Resumos
O artigo aborda a temática da diversidade sexual a partir das suas relações com a educação e suas implicações na formação docente no Brasil. A constituição da diversidade sexual como um tema educacional está ligada ao combate da homofobia, tendo sido precedida de outros focos de atenção, como o onanismo, as doenças sexualmente transmissíveis, a aids, e a gravidez na adolescência. Sua percepção como problemas sociais justificou sua inserção nas escolas, que têm sido incumbidas de participar da administração da sexualidade. Tais relações entre sexualidade, diversidade sexual e práticas educativas demarcam limites e possibilidades para a formação profissional, espaço em que estes temas são inseridos com menos frequência do que na educação básica.
diversidade sexual; educação; sexualidade; formação docente; Brasil
Este artículo aborda la temática de la diversidad sexual a partir de sus relaciones con la educación y sus implicancias para la formación docente en Brasil. La instauración de la diversidad sexual como tema educativo está vinculada al combate de la homofobia, y con anterioridad, lo estuvo al onanismo, las enfermedades de transmisión sexual, el SIDA y el embarazo adolescente. Su percepción como problemas sociales justificó su inclusión en las escuelas, que han recibido el mandato de participar en la gestión de la sexualidad. Estas relaciones entre sexualidad, diversidad sexual y prácticas educativas demarcan límites y posibilidades de la formación profesional, ámbito en el cual tales cuestiones se presentan con menor frecuencia que en la educación obligatoria.
diversidad sexual; educación; sexualidad; formación docente; Brasil
This article addresses sexual diversity in relation to education and its implications for teacher training in Brazil. The constitution of sexual diversity as an educational theme is linked to the struggle against homophobia, preceded by other foci of attention, such as masturbation, STDs, AIDS, and teenage pregnancy. The perception of them as social problems justified the mandate that schools participate in the administration of sexuality. Such relationships between sexuality, sexual diversity and educational practices demarcate boundaries and possibilities for professional training, a space in which these themes are inserted less frequently than in basic education.
sexual diversity; education; sexuality; teacher training; Brazil
ARTÍCULOS
Diversidad sexual y educación: desafíos para la formación docente
Sexual diversity and education: challenges for teacher training
Diversidade sexual e educação: desafios para a formação docente
Helena Altmann
Doutora em Educação. Professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, Brasil. altmann@fef.unicamp.br
RESUMEN
Este artículo aborda la temática de la diversidad sexual a partir de sus relaciones con la educación y sus implicancias para la formación docente en Brasil. La instauración de la diversidad sexual como tema educativo está vinculada al combate de la homofobia, y con anterioridad, lo estuvo al onanismo, las enfermedades de transmisión sexual, el SIDA y el embarazo adolescente. Su percepción como problemas sociales justificó su inclusión en las escuelas, que han recibido el mandato de participar en la gestión de la sexualidad. Estas relaciones entre sexualidad, diversidad sexual y prácticas educativas demarcan límites y posibilidades de la formación profesional, ámbito en el cual tales cuestiones se presentan con menor frecuencia que en la educación obligatoria.
Palabras clave: diversidad sexual; educación; sexualidad; formación docente; Brasil
ABSTRACT
This article addresses sexual diversity in relation to education and its implications for teacher training in Brazil. The constitution of sexual diversity as an educational theme is linked to the struggle against homophobia, preceded by other foci of attention, such as masturbation, STDs, AIDS, and teenage pregnancy. The perception of them as social problems justified the mandate that schools participate in the administration of sexuality. Such relationships between sexuality, sexual diversity and educational practices demarcate boundaries and possibilities for professional training, a space in which these themes are inserted less frequently than in basic education.
Keywords: sexual diversity; education; sexuality; teacher training; Brazil
RESUMO
O artigo aborda a temática da diversidade sexual a partir das suas relações com a educação e suas implicações na formação docente no Brasil. A constituição da diversidade sexual como um tema educacional está ligada ao combate da homofobia, tendo sido precedida de outros focos de atenção, como o onanismo, as doenças sexualmente transmissíveis, a aids, e a gravidez na adolescência. Sua percepção como problemas sociais justificou sua inserção nas escolas, que têm sido incumbidas de participar da administração da sexualidade. Tais relações entre sexualidade, diversidade sexual e práticas educativas demarcam limites e possibilidades para a formação profissional, espaço em que estes temas são inseridos com menos frequência do que na educação básica.
Palavras-chave: diversidade sexual; educação; sexualidade; formação docente; Brasil
Introdução
O objetivo deste artigo é abordar a temática da diversidade sexual a partir das suas relações com a educação e suas implicações na formação docente. Entendo que a inserção desta temática no campo da educação está relacionada à constituição histórica do dispositivo da sexualidade, tal qual formulado por Michel Foucault (1997). A partir do século XVIII, o sexo foi colocado em discurso em nossa sociedade, produzindo-se uma verdade sobre ele que é também tida como uma verdade sobre os sujeitos. A sexualidade tornou-se objeto de atenção da escola, que passou a produzir um discurso que não é unicamente o da moral, mas também o da racionalidade.
A associação entre educação e diversidade sexual está inserida neste contexto de relações de poder instauradas a partir de produções discursivas e não discursivas sobre a sexualidade que, em outros momentos históricos, teve como atenção diferentes temas, como o onanismo, a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), a aids, as relações de gênero, a gravidez. Assim, argumento aqui no sentido de mostrar que as demandas depositadas sobre a educação, no que se refere às temáticas ligadas à sexualidade, variam, modificando também suas implicações para a formação docente.
Sexualidade e educação: diferentes focos de intervenção
Ao pesquisar os arquivos de um jornal, combinando as palavras-chave "diversidade sexual" e "educação", a matéria mais recente localizada1 foi o editorial de uma colunista, publicado em agosto de 2012, citando pesquisas recentes sobre violência no Brasil (Suplicy, 2012). São dois os seus focos de análise: violência contra a mulher e violência homofóbica. Enquanto homens são assassinados na rua, mulheres são mais frequentemente mortas ou agredidas dentro de casa. De modo semelhante, os casos de violência contra pessoas homossexuais são, na sua maioria, cometidos por pessoas conhecidas, como familiares e vizinhos - 62% dos ataques a homossexuais são cometidos por conhecidos, evidenciando, segundo a autora, "o descaso governamental com a educação nas escolas, que falham no en sino ao respeito à diversidade sexual" (Suplicy, 2012:1).
As relações entre diversidade sexual e educação serão retomadas neste artigo. Antes disso, gostaria de discorrer acerca das fecundas ligações entre a produção de conhecimento e os movimentos sociais. As relações entre os estudos de gênero e o movimento feminista são bastante conhecidas (Louro, 1999; Piscitelli, 2002; Matos, 2008). O movimento feminista garantiu às mulheres e ampliou uma série de direitos políticos, sociais e civis, alguns dos quais originalmente estavam restritos aos homens, como direito ao voto e acesso ao mercado de trabalho, assegurou a maternidade como opção e não como destino etc. Tais conquistas não apenas alargaram as oportunidades de estudo e profissionais para as mulheres, proporcionando, entre outros, seu ingresso nas universidades e a realização de pesquisas, como, a partir dessa possibilidade construída, inspiraram e mostraram a necessidade de produção de conhecimento sobre as mulheres e aspectos a elas relacionados. A invisibilidade em torno da mulher, no campo social e nos campos de produção de conhecimento, foi aos poucos se dissolvendo. Mais tarde, esse conjunto de pesquisas e reflexões deu origem aos estudos de gênero, que atualmente se consolidaram como um campo de pesquisa (Matos, 2008).
Hoje em dia, também os movimentos sociais e a produção de conhecimento buscam dar visibilidade à diversidade sexual. De modo semelhante, pesquisas ligadas à homofobia,2 à diversidade sexual, aos estudos queer, entre outros, surgem numa estreita relação com os movimentos sociais, inicialmente chamados de "movimento gay", mas que receberam várias nomenclaturas, podendo hoje ser denominados de movimentos sociais LGBTTIQ (lésbico, gay, bissexual, transexual, transgênero/travesti, intersexual e queer).3
É igualmente importante considerar que o surgimento da epidemia da aids deu visibilidade à pluralidade das expressões da sexualidade, bem como reafirmou um lugar de importância para a escola no que se refere ao dispositivo da sexualidade. O caráter preventivo da prática educativa consolidou-se a partir dessa epidemia, ainda que a sexualidade de crianças e adolescentes já fosse objeto de atenção das instituições pedagógicas desde a modernidade. Afirma Michel Foucault:
Desde o século XVIII, [a instituição pedagógica] concentrou as formas do discurso neste tema; estabeleceu pontos de implantação diferentes; codificou os conteúdos e qualificou os locutores. Falar do sexo das crianças, fazer com que dele falem os educadores, os médicos, os administradores e os pais; ou, então, falar de sexo com as crianças, fazer falarem elas mesmas, encerrá-las numa teia de discursos que ora se dirigem a elas, ora falam delas, impondo-lhes conhecimentos canônicos ou formando, a partir delas, um saber que lhes escapa - tudo isso permite vincular a intensificação dos controles à multiplicação dos discursos. A partir do século XVIII, o sexo das crianças e dos adolescentes passou a ser um importante foco em torno do qual se construíram inúmeros dispositivos institucionais e estratégias discursivas (Foucault, 1997:31).
Assim, em nossa sociedade, fala-se publicamente do sexo "como de uma coisa que não se deve simplesmente condenar ou tolerar, mas gerir, inserir em sistemas de utilidade, regular para o bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão ótimo. O sexo não se julga apenas, administra-se" (Foucault, 1997:27). Por conseguinte, o sexo é, de um lado, objeto de tecnologias de governo afeitas ao campo político e, de outro, objeto de escolhas afeitas ao campo ético. Portanto, constitui-se como um dispositivo complexo de técnicas de governo de si e dos outros.
Se olharmos para a escola a partir de uma perspectiva histórica, poderemos ver as diferentes formas como ela foi conclamada a colocar a sexualidade em discurso e como tais questões estão ligadas a fatos constituídos como problemas sociais no contexto e no momento em que estão situados. Estratégias pedagógicas foram criadas de modo a administrar a sexualidade e a vida social. Assim, as intervenções sobre a sexualidade na escola passaram por diferentes focos de atenção, como o onanismo, as DSTs, a aids, a chamada gravidez na adolescência e agora o respeito à diversidade sexual.
O onanismo deixou de ser visto apenas como pecado desde o século XVIII, passando a ser considerado como uma patologia que necessitava de cuidados médicos, e até mesmo uma perigosa epidemia, com consequências individuais e sociais. Tal transformação coincide com um longo processo de medicalização da vida social e da própria sexualidade, que foi estabelecendo um fio de ligação entre o sexo e a procura da verdade. A construção de uma scientia sexualis (diferente da ars erótica de outras culturas) estabeleceu um regime de poder-saber-prazer que nos constitui como sujeitos e organiza nossa vida social (Foucault, 1997).
No livro O Onanismo, escrito na França em 1785 pelo médico André Tissot, a masturbação era vista como uma prática que ia contra a natureza, capaz de causar até mesmo a morte de quem a praticasse, sendo interpretada como suicídio (Vidal, 2004). O fato de este livro ter sido escrito por um médico e não por alguém ligado ao campo religioso, por exemplo, mostra a importância que a medicina passou a ter no controle da sexualidade e da vida social, lugar ocupado até os dias de hoje.
No Brasil do século XIX, o onanismo foi considerado o mais grave e terrível dos vícios, pois provocaria o aniquilamento físico, perverteria a moral e reduziria a inteligência. Exaurir fisicamente o corpo e entorpecer o espírito de aconselhamento moral eram estratégias para interditar o corpo dos meninos da prática masturbatória que, no interior da ordem médico-higiênica, concorria para impedir a constituição de um corpo forte e robusto, uma boa moral e uma sabedoria desejada (Gondra, 2000).
Condenada por muito tempo por religiosos, médicos e pedagogos higienistas devido aos perigos que poderia trazer à saúde física, moral e intelectual, hoje a masturbação pode ser considerada "sexo seguro". Com a masturbação, o risco de contrair doenças ou engravidar não está instaurado. Em pesquisa desenvolvida no Rio de Janeiro, durante um trabalho de educação sexual com adolescentes, masturbação, uso de camisinha, beijos pelo corpo e carícias foram apontados como práticas de sexo seguro. Além disso, a masturbação feita por meninas foi considerada como uma possibilidade legítima de busca de prazer e de conhecimento do próprio corpo (Altmann, 2005).
Tal episódio foi observado justamente em um momento em que doenças sexualmente transmissíveis, aids e principalmente a gravidez eram objeto de atenção, de consolidação de políticas públicas e intervenção escolar. A inclusão de um tema transversal intitulado orientação sexual nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) concretiza esse movimento. Elaborados em 1996 com o objetivo de estabelecer uma referência curricular nacional, os PCNs apresentam a educação sexual como um tema transversal, nomeado de "orientação sexual",4 a ser trabalhado nas escolas brasileiras. De acordo com esta proposta, os temas transversais tematizam problemas fundamentais e urgentes da vida social, a orientação sexual sendo justificada pelo crescimento de casos de "gravidez indesejada" entre adolescentes e pelo risco da contaminação através do HIV. Os temas transversais deveriam ser trabalhados ao longo de todos os ciclos de escolarização, os trabalhos ocorrendo de duas formas: dentro da programação, por meio de conteúdos transversalizados nas diferentes áreas do currículo, e como extraprogramação, sempre que surgissem questões relacionadas ao tema (Brasil, 1998).5
Note-se que a temática da homofobia ou mesmo da diversidade sexual não foi contemplada ali, tendo esta sido foco de políticas públicas, como o programa "Brasil sem Homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra GLBT e promoção da cidadania homossexual", a partir de 2004 (Brasil, 2004). Os PCNs se apresentaram como uma proposta curricular sem atenção e investimento na formação profissional, motivo pelo qual foram criticados por instâncias acadêmicas e de militância social. De modo distinto, um dos focos de intervenção do programa "Brasil sem Homofobia" foi a formação profissional.6
Outro aspecto importante a ser observado é que a visibilidade social adquirida da chamada "gravidez na adolescência" no final do século XX e início do século XXI está relacionada, entre outras, a demandas sociais em torno da mulher, da maternidade, da juventude e da criança. A gravidez em idades jovens não é um fenômeno inédito em si mesmo, pois em outros momentos históricos mulheres jovens engravidavam, e isto não era considerado um problema social (Le Van, 1998). Assim, mudanças sociais e culturais, como o prolongamento do ensino e o envolvimento da mulher em uma carreira profissional, contribuíram para um retardamento da gravidez e da constituição da família.
A imagem social da criança também se modificou: despojada progressivamente do seu valor econômico e social, ela passou a ser vista como uma gratificação, com intensas demandas educativas. Escolher o momento propício para ter filhos, de modo a poder bem educá-los e a não criar obstáculos para as realizações pessoais do pai e da mãe, tornou-se imperativo.7
Diversidade sexual como foco de intervenção educacional
A colocação da sexualidade em discurso dentro das escolas é anterior e mais frequente do que nos campos de formação profissional. Assim, até aqui, procurei argumentar que os temas e as formas de abordá-la variam historicamente, estando relacionados ao que é visto e constituído como problema social no momento. Se a escola já foi acionada para intervir diante da masturbação, das DSTs, da aids e da gravidez, hoje ela é mobilizada a intervir no combate à homofobia, trabalhando no sentido de contemplar a diversidade sexual. A expressão diversidade sexual vem sendo utilizada de maneira ampla, em diferentes áreas, como movimentos sociais, políticas públicas e educação. De acordo com Henrique Nardi e Eliana Quartiero (2012:62),
esta expressão vem se afirmando como opção ao termo diferente ou diverso, e é utilizada no sentido da multiplicidade e da singularidade, buscando assim mostrar que todos e todas fazemos parte da diversidade de expressões de gênero e sexualidade, a qual é constituinte do humano.
Embora em seu uso cotidiano ela possa ser tomada como forma de nomear aqueles que não são heterossexuais, a heterossexualidade também está incluída na diversidade sexual, como uma entre outras formas de viver a sexualidade. Desta forma, se voltarmos para a reportagem de jornal no início deste artigo, encontraremos lá a constituição da escola como espaço privilegiado de combate à homofobia a partir da promoção do "respeito à diversidade sexual":
O número de 62% dos ataques feitos por conhecidos [a homossexuais] mostra uma sociedade ainda preconceituosa e com muita dificuldade em aceitar o diferente. Mas evidencia também o descaso governamental com a educação nas escolas, que falham no ensino ao respeito à diversidade sexual (Suplicy, 2012:1).
Diferentemente das estratégias educativas de prevenção das DSTs, da aids e da gravidez, que em muitos casos se pautaram em um discurso negativo que mostrava os malefícios das doenças e da própria gravidez, o combate à homofobia tem buscado se afirmar a partir de estratégias positivas, como a promoção do respeito à diversidade sexual. Nem sempre, no entanto, essa perspectiva é socialmente aceita, pois, em alguns casos, ela é equivocadamente lida como incentivadora da homossexualidade. Exemplo disto foi a suspensão da distribuição de vídeos produzidos pelo "Programa Brasil Sem Homofobia", em 2011. Por pressão de segmentos religiosos no Congresso nacional, tais vídeos acabaram não chegando às escolas, evidenciando impasses políticos e morais enfrentados diante dessas questões. As estratégias políticas e educativas em torno da diversidade sexual mobilizam valores pessoais, religiosos, éticos etc. ainda mais complexos do que os postos em ação em função das doenças e da gravidez, mostrando o terreno movediço em que se instalam práticas de intervenção e formação.
Ainda assim, a matéria de jornal supracitada destaca a importância da escola no ensino do respeito à diversidade sexual. Embora recente, encontramos um movimento significativo de debate e implantação de programas e projetos de educação sexual que respeitem a diversidade nas sociedades ocidentais fundadas em uma matriz democrática e laica. No Brasil, as condições de emergência para isto estão associadas à ação de movimentos sociais, tal qual explicitado anteriormente. Além disso, assim como na matéria aqui analisada, as necessidades de políticas públicas que contemplem a diversidade sexual são baseadas em pesquisas que apontam atitudes homofóbicas e heterossexistas nas escolas.9 Percebe-se aí a importante articulação entre os movimentos sociais, a produção de conhecimento, a constituição de políticas públicas, as práticas educativas e a formação profissional.
Outrossim, a importância da escola diante destas questões está relacionada ao caráter democrático de tal instituição, tanto no que se refere à democratização do acesso e às condições de permanência, quanto às relações que ali se estabelecem. A escola é uma forma fundamental de promoção da igualdade de direitos. Para que cumpra esta função, o respeito à diversidade sexual é ali imprescindível, caso contrário, ela instaura práticas discriminatórias e heteronormativas que excluem ou invisibilizam diferenças.
Nesse sentido, vale observar que a educação sexual posta em prática dentro das escolas está, não raro, pautada em uma perspectiva biológica da sexualidade, o que se relaciona à forma como a sexualidade se constitui enquanto área de saber-poder na sociedade e adentra o espaço escolar (Altmann, 2010). Pesquisas mostraram os limites de práticas educativas que restringem a sexualidade à sua perspectiva biológica (Altmann, 2010; Castro, et al., 2004; Furlani, 2003; Oliveira, 1998). Como alternativa, a educação sexual foi transformada em um tema transversal nos PCNs, de modo que a sexualidade pudesse ser abordada por qualquer área de conhecimento na escola (Brasil, 1998). No entanto, sua concretização no dia a dia de escolas organizadas por uma matriz disciplinar foi limitada.
Quando concebidas de uma perspectiva biológica de corpo, práticas educativas sobre sexualidade têm dificuldades de contemplar a diversidade sexual. As relações sexuais acabam sendo pensadas a partir de uma lógica reprodutora, enfatizando o papel que ocupam na geração de um novo ser no ciclo reprodutivo. Embora nossa sociedade esteja longe de restringir as relações sexuais a essa função reprodutiva, o enfoque deste tipo dado a elas nas escolas evidencia a abordagem limitada de uma experiência que se configura de muitas outras formas na contemporaneidade, envolvendo afeto, prazer, erotismo, sensualidade, entre outros. Ao não contemplar essas dimensões da sexualidade, provavelmente tão ou mais importantes hoje do que a função reprodutiva, ela corre o risco de se tornar pouco eficiente nos seus objetivos preventivos. Do mesmo modo, em uma perspectiva reprodutiva tradicional, a diversidade sexual não é contemplada, pois a sexualidade é tida apenas segundo seu enfoque heterossexual. As políticas públicas de combate à homofobia buscam romper a invisibilidade da diversidade sexual, bem como sua visibilidade restritamente negativa, como quando ela é somente mencionada ao se abordarem temas como DSTs e aids.
Tais características de processos educativos a respeito da sexualidade evidenciam o regime de verdade heterossexual produzido pelas próprias práticas, que mais do que revelar uma verdade sobre os sujeitos e a sexualidade, as constituem. Ao olhar para os sujeitos e para a sexualidade exclusivamente a partir de um referente biológico binário, naturalizam-se diferenças que dizem respeito ao corpo, ao gênero e à sexualidade. Não há espaço para a diversidade sexual segundo esta ótica de pensamento. Desnaturalizar diferenças entre homens e mulheres foi uma conquista importante do movimento feminista e dos estudos de gênero e que deve ser resgatada quando se aborda a diversidade sexual. A mesma perspectiva construtivista precisa ser considerada quando se têm em conta aspectos ligados à sexualidade.
Outro contexto em que a diversidade se torna objeto de atenção na escola é quando ela se instaura como um "problema". Como afirmam Nardi e Quartiero (2012:71),
a necessidade de reflexão só parece emergir quando o cotidiano claudica, quando a norma tem dificuldade de ser reiterada nas performances de gênero e da sexualidade, quando algo se confronta com lógicas paradoxais que denunciam a construção social da norma e de nós mesmos.
Embora eu considere que a diversidade sexual deva ser abordada de outros pontos de vista na escola, mais positivos, essas situações do cotidiano não deixam de ser potencializadoras em várias dimensões, dentre elas, a formativa, pois as experiências dos sujeitos podem mobilizar sentimentos, reflexões, determinando novos entendimentos sobre a sexualidade. O desconforto produzido pela própria experiência possibilita a construção de outros saberes de experiência, no sentido formulado por Jorge Larrosa (2002).
Para concluir: aproximando formação docente e diversidade sexual
As relações entre sexualidade, diversidade sexual e práticas educativas abordadas neste artigo demarcam limites e possibilidades para a formação profissional. A partir desse contexto, concluo este artigo com alguns apontamentos sobre possíveis estratégias de formação diante desta temática.
A primeira delas diz respeito aos cursos de formação em nível superior. Segundo Dinis (2012), o tema da diversidade sexual e de gênero deve ser incluído no currículo de formação, para que novos/as professores/as possam desenvolver futuramente estratégias de resistência ao currículo heteronormativo. No entanto, por que a sexualidade é colocada em discurso dentro das escolas de maneira mais frequentemente do que nos cursos universitários? Cursos de graduação pouco contemplam temas como gênero, sexualidade e diversidade sexual, o que está ligado a vários aspectos. Sem ter a pretensão de abordá-los na sua plenitude, gostaria de me referir a alguns deles. Diferentemente do ensino escolar, as universidades são dotadas de maior autonomia, inclusive no que se refere ao conhecimento. A autonomia universitária propicia tanto a inclusão quanto a ausência desses temas nos seus currículos.
Se, por um lado, ela garante que professores sensíveis a essa temática abordem tais questões em suas disciplinas, ou mesmo ofereçam disciplinas específicas sobre ela nos cursos, por outro, também possibilita que um número não desprezível de professores e outros profissionais conclua a formação superior sem que esses temas tenham sido contemplados. A estrutura mais fixa e tradicional dos cursos de formação superior também dificulta mudanças nos currículos, inclusive no que se refere à inclusão de conteúdos que são providos de certa maleabilidade. Assim, as frequentes mudanças de foco em relação a que aspecto da sexualidade é mais ou menos importante em cada momento histórico, conforme aqui analisado, parece impor desafios à formação profissional nos cursos universitários, os quais precisariam encontrar maneiras de lidar com essa não fixidez do conhecimento e das suas dimensões políticas e sociais.
Por outro lado, o caráter pungente desta temática a torna extremamente mobilizadora de eventos, cursos de formação continuada e de especialização, pesquisas de pós-graduação etc. Essas possibilidades educativas têm sido exploradas. Entre outras, há potencialidade exatamente no trabalho a partir de uma experiência já construída no campo profissional, que pode ser ressignificada e reelaborada através de nova formação. Os cursos de educação a distância Gênero e Diversidade na Escola (GDE), e os cursos do programa "Brasil sem homofobia" são exemplos disto. No caso destes últimos, não raro, eles têm se construído em parceria com os movimentos sociais (Nardi & Quartiero, 2012; Ferrari & Franco, 2010).
Outro espaço que pode ser explorado na formação docente é o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), ligado à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Ministério da Educação (MEC). Este programa tem por finalidade o fomento à iniciação à docência de estudantes de licenciatura de educação superior, aprimorando seus conhecimentos em curso presencial de licenciatura e contribuindo para a promoção da qualidade de ensino nas escolas públicas.10 Ele tem sido foco de grandes investimentos por parte de ambas as instituições, tornando possível a criação de programas de intervenção sobre gênero e diversidade sexual, ou que tenham estes temas como um dos seus objetos de atenção, por conseguinte, de formação profissional.
Outras possibilidades educativas ligadas à diversidade sexual podem ser construídas a partir da arte, como artes plásticas, filmes, curta-metragens, literatura adulta e infantil, entre outros. A diversidade sexual tem sido tema tratado direta ou indiretamente nestes campos, o que permite o seu reaproveitamento na esfera educativa. Tais recursos podem contribuir para uma abordagem da sexualidade que vá além da sua dimensão biológica.
Assim, são muitos os desafios que são colocados, mas são igualmente muitas as possibilidades educativas em torno da diversidade sexual e da formação profissional. Cabe a nós, profissionais da educação, abrir e ocupar os espaços.
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Recebido: 07/11/2012
Aceito para publicação: 26/02/2013
Referências bibliográficas
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
18 Abr 2013 -
Data do Fascículo
Abr 2013
Histórico
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Recebido
07 Nov 2012 -
Aceito
26 Fev 2013