Open-access Ética, bioética e educação física: revisão sistematizada de uma convergência necessária

Resumo

Este artigo busca identificar o que se tem publicado em termos de ética e bioética no campo da educação física em revistas científicas. Realizou-se uma revisão sistematizada da literatura em janeiro de 2020 nas bases LILACS, SciELO, Web of Science, Biblioteca Virtual em Saúde, PubMed, Scopus, Eric e SPORTDiscus. Foram encontrados artigos em inglês publicados entre 2005 e 2018, sendo 12 estudos selecionados de acordo com os critérios de inclusão previstos. Resultaram quatro categorias: educação física como meio para o desenvolvimento pessoal no âmbito escolar, potencial do esporte como meio para a educação moral como formação de virtudes, nível de conhecimento de profissionais de educação física sobre ética e ética na formação desses profissionais. Considera-se que, apesar de questões alusivas a ética e bioética na educação física figurarem na literatura, é necessário ampliar os estudos nessa temática, ainda à margem da produção científica no campo.

Bioética; Ética; Educação; Educação física e treinamento

Abstract

This article seeks to identify what scientific journals have been publishing in terms of ethics and bioethics in the field of physical education. We carried out a systematic literature review in January 2020 in LILACS, SciELO, Web of Science, Virtual Health Library, PubMed, Scopus, ERIC, and SPORTDiscus. Articles in English published between 2005 and 2018 were found, with 12 studies selected according to the expected inclusion criteria. It resulted in four categories: physical education as a means for personal development in the school environment, potential of sport as a means for moral education as virtue formation, level of knowledge of physical education professionals about ethics, and ethics in the training of these professionals. We consider that, although issues related to ethics and bioethics in physical education appear in the literature, expanding studies on this theme, still on the margins of scientific production in the field, is necessary.

Bioethics; Ethics; Education; Physical education and training

Resumen

Este artículo pretende identificar las publicaciones sobre ética y bioética en el campo de la educación física en revistas científicas. Se realizó una revisión sistemática de la literatura en enero de 2020 en las bases LILACS, SciELO, Web of Science, Biblioteca Virtual en Salud, PubMed, Scopus, Eric y SPORTDiscus. Se encontraron artículos en inglés publicados entre 2005 y 2018, de estos 12 se seleccionaron por los criterios de inclusión. Resultaron cuatro categorías: la educación física como medio para el desarrollo personal en escuelas, potencialidades del deporte como herramienta para la educación moral formadora de virtudes, nivel de conocimiento de los profesionales de este campo sobre la ética y la ética en la formación profesional. Si bien registran en la literatura cuestiones relacionadas con la ética y la bioética en la educación física, es necesario ampliar los estudios sobre este tema, todavía al margen de la producción científica en el campo.

Bioética; Ética; Educación; Educación y entrenamiento físico

Ética e bioética são conceitos próximos e necessários no que tange ao campo da educação física (EF). Pode-se compreender ética como um exercício de reflexão acerca da moralidade, por meio de padrões ideais do que pode ser bom para os indivíduos e a sociedade 1 . Bioética, por sua vez, pode ser entendida como ética aplicada, caracterizada pelo estudo sistemático das dimensões morais, utilizando-se de uma variedade de preceitos e métodos em contexto interdisciplinar, pensados a partir da sociedade, cultura e valores morais da civilização contemporânea 2 .

A EF é uma área do conhecimento e um campo profissional que tem como objeto de estudo práticas aplicadas à motricidade, ou movimento humano, bem como a cultura do movimento corporal, com foco nas diferentes formas e modalidades de exercícios físicos, como ginástica, jogos, esportes, lutas e danças, visando atender às necessidades sociais nos campos da saúde, da educação e da formação, da cultura, do alto rendimento esportivo e do lazer 3 . Para este estudo, optou-se por utilizar o termo “profissional de educação física” para designar tanto bacharéis quanto licenciados.

Na formação do profissional de EF, assim como nos demais cursos de graduação voltados à área da saúde, emergem questões éticas relacionadas a formação acadêmica, práticas profissionais e relações pessoais e sociais 4 . A EF é uma área que dialoga com os saberes da educação, do esporte e da saúde e, por essa razão, percebem-se o ensino e a prática da EF como um caminho para o físico, o intelectual, o social e o emocional. Diante disso, surgem implicações para os profissionais de EF expandirem os entendimentos sobre a subjetividade e a reconstrução de suas práticas 4 , demonstrando a necessidade de uma formação ao longo da vida condizente com as mudanças observadas na contemporaneidade.

Nesse cenário de busca por uma formação continuada criticamente ativa, uma relação harmônica, baseada na ética e na bioética, implica comprometimento dos atores envolvidos, isto é, alunos, docentes, instituições de ensino e profissionais de EF. Além disso, o entendimento das dimensões existenciais presentes na área da EF pode e deve ser contextualizado 5 em práticas concretas do cotidiano.

Percebe-se que estudos que investigam os temas ética e bioética na EF apontam que estes ainda são, em sua maioria, relacionados ao ambiente escolar, com discussões e reflexões em torno de práticas reflexivas e do esporte, com debates sobre desenvolvimento moral e educação em valores 6 - 9 . No entanto, para fortalecer uma prática profissional ética, é fundamental compreender a ética da vida cotidiana nos contextos cotidianos da EF 10 . Por isso, são necessárias pesquisas sobre formação ética e acerca do papel das universidades na preparação de profissionais da área de EF para locais de trabalho cada vez mais complexos e plurais 11 .

Profissionais de EF são rodeados de questões éticas e corresponsáveis pelo bem-estar dos alunos/clientes/pacientes 12 . Diante disso, programas de desenvolvimento e qualificação profissional contínua devem ter como objetivo a reflexão ética das práticas e desafios encontrados no cotidiano desses profissionais, a fim de ampliar oportunidades para refletir sobre questões éticas, dilemas ou problemas reais em seus próprios contextos 8 .

Contudo, a literatura científica internacional e nacional parece escassa mediante os inúmeros possíveis conflitos éticos existentes, alusivos à cultura do movimento corporal, especialmente nas modalidades em que o profissional de EF exerce suas competências. Diante do exposto, este estudo tem como questão central identificar como ocorre a discussão sobre ética e bioética relacionadas a EF na literatura científica.

Método

Realizou-se revisão sistematizada de gênero qualitativo em janeiro de 2020, a fim de sistematizar o que a literatura científica nacional e internacional tem publicado em termos de discussões sobre ética e bioética em relação à EF, além de apontar as lacunas do conhecimento que precisam ser exploradas em novos estudos. Para aumentar o rigor da revisão, seguiram-se seis etapas:

  1. Escolha dos descritores;

  2. Seleção das bases de dados para busca;

  3. Estabelecimento dos critérios de seleção da amostra;

  4. Análise geral dos resultados da pesquisa;

  5. Definição da amostra final 13 .

A fim de delimitar melhor o campo de produção do tema abordado, utilizaram-se os seguintes Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), em português, inglês e espanhol: “bioética”, “ética” e “educação física”. A escolha por somente esses três descritores deveu-se ao fato de eles serem mais abrangentes no momento da averiguação. A busca foi realizada nas seguintes bases de dados: LILACS, SciELO, Web of Science, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e PubMed. Realizou-se a busca também em bases de abrangência multidisciplinar e nas áreas de educação e educação física: Scopus, ERIC e SPORTDiscus.

Na base de dados PubMed, utilizou-se a estratégia de busca com termos cadastrados no Medical Subject Headings (MeSH) e palavras como “ all fields ”, no intuito de agregar estudos que ainda não foram indexados. Para as bases LILACS, SciELO e Web of Science, utilizou-se a estratégia de busca com os descritores em saúde, organizados a partir dos operadores booleanos “ and ” e “ or ” para recuperar a informação qualificada.

Na seleção dos artigos, consideraram-se critérios de inclusão: textos completos, com acesso gratuito pelo Portal de Periódicos Capes, nas línguas portuguesa, inglesa, francesa e espanhola, abordando a temática ética e/ou bioética e sua relação direta com a EF. Não foram estabelecidos critérios quanto ao limite temporal de realização dos trabalhos. Os critérios de exclusão foram: estudos com desenho de pesquisas clínicas, editoriais, teses e dissertações, avaliação de protocolos sobre programas de atividade física e revisões. Ademais, realizou-se a busca reversa a partir das referências dos artigos encontrados, ou seja, busca das referências utilizadas nos estudos identificados durante a pesquisa.

Para verificação dos dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo temático proposta por Bardin 14 , com as seguintes etapas: 1) pré-análise (organização dos artigos selecionados na revisão); 2) exploração do material; 3) tratamento dos resultados; 4) inferências; e 5) interpretação. Para auxiliar a análise de conteúdo, utilizou-se o software Atlas.ti versão 7. Este estudo é resultado de pesquisas realizadas pelos autores no âmbito do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Resultados

A busca nas bases de dados possibilitou recuperar 1.447 artigos, assim distribuídos: PubMed, 271 artigos; LILACS, 50 artigos; SciELO, 14 artigos; Scopus, 117 artigos; SPORTDiscus, 613 artigos; Web of Science, 67 artigos; BVS, 189 artigos; e ERIC, 126 artigos. Do total de artigos recuperados e 16 eram duplicados, restando 1.431 artigos. Aplicando os critérios de exclusão, 1.245 artigos foram eliminados por meio da leitura dos títulos, resultando, ao final, em 186 estudos. Em seguida, passou-se à análise de resumos, e foram eliminados 166 artigos cujas temáticas envolvem desempenho esportivo, código de ética no esporte e ética em pesquisa não relacionada diretamente à área de EF.

Assim, 20 estudos passaram para a etapa de leitura completa. Destes, 14 abordam análise de programas de treinamento, psicologia e comportamento físico, efeitos de treinos e esporte, ou seja, não se encontram diretamente relacionados à temática do presente estudo. Desse modo, seis artigos foram incluídos após realizada a leitura na íntegra. A partir da busca reversa nas referências dos seis artigos restantes, outros seis artigos foram incluídos na revisão, totalizando 12 artigos, como se pode observar no fluxograma da Figura 1 .

Figura 1
Fluxograma de seleção dos artigos elegíveis

Os 12 artigos selecionados eram provenientes de nove diferentes revistas. Três revistas tiveram duas publicações cada: Sport, Education and Society (fator de impacto 1.962), European Physical Education Review (fator de impacto 2.000) e Quest (fator de impacto 1.333). As demais revistas tinham um estudo cada. A revista com melhor fator de impacto foi Physical Education & Sport Pedagogy (fator de impacto 2.035), e as demais não apresentam avaliação de fator de impacto, sendo elas: Recerca: Revista de Pensament I Anàlisi , Adapted Physical Activity Quarterly , Life Science Journal , Acta Universitatis Carolinae: Kinanthropologica e Universal Journal of Education Research.

A maioria dos estudos foram publicados em revistas provenientes do Reino Unido 4 , 5 , 8 , 9 , 11 , 15 , 16 , seguidos de revistas dos Estados Unidos 6 , 17 , uma revista da Espanha 10 , uma da China 12 e uma da República Tcheca 7 . Os estudos incluídos na amostra foram publicados a partir do ano 2005, sendo o ano de 2012 aquele com três publicações 7 , 8 , 17 , e o mais recente, publicado em 2018 6 .

Foram incluídos estudos de universidades de diferentes países, sendo dois estudos desenvolvidos por universidades canadenses 11 , 17 , dois de universidades portuguesas 10 , 15 , dois de universidades turcas 6 , 12 e um estudo em universidades dos seguintes países: Suíça 9 , Reino Unido 16 , Estados Unidos 8 , República Tcheca 7 , Noruega 5 e Austrália 4 . Todos os estudos foram publicados em língua inglesa.

Quanto à natureza dos estudos, nota-se que todos são pesquisas qualitativas. Com relação à coleta de dados, alguns estudos realizaram a combinação de entrevistas semiestruturas, diário de campo e observação não participante 4 , 6 , 8 , 10 , estudo de caso 8 , 12 e grupo focal 4 . Quanto à metodologia de análise referida nos estudos, havia ensaio teórico 5 , 7 , 11 , 16 , 17 , etnografia 9 , análise de conteúdo 8 , 11 , 12 , análise dialética 4 e hermenêutica 10 .

Após analisar o conteúdo temático 14 , evidenciaram-se quatro categorias de questões representativas para ética/bioética: EF como meio para o desenvolvimento ético no âmbito escolar; potencial do esporte como meio para a educação moral como formação de virtudes; nível de conhecimento de profissionais de EF sobre ética; e ética na formação dos profissionais de EF. Tais categorias estão exemplificadas no Quadro 1 .

Quadro 1
Categorias de análise segundo questões representativas para a relação entre educação física e ética/bioética

Educação física

Desenvolvimento pessoal no âmbito escolar

A seguir, são discutidas as quatro categorias resultantes da análise de conteúdo 14 . Essa categoria agrupa os achados nos artigos de Wrench e Garrett 4 , Görgüt e Tutkun 6 , Pezdek 7 , Barker, Barker-Ruchti e Pühse 9 , Costa, McNamee e Lacerda 15 , que abordam a importância da EF escolar no desenvolvimento pessoal e social dos alunos, podendo, nesse sentido, incluir a dimensão ética. Discute-se essa categoria a partir de valores e da formação moral e ética dos alunos no contexto das aulas de EF.

No intuito de compreender melhor o desenvolvimento moral, cabe, inicialmente, conceituar o termo “valor” como qualidades atribuídas pelos sujeitos, capturadas pelas razões e emoções e distinguidas de seus opostos (desvalor), das coisas, das ações, das instituições e dos sistemas, o que permite acondicionar o mundo e torná-lo habitável, para que se possa viver nele plenamente 18 - 21 .

Com base nos artigos identificados, uma das características mais importantes que formam o caráter de um indivíduo para a vida em sociedade são os valores que ele aprecia e procura pôr em prática durante a vida 6 . Por moral da instituição escolar, entende-se o sistema de valores e crenças como a moral a ser apreendida pelos alunos no âmbito escolar, os quais podem ocupar posição central ou periférica 7 . Os valores centrais constituem o foco de interesse e ações individuais específicas, moldando as posições num grau considerável, além de definir a direção do desenvolvimento pessoal dos alunos. Os valores periféricos não influenciam muito a vida dos sujeitos em formação, neste caso, dos estudantes, pois não afetam a corrente principal de sua vida cotidiana 7 .

Nessa perspectiva, a EF é uma construção sociocultural criada por pessoas, para pessoas e com base em objetivos e valores humanos específicos 5 , sendo, portanto, embasada nos chamados valores centrais. Diante disso, a EF escolar é responsável pelo desenvolvimento da competência axiológica-atitudinal dos estudantes, o que condiciona suas escolhas morais, desejos e objetivos, constituindo tanto a imagem do mundo quanto sua própria imagem no mundo 4 .

No entanto, é importante ressaltar que a educação moral pode ser posta em prática na instituição de quatro maneiras: 1) educação moral como socialização (ajustar os indivíduos à comunidade em que vivem); 2) educação moral como esclarecimento de valores (visão liberal); 3) educação moral como desenvolvimento do juízo moral; e 4) educação moral como formação de hábitos virtuosos ou caráter 22 .

Embora o valor crucial nessa axiologia na EF seja o corpo, ele aparece em um contexto tão amplo que excede significativamente sua compreensão tipicamente física, uma vez que entra em vários relacionamentos, influências e dependências mútuas com outros tipos de valores, por exemplo, estéticos, sociais, religiosos, utilitaristas, morais e hedonistas 4 , 7 .

Entende-se a EF escolar como meio para o desenvolvimento pessoal, uma vez que diversidade cultural e pluralidade devem estar contextualizadas em todas as práticas pedagógicas. Esse cenário assenta-se no próprio objeto da EF: o movimento humano, o que torna as crianças e jovens psicológica, física e fisiologicamente ativas 6 , 7 . Além disso, o profissional de EF, seus valores, caráter e personalidade são fator de importância crucial na educação moral e devem assumir uma responsabilidade significativa pela educação ética das crianças e jovens sob seus cuidados 7 , 16 .

Percebe-se que os valores e significados presentes da EF são tão antigos quanto a própria EF. Do ponto de vista psicológico, sociológico e pedagógico, a EF é frequentemente vista como esfera significativa para a socialização de jovens 5 . Da perspectiva fisiológica e médica, a EF é considerada contribuinte importante para a saúde e o bem-estar em geral 5 .

Há, ainda outros pontos de vista sobre valores e significados alusivos à EF que sugerem o desenvolvimento da sensibilidade na EF a partir de quatro vetores no âmbito escolar: educação da sensibilidade epistêmica, educação da sensibilidade ética, educação da sensibilidade estética e educação da sensibilidade política 15 .

Com relação ao primeiro vetor, é necessária a educação da sensibilidade epistêmica, por meio da busca de conhecimento da realidade, entendendo isso como resultado da plenitude das capacidades humanas. O segundo refere-se à educação da sensibilidade ética, buscando desenvolver autonomia, liberdade e responsabilidade. O terceiro deve-se à educação da sensibilidade estética, na tentativa de desenvolver a capacidade de apreciação, contemplação, prazer e julgamento estético da realidade. E o quarto e último vetor diz respeito à educação da sensibilidade política (consciência social) para formar cidadãos devidamente dedicados à pólis, à sociedade à a criação de consciência comum, promovendo relações harmoniosas entre eles e o mundo 15 .

Além dos vetores presentes na EF no âmbito escolar que confluem para a formação pessoal dos estudantes 15 , observam-se dois planos que orientam a EF escolar: o tecnológico e o axiológico. O primeiro é responsável por desenvolver a capacidade de usar o próprio corpo, coletar e processar informações sobre cultura física. O segundo é responsável pelo desenvolvimento axiológico dos estudantes. Soma-se a isso o sistema de valores dos alunos.

Além dos valores centrais e periféricos, encontram-se os autotélicos e instrumentais. Os primeiros constituem um objetivo em si e os últimos são uma ferramenta utilizada para alcançá-lo 7 . Assim, a educação e, especificamente a EF, ocupam lugar importante na condução de atividades como incentivo ou desenvolvimento dos valores dos indivíduos 6 .

Pezdek 7 aponta que a educação ética geralmente é considerada em um entendimento estreito e em outro amplo. Um entendimento restrito reduz a educação ética a determinada disciplina escolar, que familiariza os alunos com teorias e normas éticas, além de descrições e avaliações do comportamento moral. Já um entendimento amplo consiste em tecer questões éticas em relação à sociedade e a um indivíduo 7 . Diante disso, quando os alunos refletem sobre essas questões, promove-se um engajamento para uma atitude mais deliberativa e envolvida com o conteúdo ético nas atividades em sala de aula. Assim, promovem-se maiores avanços em termos de educação ética 15 .

Convém ressaltar que, entre os artigos analisados, as definições de ética e moral foram utilizadas mais como sinônimos do que como conceitos distintos, sendo ambas abordadas, portanto, como elementos que contribuem para o desenvolvimento pessoal no âmbito escolar, sobretudo infantil. É oportuno lembrar que ética e moral têm etimologia similar. No entanto, moral é a formação do caráter na vida cotidiana, relacionada a fenômenos culturais específicos, envolvendo os valores que cada grupo compartilha 22 , e ética é a reflexão sobre essa formação moral, sobre os valores.

Além disso, doutrinas morais tratam de sistematizar conjuntos concretos de princípios, normas, preceitos e valores. Já teorias éticas buscam explicar o fato de os seres humanos se orientarem por códigos morais 23 . Logo, um valor considerado correto para um grupo social pode não o ser para outro. Por conseguinte, dada a existência da pluralidade moral, a reflexão ética é imperativa para a vida em sociedade, e a educação infantil é um locus propício para o exercício ético, inclusive no campo da EF.

A moral dos seres humanos consiste em um sistema de regras baseadas em valores e crenças. A ética é o exercício reflexivo mediante conflito de valores, na busca de uma solução responsável, prudente. A ética está relacionada a decisões tomadas nesse tipo de situação conflitante de valores e, para isso, lança-se mão da deliberação moral 24 .

Considera-se que o processo de desenvolvimento pessoal de crianças seja o resultado da interação entre os meios familiar, escolar e social. No âmbito escolar, respaldada por uma práxis pedagógica, a aula de EF propicia situações interpessoais, vivências físicas e culturais que possibilitam a socialização como processo de educação moral.

Potencial do esporte

Educação moral como formação de virtudes

Nesta categoria, inclui-se o potencial do esporte como meio para o desenvolvimento moral. O tópico é composto pelos achados dos seguintes artigos: Görgüt e Tutkun 6 , Pezdek 7 , Barker, Barker-Ruchti e Pühse 9 , Costa, McNamee e Lacerda 10 , 15 e Jones 16 . Aqui, atribui-se uma visão ampliada do esporte em uma linguagem universal para o potencial de desenvolvimento moral, para além de EF e esporte como marco social para crianças e adolescentes, conforme apresentado na primeira categoria.

O esporte contribui para saúde e bem-estar e tem como propósito a formação do sujeito ético. Nesse sentido, a prática de esportes, seja em ambiente escolar, seja em clubes, como elemento da cultura no âmbito profissional e na seleção de futebol de um país, propicia excelente espaço para aprender situações e diferentes critérios de desempenho que valorizam cada vez mais o conteúdo ético do esporte 10 . Desse modo, o esporte tem potencial moral, materializado em uma luta pela excelência, a qual exige profundo respeito por valores morais, como fair play , igualdade, tolerância e justiça 15 .

Acerca desse assunto, Jones 16 aponta que a ação moral em geral e no esporte em particular, é informada por outros conceitos e construções, como virtude, orientação motivacional, maturidade, princípios, julgamento, raciocínio, percepção, emoção e inúmeros fatores situacionais. Além disso, atribui-se a esse potencial a questão dos elementos da ética esportiva no contexto da EF, utilizados no sentido pedagógico, como: regulamentação e estrutura normativa do esporte; espírito do esporte e seus valores internos; direito de praticar/fazer esportes; superação no esporte; e esportes como oportunidade para uma ética que ultrapasse o cumprimento dos deveres 10 .

Por essa razão, atividades esportivas exercem papel importante no desenvolvimento pessoal, uma vez que podem ser praticadas como direito de todos, no esporte escolar, no esporte como lazer e no esporte de desempenho e rendimento. Ademais, o conteúdo e o significado do esporte são apreendidos tanto no nível comportamental quanto no conceitual, pois ambos são inter-relacionados 15 . Entende-se que a popularização do esporte entre os jovens contribui não apenas para a melhoria da condição de saúde da sociedade, mas também para o crescimento da consciência ética dos cidadãos em pleno exercício 7 .

A atividade esportiva contribui para o desenvolvimento de competências cognitivas, afetivas, éticas, estéticas, de relação interpessoal e de inserção social. A distribuição de papéis, o convívio com as regras, a relação estabelecida entre vitória e fracasso e, por fim, a rivalidade e a cooperação cultivam valores e comportamentos condizentes com as próprias bases democráticas sobre as quais se fundamentam a sociedade contemporânea 25 .

Três vetores relacionados ao esporte poderiam colaborar para a perspectiva ética: 1) o primeiro contribui para o papel da EF no desenvolvimento de sensibilidade e respeito dos alunos pelos bens internos e pelas características constitutivas de cada esporte; 2) o segundo remete ao cultivo da responsabilidade de proporcionar contextos de aprendizagem que promovam superação e perfeccionismo atlético entre os estudantes em termos de desempenho esportivo; e 3) o terceiro está relacionado ao cultivo da responsabilidade de promover entre os alunos, por meio da experiência pedagógica esportiva, o respeito por si , pelos outros e pela integridade por meio de atividades esportivas 15 . Noleto 25 aponta os efeitos positivos que as atividades esportivas exercem na formação de crianças e jovens, visto que, além de integrá-los, a oferta de atividades esportivas, artísticas e culturais ajudam na socialização e na reconstrução da cidadania.

Nota-se que, numa abordagem fenomenológica, o esporte pode ser portador de comportamentos bons ou ruins, o que depende apenas daqueles indivíduos em particular que lhe dão significado e, às vezes, de sociedades inteiras. Assim, o sentido e o significado do esporte foram criados com base nos valores por meio dos quais cada pessoa define seus objetivos e toma decisões. Esses objetivos podem ser de natureza competitiva (valores agonísticos), envolver cuidados com o corpo (valores estéticos), assinar um contrato com clube (valor utilitário), prazer (valores hedonísticos), adoração (valores religiosos) ou tornar-se uma boa pessoa (valores morais) 7 .

À visão de ética esportiva e educação em valores no contexto da prática esportiva (modéstia, respeito, honestidade, igualdade, defesa dos direitos, solidariedade e fair play ) 6 , 9 pode-se somar a questão de flexibilidade e espaço para pragmatismo, sem comprometer os valores básicos. Ou seja, em curto prazo, os proponentes da EF podem apontar o desenvolvimento moral e/ou a saúde. Em longo prazo, valores relacionais e humanistas conferem orientação e estabilidade aos ideais educacionais 5 .

Nessa perspectiva, o potencial ético do esporte vai além de fronteiras legais, regulamentares e funcionalistas, pois também reproduzem questões de comprometimento ético e consciência ética por seus praticantes no modo de sentir e pensar, entender e avaliar. Portanto, a ética do esporte não se limita a aspectos técnicos e, naturalmente, cabe ressaltar, alguns aspectos relevantes da ética do esporte em geral ainda precisam ser sistematicamente explorados 10 .

Embora os artigos abordem valores e potencialidades do esporte, observa-se que não houve referência a questões que fazem parte do universo esportivo e devem ser amplamente discutidas, como valores cooperativos no esporte, a importância da derrota no esporte e práticas de doping , sendo esta uma lacuna da produção científica.

Na literatura, verifica-se o debate sobre jogos cooperativos em vários contextos, e este estudo apoia-se nas reflexões de Brotto 26 , que discute a importância da categoria jogos cooperativos. Para o autor, os jogos e o esporte são princípios socioeducativos que podem potencializar a cooperação e a solidariedade entre os envolvidos do processo. Nessa perspectiva, entende-se ser de extrema importância saber lidar com as emoções negativas provenientes da derrota no esporte.

De acordo com Nunes 27 , um dos principais objetivos da iniciação esportiva é desenvolver habilidades psicológicas específicas, como saber ganhar e perder, jogar limpo e saber controlar-se em momentos de dificuldade. Para isso, é necessário desenvolver, tanto em ambiente familiar como em outros ambientes, uma educação emocional, pois nos jogos cooperativos/competitivos há maior percepção negativa, em razão da competitividade, visto que muitas emoções negativas surgem quando se perde uma competição 27 .

Por fim, um tema recorrente no esporte envolve valores como fair play , respeito e honestidade e diz respeito ao doping no esporte. Entende-se por doping o uso de substâncias, drogas ou métodos ilícitos empregados para melhorar o desempenho esportivo. Sobre esse tema, Cardoso 28 afirma ser um problema do esporte moderno e contemporâneo, configurando-se na violação ao princípio da igualdade formal entre competidores, que é, ao mesmo tempo, antiética e ilícita, além de ser prejudicial à saúde e poder causar a morte, verdadeiro contrassenso ao ideal esportivo.

Nesta categoria, salientaram-se, em sua maioria, aspectos favoráveis ou o que se julga potencialmente positivo para um desenvolvimento ético/moral por meio do esporte. A prática esportiva, além de contribuir para saúde e bem-estar, propicia a seus participantes vivenciar a compreensão de valores e a reflexão sobre a conduta no cotidiano. Merecem destaque as lacunas sobre esse aspecto na literatura internacional apontadas nesta revisão, tais como o doping , valores cooperativos e derrota no esporte.

Ética

Nível de conhecimento de profissionais de educação física

Esta categoria discute o nível de conhecimento de profissionais de EF sobre ética, com base nos seguintes estudos: Wrench e Garrett 4 , Loland 5 , Görgüt e Tutkun 6 , Jung 8 , Costa, McNamee e Lacerda 10 , Goodwin e Howe 11 e Goodwin e Rossow-Kimball 17 . Os achados referem-se as questões de preparação dos profissionais nas universidades, nível de informação sobre educação ética e implicações de baixo nível de conhecimento sobre ética na prática cotidiana, na tomada de decisão e nos enfrentamentos de dilemas morais em contextos variados.

Entre os problemas relacionados às competências e habilidades de profissionais de EF para lidar com situações complexas no ambiente de trabalho, identifica-se o processo de formação nas universidades. A crítica direcionada às universidades parte da necessidade de promover a educação ética de maneira contextualizada na realidade vivenciada 5 , 8 , 10 , 15 . Entende-se que, para desenvolver sensibilidade ética, é preciso amadurecimento, por meio de experiências e situações de enfrentamento durante a formação.

Desse modo, para um melhor engajamento na educação ética, deve haver envolvimento com discursos socialmente críticos na formação dos profissionais de EF, a fim torná-la um local de inclusão, e não de marginalização e exclusão, em seus diversos campos de atuação 4 . O estudo de Görgüt e Tutkun 6 , cujo objetivo foi avaliar a opinião de professores de EF sobre o conceito de educação em valores, corrobora com os achados. Os autores observaram que o nível de informação dos profissionais de EF sobre educação em valores não é suficiente.

Apesar dessa constituição do potencial da EF, seja via esporte ou outras práticas da área para uma educação ética, ainda se observa que os profissionais de EF referem apresentar baixo nível de conhecimento sobre ética e suas implicações na prática cotidiana 6 . É possível inferir que ainda é incipiente a troca de informações a partir de debates, cursos e disciplinas nas universidades na temática de ética e bioética.

A necessidade de problematizar questões relacionadas a ética e bioética no contexto da EF pode ser observada por meio do relato de barreiras para o enfrentamento de situações de conflitos éticos 6 . Nesse sentido, Goodwin e Howe 11 apontam que julgamentos éticos fazem parte da vida profissional, reforçando, portanto, a importância de uma mudança na formação dos profissionais de EF, e isso será possível se as universidades promoverem reflexão crítica, de modo a contribuir para a compreensão de problemas éticos em contextos complexos 11 , 17 .

A complexidade em termos de ética na EF foi abordada por Goodwin e Rossow-Kimball 17 , que descrevem quatro enfoques éticos (ética principialista, ética da virtude, ética do cuidado e ética relacional) no contexto da atividade física adaptada (APA). As autoras discutem o uso dos enfoques de maneira isolada e suas implicações e, posteriormente, apresentam uma melhor forma de pensar eticamente a prática profissional na APA 17 . Segundo elas, ao utilizar cada enfoque isoladamente, podem ocorrer situações complexas no contexto da atividade física adaptada.

O nível de conhecimento sobre a pluralidade de enfoques ético pode ampliar a compreensão e minimizar problemas éticos na prática profissional em EF. Goodwin e Rossow-Kimball 17 relatam que a teoria ética fornece o espaço conceitual para buscar a pluralidade e a diversidade de diferentes perspectivas teóricas. Ao considerar múltiplas perspectivas para diversas situações, pode-se trazer profundidade de possibilidades interpretativas enriquecedoras.

Cada um dos enfoques éticos apresentados, por exemplo, poderia ser debatido na medida em que eles refletem autonomia e interdependência, universalidade e contexto particularista, razão e emoção. Ressalta-se que nem todos os enfoques são igualmente úteis em todas as circunstâncias apresentadas e que um enfoque não necessariamente é mais apropriado que outro. Em vez disso, os enfoques éticos podem ser vistos como complementares entre si, e não como contraditórios 17 . Goodwin e Howe 11 reforçam a importância de ampliar o nível de conhecimento sobre teorias éticas, de modo que a reflexão sobre a prática ética seja justa e adequada.

Na formação do profissional de EF, há desafios a serem superados. Da universidade, espera-se o comprometimento com a educação reflexivo-crítica, debate ético e estímulo ao engajamento de docentes e discentes na busca por excelência, além de possibilidade de discutir diversos temas relevantes para o campo da EF em ambientes de formação formal e de educação continuada e de que profissionais de EF possam compreender os enfoques éticos, a fim de evitar entendimentos equivocados na prática cotidiana.

Formação ética dos profissionais de educação física

Fazem parte desta categoria os seguintes artigos: Wrench e Garrett 4 , Loland 5 , Görgüt e Tutkun 6 , Pezdek 7 , Jung 8 , Barker, Barker-Ruchti e Pühse 9 , Goodwin e Howe 11 , Özbek 12 , Costa, McNamee e Lacerda 15 e Jones 16 . Esta categoria trata da formação ética de profissionais de EF com capacidade para fortalecer as áreas de atuação (licenciatura e bacharelado) como um veículo para a educação ética 5 , 10 , incluindo questões que se referem a modelos de programas de formação fundamentados na adoção de conhecimentos humanístico no currículo base, tal qual na ampliação da prática reflexiva crítica e ética desses novos profissionais.

Com relação à qualificação, a maioria dos estudos desta revisão apontam modelos de programas de formação profissional e educação continuada com foco em educação ética 4 , 7 , 11 , 12 , 15 . Entre as propostas de modelos, sugere-se adotar um programa de formação em educação em valores com potencial para qualificar futuros profissionais 6 . Por exemplo, no âmbito escolar, a partir dessa formação desenvolvem-se meios de preparar os profissionais de EF para atender às necessidades de crianças e jovens por meio de práticas pedagógicas socialmente críticas 4 .

Diante disso, pensar em currículos e programas alinhados à base teórica do desenvolvimento físico do indivíduo, bem como às teorias humanísticas relativas à formação de atitudes, amplia a reflexão sobre as práticas profissionais 6 , 7 . Profissionais de EF em determinados contextos apresentam dificuldades para tomada de decisão 8 , 11 , 12 diante de conflitos morais. Nesse sentido, os achados apontam a necessidade de um novo perfil de profissionais de EF, por meio do estímulo à mudança na prática profissional 4 , 8 , 9 , 11 .

O trabalho ético envolve reflexão crítica sobre práticas consolidadas na EF 4 , 8 , 9 , 11 , 16 que, em determinados contextos, podem promover ou inibir o trabalho, causar esgotamento, causar lesões em alunos/pacientes/clientes e, ainda, promover a desvalorização do profissional 8 . Na formação de profissionais de EF, é necessário fomentar uma educação para a diversidade 6 , com valores como autonomia e integridade 11 e consciência ética.

A constatação de falta de ferramentas por profissionais de EF que enfrentam cada vez mais conflitos morais exige deles conhecimentos e habilidades interpessoais 7 . Entre os problemas vivenciados, destacam-se questões relacionadas a trabalho, progressão, educação, erros e sucessos, questões relativas aos direitos de grupos étnicos e religiosos no âmbito escolar, dimensões morais do comportamento dos alunos e questões gerais na escola 12 .

De certo modo, os problemas éticos enfrentados em locais de trabalho cada vez mais complexos por profissionais de EF decorrem, principalmente, da falta de treinamento formal em ética. Isso pode ser justificado pelo fato de o trabalho ético exigido dos profissionais de EF envolver a compreensão de como as questões éticas surgem, como estão estruturadas e como são gerenciadas nos locais de trabalho 11 . Isso demonstra que é pertinente a discussão sobre a formação de profissionais de EF no tocante ao direcionamento de questões para a abordagem ética e bioética direcionados ao contexto complexo e multidimensional presente na vida humana 6 , 8 .

Nesse contexto, fica evidente que somente a deontologia no currículo não é capaz de lidar com as questões éticas e morais a que os futuros profissionais serão expostos 12 . A necessidade de um olhar ético na EF, por meio de uma ética aplicada 11 , implica um modelo de deliberação baseado na problematização de conflitos morais contemplados na relação entre ética, bioética e EF.

A bioética permite compreender a pluralidade da sociedade, suas diversidades e valores, com princípios que possam proteger essas relações societárias sem que se estabeleçam normas rígidas e inflexíveis 29 . Isto é, um currículo diversificado e interdisciplinar torna os profissionais que buscam os caminhos da bioética qualificados a contextualizar problemas morais, resultando num aprendizado plural e dinâmico 30 . A educação ética relatada nos estudos defende a contextualização da realidade vivenciada 5 , 8 - 10 , 15 , 16 como um processo por meio do qual profissionais refletem a prática no contexto em que estão situados8 . Assim, práticas socialmente críticas evidenciam o potencial da EF como veículo para a educação ética 5 , 10 .

O despreparo dos profissionais no enfrentamento de conflitos, apontado nesta revisão como um problema, decorre da formação baseada em uma concepção tradicional e hegemônica, qual seja, aquela ligada ao modelo biomédico e a conhecimentos técnicos e instrumentais da EF 4 , 7 . Um modelo de formação de profissionais reflexivos deve ser constituído por conhecimentos técnicos, instrumentais e humanísticos 4 , 5 , 7 , 11 , 15 , implicando a construção de conhecimento, normas de comportamento e maneiras éticas de se relacionar consigo mesmo e com os outros 4 .

Nesse sentido, a competência ética requer um novo tipo de profissional de EF, que busque, simultaneamente, construir entendimentos humanistas e habilidades de ensino de práticas eficazes na solução de conflitos 4 , 7 , 8 , 11 . Outra questão relatada nos estudos refere-se à reflexão por meio da autoavaliação, que possibilita um estímulo a mudanças na prática cotidiana. A ação de refletir sobre a conduta ética nos espaços de trabalho contribui para a tomada de decisões deliberada 8 , 11 , 12 .

Na tomada de decisão ética, crenças pessoais, princípios, regras e habilidades de resolução de problemas éticos são eficazes. Como citado anteriormente, muitos profissionais apresentam dificuldades em tomar decisões quando enfrentam dilemas éticos em situações complexas. Nesse contexto, o exercício para tomada de decisão ética envolve consciência moral, julgamento moral, intenção moral e aplicação do comportamento moral 12 .

Entende-se que programas de formação pautados em conhecimentos humanísticos podem representar um espaço ímpar para o debate crítico acerca de temas de ética e bioética no contexto da EF. É importante frisar o nível de comprometimento dos profissionais de EF nesse processo de formação, vez que a qualificação da conduta ética se relaciona ao nível de desenvolvimento e conhecimento ético apreendido.

Considerações finais

Com a intenção de contribuir para a reflexão acerca da ética e da bioética no campo da EF, este estudo identificou questões éticas inerentes à prática profissional do profissional de EF no que diz respeito à intervenção no âmbito escolar, ao cenário esportivo como espaço para vivências de valores, à necessidade de uma sensibilidade moral e ética estimulada continuamente, à formação adequada e, finalmente, à importância de um profissional de EF capaz de refletir e compreender criticamente as situações cotidianas.

Vale notar que, na primeira categoria, o foco da intervenção do profissional de EF relaciona-se ao ambiente escolar. Entende-se esse espaço como um ambiente propício a situações de ensino singulares e dotadas de estímulo a vivências de aprendizado, observação, cooperação e avaliação de atitudes e comportamentos. Assim, é necessário ter em mente que o profissional de EF deve compreender valores e desenvolver uma prática condizente com o ensino reflexivo, crítico e ético.

Paralelamente, na segunda categoria, aborda-se uma visão mais ampla do esporte como potencial para educação moral. Entende-se que a prática esportiva é capaz de propiciar vivência de valores, no entanto, para que esse objetivo se cumpra, profissionais de EF que atuam nessa área devem investir em formação ética, a fim de que se tornem capazes de refletir sobre possíveis conflitos e os meios para solucioná-los.

Na terceira categoria, verificou-se que é necessário atentar ao papel da universidade no engajamento por meio de ensino e/ou formação continuada em ética, o que reverbera no desenvolvimento de competências éticas e de sensibilidade dos profissionais EF. Ademais, reforça a ideia de qualificar o entendimento sobre os enfoques éticos, no intuito de evitar quaisquer compreensões equivocadas. É necessária uma formação ética de longo prazo, adotando reflexões cotidianas no contexto da EF.

Questões relativas a formação ética, prática profissional reflexiva e educação em valores, aprofundadas na quarta categoria, indicam a compreensão de que não bastam os conhecimentos técnicos-instrumentais na EF, visto que expandir o entendimento sobre a diversidade e o conhecimento humanístico é essencial à formação do profissional de EF. Nesse processo, é indispensável que se inclua a contextualização do cotidiano dos profissionais, com o propósito de estimular a tomada de decisão de maneira justa e mudanças em práticas em situações conflituosas.

Como limitações do estudo, destaca-se que este abordou apenas os artigos disponíveis gratuitamente nas bases de dados de acesso da Capes, bem como não foram incluídas teses e dissertações. Ainda assim, pode-se perceber a escassez na produção científica acerca da temática ética e/ou bioética na EF. Portanto, é importante fomentar o desenvolvimento de estudos que tragam um olhar ético/bioético sobre as práticas vivenciadas por profissionais de EF.

Neste artigo, buscou-se discutir questões relacionadas a intervenções do profissional de EF a partir de um olhar crítico e reflexivo. É importante sensibilizar estudiosos para realizar pesquisas sobre essa temática, ainda à margem da produção científica no campo da EF, considerando, principalmente, as seguintes lacunas encontradas: estudos relacionados ao doping , valores cooperativos e derrota no esporte.

Por fim, é possível considerar que os profissionais devem conhecer o contexto social e cultural no qual desenvolvem suas práticas cotidianas e encarar as potencialidades da área de EF para o desenvolvimento moral e ético, porém, com responsabilidade, comprometidos, sobretudo, com a compreensão de como, por que e quando utilizar a competência ética (conhecimento, habilidade e atitude) e bioética em suas práticas.

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Disponibilidade de dados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2020
  • Revisado
    24 Mar 2022
  • Aceito
    26 Maio 2022
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