Open-access Trajetória do estoque residencial formal – São Paulo, 2000/2020

Trajectory of the formal housing stock – São Paulo, 2000/2020

Resumo

Esse artigo apresenta e discute de forma pioneira a trajetória do estoque imobiliário residencial formal no Município de São Paulo entre 2000 e 2020. Apesar da grande importância do tema, praticamente inexistem estudos sobre o tema. Partindo de dados detalhados inéditos do cadastro imobiliário municipal, exploramos o quadro geral do estoque residencial e suas transformações por tipologia e valores nas duas últimas décadas. São Paulo sofreu profundas transformações em seu estoque, passando de predominância horizontal de padrão baixo para liderança de imóveis verticais de padrão médio, com também crescimento significativa dos imóveis verticais de padrão alto. O efeito dos principais instrumentos urbanísticos parece ter sido bem reduzido sobre a trajetória do estoque. A dinâmica dos valores do imposto cobrado, por outro lado, indica uma expressiva apreciação dos valores, mais elevada entre imóveis de alto padrão, em especial horizontais, mas também verticais. Tais elevações ocorreram continuamente, mas se concentraram nas novas tabelas de valores. Essa contínua elevação indica decisão de acompanhar as elevações verificadas no mercado, provavelmente por razões orçamentárias, mas resultando em valores medianos mais diferenciados por padrão, e a estrutura de cobrança mais progressiva.

Palavras-chave:  Estoque residencial; Produção imobiliária; Habitação; São Paulo

Abstract

This article presents and discusses, for the first time, the trajectory of the formal housing stock in the city of São Paulo between 2000 and 2020. Despite the significance of the subject, there are practically no studies. Starting from new detailed data from the municipal real estate register, we build a general picture of the residential stock and its transformations by typology and values in the last two decades. São Paulo has undergone profound transformations in its stock, moving from a horizontal lower standard predominance to the leadership of medium-standards vertical properties, with also significant growth of high-standard vertical properties. The effects of two main urban instruments seem to have been small. The dynamics of values charged by the territorial tax, on the other hand, indicates an expressive appreciation, being higher among high-standard properties, especially horizontal ones, but also vertical ones. These increases occur continuously, but were concentrated in the newly established value tables, indicating decisions to follow the rises seen in the market, probably for budgetary reasons, making the median values more differentiated over time, and the tax structure more progressive.

Keywords:  Residential stock; Real estate production; Housing; São Paulo

Introdução

Esse artigo apresenta e discute de forma pioneira a trajetória do estoque imobiliário residencial formal no Município de São Paulo entre 2000 e 2020. O estoque residencial se refere ao parque habitacional formal existente em uma cidade em um dado momento, apresentando uma elevada inércia considerando o grande volume de edificações já construídas e regularizadas em momentos anteriores. Apesar da óbvia importância do tema para caracterizar e entender a cidade e suas transformações, o tema permanece praticamente inexplorado na maior parte das cidades brasileiras, em especial pela ausência, até recentemente, de dados públicos sistemáticos sobre o fenômeno.

O presente artigo contribui para os debates urbanos recentes exatamente por construir um amplo quadro das principais características do estoque residencial formal ao longo de 20 anos em São Paulo. Partindo de base de dados inédita com 62,7 milhões de registros do cadastro imobiliário municipal, base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Tal base de dados foi georreferenciada, corrigida e integrada a outras cartografias de forma a elucidar os padrões temporais de variação do estoque e suas características em termos de volume, tipologias e valores.

A pesquisa indica que, contrariamente a um amplamente disseminado senso comum, a cidade de São Paulo não era até recentemente uma cidade verticalizada, de forma predominante. Até muito recentemente a metrópole paulistana apresentava um tecido urbano iminentemente horizontal no seu estoque de residências, típico da ocupação estendida que marcou a sua urbanização. No período estudado, entretanto, essa predominância se transformou, com também uma importante mudança dos padrões construtivos mais frequentes. Também contrariamente a outras premissas do senso comum, essas transformações não foram provocadas pelos instrumentos urbanísticos introduzidos da cidade nas últimas décadas, mas por tendências paulatinas de mais longo prazo. Os valores dos imóveis considerados para cálculo do imposto sofreram expressiva apreciação no tempo. Embora tal valorização evidentemente guarde relação com dinâmicas de mercado, o timing e a sua incidência em diferentes padrões construtivos permitem afirmar que o que ocorreu em São Paulo foi provavelmente produto de política pública contínua da prefeitura municipal, motivada possivelmente por razões orçamentárias, resultando em estrutura crescentemente progressiva.

Como trabalhamos com dados do Cadastro imobiliário, é preciso ressaltar já de início alguns elementos para melhor balizar a contribuição deste artigo. A natureza dos dados evidentemente nos restringe ao estoque residencial formal, deixando de fora do estudo habitações precárias em favelas e loteamentos clandestinos e irregulares, estimadas por outros estudos em torno de 25% das residências. Vale acrescentar ainda que considerando a riqueza das informações, o artigo se concentra nas transformações do estoque para o conjunto da cidade, e a análise de transformações espaciais e em regiões será explorada em artigos futuros. Além disso, como a origem dos dados é administrativa, não é possível separar o crescimento dos imóveis existentes da cidade do crescimento do próprio cadastro a partir do qual são estudados. Algo similar pode ser dito sobre os valores lançados dos imóveis, que evidentemente se encontram ancorados nos preços de mercado, mas também são fortemente influenciados por decisões do poder público municipal de atualização do cadastro, de forma mais ou menos intensa. Desta forma, sob o ponto de vista da progressividade, podemos analisar apenas o resultado, apenas intuindo intencionalidades.

A próxima seção apresenta sucintamente os raros estudos existentes e destaca elementos do estudo. A segunda seção descreve procedimentos de método, antes de prosseguirmos na terceira seção para a apresentação dos resultados, discutindo as principais transformações do estoque residencial por tipo e padrão. A quarta seção analisa a trajetória dos valores dos imóveis considerados para cálculo do imposto. A conclusão, ao final, sumariza as principais dinâmicas observadas.

Quadro construído, produção imobiliária e estoque

O quadro construído é um elemento central na conformação dos tecidos urbanos, sendo a composição de suas habitações uma das suas características mais constitutivas. É possível analisar tal composição como estoque (conjunto existente em um dado momento do tempo) e como fluxo (a sua transformação com construções e/ou demolições). Apesar da centralidade do estoque residencial para as cidades, a literatura a esse respeito é quase inexistente, em especial por fortes restrições de informação, até recentemente. O estoque inclui tanto residências formais quanto informais. O primeiro grupo inclui aquelas produzidas por processos variados, desde a autoconstrução até os lançamentos da incorporação imobiliária, passando por pequena (mas frequente) produção por encomenda, enquanto a produção informal inclui quase unicamente unidades autoconstruídas. A quase totalidade da literatura existente se concentra apenas na análise do fluxo da produção de imóveis residenciais novos, construídos e lançados pela incorporação imobiliária. Nesse artigo, caracterizamos e analisamos o estoque residencial formal.

No caso específico de São Paulo, a literatura existente vem investigando com regularidade as principais transformações da incorporação imobiliária na região metropolitana entre 1985 e 2003 (Marques, 2005) e entre 1982 e 2013 (Hoyler, 2016), no município de São Paulo entre 1992 e 2007 (Wissenbach, 2008), entre 2007 e 2016 (PMSP, 2018), nos anos 2010 (Castro & Sígolo, 2022) ou de forma focada nas novas tipologias do centro de São Paulo nos anos 2000 (Shimbo, 2013). Tais estudos evidenciaram importantes dinâmicas como a existência de ciclos de produção e exploraram suas relações com as dinâmicas econômicas mais amplas. Similarmente, analisaram as transformações das novas geografias da produção e suas relações com intervenções do Estado e projetos urbanos, como as Operações Urbanas Consorciadas.

Mais recentemente, acrescentando conhecimento sobre as estratégias dos incorporadores, sobretudo de grande porte, Volochko (2007) analisou os padrões espaciais dos lançamentos no setor sudoeste, e Santoro e Rolnik (2017) investigaram os ativos imobiliários ligados a grandes empresas globalizadas ou fundos imobiliários. Toda essa produção mobilizou principalmente dados de lançamentos imobiliários por incorporação coletados pela Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp) e, de forma acessória, dados cadastrais da Prefeitura de São Paulo, análise geográfica e pesquisas de campo.

Também explorando a produção de edificações novas, mas analisando a constituição de um mercado popular a partir e em associação com a produção do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), em especial suas faixas 2 e 3, foram analisados lugares tão variados como Porto Alegre (Lahorgue et al., 2020), São Paulo (Marques & Rodrigues, 2013; Castro & Sígolo, 2022), Curitiba (Martins & Pereira, 2022), e São José do Rio Preto (Otero & Fodra, 2022), tipicamente nos anos 2010. Tais trabalhos tem mostrado uma presença mais intensa da produção formal pública em termos relativos, quando comparados com o que tradicionalmente se verificava nas grandes metrópoles e nas cidades médias brasileiras. Adicionalmente, apontam para uma aproximação, e em alguns casos superposição, dos tipos de oferta pública e privada no que diz respeito às demandas atendidas, aos agentes promotores e aos espaços sob intervenção.

Esses estudos contribuíram para um melhor entendimento da produção formal por incorporação e suas características, ou mesmo do comportamento desses importantes atores da construção da cidade, mas pouco iluminaram o conjunto do estoque habitacional e suas transformações. Em países como o Chile, os Estados Unidos e a Inglaterra, essa informação pode ser obtida de forma regular por pesquisas específicas ou por acesso público aos cadastros.1 No caso brasileiro, entretanto, inexistem dados sistemáticos a respeito do estoque, mesmo que apenas restritos às edificações regularizadas. A exceção ficou com o Censo demográfico de 1940, o primeiro realizado pelo IBGE, que tinha uma estratégia de coleta de dados por prédios, além de setores, de modo que a informações prediais era não apenas preservadas como detalhadas (como pavimentos, por exemplo).2 O posterior abandono dessa estratégia de coleta tornou aquelas informações únicas e isoladas no tempo.

A disponibilização das informações do IPTU pela Prefeitura Municipal de São Paulo em dezembro de 2015 começou a mudar essa situação, ao menos para a capital paulistana. Apesar da riqueza dos dados disponibilizados em si, uma série de procedimentos metodológicos relativamente complexos foram necessários para gerar as informações analisadas aqui, devendo os resultados serem tratados com cautela. Indicamos a seguir tais procedimentos.

Elementos metodológicos relevantes

Partimos dos dados fiscais de registro de propriedades imobiliárias na cidade de São Paulo, produzidos pela Secretaria da Fazenda Municipal (SF) da Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) para fins de lançamento do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU). O banco de dados resultante inclui um total de mais de 62,7 milhões de registros, variando entre cerca de 2,5 milhões em 2000 e 3,5 milhões em 2020. Pela exiguidade de espaço, não exploramos nesse artigo as ricas dimensões territoriais do estoque, que ficam para outra publicação posterior.

O universo analisado aqui é, a princípio, o mais completo disponível para análise imobiliária paulistana. Considera uma série de formas de propriedade e uso do solo, com a notável exceção das áreas de precariedade. Assim, tratamos aqui do estoque formal, conscientes de que a cidade tem um vasto parque informal de habitações, composto tanto por edificações precárias (favelas, loteamentos e cortiços) quanto por edificações não precárias, mas não inteiramente regularizadas. Quanto ao primeiro fenômeno, há estimativas confiáveis. Em estudo anterior realizado a partir de dados censitários, estimou-se o estoque precário de domicílios em favelas e loteamentos clandestinos no Município em 21,4% em 2000, dado projetado para 27,4% em 2020, apenas considerando a tendência prévia de crescimento (CEM/Sehab, 2016). Já as edificações não precárias, mas não regularizadas, são de difícil estimativa. À primeira vista, seria possível chegar à informação pela subtração das edificações de registros administrativos, dos domicílios registrados pelo IBGE, já descontando os domicílios precários. Entretanto, isso não gera estimativas minimamente confiáveis já que inexiste identidade entre edificações e domicílios, tanto pela existência de imóveis vazios (nas primeiras) quanto de famílias conviventes (nos segundos).3 De qualquer forma, um volume expressivo do estoque habitacional se encontra fora do escopo da análise realizada aqui.

Uma complicação adicional de interpretação decorre do fato da proporção de edificações nos três conjuntos anteriores – imóveis regularizados; precários; e irregulares não-precários – variar ao longo do tempo e ser produto de políticas municipais, em especial de campanhas de expansão cadastral, anistias, urbanizações de favelas e regularizações de loteamentos. Assim, elevações ou quedas localizadas podem se dever menos ao crescimento de um dado fenômeno, e mais à expansão da cobertura do cadastro sobre o universo de edificações residenciais, impulsionado por políticas públicas e por decisões de governo. Portanto, embora os resultados a seguir sejam bastante eloquentes, devem ser analisados de forma nuançada e parcimoniosa.

A produção dos valores apresentados aqui foi feita a partir das variáveis disponibilizadas nos bancos de dados4 e nas fórmulas de cálculo utilizadas pela Secretaria de Finanças para o lançamento do IPTU5. Os valores dos imóveis são produzidos com a finalidade de lançamento do imposto e são controlados e atualizados segundo regras e parâmetros específicos. Os valores são atualizados de modo geral pela revisão da Planta Genérica de Valores (PGV), que define os valores médios de face de quadra de cada quarteirão da cidade. Os principais elementos na composição dos valores da PGV são a Tabela de Valores Unitários de Metro Quadrado de Construção e a Listagem de Valores Unitários de Metro Quadrado de Terreno, aprovadas e definidas em forma de lei. A atualização de qualquer valor desses elementos que compõem a base de cálculo acima da inflação requer nova aprovação legal com proposição de iniciativa do Executivo. Caso não haja mudanças nos parâmetros, os valores podem ser atualizados uniformemente até o índice inflacionário daquele ano por decreto do chefe do executivo, como forma de evitar corrosão dos valores de mercado, efeitos regressivos e perda de arrecadação.

Individualmente, cada imóvel pode ter seu valor atualizado basicamente de três formas: a. comercialização, pois nas transações de imóveis há pagamento de ITBI e o valor no IPTU é atualizado; b. avaliação judicial, por demanda do próprio contribuinte (que alega que o valor está incorreto) ou da justiça; ou c. pela atualização da PGV, quando os valores das Tabelas de Valores de m2 de Construção e Terreno são atualizadas.

A atualização da PGV pode ocorrer por atualização homogênea de algumas tabelas de valores segundo índice inflacionário (IPC-A) ou por nova avaliação dos preços de mercado. No caso do índice inflacionário, isso pode ser feito abaixo ou próximo dele (por decreto) ou acima dele (por lei). A segunda forma, é realizada pela avaliação dos preços correntes no mercado. Para isso, a burocracia municipal realiza estudos com base em dados da Embraesp, pesquisas de mercado (nos anos 90 e até o começo dos anos 2010), nos dados do ITBI e, mais recentemente pelo uso de informações de sites de aluguel (como ZAP imóveis, OLX) ou aplicativos (Quinto andar).6 De uma forma geral, tais revisões buscam trazer os valores para perto de 70% do valor de mercado, sendo atualizados segundo a inflação nos anos seguintes7. O ano de 2021 foi o primeiro desde há muito tempo em que os valores não foram atualizados nem mesmo pela inflação.

Como podemos ver na Figura 1, vem havendo uma sistemática atualização dos valores ao longo do tempo, ao menos pela inflação (coluna i). Além disso, o uso de travas de aumento anual do valor dos imóveis (coluna ii) também foi ocorreu em alguns governos como forma de atenuar os efeitos da atualização no tempo, onerando de forma menos abrupta os contribuintes. Isso terá efeito, como veremos, nas curvas dos valores após as atualizações da PGV.

Figura 1
Trajetória das atualizações da PGV e das travas de aumento anual do valor do imóvel. Fonte: Minarelli (2019a).

A única informação necessária para o cálculo que não está disponível publicamente de forma sistematizada é a camada cartográfica das zonas fiscais. Essas zonas são utilizadas como referência na composição de valores dos imóveis e seu traçado está disponível apenas rua-a-rua, assim como publicado em Diário Oficial. Assim, foi produzida uma camada do zoneamento fiscal segundo a última modificação em lei,8 sendo o resultado aplicado para todo o período.9

Outro conjunto de decisões relevante envolveu loteamentos irregulares. Uma parte de tais loteamentos puderam ser identificados e foram considerados na análise, exceto quando encontramos grandes discrepâncias de valor.10 A ampliação do cadastro decorre de uma associação de interesses peculiar entre o órgão arrecadador e os cidadãos, em especial os moradores de áreas irregulares. De um lado, a Prefeitura tem interesse em maximizar a arrecadação dos impostos, atualizando os cadastros e recolhendo os impostos devidos, pouco importando a estrutura de propriedade existente, visto que as informações de posse do cadastro são autodeclaratórias, sem validade cartorial. Na impossibilidade de cobrar de quem constava no registro original, ou reconhecendo uma nova situação após atualização (por visita de um fiscal, demanda judicial, perito externo, processo de licenciamento ou nova imagem aérea), o órgão arrecadador realiza o desmembramento dos lotes e a atualização das informações dos imóveis, lançando o imposto junto àqueles que detém a posse, independente de regulação urbanística ou jurídica. De outro lado, aqueles que tem posse sobre esses imóveis também têm incentivos a buscarem a Secretaria de Finanças para a individualização, caso ela já não tenha ocorrido. Isso porque o recolhimento do imposto, ainda que sobre bases cadastrais incorretas, pode ser utilizado judicialmente para provar a posse do imóvel em possíveis processos de regularização futura ou como documento vinculatório frente a outros órgãos públicos.

Os registros possibilitam investigar diferentes aspectos dos imóveis ao longo do tempo a partir de um conjunto de variáveis disponibilizadas11. O número de registros total do banco variou, como se discutirá abaixo, mas há estabilidade nas categorias das variáveis e nas estratégias de registro, facilitando a análise e comparação temporal. Um aspecto importante a destacar é que os dados são consolidados ao final de cada ano para servirem como base para o lançamento do imposto que passará a ser cobrado no primeiro mês do ano seguinte. Assim, a imagem representada que temos da situação de cada ano diz mais sobre seu início – ou a dinâmica do ano anterior –, do que sobre o que se transformou durante aquele ano. Para facilitar a análise, fazemos referência aos anos como apresentados, mas devemos ter em mente essa sutileza.

Os valores de m2 foram produzidos a partir da divisão do Valor Venal do Imóvel, o valor de referência de cada imóvel, pela Área Construída. Considerando a existência de imóveis com valores discrepantes (outliers), optamos por usar a mediana dos valores ao invés da média.12

Para todos os registros, foi realizada a geolocalização por endereço e CEP, padronizando as variáveis de tipo de uso e padrão, criando outras variáveis completares e produzindo o valor dos imóveis, segundo os cálculos previstos para o IPTU.13 Para a definição do tipo de uso do imóvel e seus padrões, foi utilizada a classificação da variável Tipo de Padrao da Construcao do banco de dados original e as categorias previstas pela legislação.14 Dessa maneira, os imóveis são definidos segundo seu uso (residencial, comercial, terreno, industrial etc.), seu tipo (horizontal, vertical e terreno) e seu padrão (alto, médio e baixo).

É importante notar, por fim, que a inclusão no cadastro de informações sobre garagens com matrículas separadas associadas a unidades residenciais se mostrou inconsistente no tempo, razão pela qual tal informação foi mantida apenas no cálculo dos totais de m2 construídos, mas foi retirada das análises dos números de unidades e de suas respectivas metragens quadradas, permitindo uma maior precisão das variações.15

As trajetórias do estoque formal

Iniciamos por uma informação geral, referente ao estoque de imóveis como um todo na cidade, incluindo imóveis residenciais, comerciais, industriais e terrenos. O Gráfico 1 mostra essa trajetória ao longo dos 20 anos, indicando como referência os momentos de promulgação dos principais instrumentos de regulação urbanística do período, os Planos Diretores de 2002 e 2014 e as Leis de Zoneamento de 2004 e 2016. Como podemos ver, o estoque passou de 386,3 milhões de m2 em 2000 para 534,8 milhões de m2 em 2020, crescendo 38,44% desde 2000. O estoque em unidades de imóveis passou de 2,37 milhões de unidades de imóveis sem considerar garagens (ou 2,53 milhões considerando garagens) em 2000 para 3,21 milhões em 2020 sem considerar garagens (ou 3,43 milhões incluindo garagens), resultando em um crescimento de 35,44%.

Gráfico 1
Estoque de imóveis de m2 construídos em São Paulo (2000-2020). Fonte: elaborado pelos autores com base em SF/PMSP.

Além desse crescimento expressivo, podemos ver um comportamento quase monotônico ao longo do período. O único momento de pequena mudança na inclinação das curvas ocorreu entre 2015 e 2016, mas a tendência anterior foi retomada posteriormente sem alteração. Interpretamos essa pequena variação como de espera do mercado frente a expectativa da nova lei de zoneamento que estava em discussão, assim como de aceleração de demolições (reduzindo o estoque de m2 de construções), de forma a preparar novas construções. Essa interpretação é corroborada pelo total de terrenos disponíveis. O número total de terrenos cai continuamente de aproximadamente 140.000 em 2000 para 106.000 em 2020, sendo que o único momento em que acontece aumento é exatamente entre 2016 e 2017, com cerca de 4.500 terrenos adicionais. Esse parece ser o único efeito específico em torno dos Planos Diretores e Leis de Zoneamento.

Vale dizer que como já apontamos, a maior parte da literatura utiliza dados relativos ao fluxo dos lançamentos por incorporação a partir dos dados da Embraesp (Marques, 2005; Hoyler, 2016; Wissenbach, 2008; Castro & Sígolo, 2022; Shimbo, 2013). Tais dados indicam produção muito baixa até 2006, um ciclo de intensa produção entre 2007 e 2014, seguido de intensa queda em 2015 e 2016 e ampla recuperação a partir de 2017. Essa trajetória, portanto, não guarda relação e pouco influencia a dinâmica do estoque residencial analisada nesse artigo, dados o volume e a inércia do estoque existente.

A análise do estoque residencial propriamente se inicia com o Gráfico 2. Como podemos ver, a cidade era amplamente horizontal no início do período, mas sofreu uma importante transformação nesses 20 anos. Em 2000, um total de 1,23 milhão de imóveis em 158 milhões de m2 residenciais eram horizontais, contra 736 mil unidades em 104,2 milhões de m2 verticais. Em 2020, os imóveis horizontais alcançaram um total de 1,38 milhões em 183,7 milhões de m2, enquanto os verticais chegaram a 1,38 milhões de imóveis em 190,4 milhões de m2. Os residenciais horizontais (linhas contínuas e pontilhadas azuis) cresceram de maneira moderada, mas contínua, com exceção de 2015, quando se verificou queda compatível com a hipótese das demolições para substituição já indicada. Por outro lado, os residenciais verticais (linhas contínuas e pontilhadas vermelhas) cresceram vertiginosamente no período, tanto em unidades quanto em área, praticamente igualando os horizontais em 2020 e ultrapassando já em 2016 em termos de área construída.

Gráfico 2
Estoque residencial por tipo em São Paulo (2000-2020). Fonte: elaborado pelos autores com base em SF/PMSP.

Assim, embora a cidade de São Paulo seja considerada como predominantemente horizontal, com exceção da área central, das encostas do espigão da Avenida Paulista e da área de expansão de alta renda a sudoeste, desde o início do novo milênio essa predominância se transformou em vertical. Essa tendência de verticalização residencial se associou a mudanças nos padrões construtivos, visível nas metragens médias, nos tipos de padrão e nos valores dos imóveis.

O Gráfico 3 mostra a dinâmica dos totais de metros quadrados de imóveis de alto, médio e baixo padrões. Como se pode ver, a cidade conta predominantemente com imóveis residenciais de médio padrão. Os três tipos de padrões crescem continuamente, mas em termos relativos os imóveis de médio e alto padrão se expandem de forma mais expressiva, aumentando a sua presença ao final do período. Se no início do período os residenciais de baixo padrão eram os segundos mais frequentes, esse posto foi assumido pelos de alto padrão por volta de 2010.

Gráfico 3
M2 construídos de imóveis residenciais por padrão em São Paulo (2000-2020). Fonte: elaborado pelos autores com base em SF/PMSP.

Esses patamares obviamente são impactados pelas diferentes áreas médias por padrão. Tais áreas se mantiveram relativamente estáveis para imóveis de médio e baixo padrões, e pequena queda nas metragens médias das áreas das edificações de alto padrão, de 310 m2 em 2000 para 287 m2 em 2020. Se considerarmos os números totais de imóveis, a cidade contava em 2020 com aproximadamente 1,5 milhão de residências de médio padrão, contra 910 mil de baixo padrão e 320 mil de alto padrão. Vale relembrar que como já destacado uma parte substancial das moradias paulistanas de baixo padrão está fora dos números trabalhados aqui por ocupar áreas de precariedade habitacional (cerca de 27% em 2020, de acordo com a estimativa do CEM/Sehab 2016) ou então por não ser regularizada.

O Gráfico 4 cruza os três padrões com as tipologias vertical e horizontal em termos de área total. Como se pode ver, as maiores presenças são de verticais médios, horizontais e verticais baixos e verticais altos. Os verticais médios cresceram de forma impressionante e se tornaram predominantes ao final das duas últimas décadas em área construída (já haviam se tornado predominantes antes em número de unidades), ultrapassando os horizontais de médio padrão. É preciso indicar que o início dessa tendência de crescimento relativo aos imóveis verticais médios já havia sido indicada para o período 1991/2006 por Wissenbach (2008, p. 82). Talvez em parte esteja aí incluída a produção do Minha Casa Minha Vida na segunda década analisada (Marques & Rodrigues, 2013; Castro & Sígolo, 2022), tanto em verticais de baixo padrão quanto verticais de médio padrão. A tradução das faixas em padrão não é muito precisa, mas pode-se imaginar uma superposição das faixas 1 e 2 com os padrões baixos e faixa 3 com os padrões médios. As tendências das curvas, entretanto, não denotam qualquer mudança de comportamento depois de 2010 ou 2011, quando o programa começou a ter presença mais forte. Os residenciais verticais de alto padrão também apresentam um crescimento muito expressivo em de área total, ultrapassando os horizontais de baixo padrão e se tornando o terceiro tipo na cidade, em parte por suas áreas médias serem muito mais elevadas.

Gráfico 4
M2 construídos de imóveis residenciais por tipo e padrão em São Paulo (2000-2020). Fonte: elaborado pelos autores com base em SF/PMSP.

Vale dizer que os horizontais de baixo padrão que eram predominantes antes dos 2000 em número de unidades também cresceram em termos absolutos, mas muito menos relativamente aos verticais. A curva indica uma queda pontual dessa tipologia logo após o Plano Diretor de 201416 e antes de aprovação do zoneamento de 201517. É aqui, portanto, que deve ter se concentrado a tendência de demolição para substituição pelos usos que mais cresceram, em especial verticais de médio e alto padrão, provavelmente associados ao ciclo de retomada de produção por incorporação já destacado. Nos dois anos entre as aprovações do Plano e da Lei de Zoneamento, o mercado parece ter usado uma lógica de "ano de demolição", garantindo aprovação de projetos pela norma antiga (direito de protocolo) para imóveis orientados a públicos com maior certeza de retorno: médio e alto padrão, retomando depois trajetórias mais parecidas com os momentos anteriores.

As trajetórias dos valores do estoque

Voltamos a lembrar que os valores dizem respeito aos valores lançados para efeito do imposto pela Prefeitura, e que trabalhamos com medianas para escapar do efeito dos valores extremos. A trajetória dos valores venais e por m2 dos imóveis residenciais pode ser vista no Gráfico 5. Podemos ver que os valores medianos dos imóveis residenciais horizontais são maiores do que os verticais. As medianas dos horizontais passaram de R$ 133 mil ou R$ 0,43 mil por m2 para 1,46 milhão ou 2,86 mil por m2, enquanto os verticais passaram de R$ 101 mil ou 0,42 mil por m2 para R$ 810 mil ou R$ 2,27 mil por m2. Portanto, o valor venal dos horizontais cresceu cerca de 10 vezes, ao mesmo tempo que o dos verticais aumentou apenas 7 vezes. Veremos mais adiante que essa diferença é em grande parte explicada pelos valores muito expressivos dos horizontais de alto padrão.

Gráfico 5
Mediana do valor venal e valor do M2 dos imóveis residenciais por tipo em São Paulo (2000-2020). Fonte: elaborado pelos autores com base em SF/PMSP.

Para todas as curvas, houve crescimento concentrado de valores nos anos de atualização das Plantas Genéricas de valor – 2001, 2009 e 2014 –, seguidos por aumentos incrementais nos anos intermediários, quando se aplicaram correções anuais por decreto por índices próximos à inflação medida pelo IPCA. Na comparação, a elevação dos valores dos imóveis horizontais foi mais significativa do que dos verticais, aumentando bastante a distância entre as curvas, em especial após 2014. O efeito é menos intenso quando consideramos os valores por área (curvas pontilhadas) ao invés dos valores venais. Isso expressa o fato de que embora os imóveis de alto padrão apresentem tanto valores quanto áreas muito mais elevados, a relação entre valor e área não é linear, tendendo a reduzir os ganhos de valor por unidade de área mais elevada.

Em termos absolutos, o aumento de 2014 foi o mais significativo da série (administração Haddad) mas, proporcionalmente, a apreciação de 2009 (administração Kassab) foi mais elevada. Apenas para concretizarmos tais elevações, vale citar que a mediana dos imóveis residenciais horizontais passou de R$ 220 mil para R$ 600 mil entre 2009 e 2010 (170% de aumento); e de R$ 725 mil em 2014 para 1,195 milhões em 2015 (65% de aumento). A atualização de 2017 parece não ter provocado efeitos, assim como as leis de zoneamento e Planos Diretores.18

Como já destacado, tais elevações poderiam estar associadas apenas às decisões da PMSP relativas à atualização dos valores do cadastro. E de fato, as informações existentes relativas aos valores dos lançamentos imobiliários novos por incorporação (Marques & Minarelli, 2021) indicam que a mediana dos valores dos lançamentos por m2 era R$ 5,75 mil por m2 em 2000, oscilou lentamente até R$ 6,28 mil por m2 em 2009, para pular para quase R$ 14,00 mil por m2 em 2014, retornando depois para cerca de R$ 10,30 mil por m2 em 2020. Portanto, uma parte expressiva dessa elevação dos valores do cadastro observada segue apreciação substancial dos valores celebrados pelo mercado. A continuidade da apreciação dos valores do cadastro de 2015 a 2020 (administrações Haddad, Dória e Covas), entretanto, foi feita em paralelo a redução dos valores medianos operados pelo mercado.

O Gráfico 6 finaliza a caracterização dos valores, cruzando o tipo de edificação com o padrão construtivo no tempo. Como podemos ver, ocorreu elevação contínua no tempo das medianas dos valores dos três padrões, mas em nível muito mais expressivo no caso de alto padrão, horizontal e vertical. Além disso, o crescimento muito expressivo dos valores dos imóveis de alto padrão se concentrou em especial nos horizontais, chegando a uma mediana de quase R$ 3 milhões por unidade. Isso ocorreu de forma concentrada nos lançamentos de novas tabelas de valores entre 2009 e 2014, mas também desde o início dos anos 2010, ano-a-ano. Novamente o crescimento em 2014 foi maior em termos nominais, mas menor em termos proporcionais. Como podemos ver no Gráfico a apreciação dos valores continua praticamente no mesmo ritmo após 2017.

Gráfico 6
Mediana do valor venal dos imóveis residenciais por tipo e padrão em São Paulo (2000-2020). Fonte: elaborado pelos autores com base em SF/PMSP.

De uma forma geral, portanto, podemos dizer que a estrutura de cobrança do IPTU em São Paulo se tornou cada vez mais progressiva. Se essa política foi impulsionada por governos específicos, não apenas não foi revertida, como foi também intensificada pelas administrações seguintes, se instaurando no cenário da cidade de forma ampla a duradoura.

Conclusão

Como vimos, duas grandes transformações ocorreram desde a virada do milênio. Em primeiro lugar, a cidade parece ter passado por uma transição para uma predominância de tipologias residenciais verticais, sobretudo de padrões médio e alto. As informações analisadas indicam que no início do período o estoque residencial era composto majoritariamente por residências horizontais de baixo padrão (em imóveis) e médio padrão (em área construída). Ao longo do tempo, entretanto, um intenso crescimento de imóveis residenciais verticais levou a uma predominância de residências em edificações verticais de médio padrão. Os imóveis verticais de padrão alto também cresceram significativamente, em especial em área construída, mas com decrescentes metragens quadradas médias individuais. O crescimento de verticais de médio e alto padrão ocorre de forma contínua e praticamente monotônica ao longo desses 20 anos, sugerindo dinâmicas bastante estruturais de expansão do quadro construído. Essa transformação não pode ser atribuída aos lançamentos imobiliários por incorporação, que experimentaram uma variação intensa dos lançamentos a ano a ano. Tampouco pode ser creditada aos Planos Diretores ou Leis de Zoneamento do período, ao menos para o conjunto do estoque na escala da cidade. O único efeito geral, mas pontual, parece ter ocorrido entre o Plano Diretor de 2014 e a Lei de Zoneamento de 2016, quando há sinais de que volumes elevados residenciais de baixo padrão foram demolidos para alimentar a expansão vertical de médio e alto padrões. Há sinais de que isso envolveu volumes elevados de demolições residenciais de baixo padrão que alimentaram a expansão vertical de médio e alto padrões.

Em segundo lugar, observamos uma apreciação substancial dos valores dos imóveis no período, em especial os de alto padrão, levando a uma mais clara diferenciação das curvas de valores por tipologia no tempo. A concentração dos aumentos nos momentos de lançamento de novas tabelas de valores não deixa dúvidas quanto ao papel das políticas públicas (e das decisões políticas que as informam) na explicação dessas trajetórias, embora instrumentos de planejamento como Planos Diretores e Leis de Zoneamento pareçam ter produzido escasso efeito. Como demonstrado por Minarelli (2019b), o imposto territorial tem crescido significativamente no conjunto da arrecadação municipal. Como significativos aumentos ocorreram tanto em 2009 quanto em 2014, em governos de diferentes colorações ideológicas, evidencia-se uma estratégia de natureza institucional por parte do executivo municipal. Tenha isso sido causado por aumentos mais expressivos dos preços dos imóveis residenciais de padrões mais altos entre 2009 e 2014, ou por política deliberada por parte da prefeitura municipal, acabou por resultar em uma estrutura de tributação mais claramente progressiva.

Por fim, embora de maneira indicativa, nossos resultados apontam para importantes consequências com relação ao fechamento ainda maior das oportunidades de acesso à habitação para os grupos de renda mais baixa, dada a redução sistemática do estoque de baixo padrão. Nesse cenário, o desenvolvimento de programas públicos de promoção de habitação de interesse social se torna ainda mais crucial, sendo que as condições financeiras para a sua promoção aparentemente tem se viabilizado, considerando os recursos crescentes (e progressivos) arrecadados com o imposto territorial.

Declaração de disponibilidade de dados

O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste artigo está disponível no SciELO DATA e pode ser acessado em https://doi.org/10.48331/scielodata.SJUJ6N

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    Ver por exemplo em biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-20RJ/CD1940/Censo%20Demografico%201940_pt_IX_t1_PE.pdf
  • 3
    Apenas a título de exercício, podemos construir o raciocínio seguinte. O IBGE estimou a existência no Município de 2,95 e 3,56 milhões de domicílios em 2000 e 2020, respectivamente. Em estudo anterior (CEM/Sehab 2016), por outro lado, calculamos os domicílios precários (favelas e loteamentos clandestinos e irregulares) em 657.000 e 958.000 para as mesmas datas. Portanto, o Município teria cerca de 2,3 e 2,6 milhões de domicílios não precários em 2000 e 2020, respectivamente. Como veremos adiante, o total de imóveis residenciais em 2000 era de cerca de 2 milhões, contra 2,8 milhões em 2020. Assim, sobrariam cerca de 300 mil unidades em 2000 e 200 mil unidades em 2020 para edificações regularizadas e não precárias, assim como evidentemente para a diferença conceitual das duas estatísticas e para os domicílios vagos. Como o próprio IBGE indicava números mais elevados para domicílios vagos - 420 mil em 2000 e 293 mil em 2010 -, fica claro que a diferença de conceitos impede uma comparação precisa.
  • 4
    Disponível em: geosampa.prefeitura.sp.gov.br/. Acesso em: 27 out. 2023.
  • 5
     Disoweb1.sf.prefeitura.sp.gov.br/CartelaIPTU/. Acesso em: 27 out. 2023.
  • 6
    Os estudos são discutidos com atores da sociedade civil representados na Comissão Municipal de Valores (CMV) a cada três meses. As atas dessas reuniões são muito técnicas, mas fica evidente que há desacordo e disputa sobre aumentos que certos atores julgam excessivas para algumas áreas, mas não para outras. Assim, cada revisão envolve dimensões fortemente políticas sobre onde incidirá atualização mais intensa e para que tipo de imóvel, ainda que as discussões partam de base técnica e da aderência aos valores de mercado. Essas informações se baseiam na pesquisa de Minarelli (2019a).
  • 7
    A busca por deixar os valores em torno de 70% do valor de mercado se deve a uma estratégia de evitar excessivos pedidos judiciais de reavaliação dos valores, já que os valores são produzidos por meio de um conjunto de variáveis e análises estatísticas que podem gerar desvios em casos específicos. Desde 2009, todo prefeito deve revisar os valores da PGV em seu primeiro ano de mandato. Lei municipal n. 15.044/2009.
  • 8
  • 9
    Essas zonas possuem poucas modificações ao longo do tempo e a única alteração verificada nesse período foi a da Lei municipal 15.889/2013. Dado que aparentemente não houve grandes modificações em relação ao traçado anterior, segundo imagens de apresentações da SF/PMSP disponíveis na internet, a utilização do mesmo traçado para todo o período não parece ter efeito significativo sobre os resultados apresentados.
  • 10
    A análise dos dados e suas variáveis encontrou conjuntos grandes de imóveis horizontais que parecem corresponder a loteamentos irregulares ou em processo de regularização. Nesses casos, as unidades desmembradas dos loteamentos, os lotes, que devem ser individualizados, possuem mesmo endereço, CEP, áreas construídas (compatíveis com imóveis residenciais) e área do terreno. Contudo, apesar de individualizados, os valores da área do terreno fazem referência à área da gleba antes do parcelamento. Assim, para esses casos, assim como para os que possuem informação imprecisa da fração ideal do lote em relação à gleba ou condomínio, surgem desvios significativos das médias dos valores. Com esse critério, foram desconsiderados 1.733 registros em 2000 e 3.729 registros em 2020.
  • 11
    Recuperado em 27 out. 2023, de http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/.
  • 12
    Como já apontado, a análise dos dados e suas variáveis encontrou conjuntos grandes de imóveis horizontais que parecem corresponder a loteamentos irregulares ou em processo de regularização, ou que possuem informação imprecisa da fração ideal do lote em relação à gleba ou condomínio, o que faz com que surjam desvios significativos das médias dos valores. Além desses casos, alguns poucos imóveis de características específicas e de aparente correção dos registros possuem valores muito acima dos outros de tipo e padrão. Para retirá-los da análise, foi utilizado um filtro que retirou valores de m2 acima de R$100 mil. Com esse conjunto de critérios, foram desconsiderados 1.733 registros em 2000 e 3.729 registros em 2020. Além desses casos, foram retiradas as garagens registradas de modo autônoma, mas vinculadas a unidades imóveis residenciais e comerciais, já que produziam distorções nas médias de valores (para cima), entre padrões (quanto mais alto, mais garagens associadas, logo valores mais elevados), tipos (verticais possuem expressivamente mais esse tipo de registro) e regiões (naquelas concentradoras dessas tipologias).
  • 13
    Recuperado em 27 out. 2023, de https://web1.sf.prefeitura.sp.gov.br/CartelaIPTU/.
  • 14
    Lei n. 10.235/1986. Para facilitar a análise e leitura, foi realizada a agregação dos padrões A/B – BAIXO, C – MÉDIO e D/E/F – ALTO.
  • 15
    As garagens associadas a unidades residenciais ou comerciais com Matrículas separadas tiveram uma variação de 143.554 registros em 2000 para 254.488 em 2020. Contudo, esse não é o universo total de garagens, dado que a maior parte dos registros dos imóveis não possui essa separação. As garagens comerciais e edifícios garagens não foram retirados nas análises, mas não afetam a análise por não serem contabilizados como residenciais.
  • 16
  • 17
  • 18
    O efeito isolado do Plano de 2014 é impossível de discernir, pois tratou-se também de ano de atualização da tabela de valores.
  • Como citar: Marques, E., & Minarelli, G. (2023). Trajetória do estoque residencial formal - São Paulo, 2000/2020. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 15, e20220275. https://doi.org/10.1590/2175-3369.015.e20220275

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Editado por

  • Editor responsável: Paulo Nascimento Neto

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2022
  • Aceito
    04 Ago 2023
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