RESUMO
Objetivo
Conhecer a rede e o apoio social da pessoa que vivencia o processo de adoecimento e o transplante renal.
Métodos
Estudo descritivo com abordagem qualitativa, fundamentado nos conceitos de rede e apoio social de Sherbourne e Stewart. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas no período de novembro de 2013 a setembro de 2014, com 12 transplantados renais, as quais passaram por análise de conteúdo. Os critérios de seleção foram os seguintes: realização do transplante, há no máximo, cinco anos, ter idade acima de 16 anos, ter cognição e linguagem preservadas.
Resultados
A partir do processo de análise, foram elaboradas três categorias que apontam a família como o principal componente da rede social: o serviço de saúde oferta apoio em suas várias dimensões, ainda que ocasionalmente desarticulado; demais relações interpessoais são mencionadas como fragilizadas neste processo; a espiritualidade auxilia no enfrentamento.
Conclusões
Apesar das diferentes formas de apoio aos transplantados, foram observadas fragilidades nessas redes e apoios sociais.
Doença crônica; Transplante de rim; Enfermagem familiar; Apoio social
RESUMEN
Objetivo
conocer la red y el apoyo social de la persona que vive la enfermedad y el trasplante renal.
Métodos
estudio cualitativo descriptivo, basado en los conceptos de red social y apoyo Sherbourne y Stewart. Se llevaron a cabo entrevistas semiestructuradas a partir de noviembre de 2013 hasta septiembre de 2014, con 12 trasplantes de riñón, que se analizaron mediante análisis de contenido. Tuvimos como criterios de selección: realización del trasplante, hace como un máximo de cinco años, ser mayor de 16 años, haber conservado la cognición y el lenguaje.
Resultados
del proceso de análisis, se construyeron tres categorías que unen a la familia como el principal componente de la red social, los servicios de salud ofrecen apoyo en sus diversas dimensiones, aunque a veces inarticulada; otras relaciones interpersonales se mencionan como vulnerables en este proceso; espiritualidad ayuda a hacer frente.
Conclusiones
a pesar de las diferentes formas de apoyo para el trasplante, se observaron debilidades en estas redes y apoyo social.
Enfermedad crónica; Trasplante de riñón; Enfermería de la familia; Apoyo social
ABSTRACT
Objective
to know the social network and support of those who experience the process of kidney disease and transplantation.
Methods
a descriptive qualitative study, based on the concept of social network and social support from Sherbourne and Stewart. Semi-structured interviews were conducted from November 2013 to September 2014, with 12 kidney transplantees, which passed through content analysis. This study had the following selection criteria: the interviewee must have had a transplant five years ago, at most, be at lease 16 years of age and have preserved cognitive and language skills.
Results
three categories were constructed from the analysis process that link the family as the main component of the social network, health service offers support in its various dimensions, even if it is occasionally disconnected; other interpersonal relationships are mentioned as vulnerable in this process; spirituality helps in coping.
Conclusions
despite the different forms of support for transplantees, weaknesses were observed in these networks and social supports.
Chronic disease; Kidney transplant; Family nursing; Social support
INTRODUÇÃO
Um total de 2.651 transplantes renais aconteceu no Brasil, no primeiro semestre de 2016, sendo que o número de pacientes ativos em lista de espera para o mesmo transplante foi de 19.700, em junho do mesmo ano(11. Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Dados numéricos da doação de órgãos e transplantes realizados por estado e instituição no período: janeiro/junho 2016. RBT: Reg Bras Transpl. 2016;XXII(2):1-17. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2016/1sem-RBT2016%20leitura.pdf.
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). Os dados indicam uma redução no número de transplantes renais, quando comparado ao mesmo período do ano anterior, e a meta de realizar 6.000 transplantes renais por ano ainda está longe de ser atingida(11. Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Dados numéricos da doação de órgãos e transplantes realizados por estado e instituição no período: janeiro/junho 2016. RBT: Reg Bras Transpl. 2016;XXII(2):1-17. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2016/1sem-RBT2016%20leitura.pdf.
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).
As dificuldades para o doente renal crônico não se resumem à lista de espera e aos órgãos disponíveis para o transplante. A literatura mostra(22. Silva AS, Silveira RS, Fernandes GFM, Lunardi VL, Backes VMS. Percepções e mudanças na qualidade de vida de pacientes submetidos à hemodiálise. Rev Bras Enferm. 2011 set/out;64(5):839-44.) que, desde a detecção da doença crônica, o tratamento dialítico até a realização do transplante, essas pessoas sofrem consideráveis abalos em suas vidas, causados pelo desconforto físico e pelas alterações consideráveis no cotidiano e nos hábitos alimentares, sendo que esse sofrimento por vezes continua após o transplante. Estudo reforça a necessidade da oferta de apoio ao paciente, com doença renal crônica (DRC), que muitas vezes pode superestimar o transplante e após o procedimento ainda ter de enfrentar comorbidades, efeitos colaterais das medicações, rejeição, infecção e inúmeros outros processos que podem reduzir a qualidade de vida(33. Lippe N von der, Waldum B, Brekke FB, Amro AAG, Reisæter AV, Os I. From dialysis to transplantation: a 5-year longitudinal study on self-reported quality of life. BMC Nephrol. 2014 [cited 2016 Aug 18];15:191. Available from: http://bmcnephrol.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2369-15-191.
http://bmcnephrol.biomedcentral.com/arti...
).
Levando em conta essa realidade de dificuldades bem como a preocupação com o aumento na sobrevida e a recuperação da qualidade de vida desses pacientes, é de suma importância conhecer os fatores que influenciam o enfrentamento e proporcionam uma trajetória mais favorável e menos sofrida. Estudo aponta que a rede e apoio social assumem papel de destaque para o enfrentamento da DRC, interferindo inclusive na melhora da qualidade de vida desses pacientes(44. Silva SM, Braido NF, Ottaviani AC, Gesualdo GD, Zazzetta MS, Orlandi FS. Social support of adults and elderly with chronic kidney disease on dialysis. Rev Latino-Am Enfermagem. 2016 [cited 2016 Aug 17];24:e2752. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v24/0104-1169-rlae-24-02752.pdf. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0411.2752.
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v24/0104-1...
). O apoio social recebido é importante para ajudar o paciente na adesão ao tratamento(55. Tavares RS, Silva DMGV. The implication of social support in the lives of people with hypertension. Rev Gaúcha Enferm. 2013 [cited 2015 Feb 10];34(3):14-21. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rgenf/v34n3/en_a02v34n3.pdf.
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) e para que ele tenha uma perspectiva mais positiva em relação ao futuro e às dificuldades decorrentes da doença crônica(22. Silva AS, Silveira RS, Fernandes GFM, Lunardi VL, Backes VMS. Percepções e mudanças na qualidade de vida de pacientes submetidos à hemodiálise. Rev Bras Enferm. 2011 set/out;64(5):839-44.).
Rede social é o grupo de pessoas com quem se mantém contato, são as pessoas próximas e significativas, referentes à família, aos amigos, à comunidade e a instituições, entre outros. Já o apoio social refere-se a recursos diretos que indivíduos colocam à disposição do outro que está em situações de necessidade. Sherbourne e Stewart(66. Sherbourne CD, Stewart AL. The MOS social support survey. Soc Sci Med. 1991;32(6):705-14.), ao desenvolverem esses conceitos, subdividiram o apoio social em cinco dimensões: apoio instrumental que é a ajuda material ou prática, chamada também de ajuda tangível; apoio emocional que se refere às relações de empatia, escuta, compreensão, expressão de confiança e cuidado; apoio de informação que são as orientações, advertência, sugestões e conselhos; apoio afetivo que envolve demonstrações físicas de amor e afeto; e de interação social positiva que são as atividades de lazer e recreação que envolvem diversão e relaxamento(66. Sherbourne CD, Stewart AL. The MOS social support survey. Soc Sci Med. 1991;32(6):705-14.).
A partir desses conceitos e motivados pelos poucos estudos existentes, principalmente com uma abordagem qualitativa, sobre a rede social e os tipos de apoio social do paciente com DRC(77. Olaya JM, González GMC. Soporte social percebido y calidad de vida de personas con enfermedad renal crónica sometidas a transplante renal. Av Enferm. 2014;2:206-16.), realizou-se este estudo que atende às prioridades de pesquisa em saúde no Brasil, referentes à avaliação das redes e apoio social e à dinâmica de vida de pessoas com condições crônicas(88. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Ciência e Tecnologia. Agenda nacional de prioridades de pesquisa em saúde. 2. ed. Brasília; 2011.) . Conhecer a rede social e os tipos de apoio que pacientes com DRC possuem possibilita aos profissionais de saúde direcionar ações para as fortalezas e fragilidades dessa rede de suporte.
Para tanto, temos como questão de pesquisa “Qual a rede social e os tipos de apoio social disponíveis para o paciente que vivencia o adoecimento e o transplante renal?”. Este estudo objetivou conhecer a rede e apoio social da pessoa que vivencia o processo de adoecimento e transplante renal.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem qualitativa dos dados, os quais foram analisados a partir da perspectiva conceitual de rede e apoio social(66. Sherbourne CD, Stewart AL. The MOS social support survey. Soc Sci Med. 1991;32(6):705-14.), que originou-se de uma dissertação de mestrado(99. BORGES DCS. Percepção do transplantado renal sobre a repercussão familiar ante seu adoecimento e transplante [dissertação]. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2015.). Os participantes do estudo foram 12 pessoas que realizaram transplante renal, cujos dados foram levantados no Posto de Atendimento da Farmácia de Alto Custo, num município no interior do Estado de São Paulo. Essa busca foi realizada por meio do cadastro de pessoas que recebiam medicamentos pós-transplante.
Os dados foram coletados, no período de novembro de 2013 a setembro de 2014, e os critérios de seleção foram: ter realizado transplante há, no máximo, cinco anos, ter idade maior de 16 anos e ter cognição e linguagem preservadas. O número de participantes da pesquisa foi definido segundo o critério de saturação dos dados(1010. O’Reilly M, Parker N. ‘Unsatisfactory Saturation’: a critical exploration of the notion of saturated sample sizes in qualitative research. Qualit Res. 2013:13(2):190-7.), utilizado para determinar a amostragem final e interromper o recrutamento de novos participantes, o que ocorre quando os dados coletados apresentam-se redundantes ou repetitivos, na percepção do pesquisador.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, sob o Parecer de número 358.059, número do CAAE 18505313.9.0000.5504. Após a explanação detalhada do estudo e dos seus objetivos, os participantes foram convidados a participar e, mediante expressa e voluntária concordância, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Quando este era adolescente, a participação se dava por meio de consentimento verbal do participante e assinatura do TCLE pelo responsável legal. Todos os aspectos contidos na Resolução n° 466/2012 foram respeitados(1111. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012. Brasília; 2012 [citado 2015 fev 07]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf.
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).
Foram utilizadas entrevistas semiestruturadas audiogravadas, para a coleta dos dados, realizadas pela autora principal na residência do participante, com exceção de uma delas que ocorreu na Unidade Básica de Saúde, a pedido do participante. As mesmas foram agendadas por meio de contato telefônico e duraram, em média, uma hora e meia. As entrevistas eram focadas na experiência de adoecimento e transplante, bem como nos principais elementos de apoio evocados pelo transplantado. Seu conteúdo foi transcrito na íntegra com total fidedignidade, tendo sido referendado pelos participantes.
Nove das entrevistas contaram com a participação de um familiar por insistência do transplantado e/ou familiar, entretanto o foco de análise foi a manifestação do transplantado. Em todo o momento da entrevista, houve cuidado e respeito para lidar com as lembranças e emoções que os acompanhavam, durante o relato dos participantes. Alguns esclarecimentos sobre direitos legais e acesso aos serviços de saúde foram realizados, ao final das entrevistas. Para preservar o anonimato, os participantes da pesquisa foram identificados com a inicial E representando entrevistado, seguido de um número que correspondia à ordem de ingresso no estudo.
O método utilizado foi a análise de conteúdo(1212. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.) que consistiu em três etapas: a pré-análise, a descrição detalhada do conjunto de dados e a interpretação dos vários aspectos do tema. A primeira etapa, pré-análise, consistiu na leitura exaustiva do material, organização dos dados e formulação de hipóteses. Na segunda etapa, foi realizada a codificação dos dados brutos, ou seja, exploração do material. Na última etapa, os dados foram interpretados e, paralelamente, a partir da compreensão dos significados estabelecidos, foram delimitados os eixos temáticos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos participantes do estudo, apenas um (8,4%) era adolescente, e os adultos tinham idade média de 44,4 anos. A maioria era do sexo masculino (58,3%), casada ou em união estável (58,3%) e tinha renda per capita familiar acima de 1,2 salário-mínimo (75%). Menos da metade tinha o ensino médio completo (41,6%), e 50% deles residiam com duas pessoas no mesmo domicílio. A maioria teve o órgão transplantado de doador cadavérico (75%), e apesar de a maioria residir no município onde eram realizadas as sessões de hemodiálise (91,6%), nenhum dos participantes residia no município onde o transplante foi realizado. Os participantes recebiam alguma ajuda financeira da prefeitura (75%) ou o transporte (25%) para ir às consultas de rotina, no estabelecimento de saúde onde realizaram o transplante.
Observamos que o perfil dos participantes incluídos nesta pesquisa está de acordo com o cenário nacional de doentes renais crônicos/transplantados. Um levantamento bibliográfico aponta que 57,7% dos doentes renais crônicos no Brasil são do sexo masculino(1313. Souza AM, Filipini CB, Rosado SR, Dázio EMR, Fava SMCL, Lima RS. Transplante renal: vivência de homens em hemodiálise inscritos na lista de espera. Rev Rene. 2015 [citado 2015 mar 19];16(1):11-20. Disponível em: http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/view/1785.
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). Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), 88,1% dos transplantados são adultos, e 78,31% do total de transplantes realizados foram provenientes de doadores cadavéricos em 2016, mantendo-se esse perfil em anos anteriores(11. Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Dados numéricos da doação de órgãos e transplantes realizados por estado e instituição no período: janeiro/junho 2016. RBT: Reg Bras Transpl. 2016;XXII(2):1-17. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2016/1sem-RBT2016%20leitura.pdf.
http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/fi...
). Com relação ao apoio financeiro, estudo mostra que a condução para estabelecimentos de saúde é um recurso amplamente utilizado por aqueles que vivenciam uma condição crônica(1414. Nóbrega VM, Collet N, Silva KL, Coutinho SED. Rede e apoio social das famílias de crianças em condição crônica. Rev Eletrôn Enferm. 2010 [citado 2015 fev 01];12(3):431-40. Disponível em: http://h200137217135.ufg.br/fen/article/view/7566.
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) e realizam acompanhamento em serviços de saúde distantes de seu município de origem. Esse perfil de paciente também é encontrado em outras pesquisas com doentes renais crônicos(1313. Souza AM, Filipini CB, Rosado SR, Dázio EMR, Fava SMCL, Lima RS. Transplante renal: vivência de homens em hemodiálise inscritos na lista de espera. Rev Rene. 2015 [citado 2015 mar 19];16(1):11-20. Disponível em: http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/view/1785.
http://www.revistarene.ufc.br/revista/in...
,1515. Cruz MGS, Daspett C, Roza BA, Ohara CVS, Horta ALM. Vivência da família no processo de transplante de rim de doador vivo. Acta Paul Enferm. 2015 [citado 2015 ago 10];28(3):275-80. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002015000300275.
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)
A partir da análise das entrevistas, à luz dos conceitos norteadores de rede e apoio social, três categorias foram construídas: 1. Família: principal componente da rede social; 2. Serviço de saúde: articulando-se para atender às dimensões de apoio; e 3. Deus, os pares, os amigos e o empregador: apoios importantes ao transplantado.
Família: principal componente da rede social
A família foi apontada como a principal componente da rede social que ajudou o transplantado a vivenciar a hemodiálise e o transplante. Foram vários os momentos em que a família demonstrou apoio, sendo o apoio emocional e a interação social positiva os tipos de apoio mais significativos e valorizados.
Ah, eu gostava quando minha filha ficava comigo, me animava (risos). Eu ficava conversando com ela, assistíamos filme, tomávamos chá, fazíamos pipoca. (E 8)
Minha família me apoiou estando sempre na minha casa, conversando; foi dessa forma que eles me ajudaram. Eu também, estando sempre com eles, na casa deles. Ajudou muito porque eu não me sentia só. (E 11)
O bem-estar de pacientes dialíticos e transplantados está muito vinculado ao apoio fornecido pelos familiares. Estudo que abordou a adesão ao tratamento, no primeiro ano após o transplante renal, identificou uma forte relação do apoio social da família com a plena adesão ao tratamento imunossupressor(1616. Prihodova L, Nagyova I, Rosenberger J, Majernikova M, Roland R, Groothoff JW, et al. Adherence in patients in the first year after kidney transplantation and its impact on graft loss and mortality: a cross-sectional and prospective study. J Adv Nurs. 2014;70(12):2871-83.). Outro estudo com pacientes hipertensos e com DRC também corroborou esses achados, pois a família foi um importante provedor de apoio emocional(1717. Silva LC, Freitas TS, Maruyama SAT, Silva DRS, Silva FC. O transplante renal na perspectiva da pessoa transplantada. Cienc Cuid Saúde. 2013;12(2):356-64.) com amor, afeto e gratidão.
Neste nosso estudo, a família também demonstrou apoio, quando o diagnóstico de insuficiência renal crônica foi revelado e quando realizou a doação do órgão para o familiar que tanto necessitava.
Família é tudo na hora que você precisa, porque você não consegue aguentar aquele “baque”. Quando o médico fala: “Você perdeu o rim!” ou que “Você perdeu um órgão!” Você não aguenta se a família não der apoio. (E 3)
Família para mim é tudo. Foi a minha irmã que me doou (rim). É como ela diz: ‘eu tenho um pedacinho dela em mim, no meu corpo e no meu coração’. (E 11)
A família, além de acolher, envolveu-se integralmente no cuidado, auxiliando o transplantado a lidar com as alterações e restrições advindas da doença. Ofertar carinho, transporte, cuidado, ajuda nas atividades domiciliárias e adaptar-se às restrições alimentares e sociais, com o indivíduo, foram reconhecidos como formas de apoio familiar.
Minha família adaptou-se a mim. A comida aqui em casa é baseada na minha alimentação, por eu ter esse problema, nós retiramos o sal da refeição “[...]”. (E 10)
“[...]” eles [familiares] iam toda a semana me ver, conversar com o médico e ver como é que estou. Aí ficavam felizes! Chegavam, sentavam e me davam água para beber, levavam as coisas para eu comer “[...]”. (E 2)
“[...]” ele [marido] cuida de tudo: ele lava, limpa e faz faxina. Eu não posso porque ainda não fui liberada para fazer essas coisas. (E 3)
A doença crônica acarreta alterações no cotidiano do paciente e da família, levando a unidade familiar a mudanças de papéis e de funções para o bem-estar e cuidado do membro adoentado(1818. Teston EF, Santos AL, Cecilio HPM, Manoel MF, Marcon SS. A vivência de doentes crônicos e familiares frente à necessidade de cuidado. Cienc Cuid Saúde. 2013 [citado 2015 fev 03];12(1):131-8. Disponível em: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/21721/pdf.
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). O apoio instrumental aparece em destaque nos relatos, quando se referem à ajuda da família com transporte, cuidado e atividades do dia a dia, desde o momento do adoecimento até depois do transplante. A família ocupa posição central nas atividades deste tipo de apoio ao paciente crônico, além de ampliá-lo para financeiro, operacional, relacionado à assistência de saúde e às atividades domésticas(55. Tavares RS, Silva DMGV. The implication of social support in the lives of people with hypertension. Rev Gaúcha Enferm. 2013 [cited 2015 Feb 10];34(3):14-21. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rgenf/v34n3/en_a02v34n3.pdf.
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).
Houve participantes que relataram falta de apoio dos familiares, o que trouxe sentimentos de abandono, mágoa e sofrimento. A intervenção inadequada no processo decisório do paciente e o distanciamento de pessoas da família extensa, por receio de serem abordadas e solicitadas a fazer os testes para a possível compatibilidade de doação renal, foram exemplos de situações que geram sofrimento, neste estudo.
Eu senti muita falta da família “[...]” É isso que deixa a gente meio revoltada. “[...]” Eu não queria aposentar por invalidez. Eu fiquei até o último momento chorando. Eu quero trabalhar, será que você [pai] não está entendendo isso?’ Ele falou: ‘filha, mas agora no momento, você tem que fazer isso, porque a gente está passando por dificuldade.’ “[...] ”Eu fui aposentada por invalidez e isso me machucou muito, porque eu não queria ser aposentada, eu queria trabalhar. (E 9)
Quando meus irmãos, sobrinhos, família, souberam que eu necessitava de um rim, de um transplante, se afastaram todos com medo de eu pedir o órgão. “[...]” Não teve um irmão meu que falou assim para a minha mulher: ‘Como que eu faço para visitar ele?’ (E5)
Apesar de a família ter tido destaque na rede social do transplantado renal, houve casos em que o apoio ficou fragilizado, principalmente pelas dificuldades decorrentes do tratamento. A recusa do familiar compatível em doar o órgão pode causar sentimentos como tristeza e frustação por parte do paciente com DCR(1313. Souza AM, Filipini CB, Rosado SR, Dázio EMR, Fava SMCL, Lima RS. Transplante renal: vivência de homens em hemodiálise inscritos na lista de espera. Rev Rene. 2015 [citado 2015 mar 19];16(1):11-20. Disponível em: http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/view/1785.
http://www.revistarene.ufc.br/revista/in...
).
Serviço de saúde: buscando atender às dimensões de apoio
Durante a trajetória de adoecimento e transplante, vários foram os profissionais de saúde que assistiram a pessoa com DRC. Os profissionais que mais se destacaram nessa assistência foram a equipe de enfermagem da hemodiálise, o psicólogo, a nutricionista e a equipe médica do serviço de assistência especializada (SAE), onde é realizado o transplante. Esses profissionais apoiaram a pessoa com DRC, nas diversas dimensões do apoio social, tais como instrumental, emocional, informacional e interação social positiva. Ainda foi relatado que esses apoios são intensificados, durante o período do transplante.
Na hemodiálise, nós fazíamos festinha a cada 15 dias ou 1 mês. As enfermeiras faziam cachorro quente, “[...]” festinha de aniversário, dia das crianças, natal. Eles amenizam o nosso sofrimento ao máximo. (E 10)
Eles [profissionais de saúde] orientam bastante, tudo o que pode e o que não pode. Deixam bem claro que o transplante não é uma cura, é um tratamento. Por isso a gente tem a alimentação balanceada, tudo certinho. (E 9)
Quando você vai para o transplante, aí sim, tem tudo. Você passa pelo psicólogo, nutricionista. Tem várias entrevistas quando você entra na fila, eles te preparam em tudo. (E 12)
Em outros estudos, também fica evidente o suporte que os profissionais oferecem por meio de atividades recreativas e de orientações(1919. Sanchez KOL, Ferreira NMLA. O apoio social para a família do doente com câncer em situação de pobreza. Texto Contexto Enferm. 2012;21(4):792-9.-2020. Primio AO, Schwartz E, Bielemann VLM, Burille A, Zillmer JGV, Feijó AM. Rede social e vínculos apoiadores das famílias de crianças com câncer. Texto Contexto Enferm. 2010 abr-jun;19(2):334-42.). A família é apoiada para se fortalecer e ter um aparato informacional que lhe permita a prestação de um cuidado de qualidade e com menor desgaste físico e emocional(1919. Sanchez KOL, Ferreira NMLA. O apoio social para a família do doente com câncer em situação de pobreza. Texto Contexto Enferm. 2012;21(4):792-9.). O apoio emocional fornecido torna o cuidado humanizado(1818. Teston EF, Santos AL, Cecilio HPM, Manoel MF, Marcon SS. A vivência de doentes crônicos e familiares frente à necessidade de cuidado. Cienc Cuid Saúde. 2013 [citado 2015 fev 03];12(1):131-8. Disponível em: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/21721/pdf.
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.p...
), o enfermeiro como apoiador(2020. Primio AO, Schwartz E, Bielemann VLM, Burille A, Zillmer JGV, Feijó AM. Rede social e vínculos apoiadores das famílias de crianças com câncer. Texto Contexto Enferm. 2010 abr-jun;19(2):334-42.), além de contribuir para a superação de limitações na adaptação a um novo estilo de vida(22. Silva AS, Silveira RS, Fernandes GFM, Lunardi VL, Backes VMS. Percepções e mudanças na qualidade de vida de pacientes submetidos à hemodiálise. Rev Bras Enferm. 2011 set/out;64(5):839-44.).
Famílias que são apoiadas pelos profissionais de saúde estão mais engajadas em oferecer ajuda ao doente renal crônico. Estudo sobre o apoio social de famílias de doentes com câncer em situação de pobreza mostrou a necessidade do apoio da equipe multiprofissional para o enfrentamento, na fase de diagnóstico da doença, auxiliando na carência de informações relativas à doença e ao cuidado(1919. Sanchez KOL, Ferreira NMLA. O apoio social para a família do doente com câncer em situação de pobreza. Texto Contexto Enferm. 2012;21(4):792-9.).
O apoio instrumental oferecido pelos serviços públicos neste estudo, por meio dos medicamentos e transporte gratuitos para a unidade de diálise e SAE, representou um facilitador para o acesso e a continuidade do tratamento, além de economia financeira considerável.
Os remédios que eu tomo, eu pego tudo aqui no Alto Custo. Tudo o governo que dá. Esse serviço é muito bom; é ótimo! (E 8)
Quando comecei a hemodiálise, eu ia e voltava na van da prefeitura. Assim eu não precisava gastar com ônibus ou depender de alguém para me buscar. Por causa do mal-estar que eu sentia após a sessão “[...]”, agora, eu vou de carro e a prefeitura reembolsa. (E 4)
Em outro estudo de pacientes com câncer, o apoio social do serviço de saúde também foi demonstrado com o fornecimento de medicamentos e auxílio no transporte aos serviços de saúde(1414. Nóbrega VM, Collet N, Silva KL, Coutinho SED. Rede e apoio social das famílias de crianças em condição crônica. Rev Eletrôn Enferm. 2010 [citado 2015 fev 01];12(3):431-40. Disponível em: http://h200137217135.ufg.br/fen/article/view/7566.
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,1919. Sanchez KOL, Ferreira NMLA. O apoio social para a família do doente com câncer em situação de pobreza. Texto Contexto Enferm. 2012;21(4):792-9.), o que garantiu a realização do tratamento, principalmente para pacientes com baixa renda.
No entanto, a fragilidade do apoio social presente nos serviços de saúde expõe a pessoa a situações difíceis que a impactam negativamente. Dentre elas, a que mais incomodou a pessoa com DRC foi o pouco apoio emocional e de informação dos profissionais de saúde.
Uma coisa que eu não gostei quando eu fiz a cirurgia [do transplante]: você está bem lá, de repente entra vários médicos e estudantes “[...]” olhando para você e falando entre eles. Eu pensava: ‘Vou morrer aqui, eu não sei o que está acontecendo.’ Então eu ficava com medo. (E 4)
Ali [hemodiálise] não tem psicólogo, tem as meninas que são residentes que ainda estão aprendendo. Tem umas que vêm e fica te olhando, não faz pergunta, não conversa, então, a gente fica quieto. Tanto que eu precisei pagar psicólogo para a minha filha. (E 9)
Os participantes do estudo também relataram a desassistência de alguns profissionais de saúde.
Acho que a única coisa que está faltando ali na hemodiálise é um médico em período integral durante a sessão para quando as pessoas passarem mal eles poderem socorrer. “[...]”. Isso aumentava mais ainda o medo de morrer. Muita gente passava mal ali e não tinha médico. (E 3)
“[...]” eu sabia que ela [profissional de enfermagem] ia me tratar mal e que eu ia passar mal. Eu não estava conseguindo perder peso e ela não tinha mais paciência também, então, assim já ficava difícil para nós. (E 9)
O não atendimento às necessidades de pacientes com DRC pelos serviços públicos e profissionais de saúde, além da ausência de informação, acarreta dúvidas e incertezas quanto ao procedimento cirúrgico e à recuperação. Isso também foi observado em uma pesquisa realizada no serviço público no Estado de Mato Grosso que buscou compreender os significados do transplante renal, na perspectiva da pessoa transplantada(1717. Silva LC, Freitas TS, Maruyama SAT, Silva DRS, Silva FC. O transplante renal na perspectiva da pessoa transplantada. Cienc Cuid Saúde. 2013;12(2):356-64.).
Outro aspecto citado foi o serviço de transporte que apesar de estar disponível para os participantes e muitas vezes facilitar o acesso ao tratamento, seja na unidade de diálise seja no SAE, expõe a pessoa com DRC a situações desconfortáveis. Isso porque há longos períodos de espera, já que o transporte só pode retornar ao município de origem após todas as pessoas serem consultadas, e por transportar também pessoas que estão doentes, causando medo de infectar-se.
O que eu achei ruim foi esse negócio de ter que ficar indo para cidade X todo mês. “[...]” Vai uma van completa de gente, às dez horas eu já estava liberado e tinha que esperar até de noite para poder retornar para casa. A gente vai na van com várias pessoas, eu “pego” de tudo. (E 6)
Pesquisa aponta a gratidão das pessoas que utilizam o auxílio do transporte, devido às dificuldades financeiras e recursos pessoais limitados que dificultariam o seguimento do tratamento(1414. Nóbrega VM, Collet N, Silva KL, Coutinho SED. Rede e apoio social das famílias de crianças em condição crônica. Rev Eletrôn Enferm. 2010 [citado 2015 fev 01];12(3):431-40. Disponível em: http://h200137217135.ufg.br/fen/article/view/7566.
http://h200137217135.ufg.br/fen/article/...
). Ampliar a oferta deste serviço e considerar as necessidades particulares dos pacientes com DRC poderia proporcionar sentimentos de segurança e apoio face a sua vulnerabilidade física e social.
Relações interpessoais com Deus e com as pessoas: apoios importantes para o transplantado
A fé e a crença, em algo maior ou mais poderoso, foram apontadas como importantes para o enfrentamento do processo do transplante e superação dos sentimentos negativos. A aproximação com Deus, a igreja e seus integrantes proporcionaram apoio emocional aos indivíduos que receberam o transplante.
Tem que ter fé, se não, você não ‘passa’ [choro]. Com Jesus já é difícil, imagina sem. Então eu falo que Ele é tudo! [choro]. Ele que preparou, que fez, que me deu força, se não eu não estava aqui [choro]. Ele que me deu esta família também [choro]. Sem Deus eu não sou nada. Deus me buscou, me trouxe e me falou assim: “Agora eu cuido de você!” (E 2)
Na igreja, o maior incentivador para eu fazer o transplante foi o padre, “[...]” Ele é muito amigo, nós convivemos, ele vai na minha casa. O tempo todo sempre preocupado, ligando. (E 12)
São coisas que mudaram muito na minha vida, até mesmo o lado espiritual, eu passei a procurar mais a Deus. Antes eu não ligava muito não. “[...]” brincava com as pessoas que iam atrás de religião. Hoje eu levo mais a sério. (E 11)
A pessoa que realizou transplante busca força na sua espiritualidade, e a fé em Deus é uma forma de manter o equilíbrio físico e mental, durante esse processo de adoecimento e busca pela cura. Investigação que abordou o contexto familiar no processo de transplante renal mostrou que a espiritualidade é fator essencial para a vivência de momentos difíceis e de como a fé é importante para a expectativa de melhora(1515. Cruz MGS, Daspett C, Roza BA, Ohara CVS, Horta ALM. Vivência da família no processo de transplante de rim de doador vivo. Acta Paul Enferm. 2015 [citado 2015 ago 10];28(3):275-80. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002015000300275.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Ações de fortalecimento da dimensão espiritual e religiosa atuam como apoio terapêutico, melhorando o estado de saúde na medida em que também melhora o estado emocional, resultando em esperança, perdão, altruísmo e amor(1414. Nóbrega VM, Collet N, Silva KL, Coutinho SED. Rede e apoio social das famílias de crianças em condição crônica. Rev Eletrôn Enferm. 2010 [citado 2015 fev 01];12(3):431-40. Disponível em: http://h200137217135.ufg.br/fen/article/view/7566.
http://h200137217135.ufg.br/fen/article/...
). O interesse pela religião se deve ao fato de que diante do sofrimento, o indivíduo busca apoio para enfrentar a doença e na igreja é possível encontrar apoio, já que atitudes positivas e de compromisso com o outro são marcantes, favorecendo a formação de redes(99. BORGES DCS. Percepção do transplantado renal sobre a repercussão familiar ante seu adoecimento e transplante [dissertação]. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2015.).
O apoio informacional e emocional dos pares, durante as sessões de hemodiálise, também foi citado pelas pessoas com DRC deste estudo como sendo fundamental nesse processo.
O que me deu ‘o chão’, foram as pessoas que eu estava convivendo lá [hemodiálise], que estavam até piores do que eu. A gente trocava experiência, aprendia um com o outro e dava força. Às vezes, as pessoas que não tinham nem o que comer e iam para hemodiálise. Lá essas famílias recebiam alimento. (E 9)
Um brincava com o outro. Eram treze pacientes numa sala, “[...]” Eu distraía um pouco, dava risada, tinha uma amizade ali. Tinha um laço forte. “[...]” Eu ajudava também, ficava conversando, contava as histórias. Era legal. (E 7)
O companheirismo e a amizade entre aqueles que vivenciam o mesmo percurso da doença e de tratamento impactam o enfrentamento da condição de adoecimento(2020. Primio AO, Schwartz E, Bielemann VLM, Burille A, Zillmer JGV, Feijó AM. Rede social e vínculos apoiadores das famílias de crianças com câncer. Texto Contexto Enferm. 2010 abr-jun;19(2):334-42.). A troca de experiências e o “fortalecer-se” mútuo e constante ajudaram a suportar períodos de sofrimento. Da mesma forma, foram os momentos de descontração que surgiram como um alívio para os pacientes em hemodiálise deste estudo.
O apoio do empregador no trabalho e dos amigos também se mostra determinante para o sucesso do tratamento dos pacientes com DRC. O afastamento dos amigos e a ausência de apoio do empregador foram citados neste estudo, e o estigma por “ser doente” foi a principal justificativa. A discriminação foi percebida pela pessoa com DRC no olhar das pessoas e foi relacionada a mudanças físicas decorrentes da doença. Isso trouxe sentimentos de tristeza, como está demonstrado nos discursos.
Amigos você já perde, né! Eles pensam que você vai pedir dinheiro, porque você precisa de remédio. Na firma, quando você começa a levar atestado eles já ficam “meio” receosos. Ainda mais quando fica doente. Então você tem que ter força, porque não é fácil. (E 4)
Acho que o que mais machuca é o jeito que as pessoas olham, às vezes não é nem a palavra que machuca, é a pessoa olhar diferente “[...]” Como se eu fosse um ‘etzinho de duas anteninhas’. “[...]” As pessoas falavam assim: “Nossa, suas “coisas” estão entortando, você está encolhendo”. (E 2)
Pesquisa realizada, na região Sul do Brasil, afirmou que as mudanças ocorridas no cotidiano dos pacientes renais crônicos abrangem também o trabalho, que foi destacado como importante por causar satisfação, ao desempenhar atividades prazerosas. O afastamento das atividades laborais pode ocasionar sentimentos de incapacidade e limitações(1818. Teston EF, Santos AL, Cecilio HPM, Manoel MF, Marcon SS. A vivência de doentes crônicos e familiares frente à necessidade de cuidado. Cienc Cuid Saúde. 2013 [citado 2015 fev 03];12(1):131-8. Disponível em: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/21721/pdf.
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.p...
).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos dados permitiu o alcance do objetivo do estudo e evidenciou como a rede e apoio social do transplantado ora se mostram potencializados ora fragilizados.
A família foi referida como a principal componente da rede social, sendo capaz de fornecer os diversos tipos de apoio. Já o apoio mais salientado fornecido pelos serviços de saúde foi o instrumental que promoveu o cuidado ampliado e contribuiu na adaptação a situações difíceis. Os profissionais inseridos nas instituições, além de fornecerem apoio instrumental e informacional, promoveram suporte emocional. O fortalecimento mútuo entre os pares, durante as sessões de hemodiálise, e o apoio espiritual também foram destaques para o enfrentamento do adoecimento e transplante.
Apesar das diferentes formas de apoio social aos pacientes transplantados, em algumas situações foram observadas fragilidades nessas redes sociais. A falta de apoio emocional, afetivo, instrumental e informacional também foi encontrada na família, nos serviços de saúde, nas relações de amizade e com o empregador. Isso demonstra que nem sempre a rede social com a qual o doente renal crônico conta consegue atender às suas demandas, podendo gerar impactos significativos, durante o processo do transplante.
Os resultados deste estudo devem ser considerados com suas limitações, dado que, em algumas das entrevistas, houve a presença do familiar, o que pode ter interferido na avaliação do apoio familiar. A homogeneidade dos resultados decorreu do ambiente comum dos sujeitos da pesquisa, ou seja, todos os participantes serem provenientes dos mesmos serviços de saúde, oferecendo uma perspectiva limitada pelo contexto social. Este trabalho contribui para auxiliar profissionais de saúde a compreender o contexto de rede e apoio social e dificuldades da pessoa com DRC, subsidiando-os para o atendimento das necessidades do paciente, seja no serviço de referência seja na contrarreferência.
Faz-se necessária uma revisão dos elementos da rede e apoio social disponíveis ao transplantado e família para tornar esta trajetória de adoecimento e restabelecimento de saúde menos sofrida e solitária. Estudos com uma abordagem familiar e que utilizem perspectivas baseadas em referências teóricas sobre a cultura e o estigma poderão ampliar a compreensão do fenômeno e melhor compreender os mecanismos de ruptura dos apoios sociais.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
2016
Histórico
-
Recebido
27 Out 2015 -
Aceito
27 Set 2016