Resumos
A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Paiol Maria possui 76 ha de Floresta Ombrófila Densa Montana e está localizada no município de São Lourenço da Serra, São Paulo, Brasil, pertencente ao Corredor de Biodiversidade da Serra do Mar. Objetivando elaborar uma listagem florística das espécies vasculares não arbóreas ocorrentes na RPPN, foram realizadas coletas durante o período de junho de 2010 a setembro de 2011. Foram inventariadas 330 espécies, distribuídas em 84 famílias e 223 gêneros. Das espécies amostradas, quatro são consideradas ameaçadas no Estado de São Paulo. A análise de similaridade entre as espécies epífitas ocorrentes na RPPN e outras quatro áreas de Floresta Ombrófila Densa Montana localizadas na Serra do Mar reafirma a importância de fragmentos em regeneração secundária para o conhecimento e conservação da biodiversidade da Floresta Atlântica.
floresta montana; floresta secundária; Floresta Atlântica; epífitas
The private owned conservation area of RPPN Paiol Maria includes 76 ha of montane forest located at the municipality of São Lourenço da Serra, São Paulo State, belongs to the biodiversity corridor of the Serra do Mar, and is located at the northern part of Ribeira valley. This study was carried out during the period of June 2010 to September 2011 and our aim was to elaborate a checklist of the non-arboreal species occurring in the RPPN. A total of 330 species, distributed in 84 families and 223 genera were collected. Four species recorded for this work appears in the red list for the state of São Paulo. A similarity analysis between the epiphytes found in the RPPN and other four areas of montane forest reassert the important role of secondary forest fragments to the knowledge and conservation of the Atlantic Forest biodiversity.
montane forest; secondary forest; Atlantic Forest; epiphytes
Introdução
A extensão original da Floresta Atlântica, estimada em 1-1,5 milhões de km2 (Galindo-Leal & Câmara 2005), atualmente tem área remanescente de cerca de 11,7%, restrita principalmente a unidades de conservação ou fragmentos com menos de 50 ha (Ribeiro et al . 2009). Os amplos gradientes latitudinal (3-30°S), altitudinal (nível do mar a 2.700m), e longitudinal (da costa brasileira ao leste do Paraguai e Argentina), além de proporcionarem heterogeneidade à sua composição, que abrange formações vegetacionais tropicais a subtropicais (Tabarelli et al . 2010), também propiciam alta diversidade e endemismo de espécies animais e vegetais (Silva & Casteletti 2005). Devido à grande pressão de fragmentação e alto número de espécies endêmicas, a Floresta Atlântica é considerada um dos 34 hotspots de diversidade mundial (Mittermeieret al . 2005).
A Floresta da Serra do Mar, que se estende do Rio de Janeiro ao Paraná, é o maior remanescente de Floresta Atlântica no Brasil (Ribeiro et al. 2009). Em conjunto com as matas do nordeste do Brasil, abriga cerca de 85% das espécies endêmicas do bioma (Werneck et al.2011). É considerada um importante centro de biodiversidade (Aguiaret al. 2003), e concentra grande riqueza genética (Carnaval et al. 2009). A região da Serra do Mar possui cerca de 25% de sua área enquadrada em unidades de conservação (Ribeiro et al . 2009). Entretanto, outros fragmentos com menos de 200 ha podem contribuir para reduzir o isolamento entre fragmentos maiores funcionando como corredores de biodiversidade (Morellato & Haddad 2000; Ribeiro et al . 2009).
A bacia do rio Ribeira de Iguape, região também denominada Vale do Ribeira, está delimitada pelas Serras do Mar, de Paranapiacaba e de Mongaguá (São Paulo 1966). Esta região, em parte devido a características naturais, sobretudo o relevo, manteve-se à margem do desenvolvimento observado no restante do Estado de São Paulo (Pavan-Fruehalf 2000). A região é rica em mananciais e, por isso, parcelas significativas de remanescentes do Vale do Ribeira estão enquadradas em diversos tipos de unidades de conservação (Hogan et al . 2000), como a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Paiol Maria, objeto deste estudo.
Em sua maioria, os fragmentos remanescentes da Floresta Atlântica são constituídos por formações secundárias em diferentes estágios sucessionais (Morellato & Haddad 2000) e sua dinâmica e conservação tem sido alvo de estudos no Brasil (e.g.Oliveira-Filho et al . 2004; Liebsch et al . 2007).
O estrato não arbóreo pode representar cerca de 80% da diversidade de espécies em florestas (Gentry 1992) e, em florestas de regeneração secundária, são potencialmente determinantes ao contribuir para a ciclagem de nutrientes essenciais e influenciar a composição de espécies de uma floresta regenerante (Gilliam 2007). Devido à especificidade de recursos e habitat, plantas raras do estrato herbáceo podem ser utilizadas como indicadoras de conservação e diversidade (Spyreas & Matthews 2006). Menini Neto et al . (2009) avaliaram o potencial da composição florística de espécies epífitas como indicadora de estado de conservação em fragmentos do sudeste do estado de Minas Gerais e chegaram à conclusão de que é importante conservar qualquer tipo de fragmento, independente de área ou tipo de vegetação.
O objetivo deste trabalho foi elaborar uma listagem florística das espécies vasculares não arbóreas ocorrentes na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Paiol Maria, e conduzir uma análise de similaridade da composição de espécies epífitas entre a área da RPPN e quatro áreas de Floresta Ombrófila Densa Montana pertencentes ao corredor de biodiversidade da Serra do Mar, contribuindo para o conhecimento do estrato não-arbóreo em florestas secundárias no Estado de São Paulo.
Material e Métodos
Área de estudo
O município de São Lourenço da Serra é o primeiro, a partir da capital, que integra a região do Vale do Ribeira. Enquadra-se na microrregião de Itapecerica da Serra e na mesorregião da cidade de São Paulo (IBGE 2002), Brasil, e está localizado a 23°51'02"S e 46°36'56"O (Fig. 1). O clima, segundo a classificação de Köppen, é Cwa, ou seja, temperado úmido com verão quente e inverno seco, a temperatura anual oscilando entre a mínima do mês mais frio de 9,4°C e a máxima do mês mais quente de 28,8°C, e a precipitação média anual de 2400mm a 2700mm (CEPAGRI 2011).
A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Paiol Maria abrange 76 ha dos 240,8 ha do Sítio Paiol Maria (altitude de 700 a 836m). A área pertence à Ordem dos Servos de Maria, porém, desde 2005, é administrada pela ONG "Vitae Civilis - Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz" em regime de comodato. Entre 2006 e 2007, a ONG, o Ministério do Meio Ambiente (PDA Mata Atlântica) e a Petrobrás, investiram em infra- estrutura para um projeto ecoturístico na área, que compreendeu a demarcação de trilhas para visitação e construção de um alojamento (Neiman et al . 2009; Vitae Civilis 2012). Sua vegetação é classificada como Floresta Ombrófila Densa Montana (FODM) (IBGE 2012), e como toda a região adjacente, a área do Sítio Paiol Maria foi utilizada na extração de carvão vegetal, entre o final do século XIX e início do século XX. Desta maneira, a área apresenta alguns pontos em regeneração avançada e outros pontos menos preservados, onde pode ser verificada interferência humana, como a presença de uma torre de alta tensão que corta a área da RPPN, e resquícios de construções, além de remanescentes de cultivo de plantas não nativas da flora brasileira.
- Localização da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Paiol Maria e das áreas utilizadas na análise de similaridade florística. CUASO (Reserva da Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira, SP), PAIOL (RPPN Paiol Maria, SP), PECB (Parque Estadual Carlos Botelho, SP), PESMC (Parque Estadual da Serra do Mar, Núcleo Curucutu, SP), PRATA (Serra da Prata, PR).
Figure 1
- Location of the Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Paiol Maria, and of the other areas used in floristic similarity analysis. CUASO (Reserva da Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira, SP), PAIOL (RPPN Paiol Maria, SP), PECB (Parque Estadual Carlos Botelho, SP), PESMC (Parque Estadual da Serra do Mar, Núcleo Curucutu, SP), PRATA (Serra da Prata, PR).
Levantamento florístico
Foram realizadas 10 expedições de coleta de material botânico, de junho de 2010 a setembro de 2011, num período de dois a três dias por vez. A amostragem foi efetuada através do método de caminhamento (Filgueiraset al . 1994), percorrendo-se trilhas já demarcadas a partir do projeto ecoturístico no Paiol Maria pela "Vitae Civilis" e ocasionais incursões perpendiculares a esses caminhos. Foram coletados espécimes em estado fértil de plantas vasculares não classificadas como árvores de acordo comMori et al . (1989). O material herborizado foi incorporado ao Herbário Rioclarense (HRCB) do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro.
Para análise e a identificação do material, foram utilizadas bibliografia específica, comparação e consulta a especialistas. As famílias de Angiospermas seguem a proposta da APG III (2009), enquanto aquelas das licófitas e monilófitas estão baseadas, respectivamente, em Kramer & Tryon (1990) e Smith et al. (2006). Todas as espécies foram classificadas de acordo com o hábito (Richards 1996) e forma de vida (Mori et al . 1989). As espécies não nativas da flora brasileira foram assim consideradas em consulta na BFG (2015) e as espécies consideradas ameaçadas estão de acordo com o Livro Vermelho das Espécies Vegetais Ameaçadas do Estado de São Paulo (Mamedeet al . 2007).
A comparação da composição de espécies de epífitas foi realizada com outros levantamentos em áreas de FODM pertencentes ao corredor de biodiversidade da Serra do Mar: Parque Estadual Carlos Botelho (Limaet al . 2011), Parque Estadual da Serra do Mar - Núcleo Curucutu (Garcia & Pirani 2005), Reserva da Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira (Dislich & Mantovani 1998; Groppo & Pirani 2005) e Serra da Prata, parte norte do Parque Nacional Saint-Hilaire & Lange (Blum et al . 2011) (Fig. 1;Tab. 1). A flora de epífitas foi escolhida para a análise de similaridade florística pois além de serem potenciais indicadores de conservação (Menini Neto et al . 2009), não existem muitos levantamentos gerais ou que foquem a flora não arbórea para áreas de FODM. Foi calculado o Índice de Similaridade de Jaccard (Mueller- Dombois & Ellenberg 1974) e efetuada posterior análise de agrupamento (UPGMA) através do programa FITOPAC 2.1 (Shepherd 2009). No levantamento de Blum et al. (2011), as espécies consideradas epífitas acidentais foram excluídas e em todas as listagens foi realizado processo de exclusão de táxons não determinados e adequação da nomenclatura de acordo com BFG (2015).
Resultados e Discussão
Foram coletadas 330 espécies, distribuídas em 84 famílias (Tab. 2), sendo 18 famílias e 56 espécies de samambaias e licófitas, e 66 famílias e 274 espécies de angiospermas. Três espécies (Aechmea gracilis , Nematanthus monanthos eZygopetalum maxillare ) estão presentes na Lista de Espécies Ameaçadas do Estado de São Paulo como vulneráveis e uma espécie (Psychotria rac e mosa ) com o pre sum i ve l m e nt e e xt i nt a . Apenas 10 espécies não são nativas da flora brasileira.
- Famílias e espécies de plantas vasculares não arbóreas registradas para a RPPN Paiol Maria, São Lourenço da Serra, SP. Categoria de ameaça de acordo com Mamede et al . (2007).
Table 2
- Non-arboreal vascular plants families and species recorded in RPPN Paiol Maria, São Lourenço da Serra, SP. Threatened category follows Mamede et al . (2007).
O índice de similaridade de espécies epífitas entre a RPPN Paiol Maria e os demais levantamentos de FODM foi cerca de 10%. A composição de espécies epífitas da RPPN Paiol Maria é mais próxima das áreas do Parque Estadual de Carlos Botelho (PECB) e da Serra da Prata e da área do Núcleo Curucutu do Parque Estadual da Serra do Mar (Fig. 2). As áreas do PECB e da Serra da Prata apresentam 30% de similaridade, o que pode ter ocorrido pelo maior número de espécies epífitas listadas para as duas áreas, diretamente proporcional ao tamanho da área estudada e do tipo de levantamento realizado. Enquanto que Blum et al . (2011) focaram somente nas espécies epífitas, em Lima et al . (2011) todos os estratos foram amostrados e coletas de trabalhos anteriores também foram incluídas. Entretanto, os valores dos índices de similaridade não são significativos e, assim como em Menini Neto et al . (2009), a proximidade das áreas não implicou na similaridade entre as floras epifíticas, o que ressalta a importância da conservação de cada fragmento.
- Índice de similaridade (coeficiente de Jaccard) da composição de espécies epífitas entre a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Paiol Maria e as demais áreas analisadas.
Figure 2
- Similarity index (Jaccard's coefficient) obtained by the composition of epiphytic species occurring at the Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Paiol Maria and other areas analyzed.
Mesmo em fragmentos pequenos em áreas com vegetação relativamente bem conhecida, como é o caso do trecho paulista da Serra do Mar, pode-se descobrir a ocorrência de espécies ainda não registradas para o Estado, como o caso de Asterostigma luschnatianum , cujo primeiro registro para o Estado de São Paulo (Gonçalves 2012) foi feito a partir de coletas realizadas neste estudo. Desta maneira, existe a necessidade de levantamentos que enfoquem também a flora herbácea e arbustiva, uma vez que existem poucos trabalhos que abrangem a flora não arbórea e, dentre estes, os mais comuns são aqueles que abordam a flora epifítica.
Áreas de regeneração secundária tem maior probabilidade de abrigarem grande riqueza de espécies ao se encontrarem próximas a populações de áreas de vegetação primária ou protegidas (Lees & Peres 2008). A área de estudo, por se localizar no Corredor de Biodiversidade da Serra do Mar, pode ser complementar à conservação de áreas protegidas geograficamente próximas (Barlowet al . 2007), ao ter o potencial de mitigar extinções causadas pelo declínio de áreas com vegetação primária (Wright & Muller- Landau 2006), e funcionar como refúgio crítico para espécies nativas remanescentes em áreas com alta pressão antrópica (Chazdónet al . 2009).
Conclusão
A alta riqueza e composição de espécies não arbóreas na RPPN Paiol Maria reafirma que a diversidade de espécies em pequenos fragmentos deve ser levada em conta em planos de conservação (Gentry 1992), uma vez que estas áreas podem manter elevado número de espécies e consequentemente grande número de relações ecológicas, imprescindíveis para o funcionamento do ecossistema (Brown & Lugo 1990).
A supressão de vegetação primária faz com que florestas secundárias atuem como refúgio de espécies (Chazdón et al . 2009) e, neste sentido, a baixa similaridade da composição de espécies epífitas entre áreas de Floresta Ombrófila Densa Montana da Serra do Mar ressalta a importância da conservação todos os fragmentos, independente de tamanho ou localização (Menini Neto et al . 2009). Fragmentos mais antigos e próximos de áreas protegidas podem ser fundamentais no caso da execução de planos de manejo visando a implantação de corredores ecológicos ou reintrodução de espécies.
Agradecimentos
Aos especialistas, as identificações (indicados entre parênteses após respectiva família); ao CNPq, a bolsa de Mestrado concedida à primeira autora (processo nº 130726/2010-9); ao MCT/ CNPq/MEC/CAPES, a concessão de auxílio ao projeto do segundo autor (PROTAX processo nº 562240/2010-1); aos revisores e ao Editor de área, as sugestões e contribuições ao trabalho; e à Vitae Civilis, a permissão da realização deste estudo.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2016
Histórico
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Recebido
06 Ago 2014 -
Aceito
11 Nov 2015