Resumo
A saga Harry Potter se tornou um dos principais produtos da indústria do entretenimento da história, tendo um enorme impacto cultural e sendo emblemática, com uma geração de fãs denominados potterheads. Surgiu em um contexto de globalização e de grande desenvolvimento tecnológico, que afetou sobremaneira os modos de sociabilidade. Esse cenário instaurou a cultura da convergência, resultante da aproximação entre a cultura, a comunicação e a convergência das mídias, que estabeleceu uma estreita e inédita rede relacional entre tecnologias, produtores midiáticos e comunidades de fãs. Nesse contexto, as práticas dessas comunidades estabelecem verdades, influenciam indivíduos, moldam relações sociais e promovem ativismos, mostrando-se um modo contemporâneo de estar organizado, cuja forma de vida é mantida pelo imbricamento com processos de gestão ordinária e espaços sociais. O presente trabalho investiga esses processos, partindo da seguinte questão de pesquisa: como os potterheads governam sua vida organizada? Baseados em um arquivo documental de práticas dos potterheads coletadas em mídias digitais, realizamos uma análise de discursos foucaultiana. A pesquisa revelou uma formação discursiva indicativa de relações de governo dadas com base no cuidado de si e do outro no interior do regime de um dispositivo, que legitima e ordena a forma como os potterheads se organizam, estabelecendo-se como um solo de subjetivação desses fãs. Nossa contribuição está em revelar como, na singularidade de um processo organizativo, a gestão se dá por estratégias de governo pautadas numa imbricada relação entre tecnologias de poder e tecnologias de si.
Palavras-chave Vida organizada; Processo organizativo; Análise de discurso foucaultiana; Fãs; Potterheads
Abstract
The Harry Potter series has become one of the main products of the history of the entertainment industry, having a huge cultural impact and being emblematic of a generation of fans, called potterheads. It arose in a context of globalization and of great technological development, which greatly affected the modes of sociability. This scenario brought the culture of convergence, resulting from the approximation between culture, communication and media convergence, which established a close and unprecedented relational network between technology, media producers and fan communities. In this context, the practices of these communities establish truths, influence individuals shape social relations and promote activism, being a contemporary way of being organized, whose way of life is maintained by the imbrication with ordinary management processes and social spaces. This study investigates these processes starting from the following research question: how potterheads govern their life organized? From a documental archive of potterhead practices collected in digital media, we conducted a Foucauldian Discourse Analysis. The research revealed a discursive formation indicative of government relations given from the care of the self and the other within of a dispositif system, which legitimizes and orders the way potterheads are organized, establishing it as a subjectivity ground for these fans. Our contribution is on revealing how, in the uniqueness of an organizational process, the management is given by strategies of government guided by an imbricated relationship between power technologies and self-technologies.
Keywords Organized life; Organizational process; Foucauldian discourse analysis; Fans; Potterheads
Introdução
Londres, meia noite e um minuto do dia 20 de julho de 2007. Em meio ao suspense promovido pelo sigilo que vinha ocorrendo nos últimos lançamentos da série e ao burburinho causado pelos ansiosos fãs, então ávidos para devorar o último episódio, nas livrarias são abertas as caixas contendo o sétimo exemplar da saga Harry Potter. O lançamento talvez mais aguardado da história literária foi marcado por uma contagem regressiva: cronômetros foram dispostos em avenidas importantes de várias cidades em todo o mundo, garantindo que todos os fãs tivessem acesso ao desfecho da narrativa ao mesmo tempo. O Museu de História Natural de Londres sediou o evento em que 1.700 pessoas foram selecionadas (entre 90 mil inscritas) para acompanhar o lançamento junto à autora: Joanne Kathleen Rowling (JK Rowling). A fila para a entrada se formou com dois dias de antecedência e, nas primeiras 24 horas que se seguiram, 2,6 milhões de livros foram adquiridos no Reino Unido e 8,3 milhões nos Estados Unidos, o que representou uma venda de mais de 7 mil cópias por minuto (RUNCIE, 2007). Considerado o livro de venda mais rápida da história, esse foi o desfecho de uma produção que durou 17 anos, foi traduzida para mais de 60 idiomas e que se tornou conhecida pela maioria das famílias ocidentais (STEPHEN; PATTERSON, 2010).
O sucesso da série, aliado à sua ampla distribuição, fez dessa quase que uma leitura obrigatória para uma geração inteira (ARCHER, 2015). Esse sucesso teve continuidade nos lançamentos cinematográficos, que também bateram recordes de bilheteria, consagrando Harry Potter como um dos negócios mais lucrativos dos últimos tempos. Considerada uma das mais potentes narrativas contemporâneas de mídia, Harry Potter tornou-se o símbolo de uma geração (BATISTA; DOMINGOS, 2011), e os potterheads – como são chamados os fãs da saga – se autodenominaram “geração Potter”.
Mesmo com o término dos lançamentos, os potterheads conservam o alto envolvimento com o universo, prezam e se orgulham da fidelidade que mantém a ele. Graças ao seu trabalho e dedicação, a comunidade mantem-se ativa. Cotidianamente a cultura Potter é construída, indicando perdurar por ser normatizada e normatizadora, praticada e ensinada nas recorrentes interações entre os fãs. Posts continuam sendo fartamente distribuídos nas redes sociais, contendo dicas sobre os passos necessários para ser um potterhead, os sinais que indicam o que é ou não um fã verdadeiro, listas de motivos para ser um fã, entre outros.
O interesse em um produto cultural é capaz de agregar fãs em comunidades (denominadas de fandom), um espaço social em que acontecem várias atividades (AMARAL; SOUZA; MONTEIRO, 2015). Graças à sua ligação afetiva com os produtos midiáticos, os fãs participam da construção de conteúdos, mas reivindicam o que acham que lhes compete por direito, são barulhentos e se mobilizam solidariamente, de forma mundial e imediata, ganhando visibilidade e fazendo-se respeitar (MURRAY, 2003). De modo geral, eles entendem a questão como um direito à liberdade de pensamento próprio de uma sociedade democrática e reivindicam sua posição de participante enquanto cidadãos (AMARAL; SOUZA; MONTEIRO, 2015; JENKINS, 2009; SPAAIJ; VIÑAS, 2013).
Jenkins (2009) analisa que o fã pertence a uma geração que está acostumada a buscar a solução comunitária para problemas utilizando os meios digitais, e a usar os conteúdos dos produtos culturais de modo criativo para construir seus mundos. Essa rede de relacionamento construída entre eles, as tecnologias e os produtores constituem o que Jenkins (2009) denomina de cultura da convergência. Conhecidos por geração millennials, esses jovens cresceram em meio à cultura das mídias, interagem por meio delas e dominam o uso das tecnologias (HOWE; STRAUSS, 2000). Esses novos modos de socialização e trocas econômicas e culturais tornaram-se comuns nas sociedades ligadas em rede, e as particularidades características desses jovens têm sido alvo de pesquisas em várias áreas, inclusive no contexto empresarial (OLIVEIRA; PICCININI; BITENCOURT, 2012).
Se, historicamente, gostar de narrativas ficcionais já representou um perigo social – adentrar no mundo do ideal ilusório se afastando da racionalidade iluminista (FACINA, 2004; MOURA, 2010), hoje indica o pertencimento a um coletivo em que a atuação política é um trabalho formador (AMARAL; SOUZA; MONTEIRO, 2015; JENKINS, 2009) capaz de produzir sujeitos e verdades, indicando a constituição de novas subjetividades. Moura (2013) reforça que a geração millennials é formada por sujeitos ativos numa sociedade constituída simbolicamente pela comunicação; usam de modo intenso e ágil os dispositivos tecnológicos para ter acesso imediato a conteúdos, informações e interatividade. Tais experiências com as plataformas móveis possibilitam a esses jovens a construção de identidade e da própria realidade.
Essa breve contextualização acerca dos fãs em geral e dos potterheads como uma singularidade, de imediato, chama a atenção em três questões a serem aprofundadas: o fã é um consumidor produtivo; sua atuação se dá em um espaço organizado; e a liberdade pode ser conquistada por meio de práticas de consumo.
Em relação ao trabalho do consumidor, pesquisadores e gestores reconhecem amplamente sua importância; graças ao seu envolvimento, consumidores participam da cocriação de valores para produtos, contribuindo para o sucesso dos lançamentos (MATIAS; SILVEIRA; BRANDÃO, 2015). A indústria do entretenimento estabelece contato direto com esses agentes e distribui suas informações (CHIN, 2014), construindo com eles alianças estratégicas (CASTRO; SANTOS JÚNIOR, 2015). Nelas o grande desafio é prever a força com que se estabelecerá esse envolvimento afetivo, já que esse trabalho vai implicar em grande empenho e esforço por parte do consumidor (CORREA et al., 2015).
Quanto à comunidade de fãs, podemos entender que o fandom é construído e mantido por práticas organizadas. Tal espaço pode ser entendido como uma vida organizada, em que sujeitos e mundos são produzidos no imbricamento de espaços sociais, formas de vida e gestão ordinária. Para Carrieri (2014), a vida organizada é um tema cuja construção metodológica pautou-se na cultura ordinária de Michel Certeau e que não segue o modelo gerencialista. Interessa compreender os trajetos que as pessoas decidem percorrer, as ações que resolvem tomar para manter sua sobrevivência enquanto unidades afetivas e de negócios, considerando que os espaços sociais se intercambiam e constituem-se mutuamente na rede de relações tecidas pelos que lá vivem.
Analisar o fandom como organização num sentido amplo é assumir uma postura ontoepistemológica alternativa ao mainstream. Baseando-se numa abordagem pós-estruturalista, a noção de vida organizada é embasada em processos organizativos (ALCADIPANI; TURETA, 2009; COOPER; BURREL, 1988), em que sua complexidade, no interior da sociedade da informação, constitui-se de condições de transformação incertas, ambivalentes e abertas, por ter como características intrínsecas a própria fluidez e flexibilidade da rede de informação, por sua vez, constantemente articulada nas trocas frágeis e sutis dadas entre os conhecimentos e as práticas (JEFFCUTT; THOMAS, 1998).
Nesse sentido, Duarte e Alcadipani (2016) explicam que entender a organização como processo (organizing) é parte de uma postura política que se opõe à visão metateórica de organização. Nessa linha paradigmática, os autores entendem a organização como um fluxo contínuo de práticas heterogêneas, difusas, complexas e em transformação. As práticas são descritas como ações organizadas, pois se ligam entre si pelo entendimento do como se deve executar tarefas, por um conjunto de regras e por uma estrutura teleafetiva ordenada, que acontece num contexto específico de arranjos materiais. O conjunto molda realidades organizacionais, pois processos dão forma a espaços praticados por sujeitos históricos e se realizam no desempenho da gestão (OLIVEIRA; CAVEDON, 2013), cujos modos de ação interessam aos estudos críticos em administração (TORCHIA, 2016). Nesse pensamento, o interesse se volta para o cotidiano e para práticas organizacionais alternativas (BARROS; CARRIERI, 2015), pois o viés descoloniza o olhar do pesquisador, permitindo compreender a gestão como um lugar de disputas permanentes (CARRIERI; PERDIGÃO; AGUIAR, 2014).
Por fim, em relação à liberdade de escolhas do consumidor, para Michel Foucault, desde a consolidação da sociedade moderna, o poder e a liberdade são conciliados por meio das práticas de governo, em que os indivíduos são regulados e não mais dominados, e o poder se exerce nos atos de escolha (BECKETT, 2012). Isso se deve ao entendimento de que a forma de poder que se aplica à vida cotidiana constitui sujeitos (FOUCAULT, 1995). O indivíduo “se sujeita” à identidade pelo autoconhecimento, pelo controle e dependência social. Para o filósofo, “sujeitar-se a” se estabelece pelos jogos de poder em relação estreita com o saber e também com a resistência, que desestabiliza recorrentemente o poder. Portanto, sujeitar-se não é ser dominado, pois essa não seria uma relação de poder nos termos foucaultianos. Já a prática do governo é entendida pelo pensador francês como uma conduta de condutas. Os jogos estratégicos de poder são característicos de interações humanas e significam a estruturação de um campo de ação em que o governo age de modo mais ou menos sistematizado, pois, regulado, segue uma forma de raciocínio, definindo a finalidade de sua ação e os meios para atingi-la (LEMKE, 2002).
Munro (2014) indica como a organização de movimentos sociais requer processos de autodisciplina, pois os exercícios éticos, a abnegação e o sacrifício pessoal são valores organizacionais importantes e constitutivos de subjetividades que embasam sua forma de existência. Skinner (2013) explica que a construção da subjetividade depende fundamentalmente dessa experiência de si, pressupõe a participação ativa e o engajamento; analisa ainda que, atualmente, as tecnologias de si operam por meio de uma relação com tecnologias de poder da governamentalidade moderna, fornecendo um conjunto de estratégias para o governo dos outros.
O termo foucaultiano governamentalidade se refere aos modos como o autocontrole se vincula às formas de poder político e exploração econômica (LEMKE, 2002). Souza (2013, p. 402) descreve que a “governamentalidade seria um esforço para criar sujeitos governáveis por meio de técnicas que controlam e moldam condutas”. Segundo a autora (SOUZA, 2013), apesar de gerir ser parte natural da ação humana, formas de governo existem hoje influenciadas por estilos de vida gerenciais e gerenciados, pois as formas de funcionamento do mercado se estenderam para estilo de vida e conduta cotidianos. Assim, esse agente autorreflexivo alinha-se naturalmente aos modos neoliberais de governo e se autogoverna. Por isso, o sucesso de regimes de governamentalidade pode ser atribuído ao grau com que os indivíduos venham a se reconhecer e se identificar em termos de identidade, produzindo sua forma de ação por meio dela (BECKETT, 2012).
Assim, o fã apresenta-se como um sujeito constituído em condições próprias dessa sociedade, em que relações estabelecidas nas experiências com textos culturais são também indicativas da condição de produzir-se produzindo o sistema. Afinal, o trabalho formador desse sujeito por meio do produto cultural tornou-se essencial para a reprodução e disseminação da cultura pop (JENKINS, 2009); a relação produtiva que constitui sujeitos, cultura, produtos e o sistema, ao mesmo tempo e ininterruptamente (TURK, 2014). Tomaz (2013) reforça que a própria adesão a um comportamento geracional envolve o compartilhamento cultural de códigos, competências e hábitos, permitindo ao indivíduo agir sobre si mesmo e a constituir-se sujeito.
Seguindo Foucault (2008), podemos entender este como um cenário biopolítico de existência próprio da forma social de controle, dirigido ao indivíduo enquanto “espécie humana”, envolvendo mecanismos de segurança que suscitam modos de governar. A questão da biopolítica surge na obra de Foucault como uma tecnologia de poder aplicada à população, que controla sua vida com o intuito de assegurar a eficácia da gestão da força de trabalho. Revel (2005) analisa que a biopolítica em Foucault seja uma economia política da vida, pensada como um conjunto de biopoderes que pode localizar-se na linguagem, no corpo, nos afetos, nos desejos, etc. A biopolítica representa a passagem do político ao ético na tarefa contínua e inerente da existência social, em que se confrontam relações de poder e liberdade. Nesses modos de governo, os agentes e suas ações se legitimam sob a lógica produtivo-econômica do capital, fazendo funcionar os espaços organizados (PEREIRA; MUNIZ; LIMA, 2007).
Com base no pensamento foucaultiano, Carrieri (2014) avalia que processos organizativos podem ser entendidos como um tipo de dispositivo em que a gestão é uma ferramenta de poder. É a atuação de um dispositivo que institucionaliza e faz internalizar saberes por meio de poderes (CHIGNOLA, 2015), gerando a ordem necessária para a dinâmica organizativa (RAFFNSØE; GUDMAND-HØYER; THANING, 2014), sendo a gestão o trabalho político (CARRIERI, 2014) realizado para sua manutenção. Nesse trabalho, sujeitos são disciplinados e inseridos numa relação docilidade-produtividade (LOPES; CARRIERI; SARAIVA, 2013).
Considerando que potterheads aderem voluntariamente ao corpo de saberes do cânone como ordem, a gestão desse espaço deve ser operada como um exercício disciplinar, mantenedor dessa ordem. A questão diz respeito ao que Foucault (2010b) entende como cuidado de si e envolve não apenas o plano de conhecer a si mesmo, mas uma aspiração ética. Para Foucault (2010a), o governo é a arte que integra tecnologias de coerção e tecnologias do si, constituindo formas de subjetivação que são matéria mesma da ética. Revel (2005) explica que cuidar do outro implica primeiro em cuidar de si mesmo, demonstrando tal aspiração ética em sua própria conduta.
Sendo o exercício de poder uma forma de ação sobre condutas (FOUCAULT, 2010b), com base na argumentação, lançamos a seguinte questão de pesquisa: como os potterheads governam sua vida organizada?
Os estudos críticos em organizações possuem uma linha embasada no pensamento foucaultiano que se interessa pelas dinâmicas de poder, sua relação constitutiva com o saber e os processos subjetivantes daí gerados (CARRIERI, 2014; MARSHAK; GRANT, 2008; SOUZA; BIANCO; MACHADO, 2006); nossa investigação corrobora esse entendimento. Esta pesquisa se justifica pelo fato de essa forma organizacional singular (ou seja, fãs) – que, desde os millennials, tem conquistado um espaço cada vez maior no cotidiano – ser pouco investigada, apesar da reconhecida relevância que a temática da subjetividade tem para a área, e de suas relações de saber-poder e poder-resistência serem fundamentais para a sua compreensão. Olhar para esse processo organizativo instigou a compreensão do gerir como parte das variadas atividades sociais. A contribuição desta investigação, portanto, está em revelar como, na singularidade de um processo organizativo, a gestão acontece por meio de estratégias de governo pautadas numa imbricada relação entre tecnologias de poder e tecnologias de si. A adoção de uma visão pragmática do pensamento de Michel Foucault (CAVALCANTI; ALCADIPANI, 2011) foi fundamental para o reconhecimento da diversidade de formas de gerir como modos políticos do organizar, contribuindo com compreensões situacionais possíveis na diversidade organizativa.
A geração millennials e a cultura da convergência: um contexto formador do fã enquanto sujeito
A existência de fãs como os potterheads organizados em comunidades e a recente popularidade conquistada pelos universos fantásticos diz algo sobre a sociedade em que vivemos. A plataforma de relações desenvolvida entre tecnologias, fãs, produtores e produções culturais aponta a profunda mudança que redesenhou a relação entre audiência e produção: ao invés de apresentar-se como tradicionalmente foi considerada – de “mão única” – ela mostra-se aberta e participativa, mudando as formas como os produtos culturais até então foram produzidos, distribuídos e consumidos (JENKINS, 2009). O autor afirma que, na cultura da convergência, vivemos uma economia afetiva em que consumidores estão cada vez mais comprometidos e envolvidos com os produtos culturais, e que os produtores lutam para conquistar sua atenção por reconhecê-los integrantes importantes de uma eficiente e influente rede social.
Se observado num contexto mais amplo, tais mudanças pertencem a um fenômeno que advém de uma complexa conjuntura sócio-histórica; deve-se às influências mútuas estabelecidas na relação constitutiva entre o sobrenatural e o social e a um cenário pautado pela lógica econômica (FACINA, 2004). Nesse cenário, se o século XX nasceu marcado pela ampliação dos meios de comunicação (REGINA, 2013), nos anos 1950, para além da literatura, do rádio, do cinema e dos quadrinhos, a tecnologia possibilitou o surgimento da televisão colorida, e praticamente todos esses veículos se prestaram à distribuição de narrativas sobrenaturais (JARCEM, 2007). No período, com a explosão de ofertas e sua constante exibição, o fã descobre-se cercado de outros fãs que partilham os mesmos interesses, constrói relacionamentos por meio dos universos e aprende a cultuá-los, trocando informações e ideias acerca da própria vida, marcando o nascimento de uma forma de fã totalmente aficionado pelo produto cultural.
Mas foi a partir das últimas décadas do século XX que a relação entre consumidor, sobrenatural e mercado se transformou ainda mais radicalmente. O mercado, visando atender a um gosto crescente pela realidade ficcionista, aprendeu a desdobrar seus produtos de forma inédita. Dois sucessos surpreendem os críticos jornalistas pela inovação: As Bruxas de Blair e Matrix, projetados para ter seu sentido apreendido em diferentes formatos (JENKINS, 2009). Para o autor, Matrix é um produto da nova era, faz uso de diferentes plataformas, é construído no formato que denomina de Transmedia Storytelling2. Em 2004, Lost, o seriado americano desenvolvido para televisão, surge como um desdobramento do modelo; incentiva as práticas de um fã envolvido que retorna contribuindo com as sagas efetivamente, expandindo as narrativas e o próprio universo. Tal universo foi explorado por diversos veículos entre livros e jogos como: The Lost Experience, Find 815 e The Project (LOST, 2014).
As mídias cada vez mais integradas possibilitaram que o fã se inserisse no contexto narrativo, lhe propiciaram voz e respeito, lhe envolvendo afetivamente. Esse consumidor passou a construir seus mundos a partir dessas relações, compartilha interesses, desenvolve redes interconectadas mundialmente, cria a cultura e institucionaliza comunidades, produzindo a inteligência afetiva vital para manter um envolvimento político e a própria atividade acontecendo nos fandoms (VAN ZOONEN, 2004). Produzir cultura popular a partir da cultura pop (JENKINS, 2009), bem como ler e cuidar dos textos canônicos, é parte do próprio processo de socialização desses espaços (BENNETT; 2014; BRONWEN, 2011). Tempo e esforços são investidos nas redes sociais; responsabilidades morais são assumidas perante o grupo, pois preservam sua integração, e perante o cânone (ou seja, saberes relacionados aos produtos midiáticos), quando assumem o papel de guardião de sua autenticidade e integridade. Sentimentos como solidariedade, gratidão e reciprocidade são lugar comum e nutrem laços afetivos com o cânone e entre os membros desse espaço social (BRONWEN, 2011; LEE, 2011; VAN ZOONEN, 2004).
O tipo de conduta tornou-se algo natural para uma geração que teve seu cotidiano marcado pela cultura da mídia; essa geração frui a cultura pop de uma forma única, pois foi exposta desde cedo a uma ampla plataforma de opções de entretenimento e comunicação, sobretudo com o advento da televisão via satélite e da internet. Howe e Strauss (2000) os nominam geração millennials, por entender que suas práticas, dadas graças ao amplo domínio tecnológico e à capacidade de se adaptar aos novos modos de interação e socialização, deram início a um momento histórico inédito. Millennials, ou Geração Y, são jovens que nasceram a partir dos anos 1980 praticamente já “plugados” nas redes comunicacionais mundiais (CHAVES, 2012), por isso dominam naturalmente o uso dos dispositivos que lhes dão acesso instantâneo à interatividade, aos conteúdos e às informações (MOURA, 2013). Se o fato de ser classificado como um fã já representou um adjetivo pejorativo no meio social, hoje a posse dessa qualidade consolida um entendimento do que seja um agente potencialmente transgressor de vários saberes tradicionais.
Hoje há uma insistência dos fãs em participar da construção de conteúdos: eles dão continuidade às sagas, exploram novas dimensões das narrativas, se antecipam à indústria nas traduções de obras, fazem adaptações de enredos, se divertem fazendo paródias, criam filmes e jogos a partir dos textos culturais, criam blogs e domínios onde disponibilizam conteúdos especializados. Com isso, o mercado precisou se reorganizar para lidar com um consumidor atípico: ativo, migratório no uso de mídias, conectado socialmente, barulhento e público. O trabalho formador capacitou o fã no ativismo político (VAN ZOONEN, 2004).
Para Jenkins (2009), a convergência é um processo de aprendizado e uso tanto da esfera do consumidor como das corporações, e como envolve o modo de produzir e consumir os meios de comunicação. O processo ocorre modelando a forma do pensamento dos indivíduos e afetando seus modos de convivência, lembrança, imaginação, desejo e papéis sociais. Assim, a cultura dessa geração “[...] oferece um repertório de valores, crenças, práticas e condutas [...], hoje produzidas por relações sociais midiatizadas, tornando-se um espaço estratégico para produção de sujeitos” (TOMAZ, 2013, p. 103). Tal espaço social é atravessado por relações de poder capazes de operar tipos singulares de subjetividades, como a dos potterheads, que constituem uma prática social ativa e subjetivadora do contemporâneo, com uma historicidade de apenas 19 anos, trata de como uma forma-sujeito se vê e coloca frente à relação de forças próprias do espaço social (PAIVA, 2000); diz respeito à prescrição de um modo de vida para si e de um cuidado com o outro, sendo parte da questão do que Foucault (2010b) chama de governo.
As práticas de governo no pensamento crítico de Michel Foucault
A teorização de Michel Foucault é muito ampla, se construiu por deslocamentos e seu pensamento crítico articulou, sem rupturas, três eixos: saber-veridição, poder-governo e si-subjetividades (VEIGA-NETO, 2009). Nosso trabalho faz um recorte de seu vasto e profundo pensamento e busca extrair, na breve apresentação que faz de cada fase, apenas os conceitos-chave que efetivamente nos ajudaram a entender as práticas do governo que mantêm a forma organizativa dos potterheads; são eles: saber-poder, poder-resistência e as tecnologias do cuidado de si.
Ao explorar o eixo do saber, o filósofo deslocou-se para as regras de veridição, buscando desvelar “os mecanismos, os procedimentos, as estratégias e as táticas de poder que atuavam na produção de discursos qualificados como verdadeiros” (FOUCAULT, 2010a, p. 17). Ele entende que essa relação é sócio-histórica e que todo regime de verdade se constitui um saber naturalizado, uma materialidade ou aleturgia, capaz de assumir uma posição de coação política ou de força de sujeição social (FOUCAULT, 2010a). Em seu segundo ciclo, a produção de verdade é fruto da submissão ao poder, que, por sua vez, só pode ser exercido por meio da produção de verdade, sendo a condição constatada em todo e qualquer arranjo social (FOUCAULT, 2009b). A partir desse ponto, evidencia-se o peculiar entendimento do autor acerca do poder: esse possui uma relação de coexistência com o saber – é sempre operado por meio dele e sua ação gera saberes, é microfísico e apenas operacionalizável, por isso, a importância está em como ele se exerce e não como ele se manifesta (FOUCAULT, 1995).
A relação do poder com o saber é de apoio e reforço mútuo. O saber não se refere a um conjunto de conhecimentos, mas a um conjunto de elementos e decorre de uma relação entre o visível e o enunciável. Contudo, como o pensamento social é comandado por questões de revolução (é relação de forças), não existe poder que não possibilite resistência. Nesse sentido, o autor entende que a resistência precisa ser tão inventiva, móvel e produtiva quanto o poder, sendo essa a possibilidade de dinâmica do social (FOUCAULT, 2009b). Souza, Bianco e Machado (2006, p. 9) esclarecem: “resistência não significa contra poder, nem uma oposição ao poder instituído para ocupar o seu lugar”; essa pretende apenas abalar a estabilidade do poder, pois ao se estabelecer, qualquer que seja a estratégia, ela já é poder e não resistência.
O poder é assim exercido por todo o corpo social e operado nos menores níveis das relações, em pontos móveis e transitórios (FOUCAULT, 1999a). Em suas microrrelações, o poder se estabelece por meio de uma malha de dispositivos que atravessa o social. Mas, para Foucault (1999a, 1999b), é o dispositivo que contém uma rede de relações estabelecida entre elementos heterogêneos que propiciam o surgimento de mecanismos capazes de sustentar o exercício do saber-poder num determinado corpo social. É como se o dispositivo definisse a natureza de sentido dessa malha em um tempo e espaço, uma vez que possui, exatamente, a função estratégica de responder a uma determinada urgência ou acontecimento desse espaço. Assim, a condição do estabelecimento das verdades e a experiência do modo de pertencimento e de ação de sujeitos pauta-se na existência de dispositivos. Com esse entendimento, o exercício do poder é um modo de ação de uns sobre a ação de outros, um modo de governo de condutas, operado em um campo de possibilidades no qual é possível a inscrição de agências (FOUCAULT, 1995). Se, no interior de dispositivos, o social ganha sua existência por meio de matizes normativas de comportamento, o poder exercido como uma forma de governo revela um campo de procedimentos (FOUCAULT, 2010a).
Ao entender o poder como tática pertinente às práticas sociais, o segundo ciclo da teorização foucaultiana foi marcado por outro deslocamento que implicou em seu terceiro ciclo. Foucault (2009b) se deslocou das questões de soberania como um problema central do direito; seu interesse por questões do Estado e da soberania se destinaram a desenvolver o conceito de governamentalidade3 numa dimensão política. Tal deslocamento consistiu em “passar da análise da norma à análise dos exercícios do poder; e passar da análise do exercício do poder aos procedimentos, digamos, de governamentalidade” (FOUCAULT, 2010a, p. 17). Para Candiotto (2008), foi esse deslocamento que fez o entendimento da multiplicidade das forças germinais ser deslocado para a análise do poder soberano, fazendo desse uma sedimentação, um fim, inversamente ao que se entendia por poder – a fonte da qual brota a ordem e se legitima a autoridade. Segundo o pensador francês, estratégias de poder só funcionam porque se enraízam, se tornam (ou se apoiam em) sujeições (FOUCAULT, 2003). Assim, a ação de sujeitar-se ou de rebelar-se conduzindo a si e aos outros estão ligadas ao que o autor chama de governo (FOUCAULT, 2009a, 2010a). Para Candiotto (2008), a mesma estratégia – situar o poder em um plano de imanência – foi deslocada como possibilidade para tratar a constituição ética do sujeito, dada no governo de si e dos outros em seu terceiro ciclo.
Salientamos que tal interesse também marcou o desenvolvimento do conceito de biopoder, pois, se essas relações de governamentalidade indexaram verdade e subjetividade para produção de obediência no exercício de governo, isso indica que a própria conduta de si e dos outros foi produzida nessa, e produtora dessa, que é uma lógica pertinente ao capital e aos seus processos de razão. Na discussão desse conceito, o autor revelou que uma rede de forças investiu diretamente sobre os trabalhadores e desenvolveu um poder sobre suas vidas de duas formas: de um lado, considerou o corpo como máquina, uma anatomia a ser preparada para produção; de outro, agiu sobre o corpo biológico e controlou a natalidade, a saúde e a mortalidade com fins biopolíticos de prolongar a vida útil desse corpo. Assim, ao mesmo tempo, atuaram um biopoder e uma biopolítica, com fins de um controle de ordem econômica (FOUCAULT, 2005). Dessa forma, o biopoder, aliado a uma biopolítica, favoreceu a disseminação e hegemonia do modelo capitalista ao qual estamos vinculados. Para Foucault, a relação de controle entre o corpo e suas intensidades produziu uma experiência político-econômica com uma experiência subjetiva, e ambas se tornaram uma relação de imanência (DANZIATO, 2010).
Foucault (2010b) afirma que as relações mantidas consigo mesmo frente aos efeitos do saber-poder e do poder-resistência se referem ao cuidado de si. O cuidado de si é uma prática social que assumiu diferentes sentidos ao longo dos estudos de Foucault (BOLSONI, 2012). Contudo, esse cuidado é essencial para que se estabeleça o governo dos outros, pois a prática é um princípio dirigido aos outros, uma vez que diz respeito à prescrição de um modo de vida para si e um cuidado consigo e com o outro para que esse se estabeleça (FOUCAULT, 2010b). Como o autor entende o cuidado de si em uma unidade corpo-alma, “o cuidado de si revela-se no ocupar-se de si enquanto sujeito de ação”, pois o sujeito só existe por meio do corpo, por sua vez, determinado por uma maquinaria de poder (BOLSONI, 2012, p. 9).
Ao buscar analisar as formas de subjetivação por meio das tecnologias da relação de si, o autor desenvolveu o terceiro momento de sua teorização e tratou da constituição dos modos de ser sujeito. Seu entendimento de sujeito diz respeito àquele que ocupa uma posição de verdade e sua prática envolve um trabalho ético efetuado consigo mesmo e estendido para sua prática social com o outro. A resistência se revela uma luta ética em oposição ao conjunto de regras morais, pois se trata de se despojar de construções idealistas, produzindo possibilidades outras (FOUCAULT, 2010a). Os choques de intensidades que frequentemente ocorrem entre a vida e o poder se devem ao envolvimento de uma luta ética, que tende sempre a ser dinamizada, pois, na medida em que se interrogam as condições de existência do poder, ela surge constituindo a resistência, já que ambas são linhas de força imanente. Assim, o cuidado de si provém da escolha de um modo de vida, momento em que se elabora sobre si mesmo a constituição de um sujeito e se pratica essa escolha; trata-se de estilizar a vida, de decidir por viver uma vida moral, de determinar como será objeto dessa prática e de agir sobre si para assunção dessa posição (FOUCAULT, 2010b).
Então, o governo, como uma conduta de conduta, deve ser pensado como um direcionamento político operado nessa construção, uma arte de integrar tecnologias de coerção e tecnologias do si, que constituem formas de subjetivação e são matéria mesma da ética (FOUCAULT, 2010a). Dessa forma, “[...] as práticas de si não são nem individuais nem comunitárias: são relacionais e transversais” ao corpo social (FOUCAULT, 2010b, p. 492). O cuidado de si é um intensificador das relações sociais, pois termina por incitar o indivíduo ao agir correto, em conformidade com a moral que está sendo definida no coletivo. Como essas relações constituem um ethos que atua nos exercícios de poder e nas relações com a verdade (FOUCAULT, 2010a), a excelência política desse governo depende da condição de constituição ética do agente (FOUCAULT, 2011). Essa é a condição que autoriza agências e legitima verdades nesse meio (FOUCAULT, 2009c).
Desse modo, a ética diz respeito ao tipo de relação que se decide ter consigo mesmo e com o outro. É uma relação de conhecimento de si, mas também de constituição de si e requer um trabalho permanente: definir a parte de si que será objeto de uma prática moral, decidir sua posição em relação a essa condição, determinar o modo de realização moral que se quer para si e, por fim, trabalhar sobre si para assegurar a assunção dessa posição. Tal trabalho inclui conhecer-se, dominar-se, pôr-se à prova, aprimorar-se e transformar-se (FOUCAULT, 1984). Essas são práticas reflexivas voluntárias, em que estão sendo negociadas regras de conduta e critérios estilísticos; esse exercício é uma prática social de cuidado e governo que se torna a verdadeira vida (FOUCAULT, 2011).
Diante disso, as práticas de sujeitos têm a verdade por princípio e modelagem e o cuidado de si é um exercício ético de liberdade. Cuidar de si é uma prática social (FOUCAULT, 1984) subjetivadora e, por meio das práticas de si, sujeitos se constituem (FOUCAULT, 2010b), legitimam suas agências políticas no campo social e governam-se estabelecendo modos de vida (FOUCAULT, 2009c). Práticas de si são pontos de resistência aos modos de governar determinantes de formas de ser (GRABOIS, 2011). Assim, eticamente, o cuidado de si deve preceder ao governo, pois o que o fundamenta enquanto prática social é, exatamente, o cuidado com o outro (BOLSONI, 2012).
Organização e pensamento foucaultiano nos estudos organizacionais
Na década de 1980, as análises críticas nos estudos organizacionais adquiriram um novo fôlego, voltadas, principalmente, para investigações do poder e mudanças organizacionais (MARSHAK; GRANT, 2008). A disseminação do poder das organizações e sua lógica nas esferas da vida cotidiana tornou-se um interesse clássico de pesquisa (SEGNINI; ALCADIPANI, 2014), transformando o pensamento foucaultiano em uma das mais relevantes teorias em estudos organizacionais (CARTER, 2008). Assim, os estudos críticos na área, além das correntes marxistas e neomarxistas, possuem uma corrente especificamente pautada no pensamento foucaultiano (SOUZA et al., 2006).
Nessa vertente de pensamento, organizações são concebidas como espaços políticos em que os vários grupos lutam para estabelecer sentidos que convenham aos seus interesses pessoais (CARRIERI, 2006; MARSHAK; GRANT, 2008). Nesse sentido, a vida organizada é resultante das relações de saber-poder, exprime a rede de relações estabelecida entre os indivíduos para produzir sua existência em sociedade, revelando elementos objetivos e subjetivos por meio dos fragmentos advindos das muitas formas de organizar a vida (CARRIERI, 2014). O poder se manifesta em todas as práticas sociais (SOUZA et al., 2006), se apresentando um exercício fluido, móvel, instituído de vários formas, e veiculado por meio de dispositivos (CARRIERI, 2014). A gestão aqui pode ser entendida como um tipo de dispositivo constitutivo de subjetividades (CARRIERI, 2006; 2014). Nas relações entre saber e poder são produzidos sujeitos, verdades e a própria realidade. Assim, saber-poder e poder-resistência são conceitos que abrem espaço para teorização do presente (CHAN, 2000) e possibilitam a compreensão da complexidade que envolve a dinâmica organizativa (RAFFNSØE; GUDMAND-HØYER; THANING, 2014).
Nos estudos organizacionais, a interdependência do saber-poder, por exemplo, possibilitou a reflexão acerca dos modos de exercício do poder e o conceito de dispositivo apresentou um enorme potencial analítico (CARRIERI, 2014; RAFFNSØE; GUDMAND-HØYER; THANING, 2014). Da mesma forma, se mostraram poderosos recursos para o pensamento crítico as tecnologias de poder disciplinar e suas relações (CALDWELL, 2007; MANLEY; RODERICK; PARKER, 2016; VILLADSEN, 2014), as práticas de si e de governo (DORTANTS; KNOPPERS, 2016; KORNBERGER; CLEGG, 2011; SKINNER, 2013) e a formação ética (MURNO, 2014).
Fortalecedora de um novo movimento ontológico, a epistemologia foucaultiana instigou a investigação centrada em práticas e processos organizativos (CALDWELL, 2007). A organização enquanto processo não tem fronteiras definidas, não pertence apenas a grupos formais, só existindo como resultado do ininterrupto organizar. A noção de organizing, além de ser parte de uma afirmação política, é constitutiva de uma postura ontológica que não privilegia “indivíduos, (inter)ações, linguagem, sistemas de significado, instituições/funções ou estruturas, como se fossem fenômenos sociais básicos” (DUARTE; ALCADIPANI, 2016, p. 63). O social é entendido como formado por uma rede complexa de práticas e arranjos materiais, em que diferentes realidades organizativas são analisadas como resultados de um processo, portanto, compreendidas por meio das práticas que as moldam. Essa é uma ontologia “do vir a ser”, e contrasta com a das abordagens dominantes embasadas em ontologias individualistas ou societistas, desenvolvidas com base em um compromisso com uma ontologia do Ser (DUARTE; ALCADIPANI, 2016).
O entendimento crítico do organizar por meio do pensamento foucaultiano tem por embasamento o movimento pós-estruturalista (SOUZA, 2012). Assumir essa postura é se distanciar da priorização geralmente dada aos padrões repetitivos, se interessando por seus desvios, rastreando os efeitos dos limites em que o conhecimento está mudando. Aqui os saberes do limite não são definidos por oposição aos do interior, mas como algo positivo em si mesmo (WILLIAMS, 2012). Em estudos críticos organizacionais, buscar os limites do conhecimento é se interessar por outras experiências de organização e de gestão para além das propiciadas pela visão gerencialista. Fugir da visão hegemônica é se afastar da instrumentalização efetivada pelos jogos de saber-poder, analisando a gestão como um local de disputas (CARRIERI, 2014; CARRIERI; PERDIGÃO; AGUIAR, 2014). Explorar o cotidiano torna-se uma oportunidade de entender como espaços organizados são produzidos e efetivamente utilizados, como negócios tomam forma e como significados e identidades são construídos (OLIVEIRA; CAVEDON, 2013). Tal aproximação abre possibilidades para se compreender como modos de fazer diversos, pertencentes a realidades complexas, podem reproduzir as estruturas sociais ou estabelecer grupos contra-hegemônicos (BARROS; CARRIERI, 2015). Como estratégia e táticas são permanentemente reconstruídas pelos atores, a ação desses grupos potencialmente transforma estruturas (SAMPAIO; FORTUNATO; BASTOS, 2013).
Várias investigações buscam analisar esse tipo de experiências organizativas. Torchia (2016) estuda a organização dos fãs de futebol, já que os esportes se efetivaram como uma prática social relevante. Vermeulen et al. (2016) indicam que tal prática envolve um arranjo de esforços coletivos, tratando de temas significativos como desempenho, táticas e estratégias. O próprio interesse crescente em atividades de lazer e suas várias experiências de transgressão é revelador de sua importância investigativa para os estudos organizacionais (WOOD, 2016). Ainda, é também imprescindível considerar como o uso das redes sociais potencializa hoje a organização de vários movimentos (MERCEA, 2013). Rose (1996) entende que o contexto foi constituído por novas territorializações de pensamento e de ação política, fazendo despertar o interesse por comunidades. Nesse sentido, Barcellos e Dellagnelo (2014) defendem que uma das tarefas mais respeitáveis dos estudos críticos em organizações é a possibilidade de refletir sobre o processo organizativo alternativo como o de lutas sociais, geralmente desprezado pelo olhar hegemônico.
Por sua vez, as construções dos jogos de saber-poder devem levar em conta que as relações são historicamente constituídas. Holanda (2010) indica como agrupamentos voluntários e sem fins lucrativos são impelidos a adotar a lógica capitalista e o modelo de mercado; nesse meio, as práticas cotidianas de agentes refletem, naturalmente, como a burocracia e sua razão estão legitimados como os únicos padrões concebíveis para se manter e para se pensar qualquer forma organizativa. A condição deve-se à atuação do que Foucault denomina de tecnologias disciplinares.
Oliveira e Cavedon (2013) utilizam a tecnologia de poder disciplinar para entender organizações como “espaços praticados”, trazendo o cotidiano como uma dimensão política e indicando suas práticas como modos de fazer organizados. As tecnologias disciplinares trabalham sempre em função da produção de uniformidade, buscando neutralizar possíveis diferenças (DORTANTS; KNOPPERS, 2016). Manley, Roderick e Parker (2016) apontam como o comportamento normativo influencia a recorrente reprodução de práticas, faz internalizar valores e regras e constrói identidades. Impactando subjetividades, as tecnologias de poder organizam populações (BARDON; JOSSERAND, 2011).
Villadsen (2014) salienta que o conceito de tecnologia foucaultiano não implica em quaisquer determinismos, seja no âmbito das práticas organizacionais ou mesmo das subjetividades. A questão envolve a forma como o sujeito se reconhece e age nos processos de objetivação e subjetivação que embasam as tecnologias de poder e tecnologias de si, possibilitando explorar a questão de agência na organização (CALDWELL, 2007). Skinner (2013) reforça que as tecnologias de si forneceram um mecanismo de intervenção para a ação de sujeitos, pois introduziram a contingência nos encontros cotidianos, quebrando o suposto efeito determinista das tecnologias de poder. O autor identifica que, por meio de tecnologias de si, o sujeito pensa, age e toma decisões, sendo a subjetivação um processo de interiorização que envolve a decisão de assumir ou não a posição de um tipo particular de sujeito. Como o processo de subjetivação-objetivação é um exercício sistemático no processo organizativo, Skinner (2013) mostra que cabe ao que Foucault denomina de cuidado de si alcançar o domínio sobre si mesmo para habilitar o sujeito a cuidar de outros em uma comunidade.
A transformação de si foi estudada por Munro (2014) para a compreensão da formação ética na organização de movimentos sociais. O autor indica que o sujeito ético mostrou-se responsável por sua autoprodução, a constituição de subjetividade foi essencial para a consistência da dissidência ético-política e a organização desenvolveu formas distintas de autodisciplina para desafiar o poder dominante, baseadas em formas peculiares de exercícios éticos. Munro (2014) avalia que a autodisciplina incluiu o sacrifício e o cuidado de si como valores organizacionais importantes e que tais exercícios éticos foram essenciais para ações de mobilização, sendo capazes de mudar o status quo e produzir novos modos organizativos.
Para Dortants e Knoppers (2016), numa organização, são as tecnologias de poder que apoiam as formas de racionalidade de governo, possibilitando gerenciar e regular a diversidade. As técnicas são exercidas em si e no outro, se embasam na interação do saber com a verdade, mas seu sucesso, segundo Beckett (2012), é determinado pelo reconhecimento ou não dos indivíduos com as identidades produzidas. Souza (2013) explica que os mecanismos de poder são operados por mentalidades que, cotidianamente reproduzidas, sujeitam os indivíduos a determinadas verdades. A racionalidade intrínseca à forma de governar é que possibilita a existência da própria comunidade (RAFFNSØE; STAUNAES, 2014). Krieken (2006) se baseia no conceito de governo foucaultiano para investigar a formação histórica de subjetividades organizacionais, e Kornberger e Clegg (2011) estudam como as estratégias organizacionais são ferramentas que moldam a vida cotidiana ao produzir condutas.
Alguns estudos analisam como as práticas de si e práticas de governo existem entrelaçadas para formar um espaço-pensamento denominado governamentalidade (SKINNER, 2013). Souza (2013) elucida como esse conceito ajuda a refletir sobre a forma como hoje somos governados: assumindo modos de ação empresarial como naturais, reproduzimos uma mentalidade que conduz nossa forma de vida. Dortants e Knoppers (2016) se apoiam no entendimento do conceito foucaultiano de governamentalidade proposto por Mitchell Dean, que o enxerga como uma arte de governar revelada nos modos de fazer e pensar de práticas organizativas. Nesse entendimento, os estudos de governamentalidade se preocupam com a forma de pensamento que opera nos nossos modos organizados de fazer as coisas, interligando racionalidades (pensamentos) e tecnologias (modos de fazer).
Procedimentos metodológicos
No feitio desta pesquisa, privilegiamos a adoção de certo grau de indução que nos permitiu ir ao campo com uma postura aberta a descobertas (LEÃO; MELLO; VIEIRA, 2009; PAIVA JUNIOR; LEÃO; MELLO, 2011). Os dados direcionaram a produção das categorias analíticas do estudo; o processo que exigiu a reflexão sistemática e a constante volta aos dados até a produção dessas categorias. Ao mesmo tempo da feitura do campo houve um aprofundamento teórico, fundamentando os resultados do trabalho.
Na obra A arqueologia do saber, Foucault delineia uma teoria do discurso (DREYFUS; RABINOW, 1995). Tal analítica torna possível trazer à tona a condição de ordem interna discursiva, os modos de ser na ordem da própria experiência e sua rede de relações e razões internas capaz de institucionalizar saberes (FOUCAULT, 2009a). Adotamos a análise de discurso foucaultiana por método de pesquisa. Assim, as categorias discursivas aqui trabalhadas e suas relações encontram-se explicitamente desenvolvidas na obra A arqueologia do saber, responsável por sintetizar essa analítica em seu primeiro ciclo. Por sua vez, a organização do processo analítico pautou-se na concepção de Leão e colegas (CAMARGO; LEÃO, 2015a; 2015b; COSTA; LEÃO, 2011, 2012). Isso porque há uma diferença na aplicação – enquanto o primeiro ciclo analítico foucaultiano se refere a um método filosófico, aqui o empregamos como um método de pesquisa social. Entretanto, essa condição é amplamente praticada e aceita em pesquisas sociais (vide a interpretação e o uso das fenomenologias de Edmund Husserl e de Hans-Georg Gadamer). Salientamos ainda que, apesar do apoio em um pensamento filosófico e não formalista, buscamos ser sistemáticos na apresentação dos resultados. Assim, seguimos aqui o exemplo do próprio filósofo, vide como as categorias analíticas são sistematicamente desvendadas em A arqueologia do saber; como os diagramas de poder são explorados em Vigiar e punir; ou ainda como as regras são pontualmente apresentadas nos tomos da História da sexualidade.
A realização da análise de discurso foucaultiana consiste em revelar as formações discursivas com base em um grupo de enunciados, que possuem certas funções e obedecem a certas regras (DREYFUS; RABINOW, 1995). Partimos da unidade discursiva: a identificação do grupo de enunciados. Entretanto, como todo enunciado revela uma verdade particular, ele é em si um feixe de relações. Buscamos encontrá-los como lugares de sujeitos, fragmentos de um saber, parte de um campo discursivo associado, ou uma materialidade indicativa das regularidades que claramente demarcam descontinuidades; saberes, portanto, transversais ao contexto discursivo. Contudo, o enunciado está sempre ligado a funções que pode exercer ou desempenhar nesse contexto. Revelar a função enunciativa é uma operação de decifração de como o enunciado pode ser moldado para se prestar a fazer parte de operações discursivas estratégicas (FOUCAULT, 2009a).
Para isso, perceber em determinado conjunto de dados como esses enunciados se relacionam entre si tornou-se uma etapa fundamental. Assim, procedemos primeiramente à identificação das possíveis relações entre si dos enunciados. Dois tipos de relações se apresentaram: as relações em que os enunciados se apoiam e se explicam mutuamente, as quais denominamos síncronas (na Figura 1, coluna dos enunciados, as representamos por linhas), e as relações entre enunciados em que um explica o outro, as quais chamamos incidentes (e representamos por setas na mesma Figura 1). Esse procedimento fez apurar nossa sensibilidade para elucidar as funções a eles ligadas.
Entretanto, o enunciado existe ligado à sua função enunciativa da mesma forma que a formação discursiva existe ligada às regras de formação. As regras regulam os atos discursivos, e são estabelecidas por meio da existência, permanência, modificação ou desaparecimento de elementos. Foucault (2009a) indica que a regra é formada a partir de quatro critérios: objeto, modalidade, conceito e estratégia. Assim, para cada enunciado ligado a uma função, identificamos: o objeto de que se tratava, uma vez que práticas diferentes formam objetos diferentes; o conceito no entendimento do que se falava sobre esse objeto, já que os conceitos emergem do próprio discurso como regularidades e coações; a modalidade a partir da qual e de que maneira se enuncia tal prática; e a estratégia, a compreensão da finalidade de falar de determinado objeto, por esse conceito e a partir desse ethos. As regras surgiram por meio da organização desses quatro critérios. Apesar de cada um desempenhar um papel para sua formação, a repetição entre os elementos gerou uma consistência capaz de formá-la (CAMARGO; LEÃO, 2015a; 2015b; COSTA; LEÃO, 2011, 2012).
Com o agrupamento de enunciados, funções e regras, a formação discursiva surgiu como uma regularidade “entre objetos, tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas” e a regra de formação revelou-se a condição a que esses elementos estão submetidos na rede discursiva (FOUCAULT, 2009a, p. 43). As etapas aqui apresentadas encontram-se ilustradas na Figura 1.
A análise pauta-se na construção de um arquivo, denominação de Foucault (2009a) para o conjunto de vestígios materiais acerca de um saber, encontrados em determinada cultura e período. O conceito de arquivo equivale, de certo modo, ao de corpus de uma pesquisa qualitativa, se consideradas suas diferenças conceituais: enquanto o corpus é formado por uma coleção finita de materiais determinada pelo pesquisador de forma arbitrária (BAUER; AARTS, 2010), no arquivo esse conjunto seria, a priori, infinito, tendo em vista que conceitualmente ele comporta o saber; por isso, “o arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares” (FOUCAULT, 2009a, p. 147) e, assim, pode ser formado por diferentes tipos de dados. Ichikawa e Mendes (2009) corroboram a ideia quando defendem que os discursos sociais incluem o dito e o não dito, sendo reveladores do contexto histórico articulador de posições de sujeitos possíveis.
Nosso arquivo foi formado por práticas de potterheads, uma vez que, no mundo material, são essas práticas institucionais e sociais que cristalizam os discursos, possibilitando revelar o saber nesse espaço social (FOUCAULT, 2009a). Os potterheads são emblemáticos da categoria fã no contemporâneo e, sujeitos desta pesquisa, foram participantes indiretos, uma vez que os acessamos por meio de suas interações virtuais dadas no fandom. Identificamos no campo 20 práticas cotidianas dessa forma organizativa (Quadro 1). Estabelecemos, para a organização do arquivo, que a seleção de documentos fosse catalogada e organizada utilizando o critério das práticas de potterheads que identificamos como sendo suas ações habituais nesse fandom. Os documentos foram provenietes das seguintes mídias sociais: Facebook, YouTube, Twitter, Tumblr, Instagram, Snapchat, Ask.fm, Yahoo Answer, Share Question, Qzone, Whisper, blogs e websites. A seleção de práticas e de mídias foi estabelecida após uma sondagem com potterheads. No decorrer da pesquisa, mantivemos durante dois anos o contato semanal com dois potterheads, cujos encontros nos informavam acerca do universo e suas peculiaridades. Ao fim, nosso arquivo foi formado por 593 documentos, em português e inglês.
Tendo isso em vista, para a construção do arquivo utilizamos a coleta de dados multifocais, ou seja, dados de formato diferentes puderam fazer jus à complexidade do objeto desta investigação (FLICK, 2009). Coletamos textos, imagens e vídeos dispostos nas redes sociais. Assim, o arquivo compreendeu produções de potterheads, tais como: imagens ou vídeos com cenas dos filmes ou desenhos, em geral contendo frases de efeito e/ou músicas de fundo; textos para sites especializados, fanfics, ou ainda textos contando experiências, fazendo crítica social, educando acerca da saga, contendo interações sobre temas ligados à saga, depoimentos sobre experiências, coleções, tatuagens, etc.; vídeos contendo partidas de quadribol, apresentação de cosplay, degustação de feijõezinhos, coleções, duelos, feitiços, etc.; por fim, textos e vídeos produzidos por terceiros, mas que continham a fala de potterheads.
Tivemos também cuidados para atender critérios de qualidade da pesquisa qualitativa (PAIVA JUNIOR; LEÃO; MELLO, 2011). Ao maximizar a variabilidade de dizeres na coleta, propiciamos uma riqueza de informações em relação ao objeto de investigação, atendendo à noção de representatividade do corpus de pesquisa. Por outro lado, utilizamo-nos de triangulação na análise de dados, por meio da validação da análise de um dos autores pelo outro. A reflexividade aconteceu por meio dos constantes questionamentos inerentes ao processo analítico entre as evidências empíricas e sua interpretação frente aos conceitos teóricos. Por fim, apresentamos uma descrição rica e detalhada da pesquisa, ainda que restrita ao espaço disponível para elaboração do artigo.
Descrição dos resultados
Nesta seção, descrevemos os elementos da formação discursiva identificada e, baseados nisso, exploramos os feixes de relações que a revelaram, por meio de dados empíricos para ilustrar a análise, bem como da discussão dos conceitos teóricos que deram suporte a esse processo. Para tal finalidade, apoiamo-nos na organização analítica utilizada nos trabalhos de Leão e colegas (CAMARGO; LEÃO, 2015a, 2015b; COSTA; LEÃO, 2011, 2012). Para facilitar essa apresentação, dividimos a seção em duas partes: na primeira, trazemos os elementos identificados na análise; na segunda, descrevemos e ilustramos os feixes que culminaram com a formação discursiva identificada, com base em suas regras de formação.
Apresentação dos elementos constitutivos da formação discursiva
Foram identificados 19 enunciados (Quadro 2), nominados por meio de proposições afirmativas, visando elucidar seu sentido no contexto discursivo. Tais enunciados foram rastreados na estreiteza e singularidade de sua situação, produzem objetos, existem marcados por sua relação com os demais e não coincidem com uma frase, pois eles são, em si, uma função de existência de signos cujo conjunto próprio é capaz de constituir determinada formação discursiva (FOUCAULT, 2009a).
Em relação às funções enunciativas, foram identificadas 12 (Quadro 3). Com o intuito de indicar a ação dos enunciados a que estão relacionadas, elas são iniciadas por verbos no infinitivo.
Para nominar as regras de formação utilizamos substantivos, seguindo a mesma lógica para objetos, conceitos e modalidades, e locuções substantivas para as estratégias. Identificamos dois objetos: conduta, que diz respeito ao modo de cuidar de si no interior da doutrina legitimada no fandom; e socialização, que se refere ao processo de interiorização das normas e valores da comunidade. Conceitos foram mais dois: condução. que diz respeito à forma de governar a si e aos outros no interior da doutrina legitimada no fandom; e legitimação, que trata da naturalização de normas e valores. Como pode ser observado, tratou-se de um conceito para cada objeto. Apesar disso, ambos se referem a mesma modalidade: moralidade, que indica um conjunto de princípios de conduta coletivamente aceitos. Esse ethos, por sua vez, fica expresso em duas estratégias, em linha com os objetos e conceitos: código moral, que demonstra o estabelecimento de um conjunto de regras orientadoras da conduta da comunidade; e solidariedade política, que indica a assunção de um compromisso moral entre seus integrantes.
Tais critérios nos levaram a duas regras de formação: O cuidado de si e dos outros é exercitado em atividades do fandom com referência ao cânone, indicativa de que a conduta e a produção dessa forma de vida se estabelecem mediante o esteio em saberes que orbitam o cânone e que são constituintes dessa subjetividade; e O cuidado de si e dos outros fortalece os vínculos no fandom e com o cânone, indicativa de que relações afetivas são fortalecidas entre os fãs e com o cânone, ao legitimar a forma de conduta de fãs. Em relação a como essas regras foram constituídas pelos critérios apresentados, enquanto a mesma modalidade (moralidade) deu sustentação a ambas, a primeira teve por objeto a conduta, por conceito a condução e por estratégia o código moral; a segunda, socialização, legitimação e solidariedade política. Potterheads governam-se com base na relação de saber-poder com o cânone foi o nome que demos à formação discursiva decorrente dos feixes de relações desses elementos (vide Figura 2). As funções foram evidenciadas com base nas relações estabelecidas entre os enunciados, que indicaram a existência de três grupos de significação.
O primeiro grupo envolveu as formas de cuidado de si mesmo (enunciados de 1 a 10). Os enunciados de 1 a 3 e de 5 a 10 estabeleceram uma relação incidente sobre o enunciado 4 (Potterheads cultuam o cânone), indicando que esses enunciados constituem os modos de efetuar essa prática. A centralidade desse enunciado é indicativa de que o cânone é uma linha de força do dispositivo que faz convergir uma cadeia de saberes de naturezas diferentes (FOUCAULT, 2009a). Na medida em que os saberes dos potterheads gravitam em torno do cânone, eles se relacionam entre si de diversas formas, e isso faz com que, como diz Foucault (2010a), o dispositivo propicie a produção de saberes, e em seus processos imanentes apareçam os sujeitos, os objetos e as verdades que ordenam essa forma de vida.
O segundo grupo de enunciados evidenciou o modo como se estabelece o cuidado com os outros (enunciados de 11 a 15). Os enunciados 11 e 13 a 15 apresentam uma relação incidente sobre o enunciado 12 (Potterheads estabelecem vínculos no fandom), explicando o modo como esses saberes acontecem. Considerando que a conduta de condutas é, para Foucault (1995, 2010a), um poder ou uma ação sobre a ação de outros que se exerce por meio de técnicas e procedimentos, o campo nos revelou que: educar, estabelecer identificações e trocar informações cotidianamente são mecanismos que se prestam para estabelecer vínculos (persuasões ou coerções), possibilitando o cuidado com os outros entre os potterheads.
Por fim, o terceiro grupo se referiu a como as relações de cuidado fortalecem os vínculos no fandom, criando condições ou ideias para que as forças afetivas se instaurem nesse espaço (enunciados de 16 a 19). Tais vínculos são fortalecidos porque o cuidado de si incita o grupo a agir de determinada maneira, pois, sendo uma prática relacional, intensifica as relações sociais ao mesmo tempo em que estabelece a moral desse espaço social (FOUCAULT, 2010a, 2010b). Os enunciados 16, 18 e 19 estabelecem uma relação incidente sobre o enunciado 17 (Potterheads produzem cultura a partir do universo). O cuidado de si estabelecido na produção de cultura é caracterizado por atividades intensivas comuns aos potterheads, tais como a saudade do universo e a vontade de sentir o prazer ao experimentá-lo. Tais saberes têm por função prover condição de fã, evidenciar identificações, nutrir vínculos, satisfazer vontades e perpetuar o universo. Por serem nostálgicos e produzir cultura, os potterheads se profissionalizam por meio do universo, sendo essa mais uma relação incidente nesse conjunto. Assim, três enunciados explicaram a produção de cultura e essa é o meio de fazer fluir os fluxos afetivos intensivos que fortalecem a relação entre os potterheads e deles com o universo.
As relações que compõem a formação discursiva são indicativas de como a cultura dos potterheads é negociada e mantida por meio de relações de governo dadas entre participantes do fandom. A cultura vem sendo construída a partir do estabelecimento de matrizes normativas de comportamento formadoras do culto ao cânone e revelam-se nas práticas da doutrina, sendo o governo um exercício de poder (FOUCAULT, 1995). Esses procedimentos de governo se referem à conduta de condutas, que dependem do cuidado de si e dos outros (FOUCAULT, 2011) e são capazes de conformar a experiência organizativa dos potterheads.
Descrição dos feixes de relações constitutivas da formação discursiva
De forma a facilitar a presente descrição, optamos por apresentá-la pelas regras de formação identificadas.
O cuidado de si e dos outros é exercitado em atividades do fandom com referência ao cânone
Como diz Foucault (2010b), para governar é preciso cuidar de si e do outro e isso foi evidenciado quando essa regra da formação discursiva se referiu à prática social voluntária do cuidado de si. Praticar o culto ao cânone mostrou o que é decidir por viver determinada moral (é questão de opção e não imposição) no interior de um dispositivo (o universo Harry Potter, lastro dos saberes dessa subjetividade) e estilizar a vida para isso (FOUCAULT, 2010b). Cuidar de si foi um trabalho que se mostrou permanente, reflexivo e voluntário, e que incluiu tanto se conhecer como dominar-se e também transformar-se (FOUCAULT, 2005). Nesse exercício, negociaram-se as regras de conduta e os critérios de estilização (FOUCAULT, 2011), cujas práticas de governo tornaram realidade, ou ainda, formalizaram o modo de vida organizada.
Essa regra foi resultado da relação de oito funções e 17 enunciados, que desvelou como a doutrina estabelece uma ordem para o cuidado de si. A relação entre os saberes e funções aqui dispostos revelaram como se estabelecem e mantêm os modos de cuidar de si e dos outros, perpetuando a condição da experiência de vínculo com o universo. Desse modo, cuidar de si e dos outros assegura uma ordem de controle: a do fandom. Aqui se negociam as regras de convívio desse dispositivo, se estabelece uma moral e se trabalha por meio do cuidado de si e dos outros para que ela seja mantida. Isso porque cuidar de si e dos outros envolveu aprender e ensinar a cultuar o cânone e endossar seus dogmas, a valorar o universo, a evidenciar e se orgulhar desses vínculos e fazer certos sacrifícios, como dedicar empenho às práticas do fandom e, ainda, sujeitar-se às determinações do cânone, dando prova de fé e lealdade frente ao grupo. Contudo, as relações construídas entre os fãs são de saber-poder; no interior dessa subjetividade o cânone é um meio de operacionalizar saberes, pois essa é a função de um dispositivo.
O trecho de fala a seguir indica como os potterheads aplicam as tecnologias do si na questão de domínio dos saberes do cânone; ainda, como buscam conhecer e aprimorar, ao praticar o exercício da doutrina, um trabalho rotineiro e permanente, conforme indicaram Dortants e Knoppers (2016), Manley, Roderick e Parker (2016) e Bardon e Josserand (2011).
[#1.5.ref. 1] “OBVIO. antes de me chamar de poser, presta atençao ok? eu gosto de harry potter a MUITO tempo, nao gosto pq é modinha (e HP nao é modinha, nenhuma modinha duraria tanto tempo) quando eu entrei no colégio eu ja gostava de harry potter, e ninguem gostava, mesmo assim eu tinha orgulho de falar q gostava de HP, eu gostava desde pequena pq meu irmao é um Potterhead e ele me obrigava a ver TODOS OS DIAS harry potter com ele, e desde que aprendi a ler ele me obrigou a ler TODOS OS LIVROS , e eu gostava, ainda gosto. acho q nenhuma poser, teria todos os DVD’s e veria os filmes na Pré-Estreia, teria TODOS os livros, lidos, e todos os ingressos de filmes colados nas paredes do meu quarto, amaria Harry Potter como eu amo, entao SIM, se isso for poser, eu sou uma poser. mais acho q nao. TENHO ORGULHO DE SER POTTERHEAD”.
Potterheads chamam de poser o falso fã, a pessoa que posa de fã para obter benefícios próprios da condição do fã, mas que não domina os saberes do cânone e, portanto, falha em praticar ações do culto; essa é uma condição indispensável para o verdadeiro fã. No exemplo, a pessoa buscou legitimar sua condição de fã utilizando seus exercícios essenciais do culto ao cânone: ela cita a leitura completa dos livros, a participação nas estreias, o contato cotidiano com a obra, a coleção, o amor, o orgulho, o tempo de ligação e ainda a existência de um mentor que lhe capacitou para adentrar nessa cultura. Desse modo, Potterheads colecionam itens relacionados à saga, Potterheads dedicam empenho às práticas do fandom, Potterheads se orgulham da condição de fã, Potterheads são afetuosos com o cânone, Potterheads cultuam o cânone para Atestar envolvimento com o universo de Harry Potter. A função de: colecionar, dedicar empenho e se orgulhar é também valorar o universo de Harry Potter. Por sua vez, a atuação persuasiva de um educador o inseriu na ordem do dispositivo, pois Potterheads educam os novos fãs e também Potterheads estabelecem vínculos no fandom para Prover condição de fã.
Como o cuidado de si é também uma relação de conhecimento de si, e é o cânone que contém o saber, isso aponta o porquê de ser tão importante que o fã domine esses saberes. Essa é a condição para que atue a maior parte das funções dessa regra (prover condição de fã, enaltecer o cânone, aplicar os saberes e mostrar seus benefícios, esclarecer características no fandom, etc.), porque essa é a condição fundamental para ser potterhead. Apesar de serem dadas por meio dos saberes assumidos como canônicos, suas práticas estão sempre confrontando outras práticas, ressignificando saberes por meio de poderes. Nesse caso, a prevenção “do outro” (não fã) – a alteridade – exercitada no fandom gera juízos, afeta subjetividades, pois reconstrói saberes socialmente consagrados. Assim, o conhecimento dos saberes do cânone consolida a moral nesse espaço. Conhecer é uma tecnologia e é também uma matéria de coação política capaz de produzir o espaço praticado (OLIVEIRA; CAVEDON, 2013).
Potterheads também se põem e são postos à prova constantemente e precisam se dominar e ajustar. Desse modo, resignar-se às determinações do culto ao cânone revela-se também um cuidado de si. Um exemplo pode estar na participação do processo de seleção de casas, uma das primeiras provas pelas quais passam os alunos novatos da escola de magia de Hogwarts, e também o fã no fandom. Na ficção, é um chapéu mágico que faz a seleção: ele lê a mente do aluno e indica a casa mais apropriada às suas características pessoais. A seleção define uma das quatro casas a que o aluno estará vinculado, e cada casa propicia ao iniciante mais que uma família, uma identidade frente ao grupo. Na seleção de casas, os vemos abdicar de suas identificações em prol de atestar frente ao grupo, sua fé:
[#12.3 ref.13] “Eu cai na Grifinória, sendo que eu pensava que eu seria selecionado para Corvinal ou Lufa-Lufa, que eram as casas que eu mais me identificava... hoje percebo que a minha verdadeira casa era a Grifinória, pois o Chapéu Seletor pode ver num bruxo o que ele próprio desconhece, como foi o caso do Neville... Acho que você fez mal em criar outra conta Nilsen”.
O exemplo da seleção de casas mostra como Potterheads se resignam às determinações do cânone, Potterheads usam saberes do cânone para endossar seus dogmas e ainda Potterheads estabelecem vínculos no fandom para Demonstrar fé no cânone e, desse modo, evitar conflitos, se autoconsolar e garantir sua posição no fandom. O fã afirma que, embora se identificasse com outras casas, o tempo lhe mostrou que o chapéu tinha razão e cita o caso de Neville (personagem que apresenta a característica de coragem pertinente à casa que pertence apenas ao fim da saga), ou seja, usa os saberes do cânone para endossar sua declaração. Tal argumento foi produzido para condenar a ação de outro fã, que quebrou a regra e fez outra seleção, e lhe convencer de que deveria acreditar no cânone, ou seja, o fã mostra que cuida de si para assim cuidar do outro, governando sua conduta. Petinelli-Souza, Oliveira e Silva (2015) analisam como discursos empresariais e religiosos circulam juntos numa organização, incitando valores e comportamentos; para os autores, os ritos colocam em prática o conjunto de crenças e a fé é compartilhada pelos seus membros; o alto grau de envolvimento os faz preservar a imagem da organização e todos esses discursos produzem subjetividades.
Como as tecnologias do si surgem integradas a modos de coação, essa é também a forma de se transformar, como indicam Caldwell (2007) e Skinner (2013). O trecho a seguir pertence a um fã que tem um vlog (blog que publica predominantemente vídeos na internet) chamado Observatório Potter. O canal foi lançado em janeiro de 2013, possui 176.858 inscritos, 6.643.302 visualizações e veicula duas vezes na semana um programa para os fãs de Harry Potter, em que discute diversos temas ligados à saga e ao fandom. O espaço por trás do apresentador deixa ver sua coleção temática do universo, comprovando sua condição de fã (forma aletúrgica para Foucault), possui acima o endereço do twitter com a mensagem “segue lá” e abaixo um espaço que convida o fã a se inscrever no canal e receber atualizações, mostrando a gestão de lógica mercadológica do canal. O episódio desse programa trata da extensão da saga cinematográfica e, no trecho de fala a seguir, esse fã educa novos fãs para o futuro acontecimento:
[#10.29 ref.1] “E se vocês realmente querem que Animais Fantásticos e Onde Habitam seja uma trilogia, só depende de vocês mesmo: você tem que ir na estreia, tem que assistir mais de uma vez no cinema o filme, você tem que fazer esse filme ser um sucesso para eles terem certeza, no primeiro final de semana que o filme lucrar muito, que já vale a pena fazer uma continuação e assim é que esses filmes vão bombar, porque como vocês sabem é uma coisa que os fãs de HP não estão acostumados, vão ser filmes com novos personagens, as vezes até desconhecidos, não sei se vai ter aquele carisma que tinha... ai saudades que deu! Eu não sei se vai ter esse carisma, então só vai depender da gente para esses filmes serem um sucesso”.
O fã mentor é persuasivo e divide com os novos fãs a responsabilidade de continuação da série, previne acerca das diferenças previstas nesse lançamento, as quais provocam certa preocupação e certamente irão requerer adaptações dos potterheads. Por isso, solicita que eles façam o trabalho que os fãs da primeira geração, como ele, fizeram, e tornem sucesso o primeiro filme para que ele se transforme em trilogia e, assim, que se efetive a sonhada expansão do universo. Dessa forma, Potterheads educam os novos fãs e Potterheads estabelecem vínculos no fandom para Prover condição de fã. Fortemente, apresenta-se aqui a atuação biopolítica: o fã atrela a esperança de continuidade que os potterheads depositam nessa expansão à dependência do trabalho desses fãs em prol do lucro financeiro do produtor, apontando uma relação entre tecnologias de si e de poder da governamentalidade moderna (LEMKE, 2002; SKINNER, 2013).
O fã quer manter a vitalidade do fandom e trabalha para isso. O fã lembra constantemente no fandom a importância do cânone em suas vidas: Potterheads aplicam saberes do universo em suas vidas para demonstrar transformações pessoais de fãs, como no exemplo seguinte:
[# 6.40 Ref.1] “But mostly, I learned so much from the books, and simply for that, I am forever grateful that I was able to hang out with Harry and his cohorts for as long as I did. So, in honor of Harry’s birthday, here are the lessons that I (and probably all of you) held onto long after ‘all was well’”.
O título dessa postagem foi: “11 life lessons I learned after finally reading Harry Potter for the first time at age 30”, e o fã discorre acerca de sua ligação tardia, mas proveitosa com o cânone. Cultuar é reconhecer a importância do cânone e mostrar isso, é indicar que cuida de si no interior dessa moral. A ilustração a seguir reforça o entendimento do cuidado de si ordenado pelas práticas da doutrina. O que possibilita o cuidado de si e seus jogos de exercício de poder é o regime de verdade (dispositivo) que está sendo praticado (uma aleturgia) no fandom. Desse modo, cuidar de si é depor publicamente, é mostrar que dá valor e enaltece o cânone (vide MUNRO, 2014), por isso, Potterheads são afetuosos com o cânone para Enaltecer o cânone (vide Figura 3).
Assim, o cuidado de si dá-se na arte de integrar tecnologias de coerção e tecnologias do si nesse meio. A questão é de ordem e de controle: o agente precisa antes Ser para depois conduzir. Tais práticas envolvem saber-poder, estão sempre em negociação: saberes são modificados pelo exercício do poder e geram novos saberes por meio da relação poder-resistência, mantendo essa forma de vida organizada.
O cuidado de si e dos outros fortalece os vínculos no fandom e com o cânone
O cuidado de si é um exercício de controle sobre si mesmo, pois cuidar de si é agir em conformidade com a moral que está sendo definida no coletivo (FOUCAULT, 1984, 1995), é trabalhar por essa moral permanentemente, pois ela está em constante construção. Mas conduzir condutas não requer apenas ter um direcionamento político, necessita de um ferramental que lhe dê suporte – precisa ser operada por tecnologias de coerção aliadas a tecnologias do si (FOUCAULT, 2010a). Dessa forma, se estabeleceu e legitimou essa forma de vida e, ao mesmo tempo, se intensificaram as relações afetivas nesse fandom. Ao estimular e conduzir ao agir correto, o culto socializou os participantes em conformidade com essa moral e, à medida que se praticou essa conduta, também se organizou o ethos, os valores e as verdades desse meio.
Essa regra foi desvelada com base em cinco funções e oito enunciados, cuja relação indicou como o cuidado de si e dos outros fortalece tais relações (vide Figura 1). Ela diz respeito aos laços afetivos que são fortalecidos ou estimulados pelas práticas do cuidado de si, um trabalho que fortalece a própria condição de fã, já que trata da socialização no fandom. Por isso, é um trabalho formador, é organizado nas práticas do culto, o legitima e faz internalizar seus processos; ainda, evidencia e fortalece identificações, pois os temas são de interesse comum. Esse trabalho perpetua as ligações com o universo, uma vez que esse cuidado recorrente se tornou um hábito, uma repetição material.
A prática ainda atrai e conquista novos fãs, principalmente porque também é efetuada por meio da produção de cultura e sua forma divertida de acontecer; tanto a produção carrega consigo o entusiasmo desse fã e os saberes do cânone como sua volumosa e rápida disseminação na rede faz dessa uma forte estratégia de comunicação. Por isso, a produção dos potterheads apresentou-se como um saber central nessa regra.
A forma como se realiza a produção de cultura é uma intensidade, ela reinventa o universo. Envolve um trabalho colaborativo que se expande para além do fandom: os fãs se apropriam uns dos trabalhos dos outros, desenvolvem um senso de responsabilidade nesse papel, produzem educando, discutem por meio dele vários valores sociais e nessa troca intensiva e imediata renegociam os valores dessa cultura; ainda, nesse trabalho desafiam as convenções, ampliam suas habilidades e também sua confiança para enfrentar os desafios cotidianos. Tal trabalho é típico da era da convergência midiática e da inteligência coletiva, e a cultura é produzida exatamente por essas trocas, em uma construção solidária (JENKINS, 2009) ou organização possível na sociedade da informação (JEFFCUTT; THOMAS, 1998), ou seja, estabelece uma rede de fluxos para que o afeto se instaure, indicando a gestão como ferramenta de poder (CARRIERI, 2014). Dessa forma, o cuidado de si e dos outros é uma intensidade, é um trabalho afetivamente poderoso, pois se estabelece nos moldes de uma economia política. Para Jenkins (2009), essa é uma “economia afetiva” – todos os participantes lucram, pois o trabalho coletivo implica na preocupação com a satisfação de todos os que se envolverem; a lógica do lucro, ou ainda, o modelo de mercado, marca essa organização cultural, indicando como tais construções são resultantes do processo histórico (vide HOLANDA, 2010).
Nas relações entre si dos enunciados, profissionalizar-se estabeleceu uma relação incidente com a nostalgia; um enunciado explica o outro, pois se profissionalizar é uma forma que potterheads encontram de manterem-se vinculados ao cânone, mesmo depois de adultos; Wood Junior e Paes de Paula (2002) analisaram como as fantasias infantis de poder permanecem orientando a vida dos adultos hoje expostos à fragmentação moderna do “eu”, instrumentalizando o modelo de contrato social. Se, por um lado, potterheads são saudosos, por outro desenvolvem habilidades a partir dos trabalhos no fandom e, por exemplo, passam a alimentar blogs e sites vinculados à saga, encontrando uma forma de manter-se ligados a ela: pesquisando, produzindo e educando. A nostalgia é um sentimento comum no fandom e matéria para o cuidado de si e dos outros. A produção de cultura não apenas trata recorrentemente de temas nostálgicos, como é utilizada como tecnologia de si e também de coação, pois as interações que ocorrem a partir dela possibilitam verificar quem compartilha a intensidade desse sentimento; afinal, a dor da saudade requer ter tido uma ligação longa e forte com o cânone.
Assim, o trabalho político da gestão insere a relação docilidade-produtividade (LOPES; CARRIERI; SARAIVA, 2013). A nostalgia se refere ao término da saga e também à passagem para a vida adulta da maioria dos fãs, dos que efetivamente acompanharam-na, sendo esses acontecimentos recorrentemente vinculados. O enorme sentimento de tristeza que assolou o fandom ao término da saga é algo compartilhado pelo mundo inteiro; potterheads gostam de relembrar e reativar essa intensidade (vide Figura 4). Desde o último filme, as expressões de saudade e de tristeza ocupam o fandom; costuma-se ainda hoje comemorar na rede os aniversários de lançamentos de filmes e livros, dos atores, das personagens, da autora. Cada vez que o fazem, são também compartilhadas lembranças dos vínculos com o cânone. Mesmo que achem insano, como aqui afirmam, eles prometem: esse vínculo será para sempre. A promessa de vínculo eterna é muito significativa, encontra embasamento na própria narrativa e tornou-se o lema dos potterheads.
Em uma passagem próxima ao final da narrativa, quando o castelo está ameaçado por forças do mal, Dumbledore (diretor da escola de Hogwarts) pergunta a Snape (professor e um dos personagens centrais da trama) acerca de seu amor pela mãe de Harry Potter: “After all this time?” A resposta de Snape foi: “Always” (ROWLING, 2007, p. 501). Snape é uma personagem muito forte na trama, simboliza o amor verdadeiro, a coragem, a fidelidade e o sacrifício pelo outro; desde os 9 anos Snape se apaixonou por Lílian (mãe de Potter), com quem manteve uma estreita amizade; ao entrar na Escola, sua amizade foi estremecida, pois Lílian se uniu ao grupo que o vitimou de bullying, mas Snape manteve secretamente seu amor por ela. Em respeito à memória de Lílian, morta por Voldemort (o grande vilão da trama), o inconsolável Snape assegura a proteção de Harry em várias situações, mas o faz sem que ele, e nem o leitor, tenham ciência disso; sob uma máscara de professor rígido e pouco paciente, só se revela verdadeiramente ao fim da trama, e torna-se uma das personagens mais amadas pelos potterheads, que adotaram por lema as suas palavras, e “Always” tornou-se tatuagem, estampa de camisa, pingentes, título de espaço na rede. O termo, tal como representou o amor e fidelidade de Snape a Lílian, representa o amor e a fidelidade dos fãs ao cânone, é considerado uma prova da força desse vínculo e ostenta uma espécie de jura dos potterheads, indicando como a estrutura do conto ajuda na construção do self (WOOD JUNIOR; PAES DE PAULA, 2002).
Tal promessa de vínculo duradouro os fez cuidar de si e dos outros, e assim manter vivo o fandom. Portanto, Potterheads produzem cultura a partir do universo, Potterheads estabelecem vínculos no fandom, Potterheads trocam informações cotidianamente e Potterheads são nostálgicos em relação ao universo para Nutrir vínculos no fandom. E também: Potterheads se profissionalizam para Perpetuar o universo de Harry Potter, bem como Potterheads produzem cultura a partir do universo para Prover condição de fã e Perpetuar o universo de Harry Potter. Esse se revelou o processo de um trabalho organizativo, uma ação coletiva cuja gestão se pauta em uma vontade ética, uma vez que se estiliza a vida em prol dessa moral, e envolve o espaço relacional afetivo do fandom, posto que se busca governar a si e aos outros para assunção dessa posição ética. A produção de cultura indica como esse tipo de relação propicia o despertar de identificações e como desenvolve solidariedade política, fortalecendo tanto o cânone como o fandom. Assim, a cada compartilhamento, os potterheads são produzidos e constituídos pelas relações saber-poder; e, para animação e transformação dos fluxos do poder, tão importante quanto o papel do dispositivo (lócus dos saberes) são os movimentos de resistência (SOUZA et al., 2006). Portanto, O cuidado de si e dos outros fortalece relações no fandom e, sendo mediados por tecnologias desenvolvidas para isso (constituintes de subjetividade), Os potterheads governam-se com base nos saberes do cânone, numa forma social de controle.
Considerações finais
O mundo globalizado e interligado por tecnologias instaurou a cultura da convergência, capaz de produzir sujeitos que promovem a si mesmos e ao sistema. Deslocando-nos dos contextos legitimados, efetuamos uma análise crítica foucaultiana do processo organizativo ordinário dos potterheads no cotidiano do fandom, uma forma de organização produzida e mantida por decisões de fãs no interior de uma “economia afetiva”. A nossa questão de pesquisa buscou desvelar como os potterheads governam sua vida organizada. Trata-se de um fenômeno contemporâneo que tem apenas 19 anos de existência, portanto, investigamos uma singularidade na história do presente. Os documentos do arquivo desvelaram uma formação discursiva que tratou dos processos de gestão dessa experiência no fandom: Os potterheads governam-se com base na relação de saber-poder com o cânone. As duas regras que levaram a essa formação indicaram a existência de um cuidado de si que organiza as práticas do fandom, cuja ação estabelece e fortalece relações entre seus membros e com o cânone. Desse modo, o processo organizativo dessa forma de vida formalizou-a por meio de práticas de governo que se deram a partir do cuidado de si e do outro, endossando um regime de controle (FOUCAULT, 2011).
Em suas relações no fandom, potterheads estabeleceram um regime de verdade e desenvolveram tecnologias de coação aliadas a tecnologias de si, que mantêm e atualizam um sistema de ordem, ou seja, indicam como se estabelece e atualiza a formalização dessa forma organizativa. Praticar o culto ao cânone foi uma atividade central para essa construção. A prática mostrou-se um trabalho efetuado antes em si mesmo, um trabalho que autoriza o fã a cuidar do outro, um trabalho ético que integra essas duas formas de tecnologias. Assim, a construção e a manutenção dessa cultura e suas matrizes normativas puderam ser dadas por ações de governo. O governo de condutas assegurou que a ordem de controle fosse mantida, e suas práticas buscaram legitimar essa racionalidade moral. Aqui se pôde ver a persuasão e o hábito entrelaçados para compor um saber nesse dispositivo. Assim, foi o governo de condutas que permitiu a consistência e a permanência dessa forma organizativa, assegurou o processo e a ação de sujeitos no meio social.
Potterheads cuidaram de si e dos outros para estabelecer um trabalho moral por meio de regras coercitivas aplicadas em si, por si mesmo e pelos outros no hábito de suas atividades de culto; mas o mesmo só ocorreu porque um trabalho ético estabelecido por regras facultativas se estabeleceu antes – querer estar para sempre vinculado ao cânone. Tais relações de cuidado intensificam relações afetivas no fandom, cuja socialização é feita pela internalização dos hábitos do culto, ou seja, uma institucionalização. O cuidado de si estabeleceu e legitimou esses hábitos. Por sua vez, as tecnologias de si e de coerção foram dadas por meio de intensidades, como saudade e prazer; tais intensidades são forças que apoiam e fortalecem a dinamicidade do espaço relacional dos potterheads.
O olhar sobre o processo organizativo e sua complexidade fez os potterheads apareceram como sujeitos nos regimes de luz do dispositivo. A dupla ação desse dispositivo, portanto, está na sujeição voluntária do fã (docilização) aliada à assunção de um conjunto de técnicas e de experiências que são por ele mesmo elaboradas para transformar-se (exercício de disciplina), conduzindo a si mesmo e ao outro em prol da ordem estabelecida. O cânone foi um solo para subjetivação, e propiciou as formas serializadas que os regula, classifica, enfim, ordena seu mundo mágico; a condição representa uma ruptura das serializações tradicionais e dos discursos hegemônicos de ordem: é uma criação, representa outra dimensão espacial. Uma moral foi produzida e mantida por meio da prática de uma conduta, um trabalho de gestão efetuado por meio das longas práticas de estabelecimentos de vínculos, de apropriação dos saberes, de aprendizagem e também de ensino.
Esse conjunto de princípios, que incluem a fidelidade aliada a um trabalho permanente pela cultura Potter, foram colocados em prática em um cuidado consigo mesmo e submetidos às constantes trocas de controle efetuadas pelo governo de condutas no fandom. A elaboração do trabalho ético, a dobra da força, aconteceu na medida em que os potterheads buscaram se transformar em sujeitos de sua própria conduta nesse espaço, organizando suas ações políticas e mantendo-se enquanto grupo. Porém, o trabalho ético nessa forma organizativa se revelou como uma dobra que utilizou o instrumental e a racionalidade do mercado como ordem natural, em uma produção biopolítica de controle que fortalece o sistema capitalista, uma condição que permeia os cenários sociais contemporâneos.
Os potterheads são emblemáticos da categoria fãs e constituem práticas subjetivadoras do contemporâneo de nossos meios sociais. Pertencendo à geração millennials, esses jovens indicam como essa geração age de modo colaborativo e conectado às redes sociais, dominando o uso dos meios tecnológicos; por seu envolvimento e comprometimento emocional, produzem cultura e identidade por meio da cultura pop, construindo seus mundos, tornando-se sujeitos e gerando lucratividade para a indústria. Esses novos modos de interação e socialização marcam um momento histórico inédito, em que a indústria precisou adaptar sua conduta e o consumidor não pode mais ser entendido como submisso, passivo e, portanto, impotente; as práticas produtivas de fãs mudaram as formas como os produtos culturais até então foram produzidos, distribuídos e consumidos e a indústria cresceu tanto em velocidade de produção como em variedade de produtos. Porém, o organizar desse modo de vida como processo e estrutura mostrou-se completamente adaptado à lógica produtiva-econômica do capital; a parceria estabelecida entre os trabalhos do fã e da indústria reforçam e legitimam as condições histórias do cenário biopolítico de existência numa forma social de controle.
A contribuição do nosso trabalho para os estudos organizacionais encontra-se no desvelar desse processo organizativo particular que existe vinculado a um cenário econômico em crescimento (o das indústrias do entretenimento), ilustrando como a imbricada relação entre tecnologias de poder e tecnologias de si constituem estratégias de governo em procedimentos de gestão e revelando como subjetividades são constituídas na era da convergência midiática. Entendemos que nossa contribuição esteja ainda na proposta de sistematização da análise de discurso foucaultiana, que se fez necessária para a adaptação do método filosófico de Michel Foucault para um método de investigação em pesquisa social.
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1
O presente artigo foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que fomentou o projeto de pesquisa que deu origem a este trabalho.
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2
Storytelling é um conceito antigo relacionado à capacidade de contar histórias e transmitir conhecimentos relevantes; a forma de transmissão propicia instaurar sentidos ao mundo, ensina valores e molda pensamentos (BATISTA; DOMINGOS, 2011).
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3
Foucault (2010a) cunhou esse neologismo com o intuito de analisar o plano das racionalidades e tecnologias dadas em determinado regime de verdade (AVELINO, 2011; VEIGA-NETO, 2009); o termo refere-se à ligação semântica entre as palavras governar (gouverner) e modos de pensamento (mentalidades) (LEMKE, 2000).
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4
Disponível em: <http://wan-balqish.tumblr.com>. Acesso em: 4 fev. 2015.
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5
Disponível em: <http://potter-generation.tumblr.com/post/2931693857/when-harry-potter-is-over-forever>. Acesso em: 10 jun. 2015.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2018
Histórico
-
Recebido
11 Dez 2015 -
Aceito
10 Jan 2017