Resumo
Este estudo objetiva analisar prontuários odontológicos utilizados na graduação em odontologia no Brasil, considerando sua adequação à legislação e diretrizes éticas em vigor. Os coordenadores dos 220 cursos cadastrados na página eletrônica do Conselho Federal de Odontologia foram convidados, e 96 deles aceitaram participar da pesquisa. Para coletar e analisar os dados, utilizou-se roteiro estruturado com questões éticas e legais. Do total da amostra, 53,2% dos prontuários apresentaram todos os documentos mínimos necessários, mas nenhum cumpriu todos os requisitos de identificação do paciente, anamnese, termo de consentimento livre e esclarecido e odontograma. Além disso, 17,8% cumpriram todos os itens relativos a planejamento e 61,5% atenderam às exigências de autorização para uso de dados e imagens. Conclui-se que os prontuários não se adequam à legislação atual, devendo ser revistos a fim de melhorar a qualidade da informação e evitar problemas administrativos, morais e jurídicos.
Ética odontológica; Odontologia legal; Responsabilidade legal; Legislação como assunto; Controle de formulários e registros
Abstract
This study analyzes the dental records used in the Brazilian dentistry courses, considering their suitability regarding the ethical guidelines of the legislation in force in the country. All the coordinators of the 220 graduation courses registered on the Federal Council of Dentistry’s website were invited, and 96 (43.6%) accepted to participate in our research. For the collection and analysis of data, we used a structured questionnaire with ethical and legislative questions. Of the total sample, 53.2% presented all the necessary minimum documents, but none of them met all the requirements of patient identification, anamnesis, informed consent form, and odontograms. Moreover, 17.8% fulfilled all the items for planning, and 61.5% had the authorization for the use of data and images. We concluded that these records do not conform to the current legislation and must be updated in order to obtain an improvement in the quality of the information, avoiding administrative, moral and legal problems.
Ethics, dental; Forensic dentistry; Liability, legal; Legislation as topic; Forms and records control
Resumen
Este estudio objetivó analizar los registros odontológicos utilizados en cursos de grado en odontología en Brasil, verificando su adecuación a la legislación y directrices en vigor. Se invitaron a todos los coordinadores de 220 cursos registrados en la página electrónica del Consejo Federal de Odontología, y 96 aceptaron participar. Para la recolección y análisis de datos, se utilizó un guion estructurado abordando cuestiones éticas y de legislación. Del total, el 53,2% de los registros clínicos presentaron los documentos mínimos requeridos; ninguno cumplió todos los requisitos de identificación del paciente, anamnesis, formulario de consentimiento informado y odontograma; el 17,8% cumplió todos los ítems de planificación; y el 61,5% atendió a los ítems de autorización del uso de datos y imágenes. Se concluye que estos registros no se adecuan a la legislación vigente y deben ser actualizados para mejorar la calidad de las informaciones, evitando problemas de orden administrativo, moral y legal.
Ética odontológica; Odontología forense; Responsabilidad legal; Legislación como asunto; Control de formularios y registros
Quando o saber é democratizado, o ato de aprender engaja alunos e professores e contribui para a transformação da sociedade 1 . Como objeto de ensino, a ética não pode se limitar a conceitos teóricos, especialmente na área de saúde, na qual o aprendizado prático é essencial 2 . A clínica efetiva a teoria, e futuros profissionais precisam conhecer a realidade que logo encontrarão.
A maioria dos formados se embasa em documentos estudados na graduação 1 - 8 , os quais, via de regra, destacam aspectos técnicos da profissão. No entanto, a prática não se resume à técnica, abrangendo questões éticas, jurídicas e administrativas. O conjunto dessas dimensões norteia a relação entre profissional e paciente, para a qual o prontuário é essencial 9 , 10 .
O Código de Ética Médica (CEM), por exemplo, veda ao médico, em seu artigo 87, deixar de elaborar prontuário legível com dados clínicos necessários para a boa condução do caso 11 . O texto reforça que o registro inadequado omite informações, desrespeita os direitos do usuário [e] nega sua liberdade de ter sua história clínica preservada e documentada 12 .
Na odontologia, o prontuário é também parte fundamental da relação paciente-profissional 9 , 10 . Na graduação, a instituição de ensino superior (IES) é a responsável legal pelo tratamento dado pelo aluno ao paciente. Cabe a ela responder pelas exigências relativas ao prontuário e estabelecer estratégias corretivas quando necessário, possibilitando que o documento seja elaborado com base em fundamentos éticos e legais vigentes 7 , 13 - 15 .
Para qualificar os registros, é preciso que administração, gestão da informação e profissionais da saúde interajam 7 , 13 - 15 . Sem essa checagem, pode haver fichas clínicas incompletas, documentos em desacordo com as normas do Conselho Federal de Odontologia (CFO), falta de assinaturas e conhecimento insuficiente do ponto de vista clínico, administrativo e jurídico 14 - 20 . Essas falhas são graves, pois, em caso de demanda judicial, o prontuário bem elaborado é o mais importante meio de defesa 7 , 13 .
A preocupação com o prontuário aumentou à medida que pacientes tomaram consciência de seus direitos 21 . A Constituição Federal 22 garante inviolabilidade da vida pessoal, direito à saúde e ao sigilo e respeito à individualidade. E tanto o Código Civil 23 como o Código Penal 24 brasileiros abordam as mesmas questões, tratando ainda de imperícia, imprudência e negligência, omissão, dano e reparação.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) 25 enfoca a prestação de serviços e é reforçado pelo Código de Ética Odontológica (CEO) 26 , que deixa clara a inversão do ônus da prova em demanda judicial ou administrativa, pois a instituição ou o dentista devem conservar o prontuário. Tanto o CEM 11 quanto o CEO 26 explicitam que a conduta do profissional deve visar à saúde do ser humano, e os conhecimentos adquiridos devem ser usados em benefício do paciente.
O CEO 26 apresenta ainda capítulo específico sobre documentação odontológica, e o correto preenchimento do prontuário é amplamente discutido e embasado na literatura. A documentação deve conter dados de identificação, dois odontogramas (pré e pós-tratamento), espaço para descrição de achados radiográficos, anotações sobre condições bucais preexistentes, planejamento do tratamento, procedimentos concluídos e medicamentos prescritos. São necessárias ainda anotações sobre cuidados com lesões bucomaxilofaciais, cópias de receitas e atestados, modelos, radiografias, fotografias, tomografias, encaminhamentos, recibos de pagamentos e informações sobre abandono de tratamento, bem como documentos de ordem clínica, administrativa, legal e ética gerados na relação profissional-paciente. E o mesmo vale para prontuários eletrônicos 16 - 21 , 26 - 30 .
O termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) 31 também deve ser anexado. Nele, o paciente atesta que foi informado dos riscos do tratamento, atendendo ao quanto prescrito no artigo 6º, inciso III, do CDC 25 e no CEO 26 . As IES devem garantir que esse documento seja assinado e que uma via seja fornecida ao paciente, em concordância com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 466/2012 31 .
Dado este panorama, não foram encontradas na literatura análises de prontuários clínicos de IES brasileiras. A fim de preencher essa lacuna, o objetivo desta pesquisa foi avaliar prontuários utilizados em cursos de graduação em odontologia no país a fim de verificar sua adequação às normas éticas e legais em vigor.
Método
Trata-se de estudo transversal, descritivo, conduzido entre agosto de 2016 e setembro de 2017, após aprovação do comitê de ética em pesquisa do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic. Inicialmente, por meio de consulta ao site do CFO 32 , foram obtidas informações cadastrais de todos os 220 cursos de graduação em odontologia vigentes no país em 2015, e seus coordenadores ou diretores foram convidados a participar da pesquisa. As IES que aceitaram o convite enviaram arquivos com prontuários odontológicos cujos dados foram compilados pelos pesquisadores.
Para análise dos prontuários foi elaborado roteiro com questões éticas e jurídicas, dividido em sete quadros. O instrumento considerou requisitos mínimos legais e recomendações do CFO, agrupando-os em ficha-padrão (dados iniciais, obrigatórios em todos prontuários) e especificidade de acordo com os códigos norteadores (Constituição 22 ; Código Civil 23 ; Código Penal 24 ; CDC 25 ; CEO 26 ; Resolução CNS 466/2012 31 ).
No primeiro quadro são relacionados os documentos mínimos necessários (excluídos aqueles que não podem ser aferidos, representando limitações do estudo), que devem constar em todo prontuário a fim de garantir direitos e deveres do cirurgião-dentista e do paciente. Essas informações são: identificação do paciente; anotações sobre condições clínicas preexistentes (anamnese) e planejamento do tratamento; autorização para uso de imagens e coleta de dados do prontuário; TCLE; e odontograma de tratamento.
O segundo quadro traz itens obrigatórios na ficha de identificação do paciente: nome, endereço residencial e profissional, telefone, filiação, data de nascimento, sexo, estado civil, nacionalidade e/ou naturalidade, número da cédula de identidade e no Cadastro de Pessoas Físicas, de quem é a indicação ou de que forma selecionou o cirurgião-dentista, identificação do responsável legal com data e assinatura, e telefone de terceiro para contato.
No quadro seguinte constam dados da anamnese (conforme sugerido pelo CFO), subdivididos em tópicos, anotação da queixa principal e evolução da doença. O primeiro tópico, história médica, refere-se a: tratamento concomitante, nome e telefone do médico, uso de medicamentos, histórico de alergias e enfermidades, intervenções anteriores, hemorragia em cirurgias e dieta atual ou passada. O segundo, história buco-dental, diz respeito à última visita ao dentista e questões de higiene oral. Por fim, o terceiro tópico, hábitos, concerne a práticas do paciente, declaração de que as informações são verdadeiras, com espaço para assinatura do responsável e data, exame físico (exame extrabucal, intrabucal e radiográfico) e odontograma inicial, com espaço para registro das condições clínicas.
O quarto quadro traz itens sobre o planejamento do tratamento (opções e escolha do paciente, data do ato e assinatura do responsável), enquanto o quinto quadro se refere à autorização de uso de imagem e a dados do prontuário (esclarecimento, data do ato e assinatura do responsável). No sexto quadro estão os itens que devem constar do TCLE: declaração de conhecimento sobre o tratamento a ser realizado, material usado no procedimento, riscos possíveis, benefícios, custos, alternativas, decisão do paciente, opção de desistência, esclarecimento de que o documento é impresso em duas vias e assinaturas.
Por fim, no sétimo quadro há itens que devem constar do odontograma de tratamento: anotações sobre o tipo de procedimento, data e hora da intervenção, assinatura do paciente a cada consulta e nome, assinatura e número de inscrição do cirurgião-dentista no Conselho Regional de Odontologia (CRO).
Atribuiu-se um ponto para cada item constante do prontuário. Depois de contabilizadas as pontuações, os dados obtidos foram analisados. Os elementos que refletem limitações de estudo ocorreram por não haver como aferi-los, tendo em vista as normas que orientam a legislação e os códigos diversos.
Resultados
Das IES cadastradas no site do CFO, 43,6% concordaram em participar da pesquisa. Do total de instituições públicas cadastradas no site do CFO, 27,2% aceitaram participar, e entre o total de instituições privadas, 60%. Foram analisados 96 prontuários – todos físicos, pois não foram enviados documentos digitais para os pesquisadores –, e constatou-se que 53,2% deles apresentam todos os documentos necessários, ainda que incompletos. Todos os prontuários apresentavam identificação do paciente e anotações sobre condições clínicas preexistentes ( Tabela 1 ).
Quanto à identificação do paciente, nenhum dos documentos analisados cumpriu todos os requisitos. “Nome do paciente”, “endereço residencial” e “data de nascimento” aparecem em todos os prontuários. Por outro lado, “de quem é a indicação” (21%) e “espaço para data e assinatura do responsável legal” (27,1%) são os itens menos frequentes.
Houve variação de 21,9% a 97,9% no atendimento aos itens da anamnese ( Tabela 2 ), e nenhum dos prontuários cumpriu todos os requisitos. Quase metade dos documentos analisados trazem a “declaração de que as informações são verdadeiras” (46,9%), e 55,2% reservam “espaço para data e assinatura do responsável pelo paciente”.
Apenas 17,8% dos prontuários cumpriram todos os itens relativos ao planejamento do tratamento. As menores frequências foram verificadas em “escolha do tratamento” (19,8%), “opções de tratamento” (27,1%) e “espaço para assinatura do responsável” (31,3%). Na Tabela 3 pode-se observar a frequência de atendimento aos itens relacionados ao TCLE. Novamente, nenhum dos prontuários cumpriu todos os requisitos.
No quadro sobre odontograma de tratamento, os itens menos atendidos foram “hora do procedimento” (0%) e “espaço para assinatura (do paciente) a cada consulta” (57,3%). Já “anotações sobre o tipo de procedimento” e “anotações da data do procedimento” (ambos com 95,9%) foram os mais frequentes. Mais uma vez, nenhum dos prontuários contemplou todos os itens. Por fim, no sétimo quadro houve variação de 70,9% (esclarecimento do uso de imagem) a 83,4% (espaço para assinatura do responsável), e 61,5% dos prontuários atenderam a todos os itens.
Discussão
Nenhum dos prontuários cumpriu todos os critérios estabelecidos, o que pode gerar conflitos jurídicos, administrativos e éticos. Até mesmo prontuários de IES baseados em modelos do CFO necessitam de adequação, pois a legislação evolui constantemente, e as alterações do CEO de 2012 26 e da Resolução CNS 466/2012 31 ainda não foram incorporadas por essas instituições. Isso pode refletir na vida profissional dos estudantes, pois estes habitualmente usam o documento apresentado no curso de graduação como modelo em suas clínicas/consultórios.
A porcentagem com que documentos essenciais foram encontrados nos prontuários variou de 83,3% a 100%. As IES que não os apresentam em sua totalidade podem ter dificuldades para se defender em eventuais processos éticos e legais. Além disso, o CEO 26 informa que é dever do cirurgião-dentista ou da instituição conservar o prontuário em arquivo próprio, e a Justiça determina a inversão do ônus da prova.
A falta de documentos essenciais ficou clara especialmente no que se refere ao planejamento do tratamento, ao TCLE e à autorização para uso de imagens e dados. Essa ausência compromete o cuidado e traz consequências morais e jurídicas. Por exemplo, não havendo TCLE, do ponto de vista legal se presume que o paciente não autorizou o procedimento, dado que o CDC 25 e o CEO 26 estabelecem a necessidade de informá-lo detalhadamente sobre o serviço a ser prestado.
Outro ponto importante é preservar a imagem do indivíduo (fotos, radiografias, tomografias etc.), utilizada para identificação legal e diretamente ligada à personalidade 9 , 13 , 17 , 22 . A ausência de autorização para seu uso fere a autonomia do paciente e sua liberdade de decisão 22 , 23 , 26 , 31 , violando o direito à privacidade, protegido pela Constituição 22 (artigo 5, inciso X), pelo Código Civil 23 (artigos 20 e 21) e pelo CEO 26 (artigo 14, inciso III), que preveem indenização por dano moral e/ou material. E o mesmo vale para dados pessoais, que também só podem ser usados por meio de consentimento do titular ou em casos especificados em lei 22 , 23 , 26 .
A autorização para uso de imagens e dados está presente em quase todos os prontuários, mas em oito deles não há espaço para assinatura do titular. Desse modo, as IES ficam impedidas de utilizar essas informações do paciente em publicações científicas ou até mesmo em palestras e aulas 22 . Nesse caso, mesmo que a finalidade seja didático-acadêmica, a Justiça pode ser acionada.
Permanecem dúvidas quanto à validade dos documentos mesmo nos prontuários mais completos, pois, por não se adequarem totalmente às normas éticas e jurídicas, pode ser caracterizada imprudência, imperícia ou negligência 23 , 24 , o que exigiria reparação do dano 23 . A ausência de campo para identificar o responsável legal, por exemplo, omite informação fundamental. Sem esses dados, a veracidade jurídica de qualquer das informações ali constantes é invalidada.
Quanto à anamnese, verifica-se nos prontuários a preocupação em registrar o motivo da consulta e as doenças que o paciente já teve, bem como o uso de medicamentos, histórico de alergias e exames extrabucal e intrabucal. Este conhecimento é necessário para instruir as decisões do profissional, evitando negligência, imperícia e imprudência. Chama atenção, no entanto, a ausência de declaração sobre a veracidade das informações e de espaço para data e assinatura do responsável ou paciente, o que invalida o documento perante a Justiça.
Há, ainda, prontuários que não apresentam odontograma inicial, o que impossibilita planejar o tratamento e posteriormente verificar sua eficácia. Caso acionados, a IES ou o cirurgião-dentista não terão como apresentar provas. Ademais, alternativas ao procedimento definido deveriam ser registradas, mostrando que o paciente teve oportunidade de escolher 25 , 26 .
O odontograma do tratamento é essencial, conforme artigo 17 do CEO 26 , e quando comparado ao inicial demonstra os resultados da intervenção. Em quase todos os prontuários há data e anotações sobre o tipo de procedimento e, quanto ao horário do atendimento, algumas IES adotam controle digital (por exemplo, com catracas eletrônicas que registram a hora de entrada e saída do paciente). Este controle, no entanto, deveria atender às normas dos prontuários físicos, contendo assinatura digital do paciente, pois o simples registro de presença não garante que o procedimento indicado tenha sido realizado.
Os prontuários demonstram a preocupação em atender à Resolução CNS 466/2012 31 e ao CEO 26 no que se refere ao TCLE. A assinatura do paciente/responsável legal está presente em 80,2% dos documentos analisados. No entanto, nenhum dos prontuários informou que o termo se encontra impresso em duas vias ou descreveu o material a ser utilizado no procedimento, e apenas 2,1% trataram dos custos do tratamento.
O TCLE é documento obrigatório para realizar experimentos com humanos ou manejar dados 31 , sendo ilícito publicar resultados ou divulgar informações da pessoa quando não cumpridas as determinações legais. As normas para elaborar esse documento deveriam ser seguidas pelas IES, tendo em vista seu papel na sociedade, determinado pela Constituição 22 . Ademais, o CDC garante como direito básico do consumidor, em seu artigo 6º, inciso III, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem 25 , o que se alinha ao TCLE exigido pelo CEO 26 . Contudo, embora a declaração do paciente afirmando que conhece o tratamento a ser realizado seja necessária, somente 11,5% dos prontuários a apresentaram.
Por não haver relatos na literatura da análise de prontuários clínicos de cursos de graduação em odontologia no Brasil, é impossível comparar os dados deste estudo. É consenso, porém, que as IES deveriam servir de modelo para a documentação legal relativa à atividade profissional, respeitando a legislação. No entanto, ao não adequar seus prontuários às normas vigentes, as IES contrariam não só a lei, mas também o direito do paciente e as diretrizes éticas. A falta de informações fere os princípios da autonomia, da justiça, da beneficência, da não maleficência e da equidade.
A IES responde legalmente pelo tratamento realizado pelo aluno e é corresponsável pelo prontuário. Cabe a ela, junto com os professores, estabelecer estratégias pedagógicas para que os documentos estejam de acordo com a legislação atual e princípios éticos. Assim, pode-se aliar tratamento técnico da melhor qualidade e respeito ao paciente, evitando problemas perante a Justiça, o CRO e a sociedade.
Considerações finais
Nenhum dos prontuários analisados estava totalmente adequado às normas éticas e legais em vigor, o que demonstra a necessidade de IES e docentes atualizá-los a fim de melhorar a qualidade da informação e estimular os estudantes a preencher corretamente esse tipo de documento. Essa melhoria simples – e indispensável – pode evitar problemas de ordem administrativa, ética e legal. Além disso, a documentação completa e facilmente acessível possibilita estudos comparativos que permitam verificar o verdadeiro quadro da saúde bucal da população brasileira. O prontuário, portanto, é instrumento para formular e adequar políticas públicas voltadas ao direito à saúde.
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Artigo baseado em tese de doutorado defendida pela autora Sueli de Souza Costa, orientada pela professora Flávia Martão Flório.
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Aprovação CEP-Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic CAAE 50721215.9.0000.5374
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Nov 2020 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2020
Histórico
-
Recebido
13 Fev 2019 -
Revisado
21 Jan 2020 -
Aceito
28 Jan 2020