Resumo
A cartografia histórica tem sido cada vez mais importante na compreensão das transformações da paisagem, especialmente no ambiente urbano, onde diferentes registros históricos são utilizados. O presente trabalho tem como objetivo identificar e comparar, a partir de registros históricos e atuais, as mudanças ocorridas nos três principais rios que cortam a área de gênese da cidade de Petrópolis (Quitandinha, Palatino e Piabanha). O principal material de pesquisa consiste na Planta Koeler (1846), documento que orientou o planejamento urbano da cidade de Petrópolis, que foi delineado em consonância com a rede de drenagem, produzida na escala 1:5.000, e na base cartográfica mais recente da cidade (1999) na escala de 1: 10.000. O georreferenciamento e a vetorização da planta Koeler possibilitou realizar diferentes mensurações, como largura dos rios e sinuosidade. Posteriormente, os mesmos procedimentos foram realizados na base cartográfica de mais recente da cidade, a fim de criar parâmetros comparativos para alterações do curso dos rios e sua a largura. Os resultados mostram a supressão de quatro ilhas fluviais e uma diminuição da sinuosidade dos rios com uma variação de + 0,575% a -2,436%. No rio Quitandinha foram registradas as maiores mudanças e inundações (97%), indicando que as mudanças na rede de drenagem são elementos significativos no entendimento da dinâmica das inundações.
Palavras-chave: Mudanças na paisagem; Rede de drenagem; Planta Koeler; SIG Histórico
Resumen
La cartografía histórica ha sido cada vez más importante en comprensión de los cambios en el paisaje, en particular en ambiente urbano, dónde distintos registros históricos son utilizados. La investigación tiene como objetivo identificar y comparar, a partir de registros históricos y actuales, los cambios ocurridos en los tres principales ríos que pasan por el área génesis de la ciudad de Petrópolis (Quitandinha, Palatino y Piabanha). Los principales datos de investigación son la Planta Koeler (1846), documento que orientó el plan urbano de la ciudad de Petrópolis siguiendo la red de drenaje, hecho en escala 1:5.000 y la base cartográfica más reciente de la ciudad (1999) en escala 1:10.000. La georreferenciación y vectorización de la planta de Koeler permitió realizar diferentes mediciones, como largura de los ríos y sinuosidad. Después, los mismos procedimientos fueron realizados en el mapa más reciente de la ciudad, para crear parámetros comparativos para los cambios del corso de los ríos y su largura. Los resultados muestran la supresión de cuatro islas fluviales y un regreso en la sinuosidad de los ríos con un cambio de +0,575% a -2,436%. En el río Quitandinha fueron listo los mayores cambios y llenas (97%), indicando que los cambios en la red de drenaje son importantes en la comprensión de la dinámica de las llenas.
Palabras-clave: Cambios en el paisaje; Red de drenaje; Planta Koeler; SIG Histórico
Abstract
Historical cartography has been increasingly important in understanding the landscape transformations, especially in the urban environment where different historical records are used. The present work aims at identifying and comparing, from historical and current records, the changes occurred in the three main rivers that cut the genesis area of the city of Petrópolis (Quitandinha, Palatino and Piabanha). The main research material consists of the Koeler Map (1846), a document that guides the urban planning of the city of Petrópolis, which was designed in line with the drainage network, produced in a 1: 5,000 scale and the most recent cartographic base of the city (1999) in scale 1: 10,000. The georeferencing and vectorization of the Koeler Map made it possible to perform different measurements, such as river width and winding. Later, the same procedures were performed on the most recent cartographic base of the city, in order to create comparative parameters for changes in the course of the rivers and their floods. The results show the suppression of four river islands and a decrease of sinuosity of the rivers with a variation of +0.575% to -2.436%. In the Quitandinha river were recorded the biggest changes and the largest flood record (97%), indicating that changes in the drainage network are significant elements in understanding flood dynamics.
Keywords: Landscape change; Drainage network; Koeler Map; Historical GIS
INTRODUÇÃO
A dinâmica é um componente de grande importância na análise da paisagem (Turner, 1989) e, portanto, estudá-la cria a possibilidade de entender como certos processos evoluem com o tempo. Um exemplo clássico é citado por Dunne e Leopold (1978), que demonstram o aumento da ocorrência de cheias em bacias de drenagem após a alteração da cobertura e uso da terra, bem como das formas da rede de drenagem.
Atualmente, há uma série de trabalhos acadêmicos que utilizam metodologias apoiadas nas geotecnologias buscando analisar a dinâmica da rede de drenagem de uma paisagem, seja esta natural ou construída. No entanto, quando se procura analisar essas mudanças em uma série histórica, essa bibliografia e metodologias são mais raras. Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo analisar a dinâmica da rede de drenagem da área gênese da cidade de Petrópolis-RJ, comparando o recente arranjo espacial da rede de drenagem com o arranjo desta mesma rede no século XIX, mais especificamente em 1846, período de povoação desta localidade.
A cidade de Petrópolis, no Brasil, está localizada na região Serrana do Estado do Rio de Janeiro e possui um histórico bastante amplo em relação a problemas ambientais de diferentes características. Dentre estes se destacam os movimentos de massa e os recorrentes eventos de inundação. Este quadro é intimamente ligado a ocupação do município como um todo, entretanto, ganha destaque o primeiro distrito, onde se localiza a área gênese do município, que começou a ser povoado no século XIX. Esta cidade tem uma história diferente da maioria das cidades brasileiras, pois foi criada mediante decreto imperial e definido por um mapa, a Planta de Petrópolis (1846) - também conhecido como Planta Koeler - que serviu de base para o plano de ocupação da futura cidade. Este decreto imperial foi assinado pelo imperador Dom Pedro II e registrado no livro de Administração n º 155. O decreto proporcionou a criação de um assentamento e a construção de uma casa imperial na área da antiga fazenda Córrego Seco, adquirida pelo pai de Dom Pedro II, o Imperador Dom Pedro I, treze anos antes (Ambrozio, 2012). Este decreto tornou-se conhecido como o "Plano do Palácio de Verão" ou Plano Koeler. O plano proporcionou arrendamento da fazenda Imperial, anteriormente conhecida como fazenda Córrego Seco e fazenda Concórdia, ao Major Júlio Frederico Koeler, um imigrante alemão que se juntou ao setor de engenharia militar do exército brasileiro. Este Decreto resultou em um documento assinado em 26 de julho de 1843 que constituía parte integrante do Decreto original anterior. A partir deste documento, o arrendatário, Júlio Frederico Koeler, foi obrigado a preparar o futuro mapa de Petrópolis, dividindo as terras imperiais em lotes ou pontos numerados para concessão de privilégios. Além disso, teve que também planejar o Palácio do Imperador e suas dependências (Paula Buarque, 1940).
A Planta Koeler contém diferentes elementos cartográficos, como hidrografia, ruas, parques públicos, prazos de terras em que os blocos foram divididos, e terrenos reservados para edifícios públicos e religiosos (Sá Earp, 1996; Souza, 2013). Vale ressaltar, que essa planta se encontrava em avançado estágio de degradação e foi restaurada em 2016 (Neves e Zanatta, 2016) (figura 1).
Atualmente, o município está dividido em cinco distritos. A cidade foi fundada e originada no primeiro distrito, chamado Petrópolis, onde está localizada a área coberta pela Planta Koeler. A área coberta pelo mapa (15,91 km2) representa 12% do atual primeiro distrito de Petrópolis, e 2% de toda a cidade atual. A figura 2 apresenta o recorte da área de estudo, coincidente com a área da Planta Koeler.
O plano também estabelecia que a frente de todas as casas deveria ficar voltadas para os rios, e o esgoto deveria ser direcionado para fossas nos fundos dos prazos. Esta característica é tida por Rabaço (1985) como uma das mais originais do plano Koeler visto que dispensava o tradicional estilo colonial em que as casas eram erguidas de fundos para os rios que funcionavam como local de descarte de dejetos. Por fim, ressalta-se o planejamento das áreas verdes que conteriam alamedas arborizadas e jardins compostos de hortênsias, magnólias e paineiras.
O mapa foi feito em uma escala de 1:5.000 (Fernandes et al., 2017) e contém uma ocupação planejada seguindo a rede de drenagem, com as ruas e avenidas acompanhando os rios (figura 3). O Plano Koeler pode ser visto como um plano urbano cujo elemento de referência espacial é a Planta Petrópolis ou Planta Koeler (1846), que serve também como um guia para manejo e busca minimizar os efeitos de deslizamentos de terra e inundações.
Nas projeções delineadas no Planta Koeler (1846), a retilinização dos três principais rios que atravessam a cidade foi proposta como caminho facilitador da ocupação da área. Assim, os rios (Piabanha, Palatino e Quitandinha) sofrem modificações em seus cursos desde o surgimento da cidade e, juntamente com a ocupação do solo modificando aspectos de sua cobertura, contribuíram para alteração da dinâmica das bacias hidrográficas da área. Estudar as alterações ocorridas nesse período é tarefa fundamental para compreender o problema de inundações que assola a cidade desde sua formação.
Neste sentido, as questões fundamentais que norteiam este trabalho são: Os canais da rede de drenagem da área gênese de Petrópolis foram modificados em largura e sinuosidade? As inundações registradas estão em áreas de maior modificação dos canais e da cobertura da terra? Na busca das respostas para as questões supracitadas, a metodologia de trabalho utiliza uma abordagem que integra o uso de SIG (Sistema de Informações Geográficas) apoiado em dados histórico e atuais, mensuração de parâmetros de fisiográficos da rede de drenagem, utilização de imagens de satélites para mapeamento da cobertura do solo e dados de inundações do período de 2011 a 2018.
MATERIAIS E MÉTODOS
O trabalho foi desenvolvido em diferentes fases onde foram adotados variados materiais e métodos, desde levantamento e estruturação dos dados cartográficos, imagens e inventários de inundações, passando pelos métodos de manipulação e estruturação dos dados levantados, e a análise espacial dos mesmos. Estas fases são apresentadas a seguir.
Aquisição dos dados
Na primeira fase da pesquisa foram trabalhados de forma separada a Planta Koeler, a base cartográfica digital de Petrópolis e a imagem de Worldview 2. Diretamente na Planta Koeler, em sua versão restaurada (Neves e Zanatta, 2016), foi realizado o processo de georreferenciamento. Esse processo levou em conta a coleta de 30 pontos de controle junto à base cartográfica digital, os quais deveriam, necessariamente, ser encontrados no mapa histórico. Foi realizado o cálculo do Padrão de Exatidão Cartográfico, segundo os valores de referência que constam no Decreto nº 89.817, de 20 de junho de 1984 (BRASIL, 1984). Dos resultados obtidos, o georreferenciamento da Planta Koeler enquadrou-a como pertencendo à Classe A na escala de 1:50.000, o que lhe confere erros de posicionamento menores que 25 metros. Neste processo a base cartográfica na escala 1:10.000 foi crucial para obtenção das coordenadas de feições conhecidas e, assim, associá-las as mesmas feições na planta histórica.
A fim de mapear a cobertura da terra e quantificar o nível de edificações na área das bacias hidrográficas, uma imagem do sensor multiespectral (MSI), produzida pela missão Sentinel-2, foi adquirida no site explorador da terra, da USGS. A tabela 1 mostra as características das bandas satélites Sentinel-2 que foram utilizadas.
Os dados de inundações foram obtidos a partir de dados de quatro estações pluvio-fluviométricas do Instituto Estadual do Ambiente (INEA/RJ) distribuídas pelas três bacias de drenagem que compõem a área gênese do município (Piabanha, Palatino e Quitandinha). Os dados contemplam levantamentos contínuos de cota linimétrica durante o período de 2011 a 2018.
Manipulação e estruturação dos dados
Na segunda fase, a Planta Koeler foi submetida ao processo de vetorização das feições referentes à hidrografia. Todos os cursos d'água foram vetorizados no programa ArcMap 10.4.1, porém apenas os três canais principais foram trabalhados na etapa posterior. As informações contidas no arquivo vetorial em formato shapefile foram: nome da feição, comprimento, extremo e o índice de sinuosidade. Estas informações guardam a identificação do curso d'água através de seu nome oficial e informações de mensuração deles.
Para utilização da imagem, foi feita a correção atmosférica das bandas 2, 3, 4 e 8 no software QGIS, a partir do Semi-Automatic Classification Plugin (SCP) e, então, a comparação das assinaturas espectrais de diversos alvos na imagem, a fim de garantir e avaliar visualmente o resultado obtido na correção atmosférica das bandas utilizadas.
Os dados fluviométricos foram analisados frente as cotas estabelecidas de extravasamento dos rios, estipuladas pelo INEA/RJ, possibilitando assim a identificação de todos os eventos de inundação para as quatro estações. Estes dados permitiram realizar uma avaliação espacial do fenômeno, identificando a distribuição das inundações pelas três diferentes bacias de interesse.
Construção do modelo de análise
Com o objetivo de identificar as modificações ocorridas ao longo do curso dos rios Piabanha, Quitandinha e Palatino, foram utilizadas a mensuração da largura e do índice de sinuosidade dos canais. A largura foi mensurada através da distância euclidiana entre as duas margens, associando um valor constante da largura para todo o canal. A figura 4 abaixo, resume esse processo realizado no software ArcMap 10.4.1, pela ferramenta de distância euclidiana. Para cada margem foi gerado um arquivo matricial, onde o valor do pixel correspondia a distância em relação a margem. Para obter a distância constante entre as duas margens foi necessário realizar uma operação de soma dos dois arquivos (álgebra de mapas), recortando os valores para dentro das duas margens.
Por sua vez, a análise da sinuosidade dos rios levou em conta a dinâmica da fisionomia dos canais principais da área de estudo. A fisionomia dos canais pode ser considerada como retilínea, anastomosada, entrelaçada e meândrica, formando o padrão dos canais (IBGE, 2009). A distinção entre canais retos, sinuosos, meândricos e tortuosos reflete-se na utilização de critérios qualitativos e nominais. Por outro lado, no que se refere a utilização de critério quantitativos, chama a atenção para problemas que envolvem a adoção de valores limitantes, como na proposição de Leopold e Wolman (1957) e Leopold et al. (1964), indicando que o índice de sinuosidade justifica-se diante de indicar mais um elemento caracterizante do tipo de canal encontrado nas três bacias hidrográficas. O índice de sinuosidade é obtido "[...] dividindo-se o comprimento do canal a em determinado trecho pelo comprimento desse trecho medido ao longo do vale" (CHRISTOFOLETTI, 1981). A fórmula descrita pode ser equacionada como .
Onde, Is é o índice de sinuosidade, Cc o comprimento do canal principal e Cv a distância vetorial entre o ponto inicial e o final do canal no trecho considerado. Esses valores foram levantados para os canais principais das três bacias em análise e foram enquadrados na classificação de Leopold e Wolman (1957), ou seja, para índices menores que 1,5, o canal foi considerado retilíneo e, para aquelas com valor igual ou superior a 1,5, foi atribuído a classificação de meândrico. A partir da mensuração destes dois parâmetros, tanto na planta histórica, quanto na base cartográfica atual, o objetivo é avaliar modificações ocorridas ao longo dos trechos dos canais analisados.
Cobertura da terra e nível de edificação
A fim de análisar a estrutura da paisagem urbana de Petrópolis foi realizado um mapeamento de cobertura da terra buscando encontrar as classes "vegetação" e "não-vegetação". A classificação foi feita no software livre InterIMAGE, que classifica imagens de satélites utilizando a técnica de classificação orientada ao objeto (GEOBIA), na qual os objetos de interesse são identificados e classificados de acordo com uma série de parâmetros pré-estabelecidos, diferenciando-se assim das técnicas tradicionais pixel a pixel, e evitando o efeito "salt-and-pepper" (Blaschke, et al. 2014). Após a classificação, foram calculadas as áreas das duas classes, permitindo que fosse analisado os níveis de mudança na paisagem das bacias hidrográficas.
A utilização de um mapa de cobertura da terra na análise da rede de drenagem tem como objetivo embasar as análises da rede de drenagem na área gênese de Petrópolis frente os eventos de inundações. Assim, o nível de alteração da cobertura da terra pode ajudar a entender de que maneira as alterações na paisagem podem influenciar as inundações que ocorrem na área de estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados da pesquisa podem ser divididos em duas partes e contribuem para corroborar a importância da Cartografia Histórica como ferramenta de análise da paisagem integrada com o SIG. A primeira parte trata diretamente da largura dos canais e de sua sinuosidade, mensurados na planta histórica e na base cartográfica atual; a segunda parte, por sua vez, apresenta dados mais recentes, mas que seguem na direção de subsidiar o impacto das transformações da paisagem em problemas recorrentes de inundações nas bacias do rios Piabanha, Quitandinha e Palatino.
As fisionomias dos canais: índice de sinuosidade
A aplicação da metodologia descrita anteriormente possibilitou a apresentação dos resultados sobre comprimento dos canais, extensão vetorial entre os extremos do trecho e índices de sinuosidade, nas duas bases utilizadas. A tabela 2 apresenta os valores obtidos para os três canais principais de cada bacia analisada.
O rio Quitandinha foi o que apresentou maior variação no índice de sinuosidade calculado, comparando a Planta Koeler e a base cartográfica do ano de 1999. O índice de sinuosidade neste rio diminuiu de 1,523 para 1,487, o que mostra maior retilinização do trecho do canal. Essa diminuição é reflexo da modificação dos valores de comprimento do trecho do canal (Cc), que chegou ao valor de 197,99 metros e do comprimento vetorial (Cv), bem menor, por volta de 11,65 metros. Juntamente com os demais resultados obtidos, este é um importante indício que auxilia na compreensão dos problemas com inundações na região. Para os valores obtido para o rio Palatino, o comprimento (Cc) modificou-se em 22,91 metros e aumentou em 45,24 para o comprimento vetorial (Cv). A diferença considerável no comprimento vetorial pode ser fruto do posicionamento da planta em um sistema de coordenadas conhecido. Por último, o rio Piabanha foi o que apresentou menores variações no índice de sinuosidade (+0,575). Os valores de comprimento do trecho (Cc) de canal aumentaram em 43,98 metros e o comprimento vetorial teve uma pequena variação na distância vetorial (Cv) em -0,84 metros.
Os resultados sobre os índices de sinuosidade mostram que para os três canais principais houve alterações em diferentes proporções. É necessário levar em consideração que a Planta Koeler tem erros de posicionamento e precisão associados à sua elaboração e manipulação em ambiente SIG. Assim, no que se refere à mensuração quantitativa, as variações podem ser maiores ou menores que os valores apresentados, entretanto, estas não são muito significativas em face dos critérios cartográficos utilizados para sua avaliação, atendendo os parâmetros classe A da escala 1:50.000 (BRASIL, 1984). Por outro lado, no que se refere aos aspectos qualitativos, é possível notar variações na sinuosidade dos rios a partir de uma comparação, e que são amplamente correlacionados com os dados quantitativos alcançados.
As fisionomias dos canais: largura dos canais
A largura dos canais foi mensurada utilizando a mensuração por distância euclidiana e, desta forma, optou-se por apresentar os valores máximos, mínimos e médios em cada um dos cenários apresentados. A tabela 3 apresenta os resultados.
As maiores variações encontradas na largura máxima do canal estão no rio Quitandinha, com diferenças por ordem de 19,84 metros. Ao longo de todos os canais analisados, comparando os dois documentos utilizados, é possível perceber a supressão de feições, ilhas fluviais, como já mencionado por Fernandes et al. (2017). Outro aspecto relevante em relação ao rio Quitandinha é que o valor médio de largura do canal sofreu uma variação de apenas 1,61 m. Pode-se dizer que as variações de largura mais bruscas ocorreram de forma pontual e concentradas em alguns trechos do rio Quitandinha. O rio Piabanha apresenta a maior variação da largura média entre todos (7,04 m) e o Palatino a menor (1,13 m), em relação a variação da largura máxima, esta ficou com valores de 12,38 m e 9,58 m, respectivamente.
Alguns trechos apresentaram grandes discrepâncias quando comparados o mapa de 1846 e a base cartográfica de 1999. Há referência a existências de ilhas fluviais no Planta Koeler, onde tais referências deixaram de existir em virtude da modificação do curso dos rios e de seu processo de retilinização. As figuras 5 e 6 apresentam quatro trechos onde as alterações citadas referentes as mensurações e a supressão de ilhas são mais evidentes.
A ilustração acima mostra um trecho dos rios Palatino e Piabanha com a ocorrência de supressão de feições fluviais, neste caso, ilhas. Nestes dois rios foram identificadas a supressão de uma ilha em cada um deles. É possível afirmar que em virtude dessa supressão estes trechos possuíam uma largura maior na Planta Koeler em relação a base de 1999. Este mesmo comportamento se repete ao longo dos canais, mesmo sem a supressão de outras feições fluviais. Na figura 5 a legenda indica uma largura entre 17,81 e 22,48 metros para o trecho do rio Palatino, comportamento não encontrado ao longo do curso do canal na base de 1999. No trecho em destaque no rio Piabanha os valores de largura chegam até a classe de 15,40 a 20,51 metros, e quando é analisado o mesmo trecho na base cartográfica de 1999 é possível perceber que foram suprimidas as áreas de maior largura, e as próprias feições de ilhas fluviais. Para o rio Piabanha, o trecho em destaque na figura 5 foi representado como uma linha simples, o que na escala do mapeamento da base de 1999 indica trechos com no máximo 5 m de tamanho.
Igualmente para os dois trechos do rio Quitandinha, apresentados na figura 6, é possível identificar a supressão de duas ilhas fluviais, uma em cada trecho apresentado. Para toda a área de análise foram identificadas a supressão de quatro ilhas fluviais, duas no rio Quitandinha (847 e 139 m2), uma no rio Piabanha (218 m2) e outra no rio Palatino (195 m2). O segundo trecho do rio Quitandinha, apresentado na figura 6, também foi mapeado na base cartográfica de 1999 como linha simples, dificultando comparações diretas com o mapa de 1846. Porém, através de levantamento de campo foi possível verificar que o trecho foi modificado, possuindo largura menor ou igual a 5 m.
Quando se confronta os dados de índice de sinuosidade e largura dos trechos dos canais, alguns pontos chamam atenção para o comportamento de cada um deles. O rio Quitandinha apresentou diminuição do seu comprimento, redução no índice de sinuosidade e grandes valores de diferença nas larguras máximas medidas nas duas datas. Isto viabiliza a leitura de que o rio teve uma maior retilinização e estreitamento do leito fluvial. O rio Palatino apresentou padrão similar, onde houve uma redução do comprimento do canal e redução do índice de sinuosidade, mas com redução pouco significativa da largura máxima e da largura média. Enquadra-se na mesma perspectiva de maior retilinização e estreitamento do leito. Por último, o rio Piabanha apresentou os menores variações no índice de sinuosidade, podendo-se dizer que houve certa manutenção da mesma. Por outro lado, foi registrada uma redução considerável da largura média do canal. Desta forma, é possível inferir que o rio sofreu poucas alterações em sua sinuosidade, mas teve redução do leito fluvial no decorrer do período considerado.
Mapeamento de cobertura da terra e registros de inundações
O mapeamento de cobertura da terra tem como objetivo calcular a cobertura para a área das bacias. A partir do cálculo das áreas das classes em cada bacia, foi observado o nível de edificação para cada uma delas. O nível de edificação pode ser entendido como o percentual de área antrópica, ou seja, coberturas de não-vegetação excluindo as áreas não-vegetais naturais, como afloramentos rochosos. É importante salientar a variável nível de mudança exprime o quanto de área antrópica existe na bacia, podendo definir assim o quanto desta área foi alterada desde a Planta Koeler, onde naquele período não existia ocupação efetiva na paisagem em análise. Na tabela 4 são apresentadas as bacias hidrográficas e seus respectivos percentuais de edificação.
Analisando a tabela 4, percebe-se que a bacia hidrográfica do rio Quitandinha tem o maior nível de mudança de cobertura da terra. Esse resultado vai ao encontro dos valores referentes à sinuosidade dos rios. Observa-se, portanto, que o rio Quitandinha, que apresenta menor sinuosidade, pertence à bacia hidrográfica de maior nível de mudança. Este padrão se repete nos outros rios e bacias analisados, assim, o rio Palatino tem o segundo menor índice de sinuosidade e o segundo maior nível de mudança na paisagem, e o rio Piabanha, apresenta o maior índice de sinuosidade e menor nível de mudança em sua bacia.
Este mesmo comportamento ocorre quando é relacionado o nível de mudança com a largura e supressão de ilhas para as bacias em análise, criando assim subsídios no auxílio do entendimento da distribuição das ocorrências de inundações. Estas inundações, identificadas no período de 2011 a 2018, foram majoritariamente identificadas nas estações pluvio-fluviométricas localizadas na bacia do rio Quitandinha (93,1%), seguida das bacias do rio Palatino (5,7%) e Piabanha (1,2%), ou seja, as inundações se concentram na bacia com menor sinuosidade, maiores modificações de largura, maior supressão de ilhas (quantidade e área) e maior nível de mudança. A figura 7 apresenta a sobreposição do mapeamento de uso e cobertura da terra com a distribuição das ocorrências de inundações identificadas nas estações pluvio-fuviométricas que contemplam as bacias analisadas. Nesta figura é possível visualizar que a bacia hidrográfica com menor área vegetada é a que apresenta maior número de inundações.
Mapa compilando os dados sobre inundações e cobertura da terra na área das bacias de drenagens estudadas, e seu recorte pela Planta Koeler
A área gênese de Petrópolis desenvolveu-se dentro de uma paisagem montanhosa constituída de encostas bastante íngremes e fundos de vales bem encaixados. O mapeamento de uso e cobertura deixou claro que as áreas vegetadas se concentram nestas encostas com latas declividades e nos fundos de vale se espraia as feições de não-vegetação, pressionando os canais fluviais, que tiveram seus cursos alterados para se adequar às edificações fabris que se adensavam em Petrópolis, bem como à crescente demanda por edificações residenciais (ANTUNES, 2017; AMBROZIO, 2008). Assim, analisando o mapa da figura 7, observa-se que a área de maior concentração de inundações ocorre na bacia com maior nível de mudança em nível de cobertura da terra, que por sua vez também foi a bacia com maiores modificações nas feições fluviais. É importante salientar que este quadro de inundações não é exclusivo da dinâmica de cobertura e das feições fluviais, pois vários outros elementos constituintes da paisagem e que tem relação com as inundações não foram abordados, mas a análise em pauta já sugere fortemente a correlação dos elementos analisados frente ao fenômeno das inundações.
CONCLUSÕES
A Cartografia Histórica vem crescendo em participação nos estudos para compreensão das dinâmicas da paisagem e na investigação de fenômenos de diferentes naturezas. No que se refere às pesquisas em Geografia, a análise da dinâmica da paisagem é uma abordagem bastante consolidada. Desta forma, a Cartografia Histórica tem um enorme potencial na contribuição deste tipo de abordagem, ressaltando diferentes aspectos da pesquisa. Como apresentado, a utilização do documento histórico (Planta Koeler, 1846), possibilitou a obtenção de um conjunto de dados sobre a área de estudo. A partir de diferentes técnicas em um ambiente de Sistema de Informações Geográficas foi possível extrair, armazenar, manipular e analisar a dinâmica dos trechos dos canais da área de estudo, objetivando compreender aspectos que se modificaram ao longo do tempo.
A metodologia empregada permitiu apresentar como um conjunto de fatores contribuem para a problemática das inundações na área gênese da cidade de Petrópolis, possuindo não só raízes em ações atuais, mas também históricas. O cálculo do índice de sinuosidade e de largura do leito fluvial dos rios permitiu comparar e analisar a fisionomia dos canais ao longo do período considerado.
Em resposta a primeira questão colocada, a sinuosidade dos canais decresceu, indicando uma maior retilinização dos trechos dos canais. A largura do leito fluvial também é outro aspecto mensurado que contribui no entendimento do número de inundações em certos trechos. Todos os trechos investigados sofreram estreitamento com diferentes dimensões e em algumas localidades onde eram observadas ilhas fluviais, foi possível mapear que as mesmas foram suprimidas. Aliado ao primeiro conjunto de análises (sinuosidade e largura dos canais), a classificação de cobertura da terra e os dados obtidos em estações pluvio-fluviométricas instaladas nos canais permitiram interpretar que o número de inundações nos rios considerados deve-se a diferentes fatores associados.
Foi possível apontar indícios de que o trecho de canal do rio Quitandinha, que sofreu maior alteração de sinuosidade e largura, perda das ilhas fluviais e maior degradação da área vegetada, é aquele que registra o maior número de inundações. Em direção oposta, o trecho do canal do rio Piabanha registra o menor número de inundações e conta com as menores alterações no índice de sinuosidade e largura dos rios, assim como da área vegetada da bacia hidrográfica. Isto demonstra que, em resposta a segunda questão levantada, as inundações ocorrem em área de maior modificação da fisionomia dos canais e da cobertura da terra.
Diante do exposto, pode-se concluir que o trabalho conseguiu mostrar a participação de diferentes fatores de modificação da paisagem, que ajudam a acarretar inundações na área gênese de Petrópolis. Com auxílio de mapas históricos e outras análises em SIG, foi possível apontar para indícios de correlação entre as modificações de fisionomia dos canais e da cobertura da terra com as inundações registradas.
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPQ.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
9 Dez 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
-
Recebido
01 Set 2019 -
Aceito
14 Set 2019 -
Publicado
15 Set 2019