Open-access EPISTEMOLOGIA SOCIAL E DESINFORMAÇÃO CIENTÍFICA: PERSPECTIVAS PARA A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

EPISTEMOLOGÍA SOCIAL Y DESINFORMACIÓN CIENTÍFICA: PERSPECTIVAS PARA LA EDUCACIÓN CIENTÍFICA

SOCIAL EPISTEMOLOGY AND SCIENTIFIC MISINFORMATION: PERSPECTIVES FOR SCIENCE EDUCATION

RESUMO:

O cenário de desinformação científica e política vivenciado nos últimos anos, principalmente durante a pandemia de coronavírus iniciada em 2020, acendeu um alerta vermelho para as instituições dos diversos setores do poder público que se preocupam com o bom funcionamento das democracias. No âmbito acadêmico e educacional, em particular na área de Ensino de Ciências, a preocupação tem se materializado por meio do aumento do número de cursos voltados para a formação inicial e continuada de professores, da produção de artigos, dissertações, teses e por meio de congressos em que a temática tem se tornado amplamente discutida por pesquisadores e professores da área. Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo contribuir para a produção de conhecimentos na área de Educação em Ciências no que diz respeito à apresentação de uma proposta teórico-conceitual, baseada em um conjunto de conceitos e critérios para se analisar a credibilidade de alegações supostamente científicas disseminadas pela Internet e mídias sociais. A fundamentação teórica desta proposta tem como pressuposto principal que, no contexto atual de pós-verdade midiática, somos todos dependentes epistemologicamente uns dos outros e, desse modo, nos apoiamos nos trabalhos da Epistemologia Social, principalmente os de John Hardwig, Elisabeth Anderson, Helen Longino e Alvin Goldman, e em seus desdobramentos na área de Educação em Ciências por Stephen Norris e Douglas Allchin.

Palavras-chave:
epistemologia social; desinformação científica; educação em ciências

RESUMEN:

El escenario de desinformación científica y política vivido en los últimos años, principalmente durante la pandemia de coronavírus iniciada en 2020, ha generado una alerta roja para las instituciones de diversos sectores del poder público que se preocupan por el buen funcionamiento de las democracias. No hay ámbito académico y educativo, en particular en el área de enseñanza de ciencias, la preocupación se ha materializado a través del aumento en el número de cursos completados a formación inicial y continuada de profesores, producción de artículos, teses y congresos sobre un tema temático. Se ha tornado ampliamente discutido por investigadores y profesores del área. Este artículo intenta contribuir a la producción de conocimiento en el área de la Educación en Ciencias en lo que respecta a la presentación de una propuesta teórico-conceptual, materializada como un conjunto de conceptos y criterios para analizar la confiabilidad y credibilidad de enunciados supuestamente científicos difundidos a lo largo del tiempo en la Internet y redes sociales. El fundamento teórico de la propuesta tiene como supuesto principal que, en el contexto actual de los medios de posverdad, todos somos epistemológicamente dependientes unos de otros. El sustento teórico que respalda la propuesta se basa en trabajos de Epistemología Social, especialmente los de John Hardwig, Elisabeth Anderson, Helen Longino y Alvin Goldman, y sus desarrollos en el área de la Educación Científica de Stephen Norris y Douglas Allchin.

Palabras-clave:
epistemología social; desinformación científica. enseñanza de las ciencias

ABSTRACT:

The scenario of scientific and political misinformation experienced in recent years, especially during the coronavirus pandemic that began in 2020, has raised a red alert for institutions in various government sectors concerned with the proper functioning of democracies. In the academic and educational sphere, particularly in the field of Science Education, the concern has materialized through the increase in the number of courses aimed at initial and continuing teacher training, the production of articles, dissertations and theses, and conferences where the topic has become widely discussed by researchers and professors in the area. This work aims to contribute to the production of knowledge in the field of Science Education concerning the presentation of a theoretical-conceptual proposal, materialized as a set of concepts and criteria to analyze the reliability and credibility of supposedly scientific claims disseminated on the Internet and social media. The theoretical foundation of the proposal has as its main assumption that, in the current context of post-truth media, we are all epistemologically dependent on each other. In this way, we rely on the work of Social Epistemology, mainly those of John Hardwig, Elisabeth Anderson, Helen Longino, and Alvin Goldman, and its developments in the field of Science Education by Stephen Norris and Douglas Allchin.

Key words:
social epistemology; science misinformation; science education

INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira tem presenciado nos últimos anos um aumento exponencial da disseminação de desinformação sobre Ciências nas mídias. Dentre os possíveis fatores para este fenômeno, citamos o enfraquecimento da mídia convencional enquanto instituição e a ascensão da Internet e das mídias sociais como principal fonte de informação entre os jovens (Höttecke; Allchin, 2020). Enquanto a mídia convencional possui um corpo editorial que seleciona e separa ‘boa informação’ e ‘boa ciência’ da ‘má informação’ e ‘má ciência’, baseado em códigos e normas midiáticas, quando se trata de informações científicas veiculadas pela Internet e mídias sociais essa tarefa é deixada sob a responsabilidade do cidadão (Pereira; Dos Santos, 2022; Höttecke; Allchin, 2020; Iyengar; Massey, 2019). Neste artigo distinguimos a mídia convencional da Internet e mídias sociais por meio de aspectos sociológicos. Se por um lado temos a Internet e as mídias sociais projetadas para potencializar a interação social entre os indivíduos, por meio de ‘compartilhamentos’, engajamento e produção de conteúdo pelos usuários, sem uma autoridade ou voz central, por outro temos uma mídia convencional altamente centralizada, com a figura do editor que seleciona os conteúdos que serão veiculados (Pereira; Dos Santos, 2022). Como apontado por Höttecke e Allchin (2020):

Dessa forma, as mídias sociais tendem a fomentar um etos de democratização, ao evitar censura ou qualquer tipo de autoridade privilegiada. As mídias sociais, do modo como são concebidas e usadas, são incompatíveis com a noção de filtros editoriais e expertise. [...] As mídias sociais parecem exacerbar ainda mais a falta de confiança na ciência, contribuindo para acirrar na sociedade uma desconfiança nos especialistas (Höttecke; Allchin, 2020, p. 657, tradução nossa).

A ausência de uma voz especializada na seleção de conteúdos científicos acaba contribuindo para que a seleção de informações confiáveis e o posicionamento pessoal sobre controvérsias científicas, presentes nas mídias, seja realizada utilizando-se majoritariamente de critérios como crenças, ideologia, visões de mundo e conhecimentos adquiridos da experiência pessoal (Kahan, 2013; Lewandowsky; Ecker; Cook, 2017; Ecker, et al, 2022). Decisões de âmbito político-governamental que possuem um componente científico e que afetam diretamente a vida do cidadão, como por exemplo, confiabilidade e eficácia de vacinas, redução do uso de agrotóxicos potencialmente nocivos à saúde, redução de aditivos alimentares em alimentos processados e ultraprocessados etc., quando tomadas em função de critérios pessoais que prescindem da análise de especialistas e consensos existentes dentro da comunidade científica, ameaçam os preceitos fundamentais de sociedades democráticas. Como pontuado por Collins e Evans (2002):

As decisões políticas que envolvem um componente técnico científico no campo social devem ser legitimadas e maximizadas pelo seu grau de democratismo, ou tais decisões deveriam ser baseadas no conselho dos melhores especialistas? A primeira escolha corre o risco de uma paralisia tecnológica; a segunda convida à oposição popular (Collins; Evans, 2002, p. 236, tradução nossa).

Sendo assim, uma formação cidadã, tendo como pressuposto os princípios de uma Alfabetização Científica Midiática (ACM), torna-se imprescindível em uma sociedade como a nossa (Pereira; Dos Santos, 2022). A Educação Científica Midiática (ECM) tem sido um campo de pesquisa amplamente difundido nos últimos anos, na Europa, Canadá e Estados Unidos, e tem como objetivo central um conjunto de ações e estratégias a serem desenvolvidas na educação formal, visando promover uma série de habilidades e atitudes, denominadas no contexto europeu como Alfabetização Científica Midiática (ACM) (Pereira; Dos Santos, 2022). Diversos organismos internacionais e nacionais como as sociedades científicas, além de integrantes da esfera política e pesquisadores de instituições de ensino e pesquisa têm elaborado relatórios, documentos curriculares e propostas fundamentadas para alertar a sociedade para a importância de se enfrentar as consequências da desinformação. No âmbito internacional podemos citar a título de exemplo, Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD, 2017), A multi-dimensional approach to disinformation - Report of the independente High level Group on fake news and online disinformation, que é um relatório redigido por pesquisadores da União Europeia contendo iniciativas e estratégias para o enfrentamento das Fakes News e disseminação de desinformação online (De Cock Buning, 2018). Há também o Research for CULT Committee - Science and Scientific Literacy as an Educational Challenge, outro relatório direcionado ao parlamento europeu e elaborado por pesquisadores no ano de 2019 (Siarova; Sternadel; Szőnyi, 2019). No âmbito nacional temos, Desafios e estratégias na luta contra a desinformação científica, um relatório desenvolvido pela Academia Brasileira de Ciências em 2024, e Conferência Livre: Ciência no Combate à Desinformação, promovida pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), apenas para mencionar algumas iniciativas. A própria Área de Ensino da Capes atestou a relevância do tema ao selecionar ao Prêmio de melhor tese em 2024 o trabalho intitulado “Sobre a propagação de desinformações científicas nas redes sociais: uma pesquisa etnográfica no Twitter para reflexões sobre a Educação em Ciências”, de Gabriela Pívaro.

Em nosso trabalho definimos a Educação Científica Midiática como um processo educacional que tem como objetivo ensinar as pessoas sobre as condições institucionais, sociais, culturais e econômica das ciências e das mídias, para que elas sejam capazes de posicionar-se, de forma imparcial, lógica, dialógica e minimizando o papel desempenhado pelas crenças e visões de mundo, sobre a credibilidade e confiabilidade de novas informações sobre ciência e saúde que afetam a sua vida pessoal e coletiva. Ou seja, que desenvolvam uma Alfabetização Científica Midiática (ACM). Esta definição incorpora conhecimentos da alfabetização científica e da alfabetização midiática provenientes dos trabalhos de Pereira e Dos Santos (2022), Reid e Norris (2016) e Nichols (2017).

Neste trabalho, discutiremos inicialmente o que consideramos ser um pressuposto equivocado de alguns campos de pesquisa em Ensino de Ciências: a premissa de que somos capazes de avaliar a credibilidade de notícias sobre ciência, disseminadas no ambiente online, tendo como base os conceitos e conhecimentos da ciência escolar. Este pressuposto se expressa por meio de algumas visões de alfabetização científica que concebem o funcionamento da ciência unicamente por meio de suas práticas científicas, e que almejam a promoção da independência intelectual dos estudantes em relação aos especialistas (Osborne; Allchin, 2024). Em seguida, apresentaremos uma vertente da Epistemologia Social (ES) para a compreensão de nossa dependência e confiança epistêmica nos especialistas na avaliação da credibilidade de informações científicas complexas veiculadas pela Internet e mídias sociais. Destacaremos, nesse momento, a relevância do papel desempenhado pela dimensão social e institucional da produção e circulação de conhecimentos científicos no ecossistema midiático para a promoção da Alfabetização Científica Midiática (ACM). E por fim, discutiremos critérios e conceitos que fazem parte da visão de ACM que propomos neste trabalho, para a avaliação da credibilidade da ciência que circula no ambiente online, com uma breve discussão dos seus desdobramentos para o Ensino de Ciências e para a formação de professores.

No âmbito da pesquisa em Educação em Ciências tornou-se praticamente consensual, nas últimas décadas, a importância de trabalharmos sistematicamente em sala de aula o modo como a Ciência funciona, ou seja, a Natureza da Ciência (NdC) (Lederman, 2007; Osborne et al., 2003, dentre vários outros). Entre as muitas contribuições do estudo dos aspectos da NdC em sala de aula está a instrumentalização dos estudantes para a análise de evidências científicas, para a construção de argumentações, para o uso de metodologia científica adequada, para a interpretação de gráficos, equações, modelos matemáticos ou estatísticos etc. Para isso, os estudantes desenvolvem atividades no ambiente da sala de aula que se aproximam, em termos pedagógicos, das práticas científicas realizadas pelos cientistas em seus laboratórios e fora dele, com o objetivo de se atingir uma alfabetização científica dos estudantes (Sasseron; Machado, 2017; Sasseron; Carvalho, 2011; Costa; Broietti, 2023). Documentos como o National Research Council (NRC, 2012, 2013) dos Estados Unidos, por exemplo, estabelecem 8 práticas científicas consideradas essenciais para alfabetizar cientificamente o estudante da educação básica: Fazer perguntas, Desenvolver e utilizar modelos, Planejar e realizar investigações, Analisar e interpretar dados, Utilizar matemática e pensamento computacional, Construir explicações, Envolver-se em argumentos a partir de evidências, Obter, avaliar e comunicar informações (Costa; Broietti, 2023).

No âmbito nacional, o texto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) menciona que um dos objetivos do Ensino de Ciências da natureza é:

Interpretar textos de divulgação científica que tratem de temáticas das Ciências da Natureza, disponíveis em diferentes mídias, considerando a apresentação dos dados, tanto na forma de textos como em equações, gráficos e/ou tabelas, a consistência dos argumentos e a coerência das conclusões, visando construir estratégias de seleção de fontes confiáveis de informações (Brasil, 2018, p. 559).

Empregando termos como ‘analisar apresentação de dados’, ‘construir explicações’, ‘envolver-se em argumentos a partir de evidências’, ‘consistência de argumentos’ etc, o texto faz referência a elementos de uma prática científica a ser desenvolvida em sala de aula, estando implícita a visão de Natureza da Ciência (NdC) que considera apenas aspectos de natureza epistêmica na construção dos conhecimentos científicos, que são relacionados mais propriamente ao conteúdo. Além disso, a epistemologia que fundamenta tal visão parte da premissa de que todos nós, sejamos especialistas ou não, somos intelectualmente independentes dos especialistas, considerando que temos acesso e conhecimento das evidências que suportarão a análise e julgamento das afirmações científicas que chegam até nós pelos diversos meios comunicacionais. No entanto, no cenário de pós-verdade midiática ao qual estamos expostos nos últimos anos, ter como objetivo uma alfabetização científica e midiática se baseando tão somente nas práticas científicas, no modo como exposto pelos documentos apresentados acima, é uma utopia e, ao mesmo tempo, uma falácia, posto que a ciência e a tecnologia são construções sociais contingentes, conforme evidenciam investigações de já algumas décadas, às quais nos alinhamos (Norris, 1995; Norris, 1997; Allchin; Zemplén, 2020; Pereira; Dos Santos, 2022).

Apesar de considerarmos a aprendizagem das práticas científicas, no modo como o NRC e a BNCC a concebem, fundamentais para alguns propósitos no Ensino de Ciências - por exemplo para compreendermos o fazer científico em sua dimensão epistêmica -, defendemos que no cenário de pós-verdade midiática somente a compreensão de como a ciência funciona em sua dimensão social nos permite realizar um julgamento fundamentado de afirmações supostamente científicas circuladas pelas mídias. Com o aumento ilimitado e divisão de especialidades e do trabalho cognitivo na ciência nas últimas décadas, torna-se uma tarefa árdua para qualquer indivíduo obter acesso às evidências que suportam um determinado resultado científico, compreender o argumento utilizado pelos cientistas para se chegar à determinada conclusão, e analisar se a metodologia ou o modelo estatístico utilizado em certo estudo é adequado para justificar os resultados obtidos.

Pesquisas recentes na área de Educação em Ciências têm sinalizado para a importância de levarmos para as aulas de ciências a discussão sistemática de uma NdC mais abrangente. Esta NdC, ou a epistemologia que a fundamenta, considera como elemento constitutivo para a produção de conhecimento científico confiável de que forma ocorrem as interações sociais dentro e fora das comunidades onde são produzidos este conhecimento. Dessa forma, a análise do papel desempenhado por estas práticas sociais dentro e fora da comunidade científica, por exemplo, de sua interrelação com as mídias, funcionarão para os estudantes como um conjunto de critérios para a avaliação e julgamento da confiabilidade de uma determinada afirmação cientifica (Oreskes, 2019; Allchin, 2020; Höttecke; Allchin, 2020; Allchin; Zemplén, 2020; Pereira; Dos Santos, 2022; Osborne, et al, 2022).

EPISTEMOLOGIA SOCIAL E DESINFORMAÇÃO CIENTÍFICA

O aprofundamento teórico sobre o que se constitui como prática social da ciência e a transposição dos conceitos e fundamentos desta prática em uma proposta teórica-conceitual para o Ensino de Ciências, como instrumento para analisar a confiabilidade e credibilidade de alegações cientificas nas mídias, é o principal objetivo deste trabalho. Desse modo, consideramos importante descrever sucintamente a base epistemológica na qual nos apoiamos.

A ênfase em analisar o papel desempenhado pelas práticas sociais na produção e circulação de conhecimentos científicos é encontrada em diversos trabalhos que podem ser caracterizados como constituintes de uma área de estudo da Epistemologia denominada de Epistemologia Social (ES). De modo geral, as epistemologias ditas tradicionais estão voltadas para a análise do modo como os indivíduos adquirem conhecimento. Uma de suas preocupações é como os indivíduos se debruçam, por si só e sem a consulta de outros, em encontrar o que é verdade, ou quais são os fatos a serem levados em conta na interpretação de determinado fenômeno empírico. No caso da Ciência, uma parte desta epistemologia tem se guiado na descrição detalhada das práticas científicas realizadas pelos cientistas em seu ambiente de trabalho, na produção do conhecimento científico (Goldman; Cailin, 2021). Os estudos da Ciência, na epistemologia supracitada, focam quase que exclusivamente em fatores ditos “extra científicos”, como métodos científicos, experimentos, observações e teorias. Além disso, parte dela ainda se debruça em dissolver categorias que diferenciavam o conhecimento científico de outras formas de conhecimento, por meio de uma abordagem de ‘desmascaramento’ ao procurar falhas e lacunas nos métodos científicos (Zemplén, 2009). Sob esta perspectiva, quando é investigado o papel desempenhado pelo aspecto social na produção de conhecimento, quase sempre é enfatizado o seu caráter deletério, ao apresentar a influência da ideologia, das crenças, ambições e interesses de cientistas individuais na escolha de teorias aceitáveis ou não dentro da comunidade científica (Longino, 2002; Zemplén, 2009).

Por outro lado, a corrente da Epistemologia Social (ES) que utilizamos neste trabalho, é um campo do conhecimento que se concentra em analisar como os indivíduos, ou grupo de indivíduos, se colocam na tarefa de buscar a verdade com a ajuda de, ou a partir de outros. Desse modo, a ES considera que essencialmente grande parte do conhecimento que nos interpela é testemunhal e, por isso, possui uma dimensão social constitutiva (Goldman, 2001; Goldman; Cailin, 2021). A maneira como os indivíduos interpretarão as informações que os atravessam dependerá de sua visão de mundo, construída por meio das interações sociais e pela influência exercida pelos outros através das múltiplas materializações que a linguagem adquire (Goldman, 1987). No entanto, na ES o papel do social na produção do conhecimento é compreendido pelos epistemólogos como um fator positivo, pois se historicamente a Ciência pode ser considerada como a comunidade epistêmica que obteve o maior sucesso na busca pela verdade ao longo das últimas décadas, o papel de suas práticas sociais (além das práticas científicas) teve que exercer algum papel construtivo.

Para Cailin, Goldberg e Goldman (2023), a análise dos fatores sociais nas comunidades epistêmicas, orientada pela busca da ‘verdade’, contribui para uma visão mais profunda e refinada de novos problemas, técnicas e metodologias destas comunidades. Para os autores, a ES se distingue da epistemologia tradicional da Ciência, conhecida e divulgada por meio de autores como Bruno Latour, Paul Feyerabend, Richard Rorty, dentre outros, por não considerar os fatores sociais e culturais como atributos de desconstrução de noções como ‘falso’ e ‘verdadeiro’ e ‘conhecimento’ e ‘erro’. Ainda para Cailin, Goldberg e Goldman (2023), para a ES não há alguma razão para pensar que fatores ou práticas sociais interferem inevitavelmente ou constituem ameaças ao alcance da verdade e/ou de outros desejos epistêmicos, tais como a crença justificada, a crença racional etc. A ES aborda tipos específicos de fatores sociais ou interações sociais que representam ameaças à busca pela verdade, por exemplo, o papel desempenhado pelas pressuposições de fundo, crenças e visões de mundo em comunidades científicas que não apresentam diversidade em sua constituição. Mas, inversamente, quais os tipos de organização social que podem aumentar as perspectivas de alcance da verdade, por exemplo, o papel desempenhado pela revisão por pares.

Uma das epistemólogas pioneiras no estudo da influência dos fatores sociais na comunidade científica sob o viés da ES é Helen Longino (1944 - ). Para a pesquisadora:

Se o objetivo da pesquisa científica é fornecer conhecimento, ao invés de uma coleção aleatória de opiniões, deve haver alguma forma de minimizar a influência de preferências subjetivas e controlar o papel das suposições de fundo. A explicação social da objetividade resolve esse problema. O papel das suposições de fundo em um raciocínio baseado em evidências é base para o relativismo desenfreado apenas no contexto de um conceito individualista de método e conhecimento científico... Os valores não são incompatíveis com a busca da objetividade, mas a objetividade emerge em função das práticas sociais da comunidade e não como uma atitude de pesquisadores individuais (Longino, 1990, p. 216, tradução nossa, negrito nosso).

Em uma perspectiva individualista de epistemologia, os valores, as crenças e os vieses individuais de cientistas desempenham um papel deletério na busca por uma objetividade científica. Já em uma perspectiva social e, portanto, coletiva de produção de conhecimento científico, estas suposições de fundo, nas palavras de Longino (1990), são colocadas à prova por meio das práticas sociais na comunidade. Para a pesquisadora, quanto mais diversa for a comunidade epistêmica, maior será a força da objetividade que emergirá de suas práticas. Quando há diversidade na comunidade científica, os elementos subjetivos, muitas vezes disfarçados de um raciocínio baseado em evidência e utilizados inapropriadamente na escolha de uma teoria em detrimento de outra, serão imediatamente desafiados por outros cientistas, ou seja:

A objetividade terá maior chance de ser maximizada quando houver caminhos reconhecidos e robustos para a crítica, como a revisão por pares, quando a comunidade for aberta, não defensiva, e receptiva às críticas, e quando a comunidade for suficientemente diversa para que uma ampla gama de pontos de vista possa ser desenvolvida, ouvido e devidamente considerados (Oreskes, 2019, p. 53, tradução nossa).

Ao enfatizar a análise das práticas sociais das comunidades epistêmicas na produção e circulação de afirmações cientificas, a ES desconsidera o aspecto puramente descritivo herdado da Epistemologia Tradicional, e busca modos de participação ativa em tomadas de decisão. Isso permite uma análise não apenas descritiva das práticas, mas acima de tudo, uma análise prescritiva que autoriza compreender a função da expertise científica (um critério social) nas tomadas de decisão envolvendo Ciência (Goldman, 2001).

Um conceito central da ES que fundamenta o uso da prática social da ciência como uma abordagem para o julgamento de afirmações supostamente científicas é o de dependência epistêmica. O conceito se refere à asserção de que não há como evitar o fato de que os não especialistas sempre serão dependentes epistemologicamente dos especialistas (Hardwig, 1985). Devido à crescente divisão do trabalho cognitivo, é impossível termos acesso às evidências que suportam todas as nossas crenças científicas, pois “em nossa cultura, dependemos da divisão do trabalho intelectual, com o seu conhecimento especializado e expertise distribuída” (Allchin; Zemplén, 2020, p. 920). Todo o conhecimento que chega até nós é mediado ou, no dizer da ES, é testemunhal. De modo jocoso, Hardwig (1985)pontua:

Embora eu possa facilmente imaginar o que tenho que fazer para obter as evidências que suportam algumas de minhas crenças, eu não posso imaginar ser capaz de fazer isso para todas elas. Eu acredito em muita coisa; há uma miríade de evidências relevantes (muitas delas disponíveis apenas após extensivo treino especializado); meu intelecto é muito pequeno e a vida muito curta (Hardwig, 1985, p. 335, tradução nossa).

Além disso, de acordo com o autor, os próprios cientistas também não são capazes de decidir por si mesmos o que pode ser considerado como conhecimento científico confiável quando a temática analisada não se enquadra na sua área de expertise. Em outras palavras, mesmo os cientistas são dependentes epistemologicamente uns dos outros. Para justificar esta asserção, Hardwig (1991) mobiliza o conceito de confiança epistêmica. Ele apresenta o campo da Física de Partículas como um exemplo, no qual a confiança epistêmica que um cientista confere a outro tem um peso epistêmico mais importante do que a própria evidência científica, pois cientistas que são responsáveis, por exemplo, para desenvolver simulações computacionais em experimentos relacionados à Física de Partículas não são capazes de avaliar possíveis evidências oriundas do campo teórico, e vice e versa. Nos dias de hoje podemos citar diversos projetos científicos nos quais a confiança epistêmica é fundamental. Os artigos que são produzidos nestes projetos geralmente recebem a assinatura de dezenas, se não centenas de cientistas, no qual cada grupo possui uma divisão do trabalho cognitivo que não lhes permite ter acesso direto às evidências produzidas por outros grupos (devido à não expertise relevante em outros domínios cognitivos) (Irzik; Kurtulmus, 2019).

Norris (1995), baseando-se em Hardwig (1985), expressa a inevitável dependência na apropriação de conhecimentos entre os indivíduos com o seguinte postulado:

Um indivíduo B tem boas razões para acreditar em uma proposição p, se ele(a) tem boas razões para acreditar no testemunho de outro individuo A que tem boas razões para acreditar em p. As razões de B não são baseadas em evidências em relação a p, porque suas razões para acreditar em p não fortalecem os fundamentos de p. A é o progenitor de p, no sentido de que as crenças de B em p dependem das razões de A para acreditar em p, razões estas que podem ou não contar como evidência para p, e que podem ou não serem acessíveis a B. As crenças de B em p são epistemicamente dependente das crenças de A (Norris, 1995, p. 206, tradução nossa, negrito nosso).

Como consequência, as crenças de não cientistas em afirmações científicas não são baseadas em evidência direta a favor ou contra determinada proposição, mas sim, em boas razões para acreditar ou não nos cientistas que as produzem (divulgam). Desse modo, se algo conta ou não como conhecimento científico não é uma decisão que os não-especialistas tenham condições de tomar sozinhos. No caso de nosso trabalho, o indivíduo B (não especialista) pode ser representado por estudantes da educação básica, universitários, cidadãos etc.

De acordo com Norris (1995), Anderson (2011), Irzik e Kurtulmus (2019) e Allchin (2022), o julgamento ou análise realizado por B das boas razões para A acreditar em p envolve avaliações de segunda ordem, uma vez que mesmo tendo acesso às evidências que supostamente corroboram p, B não é capaz de reconhecê-las como evidência, pois não possui expertise no campo de conhecimento que produziu p. Sendo assim, cabe a B analisar critérios como as qualificações, a honestidade e os possíveis conflitos de interesse de A para julgar a confiabilidade e credibilidade da proposição p. Trabalhos como os de Anderson (2011)empregam o conceito de dependência epistêmica para delinear um conjunto de critérios para a análise de desinformação sobre mudanças climáticas no contexto norte-americano. Já Irzik e Kurtulmus (2019)pesquisam as implicações da utilização do conceito no que diz respeito à disseminação de desinformação sobre vacinação.

O conjunto de critérios apresentados no presente artigo, para analisarmos afirmações supostamente científicas nas mídias, baseia-se na linha epistemológica discutida anteriormente. Nessa abordagem, o julgamento da confiabilidade da Ciência representada nas mídias perpassa a dimensão social de sua produção e circulação. O estudo deste caráter social da Ciência em sala de aula confere um destaque a conceitos como o consenso dentro da comunidade científica, à importância da expertise, da credibilidade e das credenciais para ser um porta-voz da Ciência, ao papel das instituições científicas em recomendações que envolvem decisões pessoais e coletivas que apresentam um componente científico em sua análise, aos possíveis conflitos de interesse envolvidos em determinados resultados científicos, ao papel do financiamento em pesquisa científica etc. (Pereira; Dos Santos, 2022; Longino, 1990; Norris, 1995; Zemplén, 2009; Oreskes, 2019; Mcintyre, 2019; Höttecke; Allchin, 2020; Allchin, 2022). O principal objetivo desta abordagem nas aulas de ciências da educação básica, que a partir de agora denominaremos de Prática Social da Ciência (PSC), é a busca pela Alfabetização Científica Midiática dos estudantes.

PROPOSTA DE ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA MIDIÁTICA PELA PRÁTICA SOCIAL DA CIÊNCIA

Como exposto acima, fundamentados em conceitos da Epistemologia Social (ES) e considerando o atual cenário de disseminação de desinformação na Internet e mídias sociais, consideramos que a tentativa de demarcação entre Ciência genuína e uma Ciência encenada que tenta se passar por uma Ciência autêntica, baseando-se puramente na análise da dinâmica de funcionamento das práticas científicas, é inútil. Principalmente sabendo que, na era da pós-verdade, tem se tornado tática comum dos negacionistas a fabricação e encenação de narrativas e fatos alternativos, que simulam as credenciais de um discurso genuinamente científico (Oreskes, 2019; Allchin, 2022). Considerando que não somos especialistas na maior parte dos conhecimentos científicos que nos interpela pela Internet e mídias sociais, dependemos epistemicamente do testemunho dos outros para julgarmos a confiabilidade destes conhecimentos. Portanto, tentativas de analisar se as práticas científicas foram realizadas de modo adequado, se as evidências suportam as conclusões e argumentações de todo tipo de afirmação que carregam em si supostas credenciais científicas, torna-se uma tarefa humanamente impossível. Assim, em casos que demandam uma estrutura de análise epistemologicamente complexa, como é o caso das afirmações de natureza científica presentes na mídia, somos todos dependentes epistemologicamente uns dos outros. Nesse contexto, consideramos que a prerrogativa fundamental é a análise não das evidências científicas em si, mas de evidências e critérios relacionados à confiança epistêmica sobre quem consideramos ser um especialista para ser porta-voz da ciência (Hardwig, 1985; Hardwig, 1991; Norris, 1995; Pereira; Dos Santos, 2022; Allchin, 2022; Osborne et al, 2022). A capacidade de avaliar a confiabilidade da ciência que circula nas e pelas mídias, por meio da abordagem da prática social da ciência, é o que consideramos como objetivo central da alfabetização científica midiática.

De acordo com o postulado de Hardwig (1985) e o estudo de suas implicações para a Educação em Ciências realizado por Norris (1995), a avaliação e o julgamento de afirmações supostamente cientificas disseminadas pelas mídias devem ser realizados por meio da análise das qualificações, da honestidade e dos possíveis conflitos de interesse do porta-voz da ciência. Para a construção de uma estrutura teórico-conceitual com o objetivo de analisar quem fala pela Ciência nas mídias, utilizamos os trabalhos de Goldman (2001), Anderson (2011), Allchin (2022) e Osborne et al. (2022).

No trabalho de Anderson (2011), intitulado Democracy, Public Policy, and Lay Assessments of Scientific Testimony, a autora defende, assim como Hardwig (1985), Norris (1995) e Allchin (2022), que os cidadãos não são capazes de julgar o mérito de muitas das afirmações científicas provenientes das mídias, não porque sejam “ignorantes” (como um certo modelo de ‘déficit’, que embasa um tipo de divulgação científica considera), mas porque o conhecimento científico é altamente especializado, como referimos anteriormente. Nossa proposta, baseados nos trabalhos citados acima, é trabalhar com um conjunto de critérios em sala de aula para analisarmos a confiabilidade e credibilidade de quem fala pela Ciência nas mídias (Allchin, 2022). Anderson (2011)denomina esse tipo de análise de julgamento de segunda ordem (Anderson, 2011, p.145). Como julgamento de primeira ordem, ela define aquele baseado em critérios epistêmicos, por exemplo, o julgamento das evidências científicas que suportam determinada afirmação. De acordo com os seus estudos, assim como para Hardwig (1985)e Norris (1995), os não especialistas não são capazes de realizar este tipo de julgamento, sendo os não especialistas os indivíduos que possuem escolaridade no mínimo Ensino Médio, e que apresentam conhecimentos básicos de como navegar pela Internet.

Anderson (2011) propõe três conceitos de natureza social para avaliarmos a confiabilidade de um testemunho científico (porta-voz da Ciência): Expertise, Honestidade e Responsabilidade Epistêmica. Propõe ainda um conjunto de critérios para avaliarmos se há um consenso científico de experts confiáveis sobre a afirmação científica a ser analisada. De acordo com a autora, é necessário julgarmos se o porta-voz de uma alegação científica possui expertise, ou seja, se tem acesso às evidências que suportam a alegação e tem habilidade para avaliá-las como tal. Além disso, segundo ela, nós devemos ser capazes de julgar se o porta-voz da Ciência está disposto a comunicar honestamente o que ele acredita. Este julgamento não se restringe apenas a avaliar se ele diz o que acredita, mas, principalmente, se “o que diz dá margem a possíveis enganos, por exemplo, ao selecionar informações passíveis de serem mal interpretadas” (Anderson, 2011, p. 145). Por último, é necessário avaliar a responsabilidade epistêmica do porta-voz, ou seja, se ele está disposto a dialogar quando outros com expertise relevante apresentam evidências e argumentos que vão de encontro às afirmações realizadas pelo porta-voz. Este critério é importante para assegurar que as afirmações feitas pelo porta-voz são produto de suas habilidades epistêmicas. Segundo Anderson (2011):

Como estamos assumindo que os cidadãos não podem avaliar se, por exemplo, um cientista conduziu um experimento adequadamente, ou se tirou conclusões apropriadas dele, buscamos critérios de segunda ordem para isso. A marca da responsabilidade epistêmica é a responsabilidade de dar respostas à comunidade de pesquisadores quando assim solicitado. As afirmações de um porta-voz são suspeitas se ele não se responsabiliza pelas exigências de justificação propostas pela comunidade de pesquisadores. Persistir em fazer certas afirmações, ignorando contra evidências e contra-argumentos levantados por outros com expertise relevante, é ser dogmático (Anderson, 2011, p. 145, tradução nossa).

Os critérios para analisarmos cada conceito proposto pela autora foram adaptados para o contexto nacional e estão descritos abaixo.

EXPERTISE

Os critérios para analisarmos a expertise científica são postos em um grau hierárquico, começando por um porta-voz sem expertise (a) até um com expertise relevante (h):

  1. ) Não especialistas.

  2. ) Pessoas com um grau de bacharelado ou licenciatura em Ciências.

  3. ) Pesquisadores com título de doutor fora do campo de investigação.

  4. ) Pesquisadores com título de doutor fora do campo de investigação, mas com expertise correlacionada.

  5. ) Cientistas com título de doutor no campo em questão.

  6. ) Pesquisadores ativos no campo em questão (publicam regularmente em revistas científicas revisadas por pares no campo).

  7. ) Pesquisadores cuja pesquisa atual é amplamente reconhecida por outros especialistas na área e cujas descobertas são usadas por eles como base para suas próprias pesquisas.

  8. ) Pesquisadores líderes no campo - que assumiram papéis de liderança no avanço de teorias que ganharam consenso científico ou abriram novas linhas importantes de pesquisa, ou no desenvolvimento de instrumentos e métodos que se tornaram prática padrão. Além dos fatores citados em (g), a liderança é indicada pela eleição para cargos de liderança nas sociedades profissionais da área, eleição para sociedades científicas honorárias, como as Academias Nacionais de Ciências, e recebimento de prêmios importantes na área (Anderson, 2011, p. 146, tradução nossa).

De acordo com Goldman (2001) e Anderson (2011), ao investigarmos a expertise de indivíduos que são porta-vozes de informações científicas que circulam nas mídias, devemos conferir um peso à confiabilidade deste testemunho baseado em sua expertise. Para afirmações de natureza complexa, por exemplo aquelas relacionadas as mudanças climáticas, indivíduos que estão no nível (b) ou (c) são considerados de baixa expertise. Outro ponto importante a ser destacado é que os níveis de expertise não seguem um aumento linear, mas aumentam significativamente nos níveis (f), (g) e (h). A figura abaixo representa o aumento descontínuo dos níveis de expertise.

Figura 1
Representação do aumento dos níveis de expertise de um porta-voz da Ciência nas mídias

Nos casos quando o porta-voz é um jornalista, deve ser investigado se este possui uma formação coerente com a sua função, por exemplo, se apresenta graduação em jornalismo ou uma especialização em jornalismo científico. Para tal, é necessário que as notícias tragam claramente a autoria de quem produziu aquela matéria jornalística. Nossa abordagem enfatiza quem fala pela ou sobre a Ciência, e não o que é falado sobre Ciência. Se afirmações supostamente científicas veiculadas pelas mídias não possuem autoria, nosso ceticismo deve aumentar significativamente, pois nestes casos há claramente uma intencionalidade de não responsabilizar o autor por aquilo que é dito, ou seja, se trata de uma evasão de responsabilidade epistêmica. Todas as informações relacionadas à expertise podem ser encontradas em enciclopédias virtuais como a Wikipedia ou em plataformas como a Plataforma Lattes e LinkedIn. Trabalhos sobre Epistemologia Social (ES) que analisam epistemologias de colaboração em massa atestam a confiabilidade de enciclopédias virtuais como a Wikipedia (Fallis, 2009).

É importante destacarmos que historicamente, principalmente no que diz respeito à gênese dos estudos sociológicos da ciência, a noção de expertise em ciência esteve inicialmente associada ao seu caráter autoritário e a uma compreensão individualista de produção científica. Neste momento histórico, intitulado de primeira onda dos estudos sociológicos da ciência por Collins e Evans (2002), a autoridade da ciência, dos cientistas individuais e dos ‘benefícios’ da empreitada científica não eram questionados pela sociedade. No entanto, como discutido acima, os estudos subsequentes de como a ciência funciona (o que denominamos de epistemologia tradicional neste trabalho) dissolveram noções fundamentais da primeira onda, entre elas a de expertise em seu sentido individualista. O conceito de expertise discutido neste trabalho guarda associações ao movimento, denominado por Collins e Evans (2002)de terceira onda dos estudos sociológicos da ciência, na qual há uma tentativa de separar os estudos sociológicos da ciência do pós-modernismo, voltando a atenção para a expertise como a principal característica das Ciências. Em detrimento da visão da primeira onda, na visão da terceira onda o conceito de expertise incorpora as ideias de especialização, coletividade e experiência. Na ideia de especialização está imbuída a ideia de limitação da expertise, pois ela nos remete à importância de os cientistas individuais terem moderação ao opinar sobre assuntos nos quais não possuem expertise relevante. Primordialmente nos casos em que as suas opiniões não estão alinhadas aos consensos científicos (Oreskes, 2019). Podemos citar um exemplo que mostra o quão perigoso pode ser o uso do conceito de expertise em sua dimensão individual, como é o caso do cientista ganhador do Prêmio Nobel James Watson. Em declarações recentes, o cientista expressou sua opinião sobre raça e inteligência, afirmando que a genética tem um papel nas notas que brancos e negros têm em testes de inteligência e de coeficiente intelectual (BBC, 2019). Contudo, a opinião do cientista não se alinha ao consenso da comunidade científica sobre a temática. Por isso, destacamos aqui a relevância de utilizarmos os critérios discutidos a seguir em sua totalidade, isto é, não utilizar um critério isoladamente e a partir dele inferir conclusões que podem não refletir a ideia de produção científica de modo coletivo.

A noção de experiência e coletividade se encontram imbricadas, uma vez que a expertise científica é legitimada nas comunidades científicas, sendo que quanto mais diversas as comunidades científicas, não defensivas e abertas às críticas das ideias propostas por seus membros, mais robusta será a objetividade que emergirá das práticas sociais destas comunidades (Oreskes, 2019; Longino, 1990). Desse modo, um critério importante para avaliarmos a credibilidade das afirmações científicas é investigarmos quão diversas e abertas às críticas são as comunidades que as produzem. Como nos aponta Oreskes (2019, p. 59), “Se tivermos evidências de que algumas vozes estão sendo suprimidas, este é um forte motivo para aumentarmos o nosso ceticismo”. Por fim, é necessário destacar o papel desempenhado pela expertise e experiência de comunidades locais. Por exemplo, já existe literatura considerável sobre a expertise indígena em relação ao seu conhecimento sobre a vegetação, os animais, a geografia, o clima e outros aspectos envolvendo o seu ambiente natural e suas próprias comunidades (Allchin, 2012; Oreskes, 2019).

HONESTIDADE

Os critérios ou fatores para julgar a honestidade de um porta-voz da ciência são elencados abaixo. Caso o porta-voz se enquadre em alguma das situações explicitadas abaixo, teremos boas razões para duvidar de sua honestidade e, consequentemente, da credibilidade das afirmações científicas por ele veiculadas:

  1. ) Conflitos de interesse, como receber financiamento de agências que têm interesse em fazer as pessoas acreditarem em uma afirmação específica.

  2. ) Evidência de desonestidade científica anterior, como plágio, falsificação de experimentos ou dados e citação repetida de pesquisas que já foram retratadas ou refutadas em pesquisas posteriores.

  3. ) Evidência de declarações enganosas, como seleção de dados e resultados ou outro uso enganoso de estatísticas, ou citações fora de contexto.

  4. ) Deturpar persistentemente os argumentos e afirmações de oponentes científicos, ou fazer falsas acusações de desonestidade contra eles (Anderson, 2011, p.147, tradução nossa).

De acordo com Oreskes (2019), o conflito de interesse ameaça a confiabilidade da ciência e de sua divulgação. Motivados por ideologia, poder ou lucro, pesquisadores com conflito de interesses podem enganar deliberadamente, ao selecionarem evidências e esconderem informações relevantes que não apoiem seus objetivos. Trabalhos como os de Oreskes e Conway (2010), Nestle (2018) e Oreskes (2019) mostraram detalhadamente que muitos estudos que foram financiados por corporações sobre temáticas como mudanças climáticas, alimentação e saúde e tabaco, apresentaram diversas lacunas metodológicas (Pereira; Dos Santos, 2022). O fato de descobrirmos que determinada alegação científica é proveniente de um estudo cujo autor ou autores apresentam conflito de interesses e que, portanto, pode beneficiar a instituição que financiou tal estudo, faz aumentar substancialmente nosso ceticismo em relação à alegação científica e ao próprio estudo. Todavia, a identificação de possível conflito de interesses não descredibiliza necessariamente a afirmação científica, desde que ela tenha passado pelo devido escrutínio da comunidade científica. Quando os cientistas que são financiados por indústrias divulgam a fonte de seu financiamento e submetem sua pesquisa ao crivo da comunidade científica, seja por meio conferências ou seja por meio de publicações em revistas conceituadas e revisadas por pares, eles estarão, de certo modo, submetidos as normas destas comunidades e, desse modo, suas pesquisas serão factíveis de trazerem grandes contribuições (Oreskes, 2019).

Assim como a expertise, a honestidade e o possível conflito de interesses de um porta-voz da Ciência podem ser pesquisados amplamente em diversos canais da Internet. Todos os critérios da dimensão social de produção e circulação de afirmações científicas na Internet e mídias sociais apresentados neste trabalho podem ser utilizados por meio de estratégias de raciocínio online para pesquisa, por exemplo, a leitura lateral, a restrição de cliques e o bom uso do Wikipedia (Osborne et al, 2022; Pimentel, 2024).

RESPONSABILIDADE EPISTÊMICA

Para investigarmos a responsabilidade epistêmica do pesquisador, ou porta-voz da ciência, nos baseamos nos seguintes critérios:

  1. ) Negar a submeter suas ideias a revisão por pares: recusar-se a compartilhar dados sem um bom motivo; recusar-se a revelar os próprios métodos e procedimentos com detalhes suficientes para permitir a replicação por outros pesquisadores; não possuir publicações em periódicos revisados por pares; divulgar suas ideias na mídia ou em círculos políticos antes de apresentá-las a especialistas.

  2. ) Irracionalidade dialógica: continuar a repetir afirmações depois de terem sido refutadas publicamente por outros, sem responder às refutações.

  3. ) Defender teorias alternativas em domínios diferentes daquele sob investigação - por exemplo, que o HIV não causa a AIDS, ou que vacinas contra a Covid-19 provocam alteração do DNA.

  4. ) Associar-se voluntariamente com ‘malucos’ - por exemplo, publicando seus trabalhos em editoras ou revistas que não possuem o processo de revisão por pares (Anderson, 2011, p. 148-149, tradução nossa).

O principal critério que caracteriza uma irresponsabilidade epistêmica por parte de um porta-voz da Ciência é a veiculação de afirmações supostamente científicas diretamente nos canais midiáticos, sem que elas tenham sido legitimadas pela comunidade científica. Para a produção de conhecimento científico confiável, esta legitimação se dá, por exemplo, mas não unicamente, por meio de publicações em artigos revisados por pares. Com a ascensão das mídias sociais, em que qualquer indivíduo pode produzir conteúdo, sem passar pelo crivo de comissões editoriais ou jornalistas científicos, é crescente a estratégia de veiculação de informações sobre Ciências que não possuem nenhum respaldo científico, principalmente sobre temáticas envolvendo alimentação e saúde. A figura abaixo representa o que consideramos ser um porta-voz ideal da Ciência, isto é, aquele que responde simultaneamente a todos os critérios propostos por Anderson (2011).

Figura 2
Diagrama representando o porta-voz ideal da Ciência como a intersecção dos três critérios propostos por Anderson (2011)

A intersecção dos critérios representados na figura 2, Expertise, Responsabilidade Epistêmica e Honestidade configura o que denominamos de porta-voz ideal da ciência nas mídias, que pode se referir ao cientista, ao jornalista ou ao portal no qual a afirmação científica é veiculada. A figura é apenas uma ilustração de que para realizarmos avaliações de segunda ordem sobre a credibilidade da ciência disseminada nas mídias, é essencial utilizarmos os critérios simultaneamente. É importante destacar que avaliar a credibilidade da ciência veiculada é o mesmo que avaliar a credibilidade do indivíduo ou grupo de indivíduos ou do portal que dissemina a notícia. Caso, após a análise dos critérios, houver indicação de que este indivíduo não possui credibilidade, a afirmação científica em si também não apresentará credibilidade. E do mesmo modo, se for evidenciado que determinados sites apresentam conflito de interesses ou possíveis vieses em relação às afirmações científicas que veiculam, podemos concluir que eles possuem baixa credibilidade.

A figura 2ilustra ainda que cientistas com expertise em determinado assunto, mas que possuem conflito de interesses e irresponsabilidade epistêmica, podem não ser confiáveis para veicular determinados assuntos sobre ciência. Cientistas que apesar de não possuírem expertise, mas se apresentam isentos de conflito de interesses e com responsabilidade epistêmica, transmitindo uma informação que se alinha a um consenso científico, podem ser considerados confiáveis. Cada caso deve ser analisado em sua especificidade, considerando as limitações ao utilizarmos os critérios isoladamente.

CONSENSO CIENTÍFICO

Além dos critérios citados acima, é fundamental investigarmos se o porta-voz da Ciência está transmitindo um consenso científico. Anderson (2011) e Allchin (2022) nos mostram os seguintes critérios para analisarmos se há um consenso científico sobre uma determinada alegação científica:

  1. ) Pesquisas, revisões e meta-análises da literatura revisada por pares. Existe uma opinião comum expressa ou pressuposta pela maior parte do trabalho no campo?

  2. ) Pesquisas com especialistas confiáveis na área. Princípios padrão para avaliar o valor das pesquisas se aplicam aqui, como: As perguntas foram tendenciosas em favor de uma resposta específica? Foram tomadas precauções para garantir que apenas especialistas confiáveis fossem incluídos na pesquisa? A pesquisa teve uma amostra representativa?

  3. ) Declarações de consenso e relatórios de líderes na área, por exemplo, relatórios sobre o assunto em Academias Nacionais de Ciências.

  4. ) O consenso que importa é entre experts. Aqueles com expertise relevante.

  5. ) A comunidade é apropriadamente diversa e permite uma interação crítica entre os pares com o propósito de descobrir possíveis vieses?

Os três critérios propostos por Anderson (2011), expertise, honestidade e responsabilidade epistêmica e a análise sobre o consenso científico (Oreskes, 2019) constituem-se critérios de natureza social para julgarmos se a dinâmica de produção de uma alegação, supostamente científica, expressa o bom funcionamento da Ciência. Em outras palavras, se aquela alegação é produto de práticas sociais realizadas por uma comunidade de especialistas com expertise relevante com o objetivo de produzir conhecimento científico confiável. Desse modo, ao utilizarmos os critérios citados acima para analisarmos a credibilidade de afirmações científicas circuladas pelas mídias, estamos empregando uma abordagem que investiga se a Prática Social da Ciência (PSC) foi realizada tendo em vista parâmetros de dependência e confiabilidade epistêmica entre os cientistas e porta-vozes para produzir e transmitir uma Ciência confiável. Cabe destacar que a análise dos conceitos acima não deve ser realizada de modo isolado. A robustez da abordagem está no fato de investigarmos os conceitos simultaneamente. Cientistas com forte expertise em determinado campo, por exemplo serem classificados nos níveis (g) ou (h) de acordo com Anderson (2011), mas que apresentam conflito de interesses explícito, podem não representar porta-vozes confiáveis da Ciência. Por outro lado, cientistas ou porta-vozes, com baixa expertise, que, no entanto, são porta-vozes de um consenso científico ou que dispõem de declarada experiência na temática em questão, podem ser considerados confiáveis. Cada caso deve ser analisado em sua particularidade.

Pode acontecer que determinadas afirmações científicas veiculadas nas mídias ainda sejam contestadas por membros da comunidade científica que possuem expertise e/ou experiência relevante naquele assunto. Entretanto, é preciso compreendermos que determinadas controvérsias sociocientíficas não são mais consideradas controvérsias científicas. Por exemplo, não há um debate na comunidade científica sobre as causas antropogênicas das mudanças climáticas. O debate público não deveria ser se o aquecimento global está ocorrendo ou não, mas sim o que podemos fazer enquanto cidadãos a partir do momento em que sabemos que ele está ocorrendo, o que caracteriza neste caso uma controvérsia sociocientífica. Portanto, quando nos deparamos com supostas controvérsias científicas, devemos inicialmente investigar se o debate está ocorrendo entre instituições e cientistas que possuem expertise relevante sobre o assunto. Caso contrário, como nos lembra Oreskes (2019), temos evidências históricas para afirmar que muito provavelmente:

... nós temos um problema diferente em jogo. Neste caso, é improvável que mais pesquisa científica possa resolver o problema, porque aqui as objeções não são movidas por considerações científicas e, portanto, não serão solucionadas por mais pesquisa ou pela busca de mais informações científicas. Isto não quer dizer que objeções não científicas sejam inválidas, mas somente que elas não deveriam ser confundidas com pronunciamentos científicos (Oreskes, 2019, p. 130, tradução nossa).

A utilização de aspectos da prática social da ciência (avaliações de segunda ordem) em vez das práticas científicas (avaliações de primeira ordem) para julgarmos a confiabilidade de afirmações científicas, produz um deslocamento no modo como os estudantes exercem seu ceticismo e independência intelectual. Como bem pontuado por Norris (1995), não há dúvidas de que o Ensino de Ciências precisa trabalhar com o desenvolvimento do ceticismo em sala de aula. Entretanto, o ceticismo defendido pelo pesquisador é aquele cujo exercício se dá no questionamento sobre a credibilidade dos especialistas, e não nas evidências que suportam as afirmações científicas. Como bem nos lembra Hardwig (1985, 1991), sendo não-especialistas não somos capazes de avaliar a confiabilidade da Ciência que nos interpela valendo-nos de critérios puramente epistêmicos. Esta perspectiva desloca também a forma como exercemos a nossa racionalidade, pois diante de uma Ciência que não sabemos identificar se é genuína ou uma imitação tentando se passar por Ciência autêntica, exercer a nossa racionalidade é colocarmos em ação nossa humildade epistêmica ao compreendermos nossa dependência epistêmica em relação àqueles que possuem expertise relevante para julgarmos aquilo que não somos capazes de fazê-lo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho apresentamos um conjunto de conceitos e critérios de natureza social para julgarmos a confiabilidade e credibilidade de afirmações supostamente científicas veiculadas pelas mídias. A base epistemológica da proposta toma como referência autores representantes da Epistemologia Social (ES) e os conceitos centrais nos quais nos sustentamos é o de dependência e confiança epistêmica. Partindo destes conceitos, admitimos que em se tratando de conhecimentos científicos veiculados pelas mídias, somos todos dependentes epistemologicamente de quem possui expertise, honestidade e responsabilidade epistêmica para nos informar sobre Ciência. Aceitar esta constatação nos força a deslocar nossa independência intelectual da análise de critérios puramente epistêmicos para a análise de critérios sociais, uma vez que não possuímos expertise para julgar epistemicamente grande parte da Ciência que nos atravessa pelas mídias. Diante de um conjunto praticamente infinito de disseminadores de notícias falsas, é utópico esperarmos que nossos estudantes exerçam uma suposta independência intelectual ou pensamento crítico para analisar um argumento, uma evidência, materializada por meio de um gráfico, resultado estatístico, modelagem matemática etc.

Além disso, o uso dos critérios supracitados deve ser realizado simultaneamente e conjuntamente com o conceito de consenso científico. A investigação sobre a existência ou não de um consenso científico, é uma atividade que pode ser desenvolvida em sala de aula pelo professor de ciências juntamente com seus estudantes, por meio de uma pesquisa nas mídias. Os critérios a serem utilizados foram amplamente discutidos neste artigo. Caso não exista um consenso, devemos investigar quais são os representantes do debate, eles possuem expertise relevante? Qual é a credibilidade dos debatedores perante a comunidade científica? Qual a natureza do desacordo? Que achados são considerados plausíveis? Quais os riscos de estarem errados? Estas e outras questões da mesma natureza podem contribuir para que os estudantes tenham um julgamento mais fundamentado de afirmações científicas veiculadas pelas mídias que ainda não possuem um consenso científico dentro da comunidade científica.

Não há mais dúvidas sobre a importância de levarmos para a sala de aula uma fundamentação sólida de como avaliarmos a credibilidade das informações que chegam até nós pela Internet e mídias sociais, em outras palavras, uma proposta sistemática de Educação Científica Midiática. Mais de 90% dos jovens se informam sobre Ciências pela Internet e mídias sociais, utilizando critérios como o número de likes, seguidores e a aparência dos sites para decidirem depositar confiança ou não nas informações e nas pessoas que as disseminam (Pimentel, 2024). Desse modo, é necessário um trabalho coletivo envolvendo todas as dimensões da instituição escolar e fora dela, para que possamos construir iniciativas de enfrentamento ao problema da disseminação de desinformação. Consideramos fundamental o financiamento de projetos cujo foco seja a promoção da ECM nas escolas, a oferta de cursos voltados à formação inicial e continuada de professores e a inserção de disciplinas sobre ECM nos currículos das licenciaturas. Vale ressaltar que estas iniciativas devem levar em conta a autonomia e o protagonismo do professor para criar condições e situações de ensino em prol da promoção da aprendizagem de seus estudantes para a leitura crítica das mídias. Além disso, é necessário o retorno da confiança e da valorização do trabalho realizado pelo professor em sua tarefa de ensinar, por exemplo, por meio da diminuição da aplicação de testes estaduais e nacionais padronizados cujo único objetivo é mensurar o conhecimento dos estudantes sobre conteúdos científicos, muitas vezes ultrapassados e desconectados de sua realidade. Neste sentido, acreditamos que o professor é o principal ator responsável pela mudança ao proporcionar situações de ensino e atividades nas quais seus estudantes utilizem os critérios apresentados neste trabalho para avaliarem a credibilidade de informações online.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi realizado mediante a concessão de afastamento para qualificação profissional pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). Os autores gostariam de agradecer a Profa. Dra. Camilia Aoyagui dos Santos pelos momentos de discussão e leitura cuidadosa do trabalho que contribuíram para a redação do texto final. Gostaríamos de agradecer ainda as sugestões e recomendações dos pareceristas anônimos

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Allchin, D. (2012). Skepticism and the architecture of trust. American Biology Teacher, 74, 358-362.
  • Allchin, D. (2020). From Nature of Science to Social Justice: The political power of epistemic lessons. In: Yacoubian, H. A.; Hansson, L. (Org.). Nature of Science for Social Justice Springer.
  • Allchin, D. (2022). Who Speaks for Science? Science & Education, 31, 1475-1492. https://doi.org/10.1007/s11191-021-00257-4
    » https://doi.org/10.1007/s11191-021-00257-4
  • Allchin, D., Zemplén, G. A. (2020). Finding the place of argumentation in science education: epistemics and whole science. Science Education, 104, 907-933.
  • Anderson, E. (2011). Democracy, Public Policy, and Lay Assessments of Scientific Testimony. Episteme, 8 (2), 144-164.
  • BBC(2019). O cientista ganhador do Nobel que perdeu seus títulos por causa de ideias racistas. BBC News. https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2019/01/15/o-cientista-ganhador-do-nobel-que-perdeu-seus-titulos-por-causa-de-ideias-racistas.ghtml
    » https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2019/01/15/o-cientista-ganhador-do-nobel-que-perdeu-seus-titulos-por-causa-de-ideias-racistas.ghtml
  • Bejarano, N. R. R., Aduriz-Bravo, A., Bonfim, C. S. (2019). Natureza da Ciência (NOS): para além do consenso. Ciência & Educação, 25 (4), 967-982. https://doi.org/10.1590/1516-731320190040008
    » https://doi.org/10.1590/1516-731320190040008
  • Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. (2018). Base Nacional Comum Curricular, Brasília.
  • Cailin, O., Goldberg, S., Goldman, A. (2023). Social Epistemology The Stanford Encyclopedia of Philosophy.
  • Collins, H. M., Evans, R. (2022). The third wave of science studies: studies of expertise and experience. Social Studies of Science, 32 (2), 235 - 296.
  • Costa, S. L. R., Broietti, F. C. D. (2023). O que são práticas científicas e por que são relevantes para o ensino de ciências? Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, 16, 1 - 22.
  • Ecker, U.K.H., Lewandowsky, S., Cook, J. et al. (2022). The psychological drivers of misinformation belief and its resistance to correction. Nature Reviews Psychology, 1, p. 13-29. https://doi.org/10.1038/s44159-021-00006-y
    » https://doi.org/10.1038/s44159-021-00006-y
  • De Cock Buning, Madeleine. (2018). A multi-dimensional approach to disinformation: Report of the independent High level Group on fake news and online disinformation. European Comission.
  • Fallis, D. (2009). Toward an epistemology of Wikipedia. Journal of the American Society for Information Science and Technology, 59 (10), 1662 - 1674. https://doi.org/10.1002/asi.20870
    » https://doi.org/10.1002/asi.20870
  • Goldman, A. I. (2001). Experts: which ones should you trust? Philosophy and Phenomenological Research, 63 (1), 85-110. https://doi.org/10.2307/3071090
    » https://doi.org/10.2307/3071090
  • Goldman, A. I. Social Epistemology. (1987). Synthese, 73 (1), 109 - 144.
  • Hardwig, J. (1985). Epistemic Dependence. The Journal of Philosophy, 82 (7), 335-349. https://doi.org/10.2307/2026523
    » https://doi.org/10.2307/2026523
  • Hardwig, J. (1991). The Role of Trust in Knowledge. The Journal of Philosophy, 88 (12), 693 - 708. https://doi.org/10.2307/2027007
    » https://doi.org/10.2307/2027007
  • Höttecke, D., Allchin, D. (2020). Reconceptualizing nature‐of‐science education in the age of social media. Science Education, 104, 641-666. https://doi.org/10.1002/sce.21575
    » https://doi.org/10.1002/sce.21575
  • Irzik, G., Kurtulmus, F. (2019). What Is Epistemic Public Trust in Science? The British Journal for the Philosophy of Science, 70, 1145 - 1166.
  • Iyengar, S., Massey, D. S. (2019). Science communication in a post‐truth society. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 116 (16), 7656-7661. https://doi.org/10.1073/pnas.1805868115
    » https://doi.org/10.1073/pnas.1805868115
  • Kahan, D. M. (2013). Ideology, motivated reasoning, and cognitive reflection. Judgment and Decision Making, 8 (4), 407-424. https://doi.org/10.1017/S1930297500005271
    » https://doi.org/10.1017/S1930297500005271
  • Lederman, N. G. (2007). Nature of science: Past, present, and future. In: Abell, S. K., & Lederman, N. G. (Eds.). Handbook of Research on Science Education New York: Taylor & Francis Group, p. 831 - 879.
  • Lewandowsky, S., Ecker, U. K. H., Cook, J. (2017). Beyond Misinformation: understanding and coping with the “Post-Truth” era. Journal of Applied Research in Memory and Cognition, 6, 353 - 369.
  • Longino, H. E. (1990). Science as Social Knowledge: Values and Objectivity in Scientific Inquiry. Princeton University Press. https://doi.org/10.2307/j.ctvx5wbfz
    » https://doi.org/10.2307/j.ctvx5wbfz
  • Mcintyre, L. (2019). The Scientific Attitude Defending Science from Denial, Fraud, and Pseudoscience. The MIT Press.
  • National Research Council [NRC]. (2012). A framework for K-12 science education: Practices, crosscutting concepts, and core idea. National Academies Press. https://nap.nationalacademies.org/catalog/13165/a-framework-for-k-12-science-education-practices-crosscutting-concepts
    » https://nap.nationalacademies.org/catalog/13165/a-framework-for-k-12-science-education-practices-crosscutting-concepts
  • National Research Council [NRC]. (2013). Next Generation Science Standards: For States, By States. The National Academies Press. https://nap.nationalacademies.org/catalog/18290/next-generation-science-standards-for-states-by-states
    » https://nap.nationalacademies.org/catalog/18290/next-generation-science-standards-for-states-by-states
  • Nichols, T. (2017). The death of expertise: The campaign against established knowledge and why it matters. Oxford University Press.
  • Norris, S. P. (1997). Intellectual independence for nonscientists and other content‐transcendent goals of science education. Science Education, 81(2), 239-258. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199704)81:2<239::AID-SCE7>3.0.CO;2-G
    » https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199704)81:2<239::AID-SCE7>3.0.CO;2-G
  • Norris, S. P. (1995). Learning to live with scientific expertise: toward a theory of intellectual communalism for guiding science teaching. Science Education, 79(2), 201-217. https://doi.org/10.1002/sce.3730790206
    » https://doi.org/10.1002/sce.3730790206
  • OECD. (2017). PISA 2015 Assessment and Analytical Framework: Science, Reading, Mathematic, Financial Literacy and Collaborative Problem Solving, revised edition. PISA, Paris: OECD Publishing.
  • Oreskes, N. (2019). Why trust science? Princeton University Press. https://www.jstor.org/stable/j.ctvfjczxx
    » https://www.jstor.org/stable/j.ctvfjczxx
  • Oreskes, N., Conway, E. M. (2010). Merchants of doubt: How a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming. Bloomsbury.
  • Osborne, J., Pimentel, D., Alberts, B., Allchin, D., Barzilai, S., Bergstrom, C., Coffey, J., Donovan, B., Kivinen, K., Kozyreva, A., & Wineburg, S. (2022). Science education in an age of misinformation Stanford University.
  • Osborne, J, &Allchin, D . (2024). Science literacy in the twenty-first century: informed trust and the competent outsider. International Journal of Science Education, 1-22. https://doi.org/10.1080/09500693.2024.2331980
    » https://doi.org/10.1080/09500693.2024.2331980
  • Pereira, A. A. G., Dos Santos, C. A. (2022). Proposta teórico-conceitual para a análise da confiabilidade e credibilidade de (des)informações científicas nas mídias: implicações para o Ensino de Ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 39(3), 688-711. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2022.e83882
    » https://doi.org/10.5007/2175-7941.2022.e83882
  • Pimentel, D. R. (2024). Learning to evaluate sources of science (mis) information on the internet: Assessing students' scientific online reasoning. Journal of Research in Science Teaching, 1-37. https://doi.org/10.1002/tea.21974
    » https://doi.org/10.1002/tea.21974
  • Reid, G.; Norris, S. P. (2016). Scientific media education in the classroom and beyond: a research agenda for the next decade. Cultural Studies of Science Education, 11, 147-166.
  • Sasseron, L. H., Carvalho, A. M. P. (2011). Alfabetização científica: uma revisão bibliográfica. Investigações em Ensino de Ciências, 16 (1), 59-77.
  • Sasseron, L. H., Machado, V. F. (2017). Alfabetização científica na prática Editora Livraria da Física.
  • Siarova, H., Sternadel, D., Szőnyi, E. (2019). Research for CULT Committee - science and scientific literacy as an educational challenge. European Parliament, Policy Department for Structural and Cohesion Policies, Brussels.
  • Zemplén, G. A. (2009). Putting sociology first - Reconsidering the role of the social in ‘nature of science’ education. Science & Education, 18(5), 525-559.
  • O CECIMIG agradece ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico) pela verba para editoração do artigo.

Editado por

  • Editora Responsável:
    Ana Maria Navas Iannini

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2024
  • Aceito
    28 Out 2024
location_on
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antonio Carlos, 6627, CEP 31270-901 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, Tel.: (55 31) 3409-5338, Fax: (55 31) 3409-5337 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: ensaio@fae.ufmg.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro