Open-access Doações e transplantes cardíacos no estado do Paraná

Donaciones y trasplantes cardíacos en el estado del Paraná

Resumo

OBJETIVO  Analisar as doações e transplantes cardíacos realizados no estado do Paraná.

MÉTODO  Estudo transversal com 3.931 relatórios de óbitos por morte encefálica e 8.416 transplantes realizados no estado do Paraná, entre 2011 e 2016. As doações e transplantes cardíacos foram analisados de forma descritiva, univariada e múltipla.

RESULTADOS  Dos 2.600 doadores elegíveis, 128 (4,9%) doaram o coração. A chance de efetivação da doação cardíaca foi maior entre os óbitos com idade menor que 40 anos (OR:27,913) e do sexo masculino (OR:1,559). Somado aos corações advindos de outros estados, realizaram-se 165 (2,0%) transplantes cardíacos, todos financiados pelo Sistema Único de Saúde. Houve um aumento significativo de doações e transplantes ao longo dos anos.

CONCLUSÃO  Os números de doações e transplantes cardíacos foram baixos no período analisado. Torna-se importante que os gestores elaborem ações para a otimização do processo e, consequentemente, a diminuição do tempo de espera por um coração.

Palavras-chave: Transplante de coração; Obtenção de tecidos e órgãos; Morte encefálica; Avaliação em saúde

Resumen

OBJETIVO  Analizar las donaciones y trasplantes cardíacos en el estado de Paraná.

MÉTODOS  Estudio transversal con 3.931 informes de muertes por muerte encefálica y 8.416 trasplantes realizados en el estado de Paraná entre 2011 y 2016. Se analizaron las donaciones y trasplantes cardíacos por estadística descriptiva, univariada y multivariada.

RESULTADOS  De los 2.600 donantes elegibles, 128 (4,9%) donaron el corazón. La probabilidad de efectividad de la donación cardiaca fue mayor entre los fallecidos con edad menor de 40 años (OR: 27,913) y del sexo masculino (OR: 1,559). Sumado a los corazones venidos de otros estados, se realizaron 165 (2,0%) trasplantes cardíacos, todos provenientes del Sistema Único de Salud. Hubo un aumento significativo de donaciones y trasplantes a lo largo de los años.

CONCLUSIÓN  El número de donaciones y trasplantes cardíacos fueron bajos en el período analizado. Se hace importante que los gestores elaboren acciones para optimizar el proceso y, consecuentemente, disminuir el tiempo de espera por un corazón.

Palabras clave: Trasplante de corazón; Obtención de tejidos y órganos; Muerte encefálica; Evaluación en salud

Abstract

OBJECTIVE  To analyze donations and heart transplants in the state of Paraná.

METHOD  A cross-sectional study with 3,931 reports of deaths from brain death and 8,416 transplants performed in the State of Paraná between 2011 and 2016. The donations and cardiac transplants were analyzed by descriptive, univariate and multivariate statistics.

RESULTS  Of the 2,600 eligible donors, 128 (4.9%) donated the heart. The chance of cardiac donation effectiveness was higher among those who died and were younger than 40 years old (OR: 27,913) and males (OR: 1,.559). In addition to hearts from other states, 165 (2.0%) cardiac transplants were performed, all of which were financed by the Unified Health System. There was a significant increase in donations and transplants over the years.

CONCLUSION  The number of donations and heart transplants were low in the analyzed period. It is important that managers devise actions to optimize the process and, consequently, decrease the waiting time for a heart.

Keywords: Heart transplantation; Tissue and organ procurement; Brain death; Health evaluation.

Introdução

A doação e o transplante cardíaco são processos complementares, pois o transplante só é possível por meio da doação de um órgão de doador falecido em morte encefálica. O transplante cardíaco constitui-se no melhor tratamento para várias patologias coronarianas crônicas e incapacitantes, sobretudo a insuficiência cardíaca refratária, com o objetivo de reabilitar o paciente e melhorar a qualidade de vida, fazendo-o voltar às atividades cotidianas realizadas previamente à doença1-2.

O Brasil é reconhecido em nível mundial por ter um programa de transplantes 95% financiado com recursos públicos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), como também por ser o segundo país que mais realiza transplantes em números absolutos3. O Sistema Nacional de Transplantes gerencia todo o processo no território brasileiro, incluindo a lista nacional de espera específica para cada órgão, cuja ordem também é individualizada. No caso do coração, a distribuição segue dois critérios: a posição na lista de espera dos potenciais receptores, que é determinada pela compatibilidade sanguínea, gravidade da doença, idade, relação do peso doador-receptor e tempo de inscrição na lista única; e a regionalização, que prioriza receptores do mesmo estado federativo do doador, seguido dos estados mais próximos, devido ao tempo de isquemia do coração (quatro horas) e questões logísticas4-5.

Em 2016, foram realizados 357 transplantes cardíacos, uma taxa de 1,7 transplantes por milhão de população (pmp) e o estado do Paraná se classificou como 5º colocado, com 2,4 transplantes cardíacos pmp. Apesar desses resultados, no final de 2016, 282 pessoas aguardavam na lista de espera por um transplante cardíaco, sendo 50 no Paraná3.

Desse modo o número de transplantes cardíacos encontra-se estacionado, devido à escassez inerente do órgão e isso também ocorre em nível mundial3,6. Nos Estados Unidos, nos últimos 15 anos, foram realizados anualmente entre 2.000 e 2.700 transplantes cardíacos, contudo havia mais de 4.000 pacientes na lista de espera6, número que cresce todos os anos em razão da epidemia de insuficiência cardíaca que acomete de 1 a 2% da população7.

Portanto, torna-se importante avaliar os processos de doação e transplante, identificando suas fragilidades a fim de oferecer informações substanciais à gestão e aos profissionais envolvidos para o desenvolvimento de intervenções, aprimoramento das políticas públicas e do próprio processo, o que possibilita o aumento da captação e dos transplantes e, assim, diminuir a lista de espera por um coração. Considerando o exposto, surgiu o seguinte questionamento: Quais os resultados obtidos nos processos de doação e transplante cardíaco no estado do Paraná? Para responder a esta indagação o objetivo deste estudo foi analisar as doações e transplantes cardíacos no estado do Paraná.

Método

Trata-se de um estudo transversal realizado no estado do Paraná, localizado na região Sul do Brasil, que possui quatro Organizações de Procura de Órgãos (OPO) sediadas em cidades-polo das macrorregionais de saúde Leste, Oeste, Norte e Noroeste.

As fontes de dados do estudo foram os 3.931 relatórios de óbito por morte encefálica e os 8.416 transplantes emitidos pelas Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT) e Centros Transplantadores à Central Estadual de Transplante, no período de 2011 a 2016.

Foram incluídos os relatórios de óbitos por morte encefálica de doadores elegíveis para doação cardíaca, isto é, idade >7 dias de vida, ausência de contraindicação clínica (sorologia positiva para HIV ou Human T lymphotropic vírus - HTLV, infecção grave, neoplasia, tumor e disfunção/falência de órgão) e as notificações com protocolo de morte encefálica concluído4. Foram incluídos os relatórios dos transplantes realizados no estado e excluídos aqueles cujos órgãos apesar de captados no Paraná foram enviados para outros estados brasileiros.

As variáveis deste estudo relacionadas a doação foram: ano da notificação (2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016), macrorregional de saúde a que pertence a CIHDOTT notificante (norte, noroeste, leste e oeste), idade do doador elegível (≤40 e ≥41 anos), sexo (feminino e masculino), causa do óbito, tipo sanguíneo (A, B, AB e O), causas de inelegibilidade da doação, causas da não doação e doador efetivo de coração (sim e não). As variáveis relacionadas ao transplante foram: desfecho da captação do coração (descarte, transplante dentro e fora do estado), transplante cardíaco (sim e não), fonte pagadora (SUS, convênio, privado), ano de realização do transplante (2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016) e macrorregional onde foi realizado (norte, noroeste, leste e oeste).

Os dados foram analisados no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0, por estatística descritiva e inferencial univariada e múltipla. Para analisar a doação cardíaca, realizou-se uma análise univariada com todas as variáveis independentes relacionadas à doação. Em seguida, as que apresentaram p<0,20 nesta análise foram inseridas no modelo múltiplo, obtido por regressão logística binária pelo método forward, mantendo-se aquelas com maior poder preditivo. As estimativas foram expressas por odds ratio e a significância estatística obtida pelo teste de Wald. As variáveis relacionadas aos transplantes cardíacos foram analisadas pelo teste de associação Qui-Quadrado de Pearson. Adotou-se como estatisticamente significativo p<0,05.

O estudo foi desenvolvido conforme as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina, conforme o parecer 1.395.408 de 26 de janeiro de 2016 e CAAE: 51707215.8.0000.5231. Para uso dos dados, foi fornecido o Termo de Sigilo e Confidencialidade à Central Estadual de Transplantes do Paraná.

Resultados

Os resultados dos processos de doação e transplante cardíaco estão esquematizados na Figura 1. Verificou-se que das 3.931 notificações por morte encefálica, 2.600 eram doadores elegíveis, dos quais 128 (4,9%) se tornaram doadores efetivos de coração e 19 órgãos foram enviados outros estados por não haver receptores compatíveis no Paraná em lista de espera. Dos 165 transplantes cardíacos realizados, 56 órgãos provieram de outros estados, sendo que todos os corações captados e recebidos no Paraná foram transplantados. Entre as causas de inelegibilidade, destacam-se o protocolo de morte encefálica que não foi concluído em 759 (19,3%) dos casos notificados à Central Estadual de Transplantes e os 555 (14,1%) potenciais doadores com contraindicação clínica. Sobre as causas de não doação, predominou a recusa familiar (999; 38,4%).

Figura 1:
Resultados dos processos de doação e transplante cardíaco. PR/Brasil

Em relação a macrorregional de saúde do Paraná em que se situava o centro notificante da doação, 16,4% (n=21) pertenciam a norte, 16,4% (n=21) a noroeste, 43,0% (n=55) a leste e 24,2% (n=31) a oeste. A idade mediana dos doadores elegíveis foi de 46 anos (intervalo interquartílico: 28 anos), com variação de <1 a 88 anos. Entre os doadores efetivos de coração a mediana de idade foi de 26 anos (intervalo interquartílico: 13 anos), variando de <1 a 56 anos.

A chance de efetivação da doação cardíaca foi significativamente maior entre os óbitos com menos de 40 anos (OR: 27,913) e do sexo masculino (OR: 1,559). Também se constatou um aumento significativo de doações efetivas de coração com o avançar dos anos, com exceção de 2016 (Tabela 1).

Tabela 1:
Variáveis associadas às doações cardíacas (n=2.600), PR/Brasil

Com relação aos doadores efetivos de coração (n=128) as causas bases de óbito por morte encefálica foram traumatismo crânio-encefálico (59,4%; n=76), acidente vascular encefálico hemorrágico (13,3%; n=17), acidente vascular encefálico isquêmico (3,1%; n=4) e outras causas não especificadas (24,2%; n=31). Quanto ao sistema ABO deles, houve predominância do tipo O (59,4%; n=76), seguido dos tipos A (32,8%; n=42), tipo B (7,0%; n=9) e tipo AB (0,8%; n=1).

Em relação aos 8.416 transplantes realizados no estado, 165 (2,0%) foram de coração (70,9%; n=117 no sexo masculino), todos financiados pelo Sistema Único de Saúde. Dos seis centros transplantadores credenciados ao Sistema Nacional de Transplantes, quatro pertenciam a macrorregional leste e os outros dois à oeste e à norte. Com exceção do ano de 2016, houve um crescimento significativo de transplantes cardíacos realizados no estado (Tabela 2).

Tabela 2:
Variáveis associadas aos transplantes cardíacos (n=8.146), PR/Brasil

Discussão

Os achados deste estudo indicaram que os protocolos de morte encefálica não concluídos, as contraindicações clínicas, a recusa familiar e a baixa captação de coração foram as principais barreiras identificadas no processo de doação. Por outro lado, o número de doações e transplantes cardíacos cresceram anualmente e todos os órgãos captados foram transplantados utilizando recursos públicos.

A notificação de morte encefálica é realizada após o primeiro exame clínico que diagnosticou ausência de resposta encefálica e a sua determinação (conclusão do protocolo) depende de uma segunda avaliação clínica, de modo que cada uma seja atestada por dois médicos diferentes, um deles, obrigatoriamente, neurologista, neurocirurgião ou neuropediatra5. A morte encefálica é confirmada entre os pacientes com Glasgow 3; ausência dos reflexos pupilar, córneo-palpebral, óculo-cefálico, vestíbulo-ocular e tosse; e apneia, respeitados os intervalos de tempo entre as duas avaliações conforme a faixa etária, e acompanhado de ao menos um exame complementar que indique a ausência de atividade elétrica, metabólica ou perfusão sanguínea cerebral4-5,8. Assim, em 19,3% das notificações o segundo exame não foi realizado, principalmente em centros notificantes localizados em cidades menores, que geralmente não dispõem de um neurologista para concluir o protocolo.

O segundo principal motivo de inelegibilidade foi a contraindicação clínica (14,1%), como sepse, sorologia positiva, neoplasia e tumor cerebral, os quais também foram indicados em outro estudo9. O êxito do transplante cardíaco depende da adequada seleção do doador, que deve estar em condições fisiológicas ideais, porém com a necessidade crescente de transplantes somado à mudança no perfil epidemiológico dos pacientes na lista de espera, justifica-se a utilização de doadores com critérios expandidos e/ou limítrofes (o uso de órgãos que podem comprometer a função do enxerto ou transmitir doenças), principalmente quando o risco de morte for menor que o da doença cardíaca existente8.

Nesse sentido, a bacteremia e a sepse não contraindicam a doação, contudo no choque séptico não é recomendado1,10. Estudo realizado nos Estados Unidos com 995 transplantes cardíacos de doadores com cultura positiva, indicou que não houve influência na sobrevida do transplantado, apesar de ter ocorrido maior morbidade11. Nesses casos, a antibioticoterapia de acordo com o microorganismo está indicada ao receptor por pelo menos sete dias, bem como o doador também deve receber antibióticos8. Desse modo, a Central Estadual de Transplantes em conjunto com a equipe transplantadora deve avaliar as condições clínicas e laboratoriais do potencial doador, a fim de verificar se os benefícios superam os riscos5.

Entre os doadores elegíveis, a razão predominante para não doação foi a recusa familiar (38,4%). Embora seja uma taxa elevada, está entre as menores se comparada aos demais estados brasileiros, que varia de 36% a 81%3. Todavia, na Espanha, referência mundial em doação e transplante, a taxa de recusa familiar é de 6%12.

Segundo investigações13-14, a não compreensão do transplante de órgãos e do diagnóstico de morte encefálica, em que os familiares não entendem como um corpo com sinais vitais possa estar morto irreversivelmente; a interpretação religiosa do familiar; o falecido não ter declarado em vida que era doador; o medo da mutilação do corpo; o receio de que a equipe de saúde faça menos esforços para salvar a vida dos potenciais doadores e a insensibilidade dos profissionais responsáveis pelo caso e pela execução da entrevista foram os principais motivos relatados pelas famílias para não consentirem a doação.

Diferentes estratégias são utilizadas para aumentar o consentimento da doação. Alguns países, como os Estados Unidos, elaboraram políticas públicas que forneciam incentivos financeiros, benefícios fiscais e até cobertura de contas hospitalares, contudo o número de transplantes cardíacos permaneceu semelhante por duas décadas. As campanhas de sensibilização tradicionais como programas educativos para doadores, folhetos e vídeos, também demonstraram pouco impacto7. Em 2012, nos Estados Unidos foi lançado uma iniciativa de doadores de órgãos no Facebook® que contribuiu significativamente para o aumento de transplantes cardíacos de 9% (1990-2011) para 14% (2012-2014). O sucesso da campanha provavelmente se deve ao amplo uso da rede social e "pressão positiva nos pares" quando "amigos" em uma rede foram informados de um novo status de doador15.

Dos 2.600 doadores elegíveis deste estudo, verificou-se que 1051 foram doadores efetivos de órgãos, entretanto em apenas 128 (4,9%) foram captados o coração. Na Espanha, em 2016 entre os doadores elegíveis por morte encefálica, 320 (21,0%) foram doadores cardíacos e todos transplantados12. No mesmo ano, no Brasil, foram realizados 357 transplantes cardíacos, mas a necessidade estimada era de 1.636, ou seja, atendeu-se à apenas 21,8% da demanda, enquanto no Paraná atingiu apenas 30,3%3.

A baixa captação do órgão relaciona-se a duas questões: a logística e a clínica. Na primeira, as equipes de captação cardíaca (as mesmas que realizam o transplante) são consultadas quanto à possibilidade de retirada no que se refere as condições clínicas do receptor e de sua localização, considerando se haverá tempo hábil para a captação e transplante, visto que o tempo de isquemia do órgão é de até quatro horas5. Em relação à clínica, deve ser considerada a qualidade do coração do doador, sobretudo às questões anatômicas e fisiológicas avaliadas por exames laboratoriais, como troponina, isoenzima MB da creatina quinase (CK-MB), eletrocardiograma, ecocardiografia e cateterismo cardíaco8. Nesse sentido, as doenças cardiovasculares são as principais causas de óbitos no Brasil e no mundo4,16, responsáveis pelas alterações patológicas no órgão, o que o torna inviável a doação.

A assertiva sobre a questão clínica é ratificada pelo fato de as chances de efetivação de doação cardíaca terem sido maiores nos óbitos de homens, com idade menor que 40 anos e vítimas de trauma crânio-encefálico, em que as comorbidades são poucas ou inexistentes, características corroboradas entre doadores efetivos cardíacos da Espanha12. Ainda, quanto à predominância do sexo masculino entre os potenciais doadores, infere-se que eles são mais expostos a acidentes automobilísticos e violência física, o que predispõe a morte de jovens por morte encefálica9.

Não há um limite máximo de idade para a doação, entretanto quanto maior a idade do doador, principalmente acima de 64 anos, menor a sobrevida do receptor. Quando o doador possui mais de 40 anos há um risco exponencial de mortalidade no primeiro ano pós-transplante17. Assim, a decisão sobre a idade máxima do doador é de responsabilidade das equipes de transplante8.

Com o avançar dos anos houve aumento no número de doações e transplantes cardíacos no estado, o que também aconteceu em nível nacional3. Esse resultado favorável está relacionado as políticas públicas brasileiras, com atribuições e autonomia para os estados fazerem suas próprias ações em nível hospitalar, o que inclui a capacitação dos profissionais para atuarem nos processos de doações e transplantes4.

Igualmente importante é a inserção da temática nos projetos pedagógicos de graduação da área da saúde, pois geralmente esses processos não são abordados de forma satisfatória, o que forma profissionais despreparados para a atuação18.

Constatou-se que todos os órgãos captados foram transplantados, bem como provieram outros dos demais estados brasileiros, cuja totalidade foi financiada pelo SUS. O transplante cardíaco está entre os que apresentam maior custo entre todos os transplantes (R$ 37.052,69)19, incentivando os pacientes a buscarem financiamento público pelo procedimento cirúrgico.

A maioria dos transplantes cardíacos foi realizado na macrorregional leste, o que já era esperado por ter quatro das seis equipes transplantadoras do estado. Os transplantes só podem ser realizados por estabelecimentos de saúde e equipes especializadas credenciadas ao Sistema Nacional de Transplantes, vinculados a estrutura física e organizacional adequadas, e comprovada experiência profissional na área de transplante, cuja autorização é renovada a cada dois anos4-5.

Para superar as fragilidades mencionadas, bem como lograr êxito nos processos de doação e transplante cardíaco, cita-se o papel fundamental do enfermeiro, visto que sua atuação perpassa todas as fases, e envolve aspectos assistenciais e de gestão.

Nesse sentido, no âmbito hospitalar, o enfermeiro deve atuar proativamente na organização dos processos de doação e transplante como coordenador ou membro das CIHDOTT4 e dos programas de transplante20; na identificação e manutenção do potencial doador de coração; na realização das entrevistas para consentimento à doação4; na assistência pré e pós-transplante ao paciente e seus familiares20. Enquanto gestor de OPO, o enfermeiro deve elaborar políticas públicas, promover capacitação aos profissionais nas instituições hospitalares e realizar busca ativa nas unidades de terapia intensiva, com a finalidade de aumentar o número de doações cardíacas.

Conclusão

A efetivação da doação cardíaca foi de 4,9% entre os doadores elegíveis em morte encefálica, sendo maior entre os óbitos com idade inferior a 40 anos e do sexo masculino, bem como aumentou significativamente entre 2011 e 2016. Somado aos órgãos que vieram de outros estados brasileiros, realizou-se 165 transplantes cardíacos, todos financiados pelo Sistema Único de Saúde.

Como limitações do estudo cita-se a falta de informações sobre os motivos de não captação do coração entre os doadores efetivos de outros órgãos; e das condições anatômicas, fisiológicas, clínicas e laboratoriais dos órgãos doados. Também deve-se considerar que se tratam de dados de um único estado brasileiro, o que impede a generalização dos resultados.

Apesar disso, esse estudo avança no conhecimento ao identificar a prevalência de captação e transplante cardíaco, bem como os fatores clínicos e organizacionais relacionados. Tais resultados podem subsidiar a elaboração de estratégias pelos enfermeiros coordenadores de OPO, CIHDOTT e de transplante, bem como os demais gestores para aumentar a doação e, por consequência, reduzir o número de pessoas em espera por um coração.

Ainda é relevante investir na educação contínua dos trabalhadores de enfermagem e demais profissionais envolvidos, desde a graduação, conscientizando-os do importante papel que desempenham no processo de doação, sobretudo na diminuição das fragilidades gerenciais e no apoio às famílias na decisão autônoma e com conhecimento acerca da doação de órgãos.

Referências

  • 1 Bacal F, Souza Neto JD, Fiorelli AI, Mejia J, Marcondes-Braga FG, Mangini S, et al. II Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco. Arq Bras Cardiol. 2010;94(1Suppl1):e16-e73.
  • 2 Mantovani VM, Silveira CB, Lima LL, Orlandin L, Rabelo-Silva ER, Moraes MA. Comparison of quality of life between patients on the waiting list and heart transplant recipients. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(4):e53280.
  • 3 Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2009-2016). RBT. 2016;XXII(4).
  • 4 Ministério da Saúde(BR). Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.600, de 21 de outubro de 2009. Aprova o Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes. Brasília; 2009 [citado 2017 nov 20]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt2600_21_10_2009.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt2600_21_10_2009.html
  • 5 Central Estadual de Transplantes do Paraná (BR). Secretaria Estadual da Saúde. Manual de transplantes. 3. ed. Borges HF, Telles LMP, organizadores. Curitiba; 2014 [citado 2017 nov 20]. Disponível em: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/CET/Manual_CentralEstadualdeTransplantes_2014.pdf
    » http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/CET/Manual_CentralEstadualdeTransplantes_2014.pdf
  • 6 Hsich EM. Matching the market for heart transplantation. Circ Heart Fail. 2016;9(4):e002679.
  • 7 Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JG, Coats AJ, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC). Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur Heart J. 2016;37(27):2129-200.
  • 8 Westphal GA, Garcia VD, Souza RL, Franke CA, Vieira KD, Birckholz VRZ, et al. Guidelines for the assessment and acceptance of potential brain-dead organ donors. Rev Bras Ter Intensiva. 2016;28(3):220-55.
  • 9 Rodrigues TB, Chagas MIO, Brito MCC, Sales DS, Silva RCC, Alves e Souza AM. Profile of potential organ donors in a reference hospital. Rev Rene. 2013;14(4):713-9.
  • 10 Kotloff RM, Blosser S, Fulda GJ, Malinoski D, Ahya VN, Angel L, et al. Management of the Potential Organ Donor in the ICU: Society of Critical Care Medicine/American College of Chest Physicians/Association of Organ Procurement Organizations Consensus Statement. Crit Care Med. 2015;43(6):1291-325.
  • 11 Forest SJ, Friedmann P, Bello R, Goldstein DJ, Muggia V, D&apos;Alessandro DA. Cardiac transplantation from infected donors: is it safe? J Card Surg. 2015;30(3):288-95.
  • 12 Organización Nacional de Trasplantes (SP). Trasplante cardíaco [Internet]. Madrid; 2016 [citado 2017 nov 20]. Memória de Actividad. ONT 2016. Disponíble en: http://www.ont.es/infesp/Memorias/Memoria%20Coraz%C3%B3n.pdf
    » http://www.ont.es/infesp/Memorias/Memoria%20Coraz%C3%B3n.pdf
  • 13 Groot J, Van Hoek M, Hoedemaekers C, Hoitsma A, Schilderman H, Smeets W, et al. Request for organ donation without donor registration: a qualitative study of the perspectives of bereaved relatives. BMC Med Ethics. 2016;17(1):38.
  • 14 AlHabeeb W, AlAyoubi F, Tash A, AlAhmari L, AlHabib KF. Attitude of the Saudi community towards heart donation, transplantation, and artificial hearts. Saudi Med J. 2017;38(7):742-7.
  • 15 Cameron AM, Massie AB, Alexander CE, Stewart B, Montgomery RA, Benavides NR, et al. Social media and organ donor registration: the Facebook effect. Am J Transplant. 2013;13(8):2059-65.
  • 16 Moran AE, Forouzanfar MH, Roth GA, Mensah GA, Ezzati M, Murray CJ, et al. Temporal trends in ischemic heart disease mortality in 21 world regions, 1980 to 2010: the Global Burden of Disease 2010 study. Circulation. 2014;129(14):1483-92.
  • 17 Fiorelli AI, Branco JN, Dinkhuysen JJ, Oliveira Junior JL, Pereira TV, Dinardi LF, et al. Risk factor analysis of late survival after heart transplantation according to donor profile: a multi-institutional retrospective study of 512 transplants. Transplant Proc. 2012;44(8):2469-72.
  • 18 Dibo FHA, Gravena AAF, Freitas RA, Dell&apos;Agnolo CM, Benguella EA, Pelloso SM, et al. Brain death: knowledge of future Brazilian physicians. Transplant Proc. 2017;49(4):750-5.
  • 19 Ministério da Saúde (BR). Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS. Procedimento: 05.05.02.004-1 - Transplante de Coração [Internet] 2017 [citado 2017 nov 20]. Disponível em: http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/procedimento/exibir/0505020041/11/2017?first=5
    » http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/procedimento/exibir/0505020041/11/2017?first=5
  • 20 Mendes KDS, Roza BA, Barbosa SFF, Schirmer J, Galvão CM. Organ and tissue transplantation: responsibilities of nurses. Texto Contexto Enferm. 2012;21(4):945-53.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Set 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    31 Dez 2017
  • Aceito
    23 Abr 2018
location_on
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro