Este número da Machado de Assis em linha, finalizado no momento em que a revista completa 10 anos, orgulha-se de reunir, mais uma vez, novos autores e novas abordagens que estavam fora do horizonte da crítica machadiana em junho de 2008, quando saiu o primeiro número da MAEL. Como escreveu Machado de Assis (1866, p.2), "O tempo, cremos ter lido isto algures, só respeita aquilo que é feito com tempo".
O artigo de abertura, “Do ouvir e ler poesia: Luiz Gama e Machado de Assis”, de Pedro Marques, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), aproxima a obra de dois escritores que viveram no mesmo tempo e frequentaram os mesmos círculos, aparentemente sem nunca terem se encontrado. Machado de Assis e Luiz Gama, ambos descendentes de escravos e figuras de destaque no Segundo Reinado, escolheram fóruns e estratégias muito diferentes para tratar das grandes questões de seu tempo. Marques mostra, com erudição retórica, literária e musical, como essas posturas diversas ressoam na poesia de cada um: a do militante Luiz Gama tendendo à oratória, à performance pública e vocalizada do verso; e a do mais discreto Machado voltada para a leitura silenciosa e o contato íntimo com a palavra escrita.
Os dois artigos seguintes tratam do escritor em suas primícias literárias, quando Machado era principalmente poeta e jornalista, ainda distante do autor de alguns dos melhores e mais conhecidos romances e contos escritos em português. Wilton José Marques, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), analisa minuciosamente uma série de documentos para desvendar um “mistério biográfico”: a atuação de Machado como revisor de provas no Correio Mercantil, importante jornal liberal para o qual Machado colaborou no final da década de 1850. Cristiane Nascimento Rodrigues, jovem pesquisadora, também da Universidade Federal de São Carlos, assina o artigo “Gonçalves Braga: o jovem mestre português de Machado de Assis”, no qual indica a importância decisiva desse emigrado português, hoje praticamente esquecido, na formação do autor de Crisálidas, Falenas, Americanas e Ocidentais.
Rita de Cássia Simões Martelini, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), retoma o já clássico estudo de João Adolfo Hansen, “O imortal e a verossimilhança”, para especificar o modo como o narrador-personagem busca persuadir seus ouvintes (e seus leitores), acionando os três modos de persuasão retórica prescritos por Aristóteles: éthos, páthos e lógos.
Em “Peças móveis de um quebra-cabeça de anedotas: reescritura no manuscrito de Esaú e Jacob”, Luciana Antonini Schoeps, da Universidade de São Paulo, examina os manuscritos de Esaú e Jacó, pertencentes à Academia Brasileira de Letras, para mostrar como a ordenação e reordenação dos fólios guarda relação com os próprios modos de composição narrativa desse romance, entrecortado por máximas, provérbios e anedotas.
Tratando também de movências, desta vez de ordem tipográfica, Christopher T. Lewis, da Universidade de Utah, parte de uma variante textual presente nas edições do conto “Pai contra mãe” para tratar da dimensão contrapontística e da polivalência de sentidos tão marcante nos melhores escritos de Machado de Assis. Mais detalhes não oferecemos ao leitor, para não estragar sua surpresa ao ler o ensaio “To Beat or Abet in Machado de Assis’s ‘Pai contra mãe’: The Text in Superposition”.
Nesta edição comemorativa, publicamos o ensaio “Balzac lê Stendhal, Machado lê Eça de Queirós”, em que Marta de Senna, fundadora da Machado de Assis em linha, trata das afinidades eletivas entre quatro grandes escritores oitocentistas. Foi a partir de um encontro na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, realizado em São Paulo em 2005, que Marta de Senna propôs a criação de um grupo de pesquisa e de uma revista em torno de Machado de Assis. Cá estamos depois de uma década intensa, com todas as alegrias e percalços de se fazer uma publicação acadêmica em meio às incertezas e turbulências do Brasil.
Por fim, e voltando mais uma vez aos começos, a revista homenageia Brito Broca na seção “Da tradição crítica”, com que abrimos a revista desde seu primeiro número. Em “O político na ficção machadiana”, esse que foi um dos mais importantes e prolíficos jornalistas-críticos dos anos 1940 e 1950 mostra os modos peculiares com que Machado tratou da política, por meio de seus personagens e dos recursos e instrumentos que tinha – os da arte de escrever, que dominou como poucos.
Referências
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Ago 2018 -
Data do Fascículo
Maio 2018