Resumo
O objetivo deste artigo é pensar no projeto de uma crítica literária católica em dois autores fundamentais para o cânone crítico brasileiro do século XX, Alceu Amoroso Lima e Álvaro Lins, a partir da leitura que ambos realizaram da obra de Machado de Assis.
Álvaro Lins; Alceu Amoroso Lima; Machado de Assis; crítica brasileira do século XX; catolicismo
Abstract
The aim of this article is to think about the plan for a Catholic literary criticism devised by two fundamental authors for the Brazilian critical canon of the twentieth century, Alceu Amoroso Lima and Álvaro Lins, based on both of their readings on Machado de Assis's works.
Álvaro Lins; Alceu Amoroso Lima; Machado de Assis; Brazilian literary criticism in the twentieth century; Catholicism
"O católico integral e o cético absoluto são os dois seres que dispõem das melhores perspectivas e das melhores colocações para a compreensão da beleza da arte."1 A frase, do crítico Álvaro Lins, provém de um rodapé reproduzido na primeira série do Jornal de Crítica, publicado nos anos 1940. Gostaria de deslocar-lhe o sentido, não sutilmente: não se trata de Machado de Assis.2 Não é ele o "cético absoluto" mencionado por Lins, que vinha até então falando, no parágrafo anterior de seu artigo, de André Gide. De um lema de Gide: não ter parti pris. Lema que deveria ser também o da crítica literária, dos críticos literários católicos, afirma, capazes de "visões globais" porque, afinal, "toda a verdade da ciência como toda a beleza da arte representam faces da Divindade".3
A operação aproximativa é complexa: catolicismo e ceticismo, crença e descrença, "a verdade do Todo […] a dúvida do Nada". No caso de Álvaro Lins, nesse texto de 1940, é o que permite a convocação de autores de notável interesse religioso, quase todos franceses: François Mauriac, Julien Green, Jacques Maritain, André Gide ou Anatole France. Para dizer que católicos e céticos estão a serviço menos de paixões e partidos do que de um ideal "de beleza e de verdade […] da ciência mais positiva e da arte mais pura".4 Por um lado, Lins faz do catolicismo uma "concepção total do universo", uma procura insatisfeita de verdade, aberta mesmo à criação diabólica, conforme observaria em Gide: "il n'y a pas d'œuvre d'art sans collaboration du démon".5 Por outro, aproxima o ceticismo de uma certa fé em si mesmo.
Não avanço, por ora, na direção desse lugar que constituiria um dos centros da reflexão de Lins, a ponto de Gilberto Freyre tê-lo chamado de "católico cético"6 e Antonio Candido de "católico inconformado", por mostrar-se atento a questões políticas e sociais.7 O próprio Álvaro Lins, em Literatura e vida literária, ofereceria a seguinte frase para a representação de si: "um católico com a nostalgia do ceticismo".8
Vou na direção dessa outra aproximação que diz respeito a Machado de Assis. Colocar Machado no lugar de Gide, sabendo, claro, que a substituição não é fortuita: Sérgio Milliet os comparou, ambos na "linhagem dos grandes clássicos".9 Alceu Amoroso Lima também o fez em seu Meio século de presença literária.10 Sabendo, igualmente, da importância de Machado para críticos católicos como Alceu Amoroso Lima, Sérgio Milliet, Afrânio Coutinho ou o próprio Álvaro Lins. Para este, Machado teria sido "o escritor que teve os dons para ser a figura maior da nossa crítica" e teria se constituído como ideal ao propor a necessidade de julgamento crítico: de uma crítica que julgasse.11
A ideia é pensar o ceticismo machadiano e a crítica católica, com toda a dificuldade que Machado representa: cético, mas para o qual o religioso é um núcleo de interesse recorrente. Está, como se sabe, em contos como "A Igreja do Diabo", no qual o Diabo teve a ideia de criar uma religião capaz de fazer os homens amarem as coisas "perversas e detestar as sãs", projeto que não dá certo: o Diabo é logo surpreendido ao encontrar um de seus devotos apóstolos indo confessar-se a um cônego.12 Está também em "Adão e Eva", cuja personagem principal, o sr. Veloso, propõe que o mundo seria criação diabólica. Surge, igualmente, no início de Memórias póstumas, em sua referência a Moisés como um outro defunto-autor. Neste livro, um admirável parágrafo do capítulo XI intitulado "O menino é o pai do homem" sugere, a partir da oposição entre religião cristã e moral, a impostura de suas personagens:
De manhã, antes do mingau, e de noite, antes da cama, pedia a Deus que me perdoasse, assim como eu perdoava aos meus devedores; mas entre a manhã e a noite fazia uma grande maldade, e meu pai, passado o alvoroço, dava-me pancadinhas na cara, e exclamava a rir: Ah! brejeiro! ah! brejeiro!13
No final de Quincas Borba, há também uma cena excelente de Rubião, que "subiu, acompanhado do cão, e foi parar defronte da igreja. Ninguém lhe abriu a porta; não viu sombra de sacristão".14O questionamento religioso está aí, dubiamente. Surge a igreja, embora vazia. E isso talvez não seja problema se pensarmos no tio cônego de Brás Cubas, "espírito medíocre", segundo o narrador, por uma razão que nos é rapidamente revelada, porque não era "homem que visse a parte substancial da igreja; via o lado externo, a hierarquia, as preeminências, as sobrepelizes, as circunflexões. Vinha antes da sacristia que do altar".15 Para dizer que a ausência do sacristão não significa que esse lugar da igreja está desprovido de sentido.16
De todo modo, lugar vazio ou deus absconditus, tem-se uma questão recorrente também no debate crítico sobre Machado. Para além da eventual traição de Capitu, compreender a passagem de sua primeira fase à segunda é um núcleo importante da crítica. É o que Léon Chestov, em seu estudo sobre os dois períodos das obras de Dostoiévski e Nietzsche, chamaria de "história da transformação das convicções".17 Quais são as suas causas? Augusto Meyer veria em Machado uma espécie de "conversão às avessas" e o compararia com Melville.18 Raymundo Faoro observaria, por sua vez, a perda das ilusões e a ausência de Deus: "no itinerário de Machado de Assis, concretamente depois da fogueira das ilusões de 1880, na crise dos quarenta anos, não há mais Deus".19
Essa ausência de Deus ou "perda da inocência", como para várias de suas personagens, torna-se uma chave interpretativa das mais valiosas, explorada por inúmeras leituras. São leituras inteligentíssimas, como a de Faoro, que não vê como consequência da desilusão nem o pessimismo schopenhaueriano, nem desespero, nem tragédia, mas uma fusão de angústia e riso.20 Conjuga-a com uma dimensão, ademais, de "dessacralização burguesa do mundo", associando leitura hermenêutica e sociológica, como bem observou Alfredo Bosi, que apontou, nos textos de Machado, para uma "historicidade mais larga, mais densa e mais profunda do que o tempo fixado no relógio e no calendário".21
Não cabe aqui desdobrá-las. Há, contudo, questões que dizem respeito a esse lugar do ceticismo machadiano que auxiliam a compreensão de dois projetos críticos católicos da primeira metade do século XX no Brasil: de Alceu Amoroso Lima e de Álvaro Lins. O interesse é percorrer menos a obra de Machado do que essa crítica, na esteira de uma sugestão feita pelo próprio Lins.22 Tem a ver com a ideia de Machado como um espelho, ou um enigma. Nele as "fisionomias mais diferentes e contraditórias podem se encontrar". Um certo plano de relatividade em sua obra, repleta de sugestões, evasivas, lacunas, favoreceria um debate crítico variado, divergente. A tentativa é vê-lo e, na medida do possível, contextualizá-lo a partir de dois de nossos críticos mais importantes e de um diálogo brevemente esboçado com Afrânio Coutinho. São dois ensaístas, Alceu e Lins, fundamentais para o modernismo brasileiro. Wilson Martins, que escreveu sobre céticos e dogmáticos a propósito de Milliet e Lins,23 fala do impacto da publicação da primeira série do Jornal de Crítica deste último, que teria vindo, segundo "consenso geral", substituir Alceu.24
Não temos condições aqui de lastrear todo o diálogo crítico, religioso e político entre Álvaro Lins e Alceu Amoroso Lima, diálogo que está em inúmeros lugares, como na quarta série do Jornal de Crítica. Nela há um debate que passa por Mário de Andrade, que teria criticado o catolicismo de Alceu.25 É quando Lins afirma: "não vejo também como a sua conversão ao catolicismo tenha aniquilado as faculdades de crítico".26 Noutro momento, num artigo intitulado "Cristianismo e política", Lins resenha o livro Mitos de nosso tempo, de Alceu, relançando uma discussão política sobre esquerda e direita no interior da Igreja e questionando certa desconfiança do crítico carioca quanto à democracia do "número".27 Mais à frente, em artigo sobre Jacques Maritain, serve-se de Alceu para defender o teólogo francês.28 Alceu Amoroso Lima, por sua vez, ocupa as páginas do prefácio da quarta série do Jornal de Crítica, louvando a "qualidade de ordem moral" de Lins, embora, a certa altura, opondo-se a ele por considerá-lo "impressionista".29
Não avanço também por essas questões. Retenho apenas uma que está aí, a despeito da "qualidade moral" que identifica em Lins. Penso num pendor estetizante que Alceu veria nele, de uma arte que estaria "além do Bem e do Mal" e que não hesita em aproximar de um "amoralismo estético gidiano".30 Trata-se de uma crítica que atualiza o embate entre ética e estética que autores como João Luiz Lafetá identificaram nos anos 1930 e que podemos ver ressurgir, por exemplo, na correspondência entre Lins e Mário de Andrade, quando este afirma ser essa oposição a principal "diferença" entre os dois. Segundo Mário, em 1943, a arte "tem que servir".31 Cito um trecho de Alceu que sintetiza esses dois lugares da crítica e onde há uma resposta ao artigo "Um crítico do mundo moderno" que Álvaro Lins lhe dedicou dois anos antes: "Ele me acusa, por exemplo, de estar hoje em dia introduzindo demais critérios éticos na apreciação das obras literárias. É natural que eu o acuse de beirar pelo indiferentismo, pelo isolacionismo parnasiano, pelo estetismo puro".32
Detenho-me nessa divergência, que é mais complexa e envolve outros elementos – como está na própria carta de Mário a Lins – porque é um modo de sugerir, através da menção a Gide, o quanto o debate ético/estético se reatualizará nas leituras de Machado. Tem a ver, aqui, com o que Astrojildo Pereira chamou de "absenteísmo" machadiano, como se o escritor carioca estivesse "alheado da vida política e social do tempo em que viveu e realizou a sua obra",33 ideia contra a qual afirma, de modo categórico, ter tratado Machado "o problema da escravidão com invulgar acuidade sociológica, ao traçar a linha de relação que dividia objetivamente a sociedade brasileira em duas classes fundamentais, senhores e escravos".34 Cito o estudo de Astrojildo, porque será retomado por Álvaro Lins para contrapor-se à publicação de A filosofia de Machado de Assis, de Afrânio Coutinho.35 Astrojildo Pereira, aliás, parece antecipar-se à aproximação entre Pascal e Machado, ao dizer que este teria sido "mestre de ceticismo, não de misticismo".36
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Vamos, contudo, aos estudos de Alceu e Lins. Começo com o primeiro deles. Alceu, como se pode imaginar, mencionou Machado inúmeras vezes. O escritor morou próximo à sua residência no Cosme Velho, no Rio de Janeiro, e teria sido uma das principais influências do crítico antes de sua conversão ao catolicismo.37 Alceu confessa ter tido em Machado, Eça e Anatole France os "mestres que mais influíram na época em minha mente",38 para abandoná-los pouco depois, entre 1922 e 1923, e só voltar a eles a partir de 1938.
Tais idas e vindas são, evidentemente, fruto desse movimento de descrença, crença e reconciliação, diria ele, do "meu eu de 1938 com o meu eu anterior a 1914".39 Repercutem um lugar público da crença, que teria feito com que alguém como Jackson de Figueiredo, embora apaixonado por Proust e Machado, segundo Alceu, os tivesse negado por considerá-los "avessos à concepção que tinha do catolicismo".40
Explicam, portanto, o fato de a publicação de Alceu mais relevante sobre Machado vir à luz somente nos anos 1940. Alceu escreveria ainda, posteriormente, um artigo sobre uma tradução inglesa de Machado, outros dois sobre o livro O presidente Machado de Assis de Josué Montello.41 Machado constaria também de seu Quadro sintético da literatura brasileira, ainda que posto no mesmo patamar de José de Alencar.42 Ele está presente, finalmente, em sua Introdução à literatura brasileira, publicada em 1956. Num de seus trechos, vemos a oposição que caracterizaria as suas leituras: "Somos dos que rejeitam totalmente a substância de seu pessimismo moral ou do ceticismo filosófico religioso, tão característico de sua geração. E, no entanto, não lhe negamos o centro supremo de nossas letras".43
Gostaria de aprofundar essa oposição, pois ela aparecerá também nos Três ensaios sobre Machado de Assis, livro publicado em 1941, que recolhe três colunas escritas em jornal: a primeira delas de 1935, as duas seguintes do período de comemoração do centenário de nascimento do escritor. Nelas Alceu faz uma espécie de balanço que vem justificar o fato de ter passado quase quinze anos sem aludir a Machado. Apesar desse renovado interesse, este permaneceria, contudo, nos três textos, distante. É visto, no primeiro deles, em oposição a Alencar e, em seguida, a Anatole France e Eça de Queirós. No segundo, confrontado com Euclides da Cunha. No terceiro, surge em função do debate crítico com obras que lhe são dedicadas em seu centenário de nascimento: de Mário Matos, de Mário Casassanta e de Heloisa Lentz de Almeida. A atenção que Alceu dedica a Machado é, portanto, cheia de reticências. Cito a principal delas:
Ninguém lhe poderá negar a função decisiva que representou em nossas letras, quando deslocou da Paisagem para o Homem o centro de interesse intelectual de nossa literatura. Mas daí a ser a coluna vertebral de nossas letras, vai um abismo que Machado de Assis não pôde atravessar, porque lhe faltaram aquelas qualidades de espontaneidade e frescura de espírito que unissem profundamente sua alma à alma cristã do seu povo. Seu erro, ou antes seu destino, foi passar do humanismo ao humorismo.44
Talvez tivéssemos muito a dizer sobre essa relação especular que Alceu pretende para o escritor, de uma proximidade "de almas" com o seu leitor como atributo do lugar intelectual que deve ocupar. Também poderíamos pensar nesse desejo de uma literatura como arte espontânea ou popular, sabendo que isso se complicará ao tratar do estilo de Machado, límpido, pobre, simples, diria Alceu, mesmo que superficialmente, contra o excesso de expressão romântico, derramado, "abundante".45
O centro dessas reticências passa, contudo, por esse lugar da crença, como ele mesmo já havia assinalado noutro momento e muito embora Machado seja exemplo de escritor honesto e responsável, além de um "brasileiro sem querer".46 Para Alceu, "tivemos horror a esse homem sem fé, sem entusiasmo, sem alegria, que se reservava sempre, que amava a destruição, que polia egoisticamente a sua obra".47
Não é o mesmo que veremos em Álvaro Lins, tão prontamente receptivo ao ceticismo de autores como João Ribeiro, capaz de entendê-lo como uma "zona muito funda de conhecimento da realidade".48 Lins parece equilibrar-se entre um esforço para estabelecer fundamentos de ordem estética e a busca de uma relação com esse "conhecimento do homem" e da "realidade" que passariam, para nos servirmos do que indicou Antonio Candido, por "critérios de ordem sociológica e filosófica".49 Nessa introdução à quinta série do Jornal de Crítica, Candido insistiria mais de uma vez na separação entre Lins e Alceu, este "tão ligado ao pensamento e ação religiosa e social que acabou por comprometer o sentido literário da sua crítica".50
Tal duplicidade é o que veremos na leitura de Machado de Assis feita por Álvaro Lins. No ensaio "Um intérprete de Machado de Assis", a respeito do livro de Barreto Filho publicado em 1947, Lins chama atenção para o olhar indireto de Machado. Não encontraríamos em seus livros reportagens sensacionais nem partidarismos. Apesar disso, a realidade se deixaria exprimir como em "nenhum outro escritor daquele tempo".51 Machado, segundo Lins, "transmitiu-nos o espírito, a substância íntima e secreta de uma época, com uma forma de artista".52 Com o auxílio de Barreto Filho, identifica duas causas para isso. A primeira delas, também desenvolvida no artigo publicado em 1940, a de uma autonomia da arte, de um interesse estético tanto mais apurado quanto mais teria o escritor se libertado, com quarenta anos, "de todas as contingências e compromissos sociais". Machado ocuparia a posição de "homem de letras", resguardado, diria Lins, de todas "as solicitações estranhas à literatura".53 É muito diferente da visão de Alceu, de um Machado como um "burguês enfatuado pela sua ironia superior, o esteta que tudo aceitava".54
Esse interesse estético representa para Lins a possibilidade de um acesso ao humano, como afirmaria com relação a Proust no estudo que lhe consagrou: "a sua humanidade será só a da sua arte".55 Em ambos, Proust e Machado, tal acesso seria fruto de uma liberdade. Trata-se de uma liberdade que é relação do eu consigo mesmo, através de uma "técnica de ordem pessoal".56 Dentro da chave proustiana da experiência Lins lê, via Barreto Filho, o tema da infidelidade de Capitu, que justificaria a crueldade do autor face às personagens de Dom Casmurro. Não viria do que identificou como um "esteticismo um pouco banal e inconsequente de um Oscar Wilde".57 Existiria um movimento que é duplo: na direção do eu e do mundo.
Daí a segunda causa para essa aptidão de Machado em descobrir "a substância íntima e secreta de uma época". Ela passaria por essa relação com algo da ordem da pessoalidade, da personalidade ou intimidade, termos frequentes à crítica de Lins – e talvez pudéssemos, com isso, ir na direção do personalismo de Emmanuel Mounier.58 Mas se trata, antes, de um eu que emerge em seu estatuto de obra. É o que notaria também em Graciliano Ramos. Nele, afirma, "a obra explica o homem".59 No ensaio sobre Machado, Lins não hesita em separar o que seriam sentimentos pessoais daqueles do artista.60 Também em Proust o objeto se deixaria transformar e iluminar por uma "nova representação, jamais igual àquela de sua realidade comum".61
Nessa arte, portanto, reside a possibilidade do que Lins chama de um "aprofundamento da visão". Indica-o no capítulo "Romance e técnica" da terceira série do Jornal de Crítica:
Para a família literária de Machado de Assis são muitos os chamados e raros os escolhidos. Não é só uma semelhante natureza humana que se exige, mas os rigores do trabalho artístico: um estilo que tenha elegância, precisão e agudeza, sem nada perder na sua simplicidade, uma técnica que signifique completo domínio do mundo imaginativo, sem prejuízo da sua aparência de espontaneidade e abandono, um conhecimento dos homens e da vida social que indique um aprofundamento constante da visão, sem esquecer a sua fonte de participação nessa existência pessoal dos seus semelhantes.62
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Com essa operação, Lins recusaria uma parte da leitura do livro de Afrânio Coutinho, embora talvez tivesse vários motivos para aderir a ela. Coutinho proclamou a importância da crítica católica, viu razões na psicologia do autor que, aparentemente, uma vez transpostas para o universo da infância, Lins louvaria mais tarde no estudo de Barreto Filho. Aproximou o autor de Brás Cubas de um universo de leituras religiosas: do Eclesiastes, do Livro de Jó, de Pascal. Finalmente, serviu-se de considerações de Gide quanto ao papel da influência na literatura para justificar a comparação entre Machado e Pascal.
O artigo que Lins lhe dedicou, apesar disso, assinala desencontros que são úteis para entendermos o lugar de Machado em sua crítica. Não são desencontros tão contundentes quanto os manifestados por Sérgio Buarque de Holanda, que também escreveu sobre o livro de Coutinho: três deles, a lembrança de que o pensamento pascalino é coerente com a sua fé e de que a vida não seria inteligível para ele “sem o sacrifício e o sofrimento, que santificaram o coração";63 a recusa ao trágico em Machado, já que "o trágico dissolve-se no absurdo e o ridículo tem gosto amargo";64 por fim, a ideia de que o humour não seria uma expressão necessária do ceticismo – e o exemplo contrário é a obra de G. K. Chesterton.
Lins, entretanto, afasta-se em vários momentos da interpretação proposta por Coutinho, que teve repercussão nos anos 1940 e vem associada a uma questão importante extraída do autor francês François Mauriac: sobre a existência de uma crítica literária católica.65 Coutinho afirmaria, logo no início de seu livro, que "a inteligência tem a sua ética e se regula pelos interesses supremos da verdade […] a inteligência deve ser educada no culto da santidade da verdade".66
Há, evidentemente, algumas questões em jogo nesse afastamento. Dizem respeito a uma defesa da crítica jornalística contra a crítica universitária, por exemplo. Passam, igualmente, pelo lugar do julgamento crítico: Coutinho, em A filosofia de Machado de Assis, diria que "nada mais artificial, antipático, nada menos humano, do que o crítico em atitude de juiz".67 O que é importante para Lins tem a ver, contudo, com o duplo movimento que indica em Machado: artístico e interior. Faz de Machado, para isso, um dr. Jekyll com a sua vida pública oposta à outra, de escritor fechado no gabinete, como o fizeram tantos críticos.68 Esse fechar-se é o que lhe permitirá não o "ódio à vida", também contestado por Sérgio Buarque de Holanda, mas certa imparcialidade ou "objetividade estética". Daí a conciliação que propõe, de artista, à contradição presente no estudo de Coutinho: entre o humanismo machadiano – "com ser de fé na inteligência, a sua mensagem também o é de confiança no homem […] mensagem de espiritualidade e de humanismo"69 – e o pessimismo – "só enxergava o lado mau da natureza humana".70
Isso evita, por um lado, aderir a essa dimensão negativa de Machado, que produziria, anos depois, uma interpretação como a de Octávio Brandão em O niilista Machado de Assis, muito inspirado em Nietzsche. De um cristianismo que falaria do "fim do mundo", negando a "realidade objetiva". Machado, para tornar-se niilista, teria se "deformado"71 pela Bíblia, pelo Eclesiastes e, finalmente, por Pascal. De acordo com Brandão: "Pascal continuou uma das mais tristes tradições religiosas. Foi um pessimista, niilista, negativista da pior espécie. Sustentou tremendos absurdos. Mergulhou na paranoia mística".72 Tal posicionamento levaria Brandão a discorrer sobre a proximidade contraditória de Machado com aqueles que chamaria de "obscurantistas modernos": Jackson de Figueiredo, Leonel Franca e Tristão de Ataíde. Com uma formação ideológica "através do que existe de pior: os místicos, os céticos, pessimistas e niilistas",73 Machado teria sido incapaz de compreender "os inimigos principais do povo brasileiro e seus aliados".74
O que parece ser, portanto, uma contradição entre niilismo e religiosidade aproxima-se em Brandão. Talvez por isso – trata-se de uma questão que deixo em aberto – certa demarcação tanto da parte de Lins quanto de Sérgio Buarque de Holanda com relação ao que este chamaria de um "dogmatismo sem freios" em Afrânio Coutinho.75 Do mesmo modo, é o que talvez justifique a proximidade crítica que se estabelecerá entre Coutinho e Alceu. Este último, em artigo de 1958 intitulado "Satã nas letras", não hesitará em reabilitar Machado pela comparação com autores tão importantes quanto Dostoiévski e Bernanos, e propor um estudo do demoníaco machadiano com a análise da psicologia religiosa de suas personagens e do próprio escritor.76
Ao buscar com o auxílio de Nietzsche e Gide um lugar de precedência para a arte,77 do artista solitário, Álvaro Lins, por outro lado, evitaria aderir à transformação do autor de Quincas Borba em patrimônio nacional. Não se trata, evidentemente, de contestar, com essa menção a Nietzsche, uma dimensão da verdade que seria o sentido moral da crítica.78 Afinal, em Lins há uma confiança na literatura muito próxima à de Alceu, ambos herdeiros do idealismo de Jacques Maritain e do desejo de uma democracia comunitária e personalista que passa também por uma dimensão do literário e da crítica. Em Lins, essa confiança estaria na noção de pessoa, que "reage, confia, luta e espera", em oposição ao indivíduo: "esta presença é que nos sustenta, diria, contra o absoluto ceticismo ou contra o absoluto desespero".79
É possível pensar, entretanto, numa recusa de Lins a se engajar nesse debate entre literatura e nacionalismo nos anos 1940, nesse momento, diria, "tão abjetamente sem nome e sem título que se chamou o Estado Novo".80 Em artigo de 1946, manifestou-se abertamente contra o porque-me-ufanismo.81 No discurso de posse na Academia de Letras, insistiria no fato de ser Machado de Assis um escritor "pouco ou nada brasileiro",82 desfazendo o arranjo evidente entre o grande autor e a nacionalidade. É como se repusesse noutro lugar o questionamento proposto por Coelho de Souza, secretário da Educação de Porto Alegre que recusou dar o nome de Machado de Assis, em 1939, a uma escola. De fato, o nacionalismo não parece ser o centro da manifestação de Coelho de Souza, que não descartou a possibilidade de termos outros nomes dignos, por suas virtudes cívicas, dessa homenagem.83 Em Lins, todavia, trata-se de considerar Machado, como para o secretário da Educação, como "homem de letras". Tal expressão, no texto de Coelho de Souza, vem acompanhada de uma menção ao "insuspeito" Julien Benda, autor de La trahison des clercs. A geração de Machado, "puro homem de letras", que é também uma tradução de "clerc", pejorativa, nos teria deixado "desarmados para a vida".84
Há muitas questões em Benda que indiciam a necessidade de uma investigação de sua presença em alguns de nossos debates: a oposição entre as noções de ordem e democracia, por exemplo, que nos faz lembrar da trajetória de Alceu, e também a crença num valor absoluto. Benda é citado por Sérgio Buarque de Holanda em sua polêmica com Alceu Amoroso Lima. Também está num artigo de Mário de Andrade, intitulado "Intelectual – 1", publicado no Diário Nacional em 1932.
Pensar nesse "homem de letras" imputado a Machado talvez seja considerar esse lugar que engaja, portanto, a reflexão sobre o próprio papel dos intelectuais/clérigos/escritores. Considerar um certo ethos otimista que, de certo modo, é também o da crítica, de uma finalidade que é comunitária, frente à qual desvenda-se, através de Machado, dolorosamente, uma relação complexa entre conhecimento e queda.85 E levar em conta essa situação de "desamparo" face a "mensagem tão rarefeita em relação ao futuro", com o auxílio de Pedro Meira Monteiro.86
Em Lins, há, no entanto, uma legitimidade do "homem de letras". Como em Julien Benda, ele é aquele que "sente a injustiça e a opressão no mesmo impulso com que se indigna e se rebela".87 Não há contradição com o "clérigo", termo que está num ensaio de 1945, entre aspas, cuja missão seria trabalhar "no ofício de sua arte".88 Ambos, em Benda, estariam de fato imbuídos de valores "desinteressados" como a arte e a justiça. É possível ver nessa "rebelião", portanto, o interesse de Lins por Brás Cubas, mais do que pelo Memorial de Aires. E uma compreensão de que a atitude do escritor, do homem de letras, é sempre "de oposição". Oposição e não ódio.89 No âmbito de sua reflexão sobre o catolicismo no século XX, Lins falaria de um "pessimismo de ação" diante de um "mundo temporal traído, degradado ou abandonado pelos próprios católicos".90 Eis talvez uma das razões por que acolhe o cético Machado. Está nessa dimensão agônica, de luta – como afirmaria Antonio Candido a respeito do próprio Álvaro Lins91 – que é a dos intelectuais "pessimistas", mas que deveria ser a da Igreja. Sustentam-na "muito mais os revoltados do que os conformistas".92
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- TELES, Gilberto Mendonça. O pensamento estético de Alceu Amoroso Lima 2 vols. Rio de Janeiro: Paulinas, 2001.
-
1
LINS, Sobre crítica e críticos: ensaios escolhidos sobre literatura e crítica literária, com algumas notas de um diário de crítica, p. 30.
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2
Este texto foi apresentado em versão reduzida na mesa intitulada "A construção do moderno cânone nacional: os autores de exceção e o caso brasileiro", organizada pelo professor Hélio de Seixas Guimarães para o Congresso da Latin American Studies Association de 2017. Gostaria de agradecer à Fapesp o auxílio para participação nesse encontro.
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3
Ibidem.
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4
Idem, p. 31.
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5
"Não existe obra de arte sem a colaboração do demônio" (tradução minha). A citação está em LINS, cit., p. 30
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6
LINS, Literatura e vida literária, diário e confissões, p. 57.
-
7
CANDIDO, Sobre um crítico, p. 20.
-
8
LINS, Literatura e vida literária, diário e confissões, p. 57.
-
9
MILLIET, Diário crítico, vol. 5, p. 75.
-
10
LIMA, Meio século de presença literária, p. 54. Também Alexandre Eulálio, mais recentemente: "Se a aproximação de dois autores tão díspares como André Gide e Machado de Assis pode à primeira vista parecer estranha ou até artificiosa, ela se revela natural numa análise mais detida. Os dois têm em comum a filiação egoísta: Montaigne, Pascal, os grandes moralistas, Swift, Voltaire, Diderot, Stendhal. Sua especial predileção pela esfumatura psicológica e pelos contrastes de temperamento é exercitada em determinados ambientes sociais, nos quais se representa uma farsa de sentimentos e interesses, no pior dos casos aliados a uma ética de ostentação" (EULÁLIO, Tempo reencontrado: ensaios sobre arte e literatura, p. 163).
-
11
LINS, Jornal de Crítica, quarta série, p. 47.
-
12
ASSIS, Histórias sem data.
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13
ASSIS, Memorias posthumas de Braz Cubas, p. 43.
-
14
ASSIS, Quincas Borba, p. 426.
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15
ASSIS, Memorias posthumas de Braz Cubas, p. 45.
-
16
É interessante pensar nesse lugar do "sacristão" sempre prestes a ser ocupado por um impostor ou a permanecer vazio. Está no periódico cômico do século XIX, O Simplício da Roça, num trecho como este: "Tenho tanta dor desta gente que quase estou tentado de largar a minha casaquinha de Paris, e ir à sacristia vestir a sotaina, e pôr-me de alva para ir fazer as vezes de Padre, ou pelo menos de Sacristão". Mas também em Memórias de um sargento de milícias de Manuel Antônio de Almeida. Devo a citação à dissertação de mestrado Bastidores da literatura nas horas ociosas da tipografia do Jornal do Commercio (1827-1865), de Odair Dutra Santana Júnior, defendida na Unesp/São José do Rio Preto em 2017 (SANTANA JÚNIOR, Bastidores da literatura nas horas ociosas da tipografia do Jornal do Commercio – 1827-1865, p. 167). Em Esaú e Jacó, há também o trecho em que Nóbrega retorna rico, condição oposta à de Rubião, à Igreja de São José. Nos dois casos, é como se a presença da Igreja, mesmo vazia, oferecesse uma espécie de remate, espaço para o qual se acorre ainda que sem fé, ou lugar de balanço para a ação venturosa ou infeliz.
-
17
CHESTOV, La philosophie de la tragédie: Dostoievsky et Nietzsche. Sur les confins de la vie: l'apothéose du déracinement, p. 35.
-
18
MEYER, De Machadinho a Brás Cubas, p. 410.
-
19
FAORO, Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, p. 400.
-
20
Idem, p. 404.
-
21
BOSI, Raymundo Faoro leitor de Machado de Assis, p. 365.
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22
LINS, Machado de Assis, exercício literário.
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23
MARTINS, A crítica literária no Brasil, p. 602-603.
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24
Idem, p. 581.
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25
Sobre essa crítica de Mário e, por outro lado, a presença de um catolicismo no poeta paulista, confira-se o ensaio de Alceu, em Companheiros de viagem, intitulado "Mário de Andrade e o catolicismo". Cito um trecho: "A religião é o elemento central mas invisível na obra de Mário de Andrade. É essa, a meu ver, a chave do seu segredo. E a religião católica. Não apenas uma religiosidade vaga ou convencional ou herdada ou de mero desejo de crer. O que houve sempre nele foi a luta incessante entre uma crença em Deus e em Cristo inabalável, e a impossibilidade de se curvar ante as exigências morais e sociais do catolicismo, e acima de tudo, uma irritação contra os católicos, contra a 'pseudocivilização cristã', contra a Igreja, em geral" (LIMA, Companheiros de viagem, p. 56). Essa leitura do catolicismo de Mário foi empreendida mais recentemente por Pedro Meira Monteiro no prefácio à correspondência do poeta com Sérgio Buarque de Holanda (ANDRADE; HOLANDA, Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: correspondência). Num ensaio também recente, aproximei-o do poeta francês Max Jacob, que se converteu ao catolicismo (cf. SIMPSON, Deslizar nas ruas, entre Max Jacob e Mário de Andrade).
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26
LINS, Jornal de Crítica, quarta série, p. 163.
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27
Idem, p. 220.
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28
Idem, p. 295.
-
29
Idem, p. 22.
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30
Idem, p. 36.
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31
ANDRADE, Cartas de Mário de Andrade a Álvaro Lins, p. 82.
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32
LINS, Jornal de Crítica, quarta série, p. 35.
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33
PEREIRA, Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos, p. 89.
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34
Idem, p. 95.
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35
COUTINHO, A filosofia de Machado de Assis.
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36
PEREIRA, cit., p. 163.
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37
A proximidade com Machado é indicada no texto "Adeus à casa azul", publicado em LIMA, Adeus à disponibilidade e outros adeuses.
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38
LIMA, Memórias improvisadas: diálogos com Medeiros Lima, p. 37.
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39
Idem, p. 49
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40
Idem, p. 149. Haveria ainda um percurso de pesquisa: avaliar as possíveis leituras de Jackson de Figueiredo de Machado de Assis. Por ora, para além dessa indicação de Alceu, lembro que Figueiredo escreveu um artigo em que comparou Lima Barreto e Machado: "O combate", A Lusitana. Rio de Janeiro, 1916. Tal comparação também foi empreendida por Alceu em "Um discípulo de Machado", O Jornal, de 18 de junho de 1919 (reproduzido em TELES, O pensamento estético de Alceu Amoroso Lima, vol. 1). Machado aí é visto como autor de um "humorismo perfeito […] equilíbrio supremo de pensamento e estilo" (Idem, p. 47).
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41
O primeiro artigo foi publicado com o título “Machado de Assis em inglês”, o segundo e o terceiro, com “M. de A.”. Eles foram reunidos em LIMA, Meio século de presença literária, 1969.
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42
Reproduzido em TELES, O pensamento estético de Alceu Amoroso Lima, vol. 2, p. 284: "Também existe o velho debate José de Alencar e Machado de Assis, como sendo o centro da literatura brasileira".
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43
Idem, p. 149.
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44
LIMA, Três ensaios sobre Machado de Assis, p. 73.
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45
Idem, p. 29.
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46
Idem, p. 36.
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47
Idem, p. 33.
-
48
LINS, Jornal de Crítica, terceira série, p. 129.
-
49
LINS, Jornal de Crítica, quinta série, com um estudo de Antonio Candido, p. 27.
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50
Idem, p. 25.
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51
LINS, Jornal de Crítica, sexta série, p. 168.
-
52Ibidem.
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53
LINS, Machado de Assis, exercício literário, p. 7.
-
54LIMA, Três ensaios sobre Machado de Assis, p. 34.
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55
LINS, A técnica do romance em Marcel Proust, p. 14.
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56
LINS, O relógio e o quadrante, p. 304.
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57
LINS, A técnica do romance em Marcel Proust, p. 110.
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58
Cf. a esse respeito o estudo de Adélia Bezerra de Menezes Bolle (A obra crítica de Álvaro Lins e sua função histórica, p. 59).
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59
LINS, Os mortos de sobrecasaca, p. 144.
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60
"E nunca um artista como Machado de Assis permitiria, na sua obra, uma confusão tão lamentável. O papel do artista nada tem a ver com o sentimento pessoal que oscila segundo as paixões do momento: o seu objetivo é observar a realidade física e psíquica e recriá-la em formas sensíveis de objetividade estética" (LINS, Machado de Assis, exercício literário, p. 8).
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61
LINS, A técnica do romance em Marcel Proust, p. 118.
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62
LINS, Jornal de Crítica, terceira série, p. 197-198.
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63
HOLANDA, O espírito e a letra, p. 309.
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64
Ibidem.
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65
COUTINHO, cit., p. 26.
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66
Idem, p. 30.
-
67
Idem, p. 27. João Cezar de Castro Rocha lembra que, perto do texto de Sérgio Buarque de Holanda, o de Lins soou como um elogio, a ponto de Coutinho ter se servido de uma frase do crítico para divulgar o livro Correntes cruzadas (ROCHA, Crítica literária: em busca do tempo perdido?, p. 189).
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68
Hélio de Seixas Guimarães retraça-nos essa linhagem de leitores, que passa por Araripe Júnior, Sílvio Romero, chegando ao Sérgio Buarque de Holanda de Raízes do Brasil, para o qual Machado estaria entre os "puros homens de palavras e livros" (GUIMARÃES, Machado de Assis, o escritor que nos lê, p. 105).
-
69
COUTINHO, cit., p. 22.
-
70
Idem, p. 51.
-
71
BRANDÃO, O niilista Machado de Assis, p. 156.
-
72
Idem, p. 162.
-
73
Idem, p. 121.
-
74
Idem, p. 107.
-
75
HOLANDA, cit., p. 308.
-
76
LIMA, Meio século de presença literária, p. 90: "O homem, só não explica o homem – é o que se depreende da leitura da obra de Machado de Assis. Muito menos a natureza. E daí o aparecimento, inclusive pessoal e direto do Demônio, embora simbólico, em sua obra, sem que se exclua, de modo algum, a outra influência, a mais forte, a mais profunda, a mais ambígua: a influência invisível. Haveria um estudo a fazer, de Machado de Assis e o Demônio, como ainda não se fez, ao menos com a largueza que se pode fazer, a análise da sua psicologia religiosa e a dos seus personagens".
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77
LINS, O relógio e o quadrante, p. 373.
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78
Apud MÜLLER-LAUTER, Nietzsche: sua filosofia dos antagonismos e os antagonismos de sua filosofia, p. 163: "um fenômeno moral, esteticamente generalizado, engendra o impulso intelectual".
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79
LINS, A glória de César e o punhal de Brutus, ensaios políticos, p. 86.
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80
LINS, Jornal de Crítica, quinta série, p. 285.
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81
Idem, p. 299.
-
82
LINS, Jornal de Crítica, sétima série, p. 227.
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83
GUIMARÃES, Machado de Assis, o escritor que nos lê, p. 119.
-
84
Ibidem.
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85
PASSOS, O mal e a metamorfose em Machado de Assis.
-
86
MONTEIRO, O futuro abolido: anotações sobre o tempo no Memorial de Aires, p. 55.
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87
LINS, A glória de César e o punhal de Brutus, ensaios políticos, p. 188.
-
88
Idem, p. 189.
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89
Idem, p. 188. "Afinal de contas, o ódio, a virulência e a perversidade não podem constar dos feitos e posturas de alguém integrado no cristianismo." (Idem, p. 91).
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90
Idem, p. 79.
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91
LINS, Jornal de Crítica, quinta série, p. 15.
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92
LINS, A glória de César e o punhal de Brutus, ensaios políticos, p. 71. Tal duplicidade reaparece em Mário de Andrade. Considera que "o intelectual verdadeiro [...] sempre há de ser um homem revoltado, e um revolucionário, pessimista, cético e cínico", embora, curiosamente, julgue o grupo católico da Ordem o único a ter conquistado para si "uma finalidade intelectual legitimamente moderna" (ANDRADE, Taxi e crônicas no Diário Nacional, p. 517). Na leitura de Lins da obra de Eça, sobretudo de suas biografias de santos, aproximam-se revolta e uma dimensão religiosa, através da noção de piedade (LINS, História literária de Eça de Queiroz, p. 225). Essa interpretação de Eça se estende à leitura que propõe do conto "O suave milagre", quando reivindicaria a ideia de um "socialismo cristão" (Idem, p. 293).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Dez 2017
Histórico
-
Recebido
20 Jul 2017 -
Aceito
12 Set 2017