Ancona, R.; Tsouvala, G. (eds.) (2021ANCONA, R.; TSOUVALA, G. (eds.) (2021) New Directions in the Study of Women in the Greco-Roman World. Oxford: Oxford University Press. ) New Directions in the Study of Women in the Greco-Roman World, Oxford, Oxford University Press
New Directions in the Study of Women in the Greco-Roman World agrega ensaios em homenagem à professora Sarah Pomeroy, expoente na temática da História das Mulheres na Antiguidade e pioneira nesse campo de estudo. Logo na introdução, as editoras Ronnie Ancona e Georgia Tsouvala (2021ANCONA, R.; TSOUVALA, G. (eds.) (2021) New Directions in the Study of Women in the Greco-Roman World. Oxford: Oxford University Press., p. 2) informam que todas autoras e autores foram influenciados diretamente por Pomeroy.
O livro é o resultado de um painel em tributo a Pomeroy realizado em 2015 no evento anual da Society for Classical Studies (SCS). Na ocasião, comemorava-se 40 anos da primeira publicação de seu trabalho seminal Goddesses, Whores, Wives, and Slaves (1975). Apesar dos seus quase 50 anos, a obra ainda se mostra vigorosa, uma leitura basilar para os estudos de gênero na Antiguidade.
Em meio século, os temas ligados à História das Mulheres na Antiguidade, e se quisermos pensar de uma forma mais ampla, os estudos de gênero na Antiguidade (Cantarella, 2005CANTARELLA, E. (2005) Gender, Sexuality and Law. In: COHEN, D.; GAGARIN, M. (eds.). The Cambridge Companion to Ancient Greek Law. Cambridge, Cambridge University Press, p. 236-253.; Foxhall, 2013FOXHALL, L. (2013) Studying Gender in Classical Antiquity. Cambridge, Cambridge University Press .), passaram por transformações, configurando-se atualmente num campo sólido de estudos na área de Clássicas. A incorporação dessas mudanças está expressa no título da obra, New Directions, que também evidencia seu escopo: novas abordagens, novas metodologias e pluralidade de campos de estudo para a História das Mulheres em conjunto com Literatura, História da Arte, Arqueologia, Epigrafia, Papirologia, Economia, Direito, Filosofia. O diálogo interdisciplinar desses campos com os Estudos Clássicos é norteador para todos os capítulos do livro.
As novas direções decorrem ainda da posição da mulher na sociedade contemporânea, o que gera novas perguntas sobre a mulher na Antiguidade. Ademais, novas respostas a velhos problemas também são possíveis (Cuchet, 2015CUCHET, V. S. (2015) Cidadãos e cidadãs nas cidades gregas clássicas. Onde atua o gênero? Revista Tempo 21, n. 38, p. 281-300.), uma vez que se tem acesso a diferentes corpora de fontes advindas dos avanços da Arqueologia, da Epigrafia e da Papirologia, além da possibilidade de se revisitar as fontes já conhecidas com novas perspectivas metodológicas.
Os capítulos apontam interseções com preocupações da atualidade, abordando assuntos como violência sexual, casamento, adultério, marginalização da mulher, posicionamento jurídico e econômico da mulher, ação política para além das estruturas formais de poder e participação feminina em atividades consideradas tipicamente masculinas.
O diálogo entre passado e presente a partir das vidas das mulheres da Antiguidade evidencia os dilemas que, infelizmente, ainda são impostos ao “ser mulher”. Hoje, ao mesmo tempo em que se nota um avanço na sociedade, com discursos progressistas sobre a igualdade de gêneros que impulsionam algumas práticas mais igualitárias, também, lamentavelmente, tem-se o aumento da misoginia com números alarmantes de violência contra a mulher.
Ao destacar a importância de Pomeroy, é imprescindível fazer referência às condições de trabalho das pesquisadoras décadas atrás, e ao esforço desprendido por elas para obter igualdade dentro do ambiente acadêmico. Dessa forma, tanto o conjunto da obra quanto a vida de Pomeroy exemplificam a militância em prol das mulheres.
Sarah Pomeroy, desde o início de sua carreira, foi reconhecida como uma exímia pesquisadora, mas, pelo fato de ser mulher, teve que interrompê-la em algumas ocasiões. Por exemplo, foi obrigada a tirar licenças pós-maternidade. Ainda hoje, é comum depoimentos de mulheres que tiveram suas carreiras acadêmicas impactadas nesse período. As mulheres acabam por acumular um maior número de tarefas dentro de casa, sendo muitas vezes as únicas responsáveis pelo cuidado da família. Como consequência, elas relatam dificuldades em conseguir financiamento para pesquisas ou em ocupar cargos mais altos. No caso brasileiro, as mulheres correspondem à maioria das discentes de graduação e de pós-graduação, embora uma minoria seja docente. Ademais, 87% dos cargos universitários mais altos são ocupados por homens, além de 64,5% deles serem detentores de bolsas de produtividade (Leite et al, 2021LEITE, P.G.; ALMEIDA, P.; MORTOZA, M. (2021) A Few Notes on Women and the University in Brazil. Feminist Theory 22, n.3, p. 483-493., p. 487).
Para alterar esse cenário, pesquisas como as apresentadas no New Directions in the Study of Women in the Greco-Roman World são imprescindíveis.
Edith Hall é a autora do capítulo 1, “Goddesses, a Whore-Wife and a Slave: Eurypides’ Hyppolitus and Epistemic Injustice Toward Women”, em que o tema da desconfiança histórica com que a sociedade encara os testemunhos femininos é abordado. Essa desconfiança aumenta, principalmente, nos casos de acusações, feitas por homens, de desvios de conduta sexual. Hall argumenta que isso também tem um fundo cultural e epistemológico, que tem um peso maior do que lhe credita a análise acadêmica na formação das sociedades modernas. Desde a Antiguidade, essa desconfiança aparece relatada nos mitos e histórias passadas de geração a geração. Com isso, as mulheres são vistas como seres mentirosos e ardilosos, incansáveis em punir uma rejeição sexual. Para corroborar sua linha de raciocínio, Hall cita Fedra, a madrasta que se apaixona pelo enteado e que se vinga por ter sido preterida. A autora desenvolve um raciocínio lógico e analítico sobre os impactos socioculturais que esse mito desencadeou pelo mundo, formando até mesmo uma tradição negativa sobre a mulher. Fedra e Estenebeia são o exemplo de uma tipificação do comportamento feminino que prejudicou gerações de mulheres que sofreram, e sofrem, violências cotidianas, mas que são vistas sempre com a desconfiança de uma sociedade cujo poder dominante é inegavelmente masculino. Esse tipo de mito corroborou a visão de que as mulheres, antes de tudo, são culpadas e responsáveis pela violência que sofrem.
No capítulo 2, “Periphron Penelopeia”, H. A. Shapiro traça um comentário sobre a personalidade de Penélope, a esposa “ideal”, baseado em sua escassa iconografia. Penélope, enquanto “boa” esposa, é circunspecta, usa artimanhas femininas para se manter fiel ao marido e obediente ao seu kyrios, ou seja, seu senhor. Ela sequer retruca o jovem filho quando ele a manda se retirar do salão dos banquetes e voltar aos aposentos. Essa postura justifica a atribuição “periphron” - sábia - pelo poeta da Odisseia. Penélope é a epítome da esposa dedicada e resignada. Shapiro, contudo, demonstra que ela controla a ação em sua casa, “mais pelo que não diz do que pelo que diz” (2021, p. 42). Afinal, silêncio é o que querem os homens das mulheres e Penélope, que não era boba nem nada, soube utilizar isso a seu favor.
Em seu capítulo, “The First Basilissa: Phila, Daughter of Antipater and Wife of Demetrius Poliorcetes”, Elizabeth Carney, com base nos escritos de Plutarco e Arriano, apresenta a tese de que a legitimação de Demétrio Poliorceta no trono macedônio só foi alcançada por causa de seu casamento com Phila, filha de Antípatro, general de Alexandre. Demétrio e seu pai, Antígono, foram os primeiros dos Diádocos a adotar o título de basileus, rei, de modo que, segundo Carney, seria lógico inferir que suas esposas também teriam recebido título similar, basilissa, uma feminização da palavra masculina. Contudo, esse título só é associado a Phila em fontes literárias posteriores e nas evidências de um culto a Phila-Afrodite. Dessa maneira, Phila é a primeira mulher nobre a ter atributos reais atrelados a si, uma tradição que foi mantida pelas rainhas helenísticas posteriores.
Walter D. Penrose Jr. escreve o capítulo 4, “Power and Patronage: Rethinking the Legacy of Artemisia II”, no qual debate a história de Artemísia II da Cária, conhecida somente como a sofrida viúva de Mausolos, sátrapa da Cária entre 377 e 353 AEC. Contudo, ela governou sozinha por dois anos, de 353 a 351 AEC, e era uma excelente estrategista militar. A fama desses feitos militares ficou com o marido, o que é explicado em grande parte por pura misoginia, segundo Penrose. De acordo com o autor, os registros históricos sobre ela foram apagados durante o período Bizantino, e modificados em favor de seu marido. Para a posteridade, foi construída uma imagem de uma mulher enlutada, capaz de beber as cinzas do marido - principal tema de sua iconografia. No lugar de grandes feitos, tem-se a representação de uma extravagante campanha para honrar Mausolos e reabilitá-lo perante a população, que o considerava impopular e corrupto, como demonstra a epigrafia. Penrose baseia seu artigo em fontes epigráficas, normalmente negligenciadas em favor das fontes literárias, que ele pondera como sendo menos confiáveis, já que escritas muito posteriormente aos acontecimentos relatados. No caso de Artemísia, as inscrições fazem a diferença (2021, p. 64). Penrose pondera que os autores antigos da biografia de Artemísia destacam seu luto, seu sentimento, como a motivação para investimentos públicos, enquanto, para esses mesmos autores, o que move os reis é a razão. Destarte, claramente tem-se uma oposição entre emoção e razão atrelado ao par mulher e homem. Penrose convida a pensar sobre isso, bem como a dar o devido crédito a Artemísia, uma mulher excepcional.
No quinto capítulo, “The Muder of Apronia”, Barbara Levick discute o assassinato de Aprônia, esposa do pretor Plautio Silvano. A família de Aprônia tinha relações estreitas com a família do Imperador Tibério bem como a família do marido, cuja avó, Urgulânia, era íntima tanto do Imperador quanto da ex-imperatriz, esposa de Augusto, Júlia Augusta. O artigo de Levick narra uma sucessão de fatos com maquinações pela supremacia política empreendidas por uma mulher idosa e rica, Urgulânia. Ela influenciou o jogo político em Roma durante duas décadas. O interessante nesse caso é ver como, em Roma, uma mulher exerceu tanto poder, usando indistintamente homens e mulheres para alcançar seus objetivos.
O capítulo 6, “A Century of Women’s History from the Papyri”, é escrito por Roger S. Bagnall, e configura uma revisão bibliográfica sobre o recente campo de estudos da História das Mulheres na Antiguidade através do uso da papirologia. Bagnall aponta quatro momentos desse estudo: antes da Primeira Guerra Mundial, em que o foco estava centrado nos aspectos sociais do Egito greco-romano; e no pós-Segunda Guerra, com a pesquisa sobre a história das leis; os estudos sobre a Antiguidade Tardia; e, mais recentemente, os estudos feministas. Bagnall destaca que parte das pesquisas do primeiro momento estavam mais focadas no estudo de leis do que nos aspectos sociais, e que, apesar de esforços terem sido feitos na direção de uma análise da vida de mulheres comuns, muito do que foi produzido ainda eram relatos das vidas das grandes rainhas egípcias, notadamente as ptolomaicas. Apenas após o advento dos estudos de Pomeroy houve uma diversificação expressiva desse campo de pesquisa, com inovações significativas, como o uso inédito de recursos restritos a outros campos, como a matemática, e da interdisciplinaridade nas análises. Ele ressalta as potencialidades da papirologia e fecha seu artigo com uma nota esperançosa, convidando novos pesquisadores a investir na micro-história a partir dos papiros e da epigrafia.
Ann Ellis Hanson, no capítulo 7, “Cosmetics in Daily Life of the Ancient Mediterranean”, trata do uso de cosméticos na Antiguidade e das concepções culturais associadas a esse uso. Ela afirma que nenhum manual de receitas de cosméticos do Período Helenístico chegou intacto aos nossos dias, e que, nas cartas extantes entre esposas, sogras e maridos, raríssimas vezes são mencionados cosméticos. No geral, a maquiagem é considerada repelente e repugnante, e vários autores citam os efeitos degradantes de tais recursos nas faces das mulheres. O preconceito de certos autores é claramente visto, como em Xenofonte, em que Sócrates diz que maquiagem é algo para mulheres velhas, pois uma mulher nova é bonita nua e não precisa de mais nada para atrair o desejo do marido. Hanson cita Galeno que, em seu manual de cosmética, debate a diferença entre os cosméticos de uso medicinal (kommotika) e os usados para embelezamento (kosmetika), e conclui que esse últimos são desagradáveis e inúteis. Ele defende o uso de kommotika em situações necessárias para devolver ao corpo sua physike natural, sua beleza inata, e diz ter se baseado em um compêndio de receitas de cosméticos escrito pela própria Cleópatra VII, algo debatido até hoje. Os subsequentes manuais de cosmética usaram Galeno como fonte. Hanson conclui que na Antiguidade o cosmético preferido das pessoas era o azeite de oliva, misturado com partes odoríferas de outras plantas, com o qual se untava o corpo para diversas atividades, incluindo a ginástica. Também deve-se destacar que a fonte escolhida, as cartas, revelam a educação que as mulheres da elite recebiam, sabiam ler e escrever, e cuidavam das finanças da família.
No capítulo 8, de Georgia Tsouvala e intitulado “Female Athletes in the Late Hellenistic and Roman Greek World”, a autora enfatiza a impossibilidade de separar religião e esporte na Antiguidade, tanto para homens quanto para mulheres. Contrariando algumas pesquisas, ela defende que o esporte feminino não tinha apenas função de culto. Na sua visão, o esquecimento das atletas antigas nas pesquisas é devido à escolha dos pesquisadores anteriores, que ignoravam determinados dados. Seu texto demonstra a existência de atletas mulheres de alto rendimento e sua argumentação é baseada em inscrições - inclusive três listas de frequentadores de gymnasia e palaistrai nas quais figuram mulheres, algumas citadas como benfeitoras locais -, achados arqueológicos e fontes literárias. Assim, ela conclui que tanto mulheres quanto homens eram atletas de alto rendimento na Antiguidade greco-romana. Todos esses registros também comprovam que não apenas as espartanas, mas outras mulheres gregas eram atletas, como as de Hermíone, Nemeia, Messênia, Atenas, Acarnânia, Chipre, Sicília, Tarento, Nápoles. Nesses locais foram encontradas evidências da participação feminina tanto em jogos quanto como usuárias regulares nos gymnasia e palaistrai.
O capítulo 9, intitulado “Normalizing Illegality? The Roman Jurists and Underage Marriage”, de Bruce Frier, apresenta uma discussão a respeito de um aspecto ainda pouco debatido do casamento: quando um dos cônjuges é menor de idade. Ele procede a uma análise com acuidade de várias fontes, principalmente as de natureza jurídica. Apesar de não haver uma lei que restrinja a idade dos noivos, em Roma se tornou uma convenção não se casar menores de 12 anos. Destaca-se ainda que o casamento de menores de idade se restringia apenas a garotas, e não se encontra até hoje qualquer registro dessa prática com relação a garotos. Pensar na prática dos casamentos de garotas menores de idade nos conduz à uma reflexão sobre as leis, a herança e a propriedade, já que o casamento é, antes de tudo, um acordo entre as famílias dos noivos, especialmente no que tange ao dote.
Marilyn Skinner escreve o capítulo 10, “Augustus and the Economics of Adultery” que, partindo da legislação augustana, foca nas penalidades, especialmente as multas, aplicadas às adúlteras a partir da lex Iulia de adulteriis coercendis de 18 a.C. A lei configura-se como uma resposta à autonomia que as mulheres estavam alcançando pelo aumento de sua riqueza no final da República. Com isso, a conduta moral das mulheres foi objeto de ainda mais atenção, já que a independência financeira lhes assegurava também a possibilidade de usufruir de maior liberdade.
Destarte, os capítulos 9 e 10 tratam do casamento e do impacto que essa instituição possui na vida das mulheres, lançando luz sobre o tema para que não seja analisado simplesmente como uma imposição a elas. A análise da legislação demonstra, ao mesmo tempo, a proteção à mulher, à capacidade a ela conferida de gerir as riquezas através do dote e da sua administração do patrimônio doméstico, e o medo que a autonomia das mulheres representava ao status quo.
No capítulo 11, “Social Laws and Social Facts”, Kristina Milnor utiliza-se de uma perspectiva epistemológica para abordar também a legislação augustana e, com isso, destacar a presença das mulheres na elite romana. A autora parte do capítulo “The Elusive Women of Classical Antiquity”, do livro “Goddesses, Whores, Wives, and Slaves” de Sarah Pomeroy, e conclui que as leis promovem certos conhecimentos sobre as mulheres, reforçando padrões de comportamento que deveriam ou não ser seguidos pelas mulheres (Ancona e Tsouvala, 2021ANCONA, R.; TSOUVALA, G. (eds.) (2021) New Directions in the Study of Women in the Greco-Roman World. Oxford: Oxford University Press., p. 211).
“The Woman in the Street: Becoming Visible in Mid- Republican Rome”, de Amy Richlin, fecha a coletânea e, como o de Kristina Milnor, seu texto tem o intuito de dar visibilidade a uma camada da população que é pouco mencionada: as mais pobres. Portanto, seu foco é na mulher pobre na cultura política romana e sua principal fonte é a comédia de Plauto. Ela tece sua reflexão pensando a história das mulheres num contexto temporal e geográfico amplo, unindo a história das mulheres na Roma antiga com experiências contemporâneas para responder “como” e “por que” as mulheres ocupam as ruas. A todas essas mulheres corajosas ela dedica o seu texto: “So this is dedicated to all the women of good courage: the women who take to the streets, the women who take back the night, the women who soldier on. I am proud to be in that number, and I know who made it possible. This is for you.” (Ancona e Tsouvala, 2021ANCONA, R.; TSOUVALA, G. (eds.) (2021) New Directions in the Study of Women in the Greco-Roman World. Oxford: Oxford University Press., p. 230).
Prognosticado pelo título, o tema, mesmo em meio a suas vicissitudes, deixa claro que esse é um livro que vai tratar de algo que ainda impera em nossa sociedade: o controle do feminino pelo masculino. A necessidade dos homens de controlar as mulheres passa pelo seu cerceamento como indivíduos: a mulher não pode ter poder, não pode ter controle, e mais, não pode ter direito a viver sua própria sexualidade plenamente. Esses são direitos do masculino. Ao feminino ficam relegados os papéis de geradora e nutriz, e de objeto do prazer masculino. O desanimador nessa situação é a conclusão de que não é fácil apagar, e nem mesmo mudar, séculos de uma imposição cultural muito lucrativa e adequada aos propósitos do masculino, pois até os dias atuais nós lidamos com os preconceitos atarraxados a tal desenvolvimento.
As razões desse controle estão mais do que claras e debatidas: a possibilidade de herdeiros bastardos e a consequente repartição dos bens acumulados por um com os filhos de outro; a manutenção do poder e do controle sobre a propriedade, que passou à gerência masculina e nela reside, majoritariamente, apesar de mudanças estarem ocorrendo, principalmente depois da segunda metade do século XX; a sobreposição pela pura força física, que é inegavelmente masculina, entre outros fatores que provém aos homens justificativas históricas para a manutenção de tais práticas de descaracterização de indivíduos de pleno direito.
Essa descaracterização que as mulheres enfrentam não se restringe a uma questão de perda de liberdade. É um desprezo pela própria natureza humana do feminino. Embora muito tenha melhorado, as mulheres ainda são restringidas e condenadas. Um longo caminho ainda está a frente nesse quesito, para que uma nova geração, mais generosa e honesta com as questões de gênero, possa surgir e fazer desta uma sociedade mais igualitária. Nossos aplausos a este livro que celebra a obra de Sarah Pomeroy, uma pioneira no campo da construção de um mundo mais justo para uma de suas metades.
Vamos finalizar retomando a ideia da dedicatória da Professora Richlin ao final de seu artigo, não encontramos palavras mais adequadas: obrigada a todas as mulheres que lutaram para que as mulheres pudessem estudar e efetivamente participar da sociedade! Obrigada por sua luta, em sua homenagem continuaremos lutando e esperamos que, ao estabelecer pontes entre passado e presente, possamos construir uma sociedade verdadeiramente equitativa, justa e livre para todos.
Bibliografia
- ANCONA, R.; TSOUVALA, G. (eds.) (2021) New Directions in the Study of Women in the Greco-Roman World Oxford: Oxford University Press.
- CANTARELLA, E. (2005) Gender, Sexuality and Law. In: COHEN, D.; GAGARIN, M. (eds.). The Cambridge Companion to Ancient Greek Law Cambridge, Cambridge University Press, p. 236-253.
- CUCHET, V. S. (2015) Cidadãos e cidadãs nas cidades gregas clássicas. Onde atua o gênero? Revista Tempo 21, n. 38, p. 281-300.
- FOXHALL, L. (2013) Studying Gender in Classical Antiquity Cambridge, Cambridge University Press .
- LEITE, P.G.; ALMEIDA, P.; MORTOZA, M. (2021) A Few Notes on Women and the University in Brazil. Feminist Theory 22, n.3, p. 483-493.
- POMEROY, S. B. (1975) Goddesses, Whores, Wives, and Slaves: Women in Classical Antiquity New York, Schocken Books.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Jan 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
13 Ago 2022 -
Aceito
18 Ago 2022