Resumo
Este artigo analisa parte da produção do Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema a partir das noções de tempo e de história expressas em seus filmes (e filmagens) que, por um lado, denunciam um passado violento que se mantém no presente e, por outro, fortalecem suas lutas pelo território, pelo Bem Viver (nhanderekó). O foco da análise documental são os primeiros filmes do Coletivo - Mokoi Tekoá, Petei Jeguatá: Duas aldeias, uma caminhada (2008) e Bicicletas de Nhanderú (2011) -, quando o grupo constrói um fazer fílmico coletivo impulsionado pelos desafios da colonialidade. Para melhor compreender esta linguagem, fazemos uso do conceito de aesthesis decolonial, demonstrando que essa narrativa guarani não apenas combate o discurso eurocentrado, mas cria uma forma singular de filmar e de contar sua história ancorada nas relações entre oralidade, território e ancestralidade.
Palavras-chave: História Indígena; Cinema; Tempo
Abstract
This article analyzes films of the Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema through the notions of time and history. The films denounce a violent past that remains in the present and strengthen their struggles for the territory and Bem Viver (nhanderekó). The focus of the analysis are the first films - Mokoi Tekoá, Petei Jeguatá (2008) and Bicicletas de Nhanderú (2011) -, when the group builds a collective filmmaking driven by the challenges of coloniality. To better understand this language, we make use of the concept of decolonial aesthesis, demonstrating that this indigenous narrative does not only combat Eurocentric discourse, but creates a singular storytelling anchored in the relations between orality, territory and ancestry.
Keywords: Indigenous History; Cinema; Time
A produção audiovisual indígena, que se consolidou no Brasil nas últimas décadas, altera o lugar historicamente reservado aos indígenas de representados pelo outro à protagonistas de suas narrativas. Filmar se tornou uma potente forma de contar histórias e de retratar culturas segundo parâmetros indígenas, através de uma linguagem não-escrita reveladora da força da oralidade. Trata-se de uma produção heterogênea, devido à expressiva diversidade indígena, na qual o fazer fílmico é parte do movimento político de afirmação identitária e de luta pelo território. O cinema indígena1 é, nesse sentido, uma prática sensível e crítica que perfura as poderosas e violentas malhas da colonialidade do poder, do saber e do ser.
Ao apresentar a Bienal de Cinema Indígena, ocorrida em São Paulo em outubro de 2016, Ailton Krenak definiu o cinema indígena como uma “revolta do olhar” que se distancia da linguagem cinematográfica standard: “A imagem já está pastel demais. Hollywood pasteurizou a imagem. Nós queremos despasteurizar, estamos fazendo uma espécie de revolução do olhar. É mais uma revolta do olhar do que uma revolução. É um olhar que não aguenta mais a mesmice” (KRENAK, 2016). Esse cinema, ainda segundo o filósofo e ambientalista Krenak, surge da vivência cultural dos indígenas com imagens que não são controladas, porque transcendentais. Como argumentou André Brasil, “é como se o cinema indígena reelaborasse a tradição escópica ocidental a partir de sua própria cosmologia, de sua própria perspectiva” (BRASIL, 2012, p. 115). As câmeras, afirma o literato indígena Daniel Munduruku, são “armas novas utilizadas para denunciar a degradação ambiental, o roubo dos saberes, além de mostrarem uma leitura própria da realidade interna das comunidades” (MUNDURUKU, 2018, p. 176).
O cineasta Mbyá-Guarani Ariel Ortega (Kuaray Poty), em entrevista que nos concedeu, ressalta que a apropriação da tecnologia não significa distanciamento de seu pertencimento enquanto indígena, contestando uma concepção essencialista, etnocêntrica e a-histórica. Trata-se, pelo contrário, de ação política por demarcação - tanto cultural quanto territorial -, em contexto de profundas adversidades e transformação. Ortega concebe o fazer cinematográfico como uma importante maneira de contar sua história coletiva e de defender, de forma ampla, os direitos dos povos originários e, mais especificamente, o modo de ser guarani. Assim, uma ferramenta tecnológica ocidental, através do uso singular indígena embebido de intencionalidade, se torna arma de luta pela terra ancestral. Ademais, a própria câmera se transforma em um ser da aldeia guarani.
Hoje em dia já não podemos mais, para defender nossas terras, lutar com arco e flecha. Eu estou usando a câmera de outra forma, como luta. É uma ferramenta ocidental mas que eu estou usando para me defender e para contar outra história, minha, que é dentro da aldeia. [...] Então a gente não vai, eu não vou ser menos indígena ou não vou deixar de ser indígena porque eu estou usando a câmera. É muito de como você está usando e para que. Por isso eu sempre digo que quando pego a câmera dentro da aldeia ela se transforma como um ser da aldeia também (ORTEGA, 2018, p. 162)
O cinema indígena, nesse sentido, pode ser percebido como um exemplo admirável de aesthesis decolonial.2 Adoto aqui aesthesis, posto que a palavra remete à sensação e não à noção específica e limitada da beleza consolidada pela teoria da estética europeia no século XVIII (MIGNOLO, 2014). Em termos gerais, como elucida Walter Mignolo, a partir da modernidade se instaura a colonização da aesthesis pela estética, sendo a experiência sensorial europeia construída como universal que, consequentemente, desvaloriza tantas outras. Justamente pelo seu caráter provocativo e singular (de cada povo indígena, ou mesmo de cada aldeia), os audiovisuais indígenas têm a potencialidade de deslocar a padronização do belo e a regulação do sentir. No caso Mbyá, através de uma câmera-guarani que se relaciona com pessoas que partilham da mesma cultura na construção de uma linguagem e narrativa única.
No caso do espectador não-indígena, a passividade de assistir um filme que reproduz com fidelidade um roteiro prévio numa narrativa minuciosamente controlada, dá lugar a um desconforto que instiga uma reflexão crítica junto aos indígenas sobre histórias e culturas originárias. É oportunidade de contestação do senso-comum em torno do ser indígena contemporâneo e da história hegemônica acerca dos povos originários, que os condenam a um passado longínquo e a uma cultura supostamente imutável. O olhar colonial é descortinado - e por vezes fortemente combatido -, por quem devolve um olhar indígena de sujeito (e não de objeto) da história. Afinal, o cinema indígena, e de outros sujeitos e grupos subalternizados, evidencia a existência de inúmeras e diversas formas de ser e de agir no mundo.
Este artigo tem por objetivo refletir sobre a narrativa fílmica produzida pelo Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema, que conecta passado e presente em território ancestral guarani localizado na região Sul do Brasil. O conjunto cinematográfico se constitui de sete filmes intimamente articulados, resultantes de oficinas de audiovisual oferecidas pelo projeto Vídeo nas Aldeias (VNA),3 que constroem um jeito de filmar guarani; uma aesthesis decolonial fílmica reveladora de experiências de tempo e de interpretações guaranis da história - consequentemente, da relação com o outro, o juruá (não-indígena, no geral). A análise documental dará ênfase aos dois primeiros longa-metragens do Coletivo - Mokoi Tekoá, Petei Jeguatá: Duas aldeias, uma caminhada (2008) e Bicicletas de Nhanderú (2011) -, quando a questão territorial torna-se mote dos trabalhos do grupo. O foco nesses filmes se justifica pelo caráter pioneiro da experiência desses guaranis com o fazer fílmico, impulsionados por perguntas sobre as consequências do colonialismo e os desafios da colonialidade. Surgem assim narrativas que, ao mesmo tempo, evidenciam e combatem a violência colonial através de uma nova forma de contar sua história.
“A arte e a estética foram instrumentos de colonização das subjetividades e hoje a descolonização da estética para liberar a aesthesis é um aspecto fundamental dos processos de decolonialidade” (GOMEZ; MIGNOLO, 2012, p. 13). Nessa chave, o cinema indígena como aesthesis decolonial se torna um instrumento que revela e fortalece modos e movimentos indígenas. O filme, portanto, não é o fim em si mesmo. E muito menos está fadado apenas a um público não-indígena. O processo é tão ou mais importante que o produto, em que “o filme aparece como enunciação coletiva, discurso cuja autoria deve ser necessariamente compartilhada, negociada, e cuja negociação é colocada em cena” (BRASIL, 2012, p. 112). Os filmes transcendem a sua materialidade, inclusive após a sua edição e finalização. O arquivamento das centenas de horas de material bruto demonstra tanto a importância do processo de filmagem, quanto possibilita que as gravações não editadas sejam revisitadas por pessoas das comunidades.
Antes de avançarmos, é fundamental entendermos alguns balizadores do pensamento guarani, que tomam forma nas produções audiovisuais aqui analisadas. O primeiro diz respeito à noção de temporalidade, na qual são articuladas as categorias passado-presente através de um sistema de convivência, relação e até fusão entre as duas categorias. O segundo refere-se ao binômio corpo-território e às formas pelas quais os dois conceitos se entrelaçam, não apenas nos filmes guaranis, mas também na vivência e nas lutas contemporâneas indígenas. É emblemática, nesse sentido, a 1a Marcha das Mulheres Indígenas ocorrida em Brasília no mês de agosto de 2019. O movimento reuniu mais de 2.500 mulheres de 130 povos indígenas das cinco regiões do país, representando a diversidade indígena presente nos biomas brasileiros através do slogan “Território: nosso corpo, nosso espírito”. O documento final da Marcha das Mulheres Indígenas apresenta como primeira das quatorze prioridades garantir a demarcação das terras indígenas. Ao ecoar vozes coletivas, declararam: “o território para nós não é um bem que pode ser vendido, trocado, explorado. O território é nossa própria vida, nosso corpo, nosso espírito”.
Enquanto mulheres, lideranças e guerreiras, geradoras e protetoras da vida, iremos nos posicionar e lutar. Difundindo nossas sementes, nossos rituais, nossa língua, nós iremos garantir a nossa existência. [...] A vida e o território são a mesma coisa, pois a terra nos dá nosso alimento, nossa medicina tradicional, nossa saúde e nossa dignidade. Perder o território é perder nossa mãe. Quem tem território, tem mãe, tem colo. E quem tem colo tem cura (MARCHA, 2019, online).
A fala das mulheres indígenas é emblemática: “lutar pelos direitos de nossos territórios é lutar pelo nosso direito à vida”. É notório que os povos indígenas encaram cotidianamente as consequências de uma história colonial que não findou. O período histórico da colonização se encerrou, mas não a perspectiva colonial da história nem os desafios de ser guarani na atualidade. Afinal, o passado que não quer passar insiste em assombrar o presente dos injustiçados da história (BEVERNAGE, 2018). Nesse sentido, a colonialidade vigente é escancarada nos filmes do Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema a partir da luta pelo território, pela vida, na coexistência de temporalidades: o passado traumático que habita o presente e que precisa ser discutido dentro de um projeto de futuro.
O cinema guarani é fruto de um modo de ser que é em sua vivência (histórica e atual) decolonial, que re-existe às colonialidades diversas através do nhanderekó: “termo guarani usado para definir a vida boa ou a nossa vida guarani [...] nosso modo de viver bem em grupo e ter uma longa relação com a natureza e o território em que vivemos” (KUARAY, 2020, p. 23). A primeira cacica guarani reconhecida no Brasil, Kerexu Yxapyry, aprofunda os sentidos do nhanderekó que interliga vida, corpo e espaço, ressaltando a necessidade da terra para o Bem Viver, mote principal do movimento político indígena.
Nhanderekó para nós é um sistema de vida e para esse sistema de vida funcionar tem que estar tudo interligado. A gente tem o tekó, o eu, a minha vida, o meu corpo físico carregando a minha vida dentro do meu corpo. Esse corpo é uma casa, um templo da vida. E a gente tem tekoá, para nós o espaço, o ambiente onde vivem os corpos com vida. O nhanderekó é onde a vida está e é relacionado com todos: com o corpo, com o espaço, com a parte do ambiente. E nós conseguimos fazer circular essa vida, esse respiro, que eu consigo compartilhar com as plantas, com os animais, e com outros seres humanos. Então, isso para nós é o nhanderekó, é viver esse Bem Viver com todos, compartilhar isso com todos. [...] Se a gente precisa viver bem, a gente precisa viver esse Bem Viver, a gente precisa da terra, porque é ela que vai nos dar tudo isso (YXAPYRY, 2021, online).
A vivência indígena não separa nem hierarquiza natureza/homem, corpo/mente, razão/sentir. Desafia, portanto, as dicotomias coloniais impostas pela modernidade. É vida de re-existência, como coloca o artivista afro-colombiano Adolfo Albán-Achinte, numa busca constante de “re-definir e re-significar a vida em condições de dignidade e autodeterminação, enfrentando a biopolítica que controla, domina e mercantiliza os sujeitos e a natureza” (ACHINTE, 2017, p. 20). Afinal, como bem alerta a pensadora guarani Geni Núñez, “enquanto não combatermos a monocultura do pensamento não será possível reflorestar nossa existência” (NÚÑEZ, 2021, p. 5).
A câmera e o tempo guarani: “o nosso jeito de fazer cinema”
A modernidade consolidou um tempo-relógio voltado à produtividade, onde as relações de trabalho capitalistas naturalizam experiências distintas de exploração, gerando expressões como “tempo é dinheiro”, enquanto o sujeito moderno “não tem tempo” para ele mesmo e a natureza é dilacerada. Conforme Albán Achinte, o projeto moderno/colonial construiu uma narrativa do tempo que pode ser percebida através da negação do passado, da rentabilidade do tempo num processo produtivo acelerado, numa ideia de desenvolvimento que gera exploração da natureza como recurso inesgotável em busca de um progresso ilimitado (ACHINTE, 2017, p. 139). Trata-se do aprisionamento do tempo pelo des-envolvimento. “O desenvolvimento, aqui compreendido desde a potência do seu prefixo, diz desse afastamento consigo mesmo e com os demais seres” (NÚÑEZ, 2021, p. 3). O homem se torna o centro, e a natureza mercadoria. Em oposição, vale lembrar da expressão tão difundida pelos indígenas: “não somos donos da terra, somos a terra”. Inspirada no ativista e intelectual quilombola Nêgo Bispo, Núñez elucida: “não é através do desenvolvimento, mas sim do envolvimento com o corpo, com a terra, que tecemos caminhos de convivência saudáveis” (NÚÑEZ, 2021, p. 4).
Como afirma o geógrafo Porto-Gonçalves, dominar a natureza é o fundamento da civilização moderna. “Para isso, os povos a serem dominados foram assimilados à natureza começando por considerá-los selvagens, que significa, rigorosamente, os que são da selva, logo, aqueles que devem ser dominados pela cultura, pelo homem (europeu, burguês, branco e masculino)” (PORTO-GONÇALVES, 2002, p. 218). Ou seja, a invenção do europeu civilizado é também a invenção do selvagem. Embora o colonialismo tenha se restringido a períodos históricos de regiões específicas, é fundamental ressaltar que a colonialidade do poder, do ser, do saber, do gênero, da natureza e do sentir permanece enquanto projeto global. Portanto, se historicamente pessoas racializadas foram escravizadas e mortas, seus descendentes vivenciam as consequências desse passado em violências presentes que atingem reiteradamente seus corpos, modos de vidas e conhecimentos. Afinal, como alerta o historiador belga Berber Bevernage, o conceito de tempo histórico acionado pelos historiadores tem mais em comum com a perspectiva dos perpetradores do que com a de suas vítimas (BEVERNAGE, 2018, p. 23).
As experiências indígenas, por sua vez, transcendem historicamente o tempo linear e irreversível da modernidade, negam o processo de aceleramento focado na produção de bens para o consumo em suas re-existências contemporâneas. Para os povos indígenas, o presente não é uma dimensão temporal separada do passado ou mesmo do futuro. Estão articulados de forma visceral, tanto pela violência colonial quanto pela vivência de um tempo ancestral. É importante ressaltar que as fontes fílmicas são aqui analisadas como aesthesis decolonial posto que se distanciam de uma estética moderna e colonial e, também, da supervalorização de uma inovação autoral individualizada da arte contemporânea, produzindo filmes de autoria coletiva reveladores de outros tempos que não o colonial moderno linear. De acordo com o sociólogo Rolando Vázquez, evidenciam assim temporalidades relacionais num movimento decolonial repleto de esperança. Não uma esperança do verbo esperar, mas do esperançar no construir coletivo, como nos inspira o educador Paulo Freire (FREIRE, 1992, n.p.).
A aesthesis decolonial distingue-se dos princípios da arte contemporânea e em particular da sua sujeição à temporalidade moderna, abrindo-nos para temporalidades relacionais. Os artistas decoloniais exercem uma temporalidade distinta que implica não apenas uma crítica radical à ordem da representação e da visualidade modernas, mas também nos dá a possibilidade de entender a decolonialidade como um movimento carregado de esperança. […] A aesthesis decolonial pode então ser entendida como a libertação de outros tempos que não cabem no tempo colonial moderno, no tempo vazio da modernidade (VAZQUEZ, 2016, p. 77-81).
A riqueza do acervo audiovisual indígena na atualidade é incomensurável, pois através de concepções próprias advindas das aldeias (inclusive históricas) criam-se novas linguagens, erigindo uma revolta do olhar, utilizando a expressão precisa de Ailton Krenak. O ato de filmar se torna, desse modo, um processo coletivo e ancestral, que emerge e se materializa numa experiência de tempo relacional-espiritual, geradora do que estamos chamando aqui de aesthesis decolonial. Os Mbyá-guarani, especificamente, se apresentam na sua singularidade não apenas como forma de demarcar sua própria identidade, mas também como manifesto da diversidade contida no grande caldeirão das culturas originárias de Abya Yala, como podemos perceber na fala do cineasta Ariel Ortega: “Quando falamos em cinema indígena, sua maneira de fazer imagens, de chegar com a câmera, não podemos dizer que é tudo igual. O nosso jeito guarani de fazer cinema talvez seja um pouco diferente dos Kuikuro fazerem cinema, é outra cosmologia, até outro ritmo de filmar. Talvez tenha outro tempo também” (ORTEGA, 2018, p. 159).
Aprofundando a crítica do tempo moderno, Achinte desenvolve a ideia de uma decolonialidade do tempo ou estética da lentidão, que colabora no entendimento do cinema (e da vida) guarani: “Como contra-sentido da aceleração, a lentidão pode ser uma estética decolonial que desafia os ritmos, lembrando-nos que parar para pensar é um ato que in-surge, sugerindo diferentes modos de existir ao projeto globalizador” (ACHINTE, 2017, p. 141). O filme Bicicletas de Nhanderú (2011), segundo longa-metragem do Coletivo Mbyá-Guarani, é expressivo nesse sentido. Na cena inicial uma tempestade se aproxima, nuvens carregadas percorrem um campo verde enquanto uma voz forte e firme diz, na língua Guarani: “Os Tupã são assim. Eles não vêm só para trazer chuva, vêm também para nos proteger. Eles não caminham em vão. Pois nós não vemos os seres que nos fazem mal. Somente eles podem ver...” (BICICLETAS DE NHANDERÚ, 2011, 0’10”). O barulho alto do vento e da chuva continua, porém a imagem se volta para Tataendy, o karaí (líder religioso) que observa aquela natureza em toda a sua sobrenaturalidade e interpela a câmera-guarani (e o espectador) com o seu olhar.
A cena dura um minuto, sem diálogo, gerando uma sensação incômoda de delonga em quem se habituou aos cortes rápidos, aos closes de alta definição e às captações super-produzidas da estética hollywoodiana. A dinâmica fica por conta de duas crianças que brincam no alto de uma árvore, das folhas que se movem devido a força do vento e dos animais que passeiam pelo chão batido. A linguagem provoca o nosso olhar não apenas ao desafiar o relógio, a velocidade do tempo moderno, mas ao evidenciar uma temporalidade relacional ancorada numa ancestralidade espiritual. A narrativa solicita a atenção para o que está por vir, sem, contudo, ter a pretensão de conduzir o nosso olhar. Somos impelidos a nos posicionar de forma ativa diante das imagens e do escorrer do tempo.
A próxima cena é escura, iluminada apenas pelas chamas de uma fogueira no interior de uma casa, onde o karaí guia a conversa com Ariel Ortega, que divide a direção do filme com Patrícia Ferreira (ambos guaranis). Tataendy segura um petynguá (cachimbo sagrado)4 enquanto o cineasta o ouve atentamente, sem segurar a câmera, numa cena provavelmente filmada por Patrícia: “Essas coisas são complexas, se formos pensar. Quando os deuses falam, você não vê nem escuta. O que Tupã fala... o que acontece na meditação é inexplicável. Sem perceber, as palavras chegam e são ditas por você. Nós somos uma bicicleta dos deuses” (BICICLETAS DE NHANDERÚ, 2011, 1’38”). Os líderes espirituais são aqueles por meio dos quais fala Nhanderú - ideia que deu título à película. Na sequência, um raio ruidoso cruza a imagem do plano geral da aldeia e uma senhora demonstra a intenção de utilizar os pedaços de madeira da árvore atingida para a confecção de colares. Os fenômenos não são apenas meteorológicos, mas meios de comunicação cosmológicos. A narrativa se aprofunda na espiritualidade guarani, exigindo do juruá o esforço da interculturalidade e da abertura ao outro, qualidade reconhecida por diversos colonizadores europeus no modo indígena de lidar com a alteridade.
Em estudo sobre a temporalidade Mbyá-Guarani com base em sua mitologia, Luiz Carlos Borges ressalta que a intensa religiosidade deste povo - apontada por larga bibliografia antropológica -, é núcleo do seu etos. A sociedade mbyá, portanto, se estrutura tendo a ordem cosmológica como fundamento. Assim sendo, “a ordem sócio-histórica encontra-se subsumida pela ordem cosmológica, de maneira que o mundo espiritual se sobrepõe à vida terrena, determinando-a” (BORGES, 2002, p. 112). O tempo sagrado funciona como um tempo-base que se diferencia e estrutura o tempo histórico, ao mesmo tempo que ambos se articulam numa relação (in)tensa.
Como afirma sua sinopse, o filme Bicicletas de Nhanderú (e outros do Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema) é uma imersão na espiritualidade dos moradores da aldeia Koenju, no município de São Miguel das Missões, revelando ao mesmo tempo mudanças significativas resultantes do contato com o juruá. Tece, assim, críticas contundentes de um povo que, desapropriado de quase a totalidade de suas terras, enfrenta inúmeros desafios decorrentes da modernidade/colonialidade na busca constante pelo Bem Viver (nhanderekó). A afirmação da diferença cultural guarani se torna assim, como analisa Amaranta César (2012), instrumento de luta, demonstrando a força política de um filme realizado num contexto de constante transformação. Para o jovem cineasta Ariel Ortega, as conversas com os sábios de seu povo são oportunidade de aprendizado intenso, inclusive de palavras filosóficas guaranis que não são mais utilizadas usualmente em conversas cotidianas na aldeia.
Algumas vezes a gente não enxerga e, quando faz o filme, finalmente a gente acorda e vê o filme nos olhando, na tela. Eu aprendi muitas coisas da minha cultura conversando com os Karaí, e isso para mim foi muito importante. Traduzindo eu aprendi muitas palavras que eu não sabia em guarani, algumas palavras mais filosóficas, porque, muitas vezes, quando os mais velhos falam, muitos jovens hoje em dia não entendem, e eu, traduzindo o material, comecei a entender muitas coisas. Por isso também eu acho importante ter esse registro das falas, ter o material bruto, não somente para fazer o filme. Eu aprendi muito mesmo (ORTEGA, 2018, p. 160).
O roteiro meticuloso sem espaço para imprevistos sai literalmente de cena, dando lugar a vivências durante o processo de filmagem (e depois) que estabelecem uma relação profunda com a memória e o tempo guarani. Concordo com Achinte (2017, p. 140) de que “podemos ousar considerar a revitalização da memória como um ato decolonial do tempo, na medida em que constrói uma contra-narrativa à pretensão de apagar o passado”. Afinal, o modo de ser guarani se sustenta pela memória dos anciãos, bibliotecas vivas das aldeias indígenas. O cineasta, nesse sentido, é também um aprendiz ao guiar uma câmera que filma e vive o tempo Mbyá-Guarani; que se transforma num guarani.
Eu, toda vez que pego a câmera, sempre tento que aquela câmera entre como um guarani e tenha também esse tempo guarani. Eu tenho que respeitar o tempo de um Karaí que eu esteja entrevistando porque ele tem todo o seu tempo, tem que ter inspiração para, depois, finalmente falar. E eu tenho que ter tempo de ficar gravando. Os planos têm que ser mais longos para ter essa sensação, para não mudar muito o ritmo e o tempo guarani (ORTEGA, 2018, p. 159-160).
Sabemos que a visualidade se constituiu veículo de poder na sociedade moderna. O mundo é esquadrinhado pela dimensão visual. O cinema Mbyá-Guarani, entretanto, cria uma linguagem imagética que por vezes subverte o privilégio da visão através de cenas que exigem um exercício de escuta guiado pelo interesse do próprio cineasta, que oferta um ângulo de baixo para cima (contra-plongée) usado no cinema tradicional para fortalecer a personagem enfocada. Esse é o efeito, porém não é apenas a figura do ancião que é destacada, mas, sobretudo, a sua fala ancestral, captada como uma forma de expressão do tempo relacional, numa oralidade espiritual complexa que conecta visceralmente voz e gestos, sons e imagens, corpo e território.
Nos filmes do Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema, temos a oportunidade de ouvir as memórias ancestrais narradas em língua guarani (legendada) pelos anciãos, numa aesthesis intrinsecamente conectada com o tempo e a memória guarani, que, portanto, não conta a história a partir de fatos pontuais protagonizados por heróis numa cronologia linear. Há, ao que tudo indica, uma busca por traduzir e apresentar a experiência guarani através da linguagem audiovisual, sem que o propósito de finalização da película domine as relações estabelecidas entre pessoas pertencentes à mesma cultura. A realidade não está submetida à linguagem. Há um acordo entre elas, que parte do reconhecimento de que a última é instrumento - e não fim - para uma experiência singular da primeira.
Eu só consigo mesmo sentir quando estou filmando. É muito o momento, eu guarani, nosso jeito de ser guarani. Quando eu pego a câmera não é instantaneamente que eu entro na imagem. Demora um pouquinho para vir essa inspiração. E não é somente o filme. Na hora que eu estou fazendo eu não fico vendo o documentário futuramente, eu estou vivendo muito 100% ali. Nem um momento vem na minha cabeça: isso vai virar um documentário, eu estou fazendo um documentário. Eu acho que a diferença dos cineastas ocidentais é que na filmagem eles já tem um filme na cabeça, e para o meu ser eu estou no momento. O Karaí é uma pessoa sábia, eu fico sentindo todas as coisas, tenho que ficar olhando nos olhos, o suspiro. É muito difícil de explicar (ORTEGA, 2018, p. 162).
Há um contato real entre o jovem cineasta e o sábio ancião, no qual a relação entre o passado-presente pela via do saber ancestral depende da presença, do estar “100% ali”. É uma proximidade física, mas também cultural. A duração dos planos é geralmente longa, sem cortes bruscos, com pausas e repetições, de acordo com a tradição oral indígena. O plano-sequência possibilita que o sujeito que filma e o que assiste se aproximem da experiência do sujeito filmado. A narrativa emerge, então, de uma autoria compartilhada, construída e validada coletivamente a partir de questões identificadas na comunidade como relevantes ou necessárias, de acordo com a cultura e com o ritmo da aldeia na construção da história. O processo é cooperativo, com conflitos e negociações, sendo comumente alterada algumas vezes devido às demandas da comunidade.
Não dá para escrever o roteiro antes porque tudo pode mudar, tem a ver com o ritmo da aldeia, como estão as pessoas, as lideranças. No meio das filmagens tudo pode mudar, fazemos várias reuniões. A gente sempre tenta acompanhar o que está rolando naquele momento, naquela época. Na primavera, são conversas sobre as plantações, colheitas, preparações de terra. No inverno, observamos o que está acontecendo, quais são as atividades. Então não temos o roteiro pronto, para que os jovens que estão fazendo as oficinas [de audiovisual] possam ir descobrindo a procurar a história, a aprender a contar a história através do cinema. E para que a comunidade mesmo participe, porque os filmes são da comunidade. Toda a comunidade tem que estar sabendo o que a gente está fazendo. A gente projeta o material bruto durante a noite com a comunidade. A gente chama todo mundo, sempre (ORTEGA, 2018, p. 159).
É importante evidenciar que os filmes do Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema foram realizados através de oficinas de audiovisual oferecidas pelo Projeto Vídeo nas Aldeias (VNA), uma relevante escola de cineastas indígenas. Ao longo de décadas, participantes da ONG acompanharam as filmagens de distintos eventos culturais e políticos, realizadas a partir de demandas específicas de dezenas de povos indígenas pelo Brasil. Os filmes do VNA são, portanto, montados a partir de várias imagens e sons captados por diferentes sujeitos que geraram e geram narrativas singulares e de suma importância para as comunidades e para o movimento indígena como um todo.
Na rotina diária das gravações, as imagens são captadas individualmente sem roteiro fixo e exibidas para a comunidade em busca de uma visão crítica que dá forma a uma autoria compartilhada. O que filmar e a forma de contar a história são construções coletivas, que nesse caso seguiram as atividades sazonais da aldeia. Um desses momentos é inclusive inserido no corte final de Mokoi Tekoá, onde muitos se divertem ao ver as cenas de jovens na mata, sob o olhar atento do cineasta Ariel Ortega. Apenas durante a produção deste filme, foram geradas mais de cem horas de material bruto. Há, portanto, as experiências de Ortega, dos cineastas do Coletivo Mbyá-Guarani como um todo e das comunidades indígenas que são tão (ou mais) significativas que o corte final dos filmes que chegam ao público em geral.
Os oficineiros(as) do Projeto Vídeo nas Aldeias incentivam um filmar que não conte com a presença não-indígena, evidentemente após o ensinamento da parte técnica necessária para realização de um filme (foco manual, balanço de branco, etc.). Há também recomendações feitas aos indígenas como a não utilização do zoom, que facilita uma melhor estabilização da imagem e captação do som direto numa câmera operada à mão. Mais do que isso, possibilita uma relação próxima entre aquele que filma e o sujeito filmado. Assim ocorreu, conforme demonstrado, no aprendizado de Ariel Ortega com a sabedoria dos mais velhos, através de uma escuta de acordo com o tempo guarani. Como afirmou Mari Corrêa, formadora audiovisual do VNA, “do ponto de vista ético, não vale roubar a imagem de ninguém. Vai e cria uma relação com a pessoa”. Vincent Carelli, fundador e coordenador do projeto, reitera: “não é filmar de lado, é filmar de frente” (LACERDA, 2018, p. 5).
O contar guarani: “fomos os protagonistas dessa história”
Ao iniciar em 2007 as filmagens do primeiro filme do Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema - Mokoi Tekoá, Petei Jeguatá -, tanto o tema quanto o fio condutor da narrativa estavam indefinidos para os cineastas Ariel Ortega, Jorge Morinico e Germano Beñites (ARAÚJO, 2014, p. 24). Foram conversas com os moradores de duas aldeias - Aldeia Verdadeira Tekoá Anhetenguá (Porto Alegre) e Aldeia Alvorecer Tekoá Koenju (São Miguel das Missões) - que evidenciaram a questão a ser investigada: o problema da terra. A definição surgiu a partir de testemunhos como o de uma senhora guarani, que falou de sua tristeza em ter que comprar tudo para sobreviver. A reflexão sobre os motivos pelos quais os guaranis estão sem matas para caçar e sem terras para plantar, dependendo da venda de artesanatos aos não-indígenas, se tornou o mote dos filmes do Coletivo. Os cineastas indígenas, então, passaram a seguir personagens distintos gerando um compartilhar dos problemas cotidianos e um (re)contar da História guarani. Afinal, o passado está vividamente presente, e esse entendimento fortalece sua luta na construção do futuro das comunidades guaranis e, de forma geral, dos povos indígenas no Brasil e na América Latina.
Conforme Gomez e Mignolo, se a colonialidade é uma estrutura para a organização e manejo das populações e dos recursos da terra, “a decolonialidade refere-se aos processos pelos quais aqueles que não aceitam ser dominados e controlados não apenas trabalham para se livrar da colonialidade, mas também para construir organizações sociais, locais e planetárias que não são administráveis e controláveis por essa matriz” (GOMEZ; MIGNOLO, 2012, p. 8). Nesse sentido, o modo de ser guarani gera aesthesis através do cinema, combatendo por um lado a estética moderno/colonial e, por outro, a história oficial das missões jesuíticas no Sul através de narrativas históricas e fílmicas decoloniais. As histórias silenciadas saltam aos olhos do espectador, unindo linguagem singular às lutas sociais de um povo originário.
É emblemático o processo colonizador europeu do território imemorial guarani no noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, que contou com a presença de missionários jesuítas. Os sete povos das missões foram fundados em 1682, tendo as disputas entre Portugal e Espanha a partir do Tratado de Madri em 1750 gerado a sangrenta Guerra Guaranítica. As querelas entre os reinos ibéricos, a atuação missionária e a resistência indígena são refletidas criticamente em tela pelos guaranis através de uma concepção que os posiciona enquanto protagonistas da história. Inclusive das lutas contemporâneas de um povo que vende artesanato nas ruínas históricas de São Miguel, um espaço que foi construído pelos seus antepassados e é reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) desde 1983. É importante frisar que atualmente vivem centenas de guaranis nesta região, pela qual durante séculos jamais deixaram de percorrer.
A visão indígena acerca dos brancos, e de sua responsabilidade para com a situação que enfrentam os povos originários na atualidade, é recorrente no cinema guarani. Numa das cenas do filme Bicicletas de Nhanderú, duas crianças ultrapassam uma cerca que delimita sua terra indígena e uma fazenda, enfrentando a fronteira construída para impedir que adentrem no que foi definido como propriedade privada dentro de um território guarani ancestral. Ao se esquivar do arame farpado, deixam evidente que esta não é a primeira vez (nem será a última) que desafiam o limite territorial imposto. Empunhando um facão em frente à câmera, um dos meninos se exaspera diante da ameaça constante: “Os brancos desmataram tudo, por isso os passarinhos se mudaram para outro mundo. Já não pegamos mais porque estão extintos. A nossa mata é muito pequena” (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 9’36”). Durante a caminhada, os dois meninos fazem perspicazes reflexões guaranis da conjuntura:
Os brancos sempre querem pagar menos para levar mais. E os filhos dos brancos também. Nós não podemos mais fazer armadilhas muito longe, se não os brancos podem atirar na gente (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 7’57”)
Olhem só! Cortaram uma cerejeira. Eles cortaram uma que a gente come. Todas estas árvores têm espírito. E elas não querem morrer. Só que os brancos cortam com motosserra (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 10’54”).
O mundo dos brancos, esse extracampo violento como coloca André Brasil (2012), é exposto e desafiado pelos meninos. Em determinado momento do filme, eles dançam e cantam Michael Jackson, abalando a visão estereotipada daqueles que insistem em sentenciar o que o indígena pode ou não fazer, falar, usar - negando, portanto, a história. Ao serem questionados pelo cineasta sobre quem estão imitando, o mais velho responde prontamente: “Que pergunta! É o Michael!”. As crianças neste filme ressaltam a importância da transmissão da tradição ao mesmo tempo que passeiam pelas fronteiras, “esgarçando o espaço habitual dos documentários nas aldeias. [...] Através da graça mimética das crianças, Bicicletas de Nhanderu deixa-se atravessar pelas imbricações culturais e é nessa brecha aberta ao outro que ele se posiciona” (CESAR, 2012, p. 96). A festa à maneira dos brancos, que aparece na sequência, demonstra também os perigos dos jogos e da bebida alcoólica na aldeia indígena. O filme, por fim, encena uma dança em roda e uma mobilização significativa de homens, mulheres e crianças na construção da Casa de Reza (Opy), tarefa que foi revelada em sonho ao karaí.
Realmente são os mais velhos que dão permissão para que seja construída a casa de reza. Isso eu percebi quando acompanhei a construção nas três aldeias: aldeia Pindoty, Jabuticabeira e Yvy Ju. […] A Opy’i é um espaço de transmissão de conhecimento tradicional para as gerações futuras, assim as crianças e jovens adquirem sabedoria. [...] Após 519 anos de contato, ainda mantém a cultura milenar. O refúgio dos Guarani é a Opy’i (Casa de reza), o lugar onde se busca a orientação de Nhanderu (Deus)” (KARAI, 2020, p. 34-50).
Como (bem) viver o nhanderekó sem mata? O questionamento constante aparece desde o início do primeiro filme do Coletivo Mokoi Tekoá, Petei Jeguatá: “aqui os brancos limparam tudo e já estão plantando eucalipto”. Olhando para a câmera, um guarani diz com indignação: “Olha, isso aqui é só para estragar a terra. Eles plantam isso porque só pensam em dinheiro. As árvores nativas eles cortaram todas. É por isso que a gente quer terra. Nós não vamos cortar todas as árvores, só queremos plantar, mas não eucalipto” (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 9’51”). Em outro momento, o coral de crianças guaranis ensaia na aldeia e depois apresenta no centro de Porto Alegre uma forte mensagem cantada: “Queremos as nossas terras de volta, para construir as nossas casas de reza” (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 25’27”). Ao amanhecer na aldeia Koenju, Mariano (personagem acompanhado pelos cineastas) percebe o fracasso das armadilhas de caça e comenta frustrado: “Quando tinha mata, a gente não só olhava mas pegava. Assim não dá. A gente tinha que ter mais matas. Perdi o meu milho e na mata não pego nada. Então agora, tem que fazer cesto para vender” (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 30’48”). O artesanato é presença constante que costura a narrativa do filme, revelando a contradição da necessidade de produzir para vender/viver, como explicita uma mulher guarani: “Os deuses já sabiam que a gente ia precisar vender artesanato, que as matas iam se acabar. Então por isso os deuses nos deram essa habilidade de seduzir os brancos com os bichinhos de madeira. Para vender e não morrer de fome” (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 33’49”).
O território ancestral guarani - que é transnacional posto que muito anterior à criação das fronteiras dos países -, foi historicamente usurpado pelos juruá. Hoje guaranis ocupam as ruínas das missões e enfrentam a ignorância e a arrogância de não-indígenas, colocadas à prova nas cenas/diálogos de Mokoi Tekoá, Petei Jeguatá. O objetivo de passar uma mensagem é evidenciado pelo cineasta Ariel Ortega, quando declara que o filme “foi feito para mostrar para fora, porque eu via muito preconceito. Os guaranis sempre estiveram por ali, mas as pessoas não conheciam a história de São Miguel das Missões, nem que os indígenas tinham construído as ruínas. Isso me incomodava muito, e eu queria encontrar uma forma de contar melhor essa história” (ORTEGA, 2018). O filme capta momentos tensos com os não-indígenas que visitam o local, além de interessantes conversas entre os guaranis sobre o passado, sempre conectado com os desafios do presente. O cinema guarani é assim revelador, por um lado, da vigência e da violência da colonialidade e, por outro, da vivência e do contar histórico guarani.
A história colonial - enquanto período e perspectiva -, se expressa e é escancarada por meio das falas chocantes de professores e guias turísticos do Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo. Estudantes e turistas escutam passivos a uma versão da história eurocentrada e racista, e assim se relacionam com os guaranis presentes no local. Tudo revelado pela câmera guarani, que numa sequência perturbadora mostra estrategicamente trechos da narrativa colonial e, posteriormente, a potência da oralidade guarani. Primeiro, são afirmações taxativas de que a chegada dos europeus instaurou o desenvolvimento, a civilização: “A Espanha achou por bem então, civilizar a população que estava vivendo neste território”; “Unindo esses três objetivos, que era ocupar as terras, expandir o catolicismo e proteger os índios, surgiu uma nova civilização” (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 48’49”). O esbulho de terras com catequização forçada é apresentado como amparo àqueles que classificam como selvagens inúteis.
Então a partir do Tratado de Tordesilhas, de 1494, que começa um desenvolvimento, onde ambas as terras são divididas. Tanto os espanhóis quanto os portugueses, eles queriam garantir a posse das terras. E utilizaram então, principalmente o Guarani, que ele é considerado o mais dócil e extremamente curioso, para o trabalho escravo. E ele não estava preparado para isso (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 48’18”).
A racialização como base da modernidade escravista é realidade histórica legitimada por quem mantém a autoridade de contar a história. Como bem elucidou Aníbal Quijano, “a classificação social básica e universal da população do planeta em torno da ideia de ‘raça’ se originou há 500 anos com o colonialismo europeu na América e a consolidação do capitalismo” (2002, p. 4). Em Mokoi Tekoá, a naturalização de um discurso que desumaniza o outro gera uma resposta que não apenas reage, mas constrói uma aesthesis decolonial coletiva que possibilita que guaranis contem a própria história a partir de suas concepções e cosmologia. As falas do diretor-personagem e de outros(as) são emblemáticas da presença histórica e da árdua situação dos guaranis na região das (antigas) missões: “Os Guarani foram protagonistas dessa história. Mas agora eles estão ali daquele jeito. A morte deles só tem valor na História. Ainda existimos e os turistas veem os guaranis tentando vender no museu” (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 52’24”).
- Por aqui andaram nossos parentes. Mas os brancos tiraram tudo da gente e se apropriaram dessas ruínas que nossos parentes fizeram (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 45’23”). - Foi aqui [São Miguel de Arcanjo] que nossos parentes trabalharam. Traziam as pedras de muito longe. Com a força dos braços. - É verdade, nossos parentes sofreram muito. Deixaram isso e trabalharam tanto para que depois os brancos os matassem todos. Os brancos brigaram por causa disso. Até das crianças eles cortavam os pescoços, foi assim. Os brancos fizeram isso com os nossos parentes. Tudo isso é doloroso pra nós. Se pensarmos, dói até hoje (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 49’13”).
Durante os filmes do Coletivo, os cineastas costumam filmar uns aos outros e se posicionar diante das atitudes racistas dos não-indígenas, sobretudo em Mokoi Tekoá. Como agentes dessa relação interétnica, registram, por exemplo, quem fotografa insistentemente e de forma invasiva os e as indígenas, fato recorrente dentro e fora desse espaço histórico. Um turista francês fotografa Ariel, que concomitantemente o filma num interessante jogo metalinguístico de câmeras. Mais adiante, uma mulher gaúcha é registrada lamentando para várias pessoas a negativa de uma senhora guarani de fotografar junto a ela e pergunta “vocês são tupi-guarani?”, termo que se refere a uma família linguística e não a um povo. Outra visitante fala alto e gesticula de forma constrangedora: “Vocês são de onde? Vocês moram aqui mesmo?”. Em guarani, um indígena reclama: “Vocês não compram nada, só ficam tirando foto” (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 53’37”). As intervenções brancas seguem um ritmo opressor: “Vocês ainda caçam com flecha assim de verdade ou não?” As perguntas, registradas e inseridas no filme em sequência, chocam não apenas pelo desconhecimento da história colonial, mas pelo racismo que embasa para além de uma visão estereotipada, uma série de violências para com pessoas indígenas.
O filme Mokoi Tekoá revela guaranis sendo ignorados e/ou perturbados em cenas estarrecedoras, que integram em narrativa fílmica o que infelizmente é realidade indígena cotidiana. Em cena emblemática do filme Mokoi Tekoá, um professor afirma: “a gente vê os alunos ficarem tristes vendo a situação dos índios, sujos, dependentes de dinheiro”. Nesse exato momento, Ariel o interpela: “sujos?”. O homem confirma com a cabeça e repete: “Sujos, e até pedindo dinheiro para fotografar, pra ser fotografados eles cobram, tipo um comércio”. O diálogo, filmado por outro ou outra cineasta guarani, segue com a certeira resposta: “É que muitas pessoas fotografam os guaranis, até filmam, e levam para outros lugares, para usar nos seus trabalhos, e ganhar dinheiro em cima dos índios. É isso que acontece. Pensam que os guaranis são bobos, muitas pessoas nos tratam assim” (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 55’00”).
Ao contestar o professor e o recorrente discurso racista acerca da suposta civilidade dos brancos e da docilidade dos guaranis, Ariel Ortega toma parte da narrativa, não apenas como cineasta, mas como personagem guarani, como corpo territorial, inserindo sua voz num coro de contrários que se ergue contra a partitura colonial reproduzida por profissionais e turistas não-indígenas que passeiam de forma despropositada pelas ruínas, ou melhor, pelo território ancestral guarani.
Aquele que sempre foi objeto do olhar, agora olha, firmemente, o olhar de que era objeto. Como se a câmera fosse uma “dobradiça”, que fizesse retornar o olhar àquele que se acostumara a ser o sujeito do ponto de vista (e raramente o seu objeto): o efeito é que, provocado pelo filme, o branco se vê - a si próprio - a enunciar sua visão limitada (tantas vezes, preconceituosa) sobre os índios (BRASIL, 2012, p. 103).
O lugar turístico e folclorizado pelo branco recebe assim outras interpretações sobre a história e a presença atual dos guaranis, num território no qual seus antepassados construíram um patrimônio da humanidade, ao mesmo tempo que evidencia que os brancos não os consideram sujeitos daquela história. Em cena filmada de dentro do museu, turistas podem ver mas ignoram as pessoas que estão sentadas no chão, do lado de fora, vendendo artesanato. O artesanato guarani, além de não ser qualificado como arte de sabedoria milenar, tem até mesmo sua autenticidade (e, portanto, sua identidade) questionada.5 São visitantes que apreciam obras de arte do período colonial missioneiro, feitas por indígenas, no entanto cristalizam esses sujeitos no passado mesmo estando presentes. A parede de vidro que os separa não é apenas simbólica, mas reveladora dos espaços reservados aos indígenas vivos.
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O cineasta indígena “é constantemente convocado, participa da cena - não por conta de um gesto reflexivo, aos moldes do cinema moderno - mas porque a própria feitura do filme é parte do cotidiano” (BRASIL, 2012, p. 111). A presença constante em cena daqueles que filmam se opõe, assim, à narrativa clássica de ocultamento do espaço atrás da câmera. Caixeta de Queiroz defende que em Mokoi Tekoá os guaranis constroem uma antropologia nativa, ou reversa, através do audiovisual: “um olhar certeiro do índio sobre o olhar colonizador do branco para o índio: são os índios que enquadram o ‘olhar do branco’ e revelam não só a sua dimensão histórica, mas sua presença real no mundo de hoje” (QUEIROZ, 2008, p. 115-116). Rodrigo Lacerda (2018, p. 2) entende o cinema colaborativo como “uma atitude política, ética e estética que tem que estar disponível para o potencial do devir e do radicalmente novo”. O Cinema Mbyá-Guarani, acrescento, é fruto do (e da luta pelo) Bem Viver que gera aesthesis decolonial.
Os filmes do Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema constroem uma contraposição ao discurso e à prática colonial (passada e presente), num enfrentamento explícito do racismo e das perspectivas históricas e noções de tempo eurocentradas. Nesse sentido, o final de Mokoi Tekoá apresenta uma história mitológica que é contada através de um lento caminhar guarani pelo espaço histórico. Enquanto isso, descendentes dos que tomaram suas terras permanecem estáticos diante da narrativa do triunfo da modernidade. Todavia, não precisamos nos manter embalados com os mitos de origem coloniais, como sugeriu de forma provocativa Ailton Krenak. Assim, a narrativa da cobra grande faz reverberar histórias não-hegemônicas, convidando o espectador à reflexão.6 Afinal, como explicita uma anciã no filme, “os Guarani é que estão filmando, os brancos estão só ensinando” (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 38’05”).
Os filmes Mokoi Tekoá e Bicicletas de Nhanderú enunciam a potência das produções do Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema, que se articulam em sua linguagem e narrativa singulares, construindo uma perspectiva guarani sobre o passado-presente imersa na ancestralidade. Assim, indígenas guaranis marcam sua alteridade em relação aos juruá e seguem seu movimento pelo território sagrado que insistem em habitar. Com experiências atravessadas por inúmeras opressões, e em luta pelo e no território, criam um cinema mergulhado em sua história, modo de ser e força de re-existência guarani. Em busca de soluções para curar a ferida colonial (MIGNOLO, 2007), constroem uma aesthesis decolonial fílmica Mbyá-guarani que combate um violento passado que se mantém presente e fortalece o Bem Viver do qual dependem todos os seres, humanos e não-humanos.
Agradecimentos
Agradeço nominalmente às bolsistas que participaram desta pesquisa desde 2019 - Stéfani Dias Leite, Mariana Madruga Bianchini, Helena Fediuk Gohl, Sarah Jéssica Vela e Kally Cassiani Trevisan - e a Cláudia Mortari, pela parceria constante na coordenação do laboratório e das atividades que desenvolvemos, destaque para a biblioteca virtual do laboratório (ayalaboratorio.com) e o Encontro Internacional Pós-colonial e Decolonial. Sou grata aos discentes de graduação e de pós-graduação, que estiveram conosco desde a fundação do AYA em 2016. Eu sou porque nós somos!
Referências
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1
O termo cinema indígena deve abarcar a ideia de uma ampla diversidade, afinal, são filmes produzidos por sujeitos de diferentes povos que têm, portanto, culturas distintas, histórias singulares e intenções diversas ao realizá-los. O mesmo cuidado temos que ter ao nomear cinema guarani (o foco deste artigo são filmes produzidos em comunidades mbyá-guaranis), afinal, dentro de um mesmo povo variam os processos de filmagem.
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2
Conceito desenvolvido em 2003 por Adolfo Alban Achinte, artista e ativista afro-colombiano. As discussões coletivas do grupo Modernidade/Colonialidade levaram à consolidação do conceito de colonialidade (do poder, do ser, do saber, do gênero) e ao questionamento do lugar da estética na matriz colonial.
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3
Criado em 1986, trata-se de um precursor e significativo projeto de apoio às lutas dos povos indígenas através da produção audiovisual indígena. Ao se transformar, em 1997, numa escola de cineastas indígenas, o VNA passa a realizar oficinas de formação em diversas aldeias, as quais resultaram em expressivas obras filmadas pelos próprios indígenas, com cooperação não-indígena, sobretudo na verificação das filmagens e na montagem. As oficinas entre os Mbyá-Guarani foram realizadas através da contratação da ONG Vídeo nas Aldeias pelo IPHAN do Estado do Rio Grande do Sul, a partir de demandas de lideranças guaranis, num processo de aplicação do Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial estabelecido no ano de 2004.
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4
“O petyngua é muito usado ao redor do fogo, quando há conversas com os mais velhos, nos rituais e para expressar o pensamento para a família e para a comunidade. Seu uso se dá entre os Guarani Mbya, sendo um elemento fundamental e importante para manter a tradição do povo. […] O petyngua é um objeto sagrado e muito valioso.” (SILVA, 2015, p. 7-14)
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5
Numa cena, uma jovem estudante de escola pergunta se a flecha disponível para venda é apenas para brincar, outro reclama para a cineasta Patrícia Ferreira que o artefato tinha penas de galinha pintadas, e não de pássaros. Ariel Ortega indaga, de forma irônica, se o visitante branco preferia que os indígenas matassem aves apenas para vender a ele.
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Após a guerra guaranítica, a cobra grande se alojou na torre da igreja de São Miguel. Quando sentia fome, se enroscava nas cordas e badalava o sino: “Foi ela que comeu a criança. Mas quando Nosso Deus Tupã vê algo errado acontecendo, Ele se transforma em tempestade. Então um raio explodiu o sino, e fez a cobra cair”. É interessante notar que, durante o relato do narrador Mariano, surge uma imagem histórica para reforçar que “estava tudo tomado de mato, como na foto lá do museu” (MOKOI TEKOÁ, PETEI JEGUATÁ, 2008, 58’20”).
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Financiamento
Fundação de Amparo à Pesquisa Científica do Estado de Santa Catarina (FAPESC).
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Aprovação no comitê de ética
Não se aplica.
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Contexto da pesquisa
A pesquisa “A revolta do olhar: concepções de história na narrativa audiovisual guarani”, coordenada por mim, é desenvolvida no AYA Laboratório de Estudos Pós-coloniais e Decoloniais (UDESC-FAED), onde trabalhamos com projetos em história indígena e das Áfricas, na prática da indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão.
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Modalidade de avaliação
Duplo-cega por pares.
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Preprint
O artigo não é um preprint.
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Disponibilidade de dados de pesquisa e outros materiais
Não se aplica.
Editado por
Disponibilidade de dados
Não se aplica.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Out 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
30 Jun 2022 -
Revisado
04 Out 2022 -
Aceito
20 Out 2022