus niger (Spix, 1825), anteriormente denominado como Caiman niger, reconhecido popularmente como jacaré-açu (Hagmann, 1902Hagmann, G. (1902a). Alligatoren-schlachten im Amazonenstrom. Reise-Erinnerungen von der Insel Mexiana. Die Schweiz, 6, 460-464.). é plausível inferir que Hagmann tenha testemunhado o abate dessa mesma espécie por vaqueiros.
  • 6
    [Nota do autor] Dá-se o nome de aningal ao local onde a aninga (Montrichardia) forma vegetação fechada.
  • 7
    [M.C.] Atual Montrichardia linifera (Arruda) Schott.
  • 8
    [M.C.] Provavelmente, refere-se a Eichhornia crassipes (Mart.) Solms.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Arquivo Guilherme de La Penha, do Museu Paraense Emílio Goeldi, pelo acesso às cópias digitalizadas das imagens reproduzidas nesta contribuição e pela autorização para publicação delas.

  • Coelho, M. C., & Silva, J. B. P. (2024). As batalhas com jacarés na ilha de Mexiana, por Gottfried Hagmann. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(3), e20230098. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0098.

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Editado por

Responsabilidade editorial

Priscila Faulhaber Barbosa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2023
  • Aceito
    29 Maio 2024
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