Resumos
Uma espécie nova de Ocotea Aubl. (Lauraceae), Ocotea marumbiensis Brotto & Baitello, é descrita e ilustrada. A espécie, com flores hermafroditas, assemelha-se a Ocotea indecora (Schott) Mez e ocorre em floresta atlântica nos estados do Paraná e Santa Catarina, Região Sul do Brasil.
Floresta Atlântica; espécie nova; Ocotea marumbiensis
A new species of Ocotea Aubl. (Lauraceae), Ocotea marumbiensis Brotto & Baitello, is described and illustrated. The species with hermaphrodite flowers resembles Ocotea indecora (Schott) Mez and occurs in the Atlantic Forest in the states of Parana and Santa Catarina, southern Brazil.
Atlantic Forest; new species; Ocotea marumbiensis
ARTIGOS ORIGINAIS
Uma espécie nova de Lauraceae da floresta atlântica do Brasil
A new species of Lauraceae from the Atlantic Forest of Brazil
Marcelo Leandro Brotto1; João Batista Baitello
Instituto Florestal, R. do Horto 931, 02377-000, Horto Florestal, São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
Uma espécie nova de Ocotea Aubl. (Lauraceae), Ocotea marumbiensis Brotto & Baitello, é descrita e ilustrada. A espécie, com flores hermafroditas, assemelha-se a Ocotea indecora (Schott) Mez e ocorre em floresta atlântica nos estados do Paraná e Santa Catarina, Região Sul do Brasil.
Palavras-chave: Floresta Atlântica, espécie nova, Ocotea marumbiensis.
ABSTRACT
A new species of Ocotea Aubl. (Lauraceae), Ocotea marumbiensis Brotto & Baitello, is described and illustrated. The species with hermaphrodite flowers resembles Ocotea indecora (Schott) Mez and occurs in the Atlantic Forest in the states of Parana and Santa Catarina, southern Brazil.
Key words: Atlantic Forest, new species, Ocotea marumbiensis.
Introdução
O gênero Ocotea Aubl., com aproximadamente 350 espécies, é o maior gênero de Lauraceae no Neotrópico. No Brasil, Ocotea está representada por cerca de 170 espécies, enquanto aproximadamente 50 espécies ocorrem em Madagáscar, sete na África e uma nas Ilhas Canárias (Rohwer 1993; Quinet et al.2012). O gênero é muito variável e serve como um "depósito" para espécies que não podem ser prontamente acomodadas em outros gêneros (Werff 1991).
O gênero caracteriza-se por flores trimeras bissexuadas, polígamas ou unissexuadas, 9 estames, estéreis nas flores pistiladas, anteras 4-loceladas (muito raramente 2-loceladas em poucas espécies da América Central), esporângios arranjados em dois pares sobrepostos ou raramente os locelos superiores entre os inferiores formando um arco fechado, filetes pouco mais longos que as anteras a ausentes, estames da terceira série com um par de glândulas na base dos filetes, glândulas em geral globosas ou reniformes, estaminódios da quarta série ausentes a conspícuos, nunca claramente sagitados, nas flores estaminadas ovário bem desenvolvido a ausente, fruto sobre cúpula de tamanho e forma variadas (Baitello 2001).
Estudos recentes e novas descobertas de espécies de Ocotea têm demonstrado que o gênero é bastante diversificado na floresta atlântica. Várias espécies recentemente descritas são endêmicas dessa unidade fitogeográfica, algumas delas com distribuição restrita. É o caso de Ocotea arenicola L.C.S.Assis & Mello-Silva; O. ciliata L.C.S.Assis & Mello-Silva; O. cryptocarpa Baitello; O. curucutuensis Baitello; O. paranaensis Brotto, Baitello, Cervi & E.P. Santos; O. pluridomatiata A. Quinet; O. ramosissima L.C.S.Assis & Mello-Silva e O. revolutifolia A. Quinet, que ocorrem em apenas um ou no máximo dois estados da federação (Baitello 2001; Assis & Mello-Silva 2009; Brotto et al. 2010; Quinet 2008).
A lista de espécies da flora do Brasil (Quinet et al.2012) reconhece no estado do Paraná 66 espécies de Lauraceae, distribuídas em 12 gêneros. Ocotea é representada por 30 espécies, das quais 29 ocorrem no bioma Mata Atlântica e dez no bioma Cerrado.
São números bastante semelhantes aos levantados pelo estudo taxonômico do gênero no Paraná, em andamento, que até o momento confirmou 30 táxons. Alguns desses táxons correspondem a espécies de baixa frequência que raramente são detectadas em excursões de coleta, mesmo quando estão em período fértil. Por outro lado, espécies raras ou aquelas que aparentemente ocorrem em agrupamento de indivíduos têm sido detectadas mais facilmente em estudos fitossociológicos. Foi o caso de Ocotea paranaensis, coletada em estudo realizado no Morro dos Perdidos, na Serra do Mar paranaense (Brotto et al. 2009).
Graças ao material proveniente de um recente estudo fitossociológico realizado na Torre da Prata, também na Serra do Mar paranaense (Blum 2006), foi possível compilar informações que culminaram na identificação da 31ª espécie de Ocotea do estado, que é descrita no presente trabalho.
Material e Métodos
Este estudo foi realizado através da análise das coleções depositadas nos herbários MBM e UPCB (Thiers 2009, continuamente atualizado) e de expedições de coleta realizadas pelo primeiro autor a partir de 2006. Para a comparação com os táxons relacionados utilizou-se a circunscrição das espécies e sinônimos propostos por Assis & Mello-Siva (2010). O estado de conservação da espécie seguiu os critérios da IUCN versão 3.1 (2001). As fotografias de detalhes das folhas, ápice do ramo e flores foram obtidas no laboratório Taxonline da Universidade Federal do Paraná, a partir de câmera Leica DFC500 acoplada à lupa Leica Mz16, com uso dos softwares Auto-Montage-Pro 5.03 Syncroscopy e Leica IM50 Versão 5. A classificação de floresta atlântica (stricto sensu) segue o conceito de Oliveira-Filho & Fontes (2000), correspondendo à Floresta Ombrófila Densa, presente em toda a faixa litorânea, desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul, formação que pertence ao bioma Mata Atlântica (Veloso et al. 1991; IBGE 2004).
Resultados e Discussão
Ocotea marumbiensisBrotto & Baitello, sp. nov. Tipo: BRASIL. PARANÁ: Morretes, Serra da Prata, Torre da Prata, 25º37'07"S, 48º41'54"W, 7.V.2010, fl. e fr., M.L. Brotto & W.S. Mancinelli 447 (holótipo UPCB!; isótipos HBR!, MBM!, NY!, RB!, SPSF!) Figs. 1a-m, 2a-j
Species haec ab Ocotea indecora (Schott) Mez gemmis puberulis (non dense pilosis), foliis areolis parvis 0,10,5 mm (non 0,31,5 mm), inflorescentiis et floribus glabris (non puberulis), floribus diametri minoris 34 mm (non 58 mm), pedicellis longioribus 0,20,6 mm (non 0,10,3 mm), tepalis ovalate-ellipticis minoribus 1,92,3 mm longis (non 3,55 mm), staminibus seriei I et II 1,01,6mm longis (non 1,5-2,5 mm), cupulis buccinatis (non hemisphaericis) et fructibus 10 mm longis (non 20 mm) differt.
Árvores, ca. 10 m alt. Ramos com crescimento rítmico, cilíndricos, glabrescentes. Folhas agrupadas no ápice dos ramos e alternas na base; pecíolo 0,30,7 cm compr., canaliculado, glabro; lâmina 49 × 13 cm, elíptica, cartácea ou sub-coriácea, levemente discolor, ápice agudo ou acuminado, base cuneada, margem ondulada, levemente revoluta, face adaxial glabra, lustrosa, reticulação densa, inconspícua, nervura primária saliente na base e plana no ápice, secundárias planas, face abaxial glabra, reticulação densa, conspícua, nervura primária saliente na base e plana no ápice, secundárias planas, 811 pares, ângulo de divergência com a primária 30º65º, nervação broquidódroma, aréolas 0,10,5 mm diâm., domácias, quando presentes, uma ou duas nas axilas das nervuras da base, cobertas por tricomas longos e ferrugíneos. Inflorescências botrióides a tirsóides, agrupadas ao redor da gema apical pubérula, subtendidas por brácteas, 35 cm compr., paucifloras 47 flores, glabras. Flores bissexuadas, 34 mm diâm.; pedicelo 0,20,6 mm compr.; hipanto inconspícuo, internamente pubérulo; tépalas 1,92,3 mm compr., ovalado-elípticas, face abaxial glabra, face adaxial com papilas na metade apical e na margem; estames das séries I e II 11,6 mm compr., filetes um pouco mais curtos que as anteras, pubérulos, anteras ovalado-quadrangulares, ápice agudo 0,10,3 cm compr., papilosas, locelos introrsos; estames da série III 1,21,7 mm compr., filetes tão longos quanto as anteras, pubérulos, anteras retangulares, ápice truncado, locelos superiores laterais e inferiores latero-extrorsos; estaminódios da série IV ca. 0,6 mm compr., clavados, pubérulos; pistilo 22,5 mm compr., glabro, ovário elipsóide, estilete tão longo quanto o ovário. Cúpula ca. 0,7 × 0,7 cm, trompetiforme a sub-hemisférica, margem hexalobada na fase jovem ou levemente ondulada quando plenamente desenvolvida devido à queda tardia das tépalas, cobrindo 1/3 do fruto. Fruto ca. 1,0 × 0,7 cm, elipsóide, ápice mucronado.
Material examinado: Morretes, P. E. Pico do Marumbi, trilha noroeste, 25º26'55"S, 48º54'52"W, 12.X.2010, fl. e fr., M.L. Brotto 482 (UPCB); Serra da Prata, Torre da Prata, 16.IV.2005, fl., C.T. Blum et al. 163 (UPCB); 26.VI.2005, fl. e fr., C.T. Blum et al. 08-27 (UPCB); 25º37'07"S, 48º41'54"W, 2.XI.2010, fr., M.L. Brotto 483 (UPCB). Tijucas do Sul, 6.XI.1998, fr., E. Barbosa et al. 205 (MBM). SANTA CATARINA: Garuva, Serra Iquererim, pico Garuva, 26º02'30"S, 48º53'43"W, 9.VI.2007, fl., M.L. Brotto et al. 26 (UPCB).
Ocotea marumbiensis ocorre na Região Sul do Brasil, nos estados de Santa Catarina e Paraná. É encontrada na Floresta Ombrófila Densa Montana, entre 700 e 1.230 m.s.m., ocupando o dossel. A espécie é rara em sua área de ocorrência, por isso é categorizada nos critérios da IUCN (2001) como Em Perigo (EN B1ab(iii)). Em material vivo, a coloração da flor é esverdeada e o fruto quando maduro é preto lustroso. Coletada com flores de janeiro a outubro e com frutos de maio a novembro. A floração aparentemente se estende por alguns meses, sendo comum encontrar flores e frutos imaturos durante esse período.
O epíteto específico faz alusão ao Pico do Marumbi, local onde foi encontrada a maior população até o momento, servindo também como homenagem à montanha que tem sido inspiração para várias gerações de pesquisadores.
Vegetativamente, pode ser confundida com Ocotea indecora (Schott) Mez e O. prolifera (Nees) Mez, das quais é diferenciada com segurança apenas por caracteres de flores e frutos. Ocotea marumbiensis apresenta tépalas ovalado-elípticas, cúpula trompetiforme a subemisférica e fruto com até 1 cm de comprimento, enquanto que O. indecora e O. prolifera apresentam tépalas estreito-elípticas, cúpulas tipicamente hemisféricas e frutos com até 2 cm de comprimento. Ocotea marumbiensis é mais semelhante a O. indecora que, no Paraná, ocorre nas Florestas Ombrófilas Densa e Mista e na Floresta Estacional Semidecidual. Em O. indecora o maior diâmetro das aréolas da folha, a inflorescência e flores com indumento pubérulo, o menor comprimento do pedicelo, além do maior comprimento dos estames das séries I e II, ápice das anteras e tépalas, que por sua vez conferem um maior diâmetro a flor, também diferenciam a espécie de O. marumbiensis. Características estas que têm se mostrado bastante homogêneas ao longo de sua distribuição nas três florestas dentro dos limites do Paraná, inclusive na Floresta Ombrófila Densa onde as duas espécies são simpátricas. Ocotea prolifera, por sua vez, ocorre no Paraná em Floresta Estacional Semidecidual ao norte do estado e, ainda, segundo Assis (2009), em ecótono com a Floresta Ombrófila Densa no alto vale do rio Ribeira. A folha com nervura primária imersa na face adaxial, gema apical glabra, estames com anteras orbiculares e filetes glabros em O. prolifera também a diferenciam de O. marumbiensis, conforme relaciona a Tabela 1. Também pode ser confundida com O. catharinensis Mez pela semelhança entre flores e inflorescências. Ocotea catharinensis, que é uma espécie abundante na Floresta Ombrófila Densa Montana no Paraná, apresenta inflorescências pubérulas axilares e agrupadas ao redor da gema apical com flores pubérulas, enquanto O. marumbiensis apresenta inflorescências glabras apenas agrupadas ao redor da gema apical, com flores glabras.
Ocotea marumbiensis pode ser enquadrada no grupo informal "O. indecora" proposto por Rohwer (1986). Este grupo, que contempla sete espécies, é formado apenas com base em características morfológicas, das quais se destacam as inflorescências reunidas nas extremidades dos ramos, quase sempre menores que as folhas, flores pequenas, normalmente com aproximadamente 6 mm de diâmetro, papilas presentes na face adaxial das tépalas, forma arredondada a espatulada das anteras, com no máximo 1,5 mm de comprimento, filetes pubescentes, estaminódios recobertos por pêlos, receptáculo (hipanto) profundo, cúpula com borda simples cobrindo 3/4 do fruto. Assis (2009), na revisão do grupo, reconheceu 20 espécies com centro de diversidade na Floresta Atlântica do sudeste do Brasil. Este autor afirma que, sob uma circunscrição filogenética, o grupo é morfologicamente definido pelo crescimento rítmico dos ramos. Ainda segundo este autor, a recircunscrição de Ocotea com base na dioicia resultaria na transferência das espécies de Ocotea para outros gêneros ou, até mesmo, na criação de novos gêneros. Um gênero potencial, por exemplo, acomodaria o grupo O. aciphylla Mez (ca. 15 spp.) e O. indecora (20 spp.), tendo como sinapomorfia a presença de tépalas e anteras papilosas, presentes em O. marumbiensis.
Agradecimentos
Os autores agradecem a todos os montanhistas que auxiliaram nas excursões de coleta, em especial a Alexandre P. Santos, Christopher T. Blum, Emerson Stange Jr., Rafael R. Völtz, Yury Vashchenko e Werner S. Mancinelli. Também agradecem a Vitor Antonio Nardino do laboratório Taxonline pela produção das fotografias e aos professores Elizabeth de Araujo Schwarz e Willian Rodrigues pela revisão da diagnose.
Artigo recebido em 22/06/2011.
Aceito para publicação em 04/06/2012.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Mar 2013 -
Data do Fascículo
Set 2012
Histórico
-
Recebido
22 Jun 2011 -
Aceito
04 Jun 2012