Open-access Análise tecnodiscursiva de manifestações em torno de D. Maradona: metodologias de delimitação de regiões do dizer no Twitter

RESUMO

Neste artigo, propomos estratégias de captação de regiões polêmicas em corpus produzido a partir de publicações do Twitter, partindo de quadro teórico que enfatiza a perspectiva dialógica. Com base nessas estratégias, fornecemos entradas para a análise da materialidade oriunda do universo tecnodiscursivo em circulação em ambientes digitais. Em razão da produção do corpus da investigação, avançamos na compreensão de traços que compõem imagens discursivas em torno de Diego Maradona em circulação no Twitter por ocasião de seu falecimento. Para tanto, explicitamos e problematizamos técnicas de captação e produção de um corpus digital de pesquisa, através da delimitação de um espaço discursivo no Twitter que circundou a morte de Maradona. Os resultados obtidos se dirigem tanto às condições de utilização dessas plataformas por analistas do discurso, quanto à cartografia das regiões do dizer que se configuram nesse espaço e dos embates que nelas ganham consistência.

PALAVRAS-CHAVE: Dialogismo; Discurso; Twitter; Maradona; Plataformas digitais

ABSTRACT

In this article, we propose strategies for capturing polemical regions in a corpus of posts from Twitter, setting out from a theoretical framework that emphasises a dialogic perspective. Based on these strategies, we provide entry points for analysing the materiality of the techno-discursive universe that circulates in digital environments. By producing this research corpus, we acquired a clearer understanding of elements that compose discursive images surrounding Diego Maradona in circulation on Twitter following the player’s death. Towards this aim, we formulated and critically considered techniques for extracting and producing a digital research corpus by delimiting a discursive space on Twitter surrounding Maradona’s death. The results obtained pertain to the conditions for use of these platforms by discourse analysts, the cartography of the regions configured in this space and the clashes that become consolidated within them.

KEYWORDS: Dialogism; Discourse; Twitter; Maradona; Digital platforms

Considerações iniciais

Organizamos o projeto deste artigo em torno de dois objetivos principais: o primeiro consiste em propor estratégias de captação de regiões polêmicas em corpus produzido a partir de publicações no Twitter, com base em perspectiva dialógica, e o segundo, em fornecer, com base nessas estratégias, entradas para a análise de materialidade oriunda do universo tecnodiscursivo em circulação em ambientes digitais. Em razão da produção do corpus desta investigação, formulamos um terceiro objetivo, que se dirige à compreensão de traços que compõem imagens discursivas em torno de Diego Maradona, em circulação no Twitter, por ocasião de seu falecimento.

Com efeito, a elaboração do projeto deste artigo em três objetivos distintos nos permite ressaltar algo que nos parece importante: a convergência entre a perspectiva dialógica atribuída ao Círculo de Bakhtin e as análises do discurso se assenta em um gesto teórico-filosófico que merece explicitação e constante problematização, com o intuito de perseguir suas potencialidades e aberturas. Dito de outro modo, a relação que se constrói entre as obras produzidas em torno do Círculo de Bakhtin, que remontam desde os anos vinte aos setenta do século passado, e as perspectivas discursivas fundadas a partir dos anos sessenta não se organiza em uma sequência cronológica contínua. Não há, assim, uma influência direta, uma linhagem constituída como tal. O que há, segundo os registros de que dispomos até hoje, são desafios impostos, questões colocadas em certa conjuntura intelectual, diante da qual o pensamento do Círculo se torna instrumento potente de intervenção e criação teórica. Assim, a rejeição à continuidade explicitada anteriormente nos aproxima invariavelmente do projeto arqueológico foucaultiano, segundo o qual a descontinuidade não é apenas mais uma temática no horizonte dos historiadores, mas uma ferramenta capaz de instaurar um campo problemático: “de onde poderia ele falar, na verdade, senão a partir dessa ruptura que lhe oferece como objeto a história - e sua própria história?” (FOUCAULT, 2004, p.10).

Partimos da explicitação da contribuição do Círculo de Bakhtin à perspectiva discursiva adotada (MAINGUENEAU, 2005), evidenciando o impacto e a produtividade de tal contribuição. Na sequência, demonstramos as etapas de constituição do corpus de análise, elegendo as manifestações em torno do falecimento do jogador Diego Maradona como evento relevante, o que enseja posicionamentos heterogêneos e diversos, passíveis de uma cartografia dos sentidos (DEUSDARÁ; ROCHA, 2021). Desse modo, as técnicas utilizadas são apresentadas, de modo a viabilizar seu uso por pesquisadores do campo do discurso, bem como problematizar as limitações observadas, para as quais as pesquisas discursivas podem contribuir decisivamente.

1 Círculo de Bakhtin e a perspectiva discursiva: convocações a partir do ambiente digital

Neste item, exploramos pontos de articulação possíveis entre contribuições do Círculo de Bakhtin e a perspectiva discursiva adotada, com o intuito de propor estratégias de pesquisa no ambiente digital. Tais pontos de articulação terão, como desejamos demonstrar, impacto sobre as metodologias de produção de corpus em ambiente digital e o uso de ferramentas de programação existentes para tais análises. Com efeito, a etimologia da palavra “convocar” já nos sugere o ato compartilhado – “chamar junto”. As convocações são convites para assembleias, reuniões, encontros configurados como espaços de circulação da palavra, cujos desfechos não são plenamente antecipáveis. Considerar a emergência do ambiente digital como um dispositivo que nos convoca a pensar parece ressaltar justamente essa dimensão do inantecipável, se aceitamos a premissa de que o sentido da palavra é indissociável dos seus contextos de circulação, ou seja, ela não contém uma intencionalidade e não é fundamentalmente orientada por ela. Nos termos do Círculo, “qualquer signo ideológico não é apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também uma parte material dessa mesma realidade” (VOLÓCHINOV, 2018, p.94). Essa formulação que situa os signos como parte da vida material é explicitamente assentada no embate com as correntes idealistas e psicologistas, uma vez que elas “desconsideram que um signo se opõe a outro signo e que a própria consciência pode se realizar e se tornar um fato efetivo apenas encarnada em um material sígnico” (VOLÓCHINOV, 2018, p.95).

Uma pista relevante acerca da relação entre sentido e circulação da palavra encontra-se formulada do seguinte modo: “Todas essas formas de interação discursiva estão estreitamente ligadas às condições de dada situação social concreta, e reagem com extrema sensibilidade a todas as oscilações do meio social” (VOLÓCHINOV, 2018, p.107-108). Nessa formulação, a palavra não apenas é apreendida em sua vinculação com a situação concreta, mas se avança na ideia de que a palavra é permeável às alterações dos espaços nos quais circula. Ressaltamos a relevância de tal pista para a problematização das formas de circulação da palavra no ambiente digital. De um modo mais radical, o autor afirma:

A psicologia social não existe em algum lugar interior (nas ‘almas’ dos indivíduos que se comunicam), mas inteiramente no exterior: na palavra, no gesto, no ato. Nela, não há nada que não seja expresso, que seja interior: tudo se encontra no exterior, na troca, no material e, acima de tudo, no material da palavra (VOLÓCHINOV, 2018, p.107).

A recusa da presença da interioridade na palavra, formulada de modo radical no excerto acima, quando se indica que “tudo [o que há na palavra] se encontra no exterior”, é premissa que suspende o modelo comunicacional clássico que suporia que o falante, primeiro, teria algo a dizer e apenas em seguida escolheria o modo de colocar o conteúdo em circulação. Esse modelo clássico, identificado com a formulação de R. Jakobson, estaria fortemente assentado sobre bases conteudistas e perderia de vista que modo o suporte integra a própria constituição da textualidade que se põe em circulação. Em lugar de pensar a comunicação como veículo, transmissão da consciência ou transporte do querer-dizer, Volóchinov pensa a palavra como consciência prática, criação ativa de sentidos, evidência de um contínuo processo social, tal como assinalou, na sua leitura pioneira, o teórico inglês Raymond Williams (1977, p.37).

Se conferimos especial destaque a essas indicações, isto se dá por considerarmos sua importância no tratamento das formas de enunciação no ambiente digital, em particular em plataformas de mídias sociais. Com efeito, desejamos, de modo preliminar, enfatizar uma dificuldade: a intensa circulação de textos verbais e não verbais nas mídias sociais confere impasse relevante a teorias do sentido que o vinculam indissociavelmente aos seus contextos de circulação, como sustentado aqui. Dito de outro modo, consideramos particularmente desafiador para os analistas do discurso a investigação de postagens em redes sociais. Vista a natureza opaca das estruturas algorítmicas e a falta de abertura dos dados de que as empresas detentoras das plataformas dispõem, o acesso a tais postagens aparenta ser fortuito, efêmero, a que se tem acesso e se perde em velocidade incrível. Nesse contexto, há a aparência de perda da materialidade e do que se retém como uma espécie de “conteúdo”. Um efeito provocado por essa fugacidade dos textos nas mídias sociais é a possibilidade de se apreender menos a materialidade e mais seu “conteúdo”, a ideia de que alguém teria dito algo, mas não se sabe exatamente como nem para quê. À primeira vista, tais efeitos pretensamente reforçariam teorias que enfatizam a primazia dos modos de enunciação sobre os fragmentos de enunciados. Com o objetivo de problematizar essas práticas, indagamos o seguinte: as palavras então se sobreporiam à aliança entre os modos de dizer e os suportes de circulação? Tal impressão se choca frontalmente com a perspectiva segundo a qual “tudo se encontra no exterior, na troca, no material e, acima de tudo, no material da palavra”, como recuperado em citação anterior. Desse modo, nosso projeto se dirige então a escavar nas enunciações digitais não a frequência e a co-ocorrência de palavras – temas tão caros à perspectiva conteudista – mas, por meio delas, poder observar a constituição das formas de enunciação em ambiente digital. Nessa direção, a discussão de Barbosa e Di Fanti (2016) se torna uma indicação importante, visto que “nesse cenário, em que o discurso se forma e se transforma a partir da constitutiva relação com outros discursos, o locutor se instaura responsivo e responsável pelo seu dizer” (BARBOSA; DI FANTI, 2016, p.s5). Assim, consideramos fundamental ultrapassar essa “sensação” conteudista e criar estratégias de investigação que restituam os conflitos locais, os embates em certas regiões do dizer nas referidas plataformas.

Ainda que não tenha formulado contribuições direcionadas ao campo dos estudos do discurso, o pensamento do Círculo bakhtiniano influenciou decisivamente renovações nesse campo de estudos, especialmente a partir dos anos oitenta, conforme destaca Gregolin (2004). Segundo Gregolin, o recurso à reflexão bakhtiniana é particularmente relevante com a entrada em cena da problemática da enunciação como caminho alternativo às orientações majoritariamente estabelecidas no campo. A circulação de noções como a de dialogismo, mediadas inicialmente pelos trabalhos de Tzvetan Todorov e Jacqueline Authier-Revuz, marcou alterações significativas no campo.

Uma indicação a esse respeito remete ao uso que D. Maingueneau (2005) faz da noção em Gênese dos discursos, originalmente publicado em 1983, em que as noções de Bakhtin remetem a Todorov e a Authier-Revuz, no sentido do descentramento do sujeito da enunciação e da relação com o outro como fundamento da discursividade (MAINGUENEAU, 2005). Essa obra nos interessa justamente por apresentar um fragmento da paisagem intelectual discutida por Gregolin (2004). A esse respeito, é o próprio Maingueneau que, prefaciando a tradução brasileira, sintetiza a conjuntura de emergência da obra, no início dos anos oitenta: “a análise de textos era dominada pela semiótica, a linguística, pela gramática gerativa, e a Escola Francesa de Análise do Discurso estava em crise, minada pelo refluxo do marxismo e da psicanálise” (2005, p.12).

Da obra, destacaremos dois aspectos basilares que propõem orientações metodológicas para operar com o princípio dialógico, a saber: i) a proposta de operacionalização do primado da interdiscursividade, e ii) a definição da noção de polêmica em correlação com o nível dialógico da enunciação. Apenas para recuperar a menção ao dialogismo, em “Os gêneros do discurso”, Mikhail Bakhtin (2003) interroga a primazia dos gêneros atribuída aos textos literários, considerando que, na vida cotidiana dos usos da língua, os enunciados também se inscrevem em “tipos relativamente estáveis”. A partir dessa consideração, o autor propõe que se assuma a conversa diária como cena prototípica da compreensão da dinâmica das trocas verbais. Nela, o sentido atribuído aos enunciados é função de sua relação com enunciados anteriores. De um modo bastante genérico, o princípio dialógico se caracteriza, entre outros aspectos, pela premissa relacional do sentido enunciativo, que o vincula como “elo” numa cadeia de outros enunciados. Em Gênese dos discursos, Maingueneau (2005) se apropria dessa premissa, por meio dos debates que realizam T. Todorov e J. Authier-Revuz, conforme se pode observar nas indicações bibliográficas constantes nas notas de rodapé da referida obra.

Com o propósito de atribuir um quadro metodológico à perspectiva do dialogismo, Maingueneau (2005) propõe configurar a interdiscursividade como uma problemática delimitada pela tríade universo discursivo – “conjunto de formações discursivas de todos os tipos que interagem numa conjuntura dada” (2005, p.35) –, campo discursivo – “conjunto de formações discursivas que se encontram em concorrência, delimitando-se reciprocamente em uma região determinada do universo discursivo” (2005, p.35) – e os espaços discursivos – “subconjuntos de formações discursivas que o analista julga relevante para seu propósito colocar em relação” (2005, p.37). Essa tríade nos interessa especialmente pela menção que faz ao trabalho do pesquisador na constituição de espaços discursivos de análise. Considerar a interdiscursividade como um primado da produção linguageira não convoca a reconhecer a impossibilidade de lidar com ela, sem que sejam delimitadas regiões de apreensão de suas marcar mais visíveis, a que Authier-Revuz (1990) denominou “heterogeneidade mostrada”. A proposta de Maingueneau avança no reconhecimento de que é a vinculação do pesquisador com o objeto de pesquisa que possibilita a construção de um recorte não desta ou daquela formação discursiva, mas de uma região em que se atualiza um conflito regrado. Nessa perspectiva, a identidade de uma formação discursiva não provém do seu aparente interior, mas do modo como “ao delimitar a zona do dizível legítimo, [uma formação discursiva] atribuiria por isso mesmo ao Outro a zona do interdito, isto é, do dizível errado” (MAINGUENEAU, 2005, p.39).

Ao lado da proposta relativa à interdiscursividade, interessa-nos também recuperar a delimitação da noção de polêmica, quando o autor distingue o nível dialógico – “o da interação constitutiva” (MAINGUENEAU, 2005, p.110) – e o polêmico – que “se responsabiliza pela heterogeneidade ‘mostrada’, a citação, no sentido mais amplo” (MAINGUENEAU, 2005, p.112). Mais uma vez, constitui-se a formulação de uma noção que permite compreender a relação do dizer com seu outro. Com efeito, a polêmica “introduz o Outro em seu recinto para melhor conjurar sua ameaça, mas esse Outro só entra anulado enquanto tal, simulacro” (MAINGUENEAU, 2005, p, 113). Assim, o que se vê é a reflexão em torno da qual a relação de um dizer com seu outro não se dá diretamente, mas por meio da constituição de um simulacro, com o qual a polêmica mantém um duplo laço: “pelo fato de que ela mesma é apenas um simulacro de guerra, como o indica seu nome, uma guerra de papel, e pelo fato de que ela não cessa de traduzir o Outro em seu próprio simulacro” (MAINGUENEAU, 2005, p.113).

Desse modo, retomamos duas propostas teóricas que explicitam, a nosso ver, o impacto das contribuições do Círculo de Bakhtin nos estudos discursivos. No que tange à operacionalização do primado da interdiscursividade, conferimos destaque à delimitação do espaço discursivo, por convocar o pesquisador a constituir uma região dos embates discursivos a serem apreendidos como estratégia fundamental para a constituição de um campo de análise. Tal região supõe a explicitação dos vínculos do pesquisador – problemática denominada, na Análise institucional francesa, por análise das implicações (BAREMBLITT, 1992)1 –, o que consideramos como uma reflexão particularmente produtiva diante das opções que o investigador é convocado a assumir, dada a quantidade e a diversidade de material linguístico gerado nas plataformas digitais.

A segunda entrada indicada – a definição da noção de polêmica – torna-se uma ferramenta fecunda como desdobramento da delimitação da região em que se explicitam os embates. Nessa perspectiva, a polêmica não se reduz à contenda argumentativa entre duas posições distintas, mas avança na investigação do modo como um posicionamento enunciativo se constitui não apenas se afirmando, mas instaurando um outro em relação ao qual se mantém afastado. Ao pesquisador, caberia buscar estratégias de investigação que possibilitassem a apreensão dessas formas de citação de um discurso por outro, constituindo simulacros. Uma sensibilidade de nossa aproximação ao funcionamento das redes sustenta que tais procedimentos de dizer o outro sob a aparência do mesmo configuram mecanismo linguístico-discursivo altamente reiterado nessas formas de enunciação em ambientes digitais.

O Twitter em perspectiva crítica: tecnopolítica e regimes de poder. Neste momento, consideramos importante construir uma aproximação à perspectiva crítica do Twitter como plataforma a partir da qual se enfatizam as dimensões tecnopolíticas e os regimes de poder desse campo discursivo. Essa aproximação é, a nosso ver, desdobramento necessário ao fato de assumirmos a indissociabilidade entre os enunciados e as plataformas pelas quais circulam, conforme discutido anteriormente. A análise tecnodiscursiva enfatiza a irreversibilidade entre a dimensão discursiva e a técnica, o linguístico e o extralinguístico, o discurso e seu uso em contextos digitais (PAVEAU, 2020). Propomos articular a análise tecnodiscursiva com os estudos de plataformas, influenciados fortemente pelos estudos de Ciência e Tecnologia, os quais sublinham os regimes de poder, as práticas e as materialidades que constituem a produção científica e os artefatos tecnológicos (D´ANDREA, 2020; VAN DIJCK, 2020). Através de diversas metodologias em ambiente digital, os estudos de plataforma se propõem a entender e tencionar a lógica dos ambientes digitais, as potencialidades e limitações da coleta, do processamento e da visualização a partir das APIS das plataformas (D´ANDREA, 2020).Trata-se de uma perspectiva que vê as chamadas redes sociais, como o Twitter, não como um espaço neutro no interior do qual os sujeitos poderiam interagir livremente, facilitadora de todas as vozes, tal como a própria empresa se apresenta (VAN DIJCK, 2013), mas como determinada por uma estrutura hierárquica, e moldada por aspectos computacionais, materiais, econômicos e políticos da conectividade online (VAN DIJCK, 2013). Ao mesmo tempo, a pesquisa evita qualquer determinismo tecnológico, para pensar o modo como, em meio a um complexo e assimétrico jogo de poder, os espaços discursivos e os recursos tecnogramaticais se constituem mutuamente. As formações discursivas e as estruturas algorítmicas se coconstroem, dado que as práticas discursivas transformam o espaço digital e são transformadas por ele (PAVEAU, 2020). Os sujeitos das formações discursivas são capazes de desenvolver usos, planejados ou não, das interfaces e suas funcionalidades e materialidades (as chamadas affordances), constituindo dispositivos discursivos não necessariamente limitados pelas possibilidades oferecidas pelos desenvolvedores (D´ANDREA, 2020; PAVEAU, 2020).

Uma das técnicas predominantes nas humanidades digitais é a chamada “mineração textual”, termo que vem sendo criticado por dar a entender que existe uma matéria prima textual e informacional preexistente a ser explorada (D´ANDREA, 2020). Ao mesmo tempo, a maior parte das vezes o processamento dos textos é realizado por ferramentas pré-fabricadas em que o pesquisador ativa uma única línea de código e não pode intervir nas decisões significativas tomadas em relação ao corpus, necessárias para chegar a conclusões, racionalizar argumentos não conclusivos ou fracassos produtivos (CALLAWAY, 2020). No intuito de superar as restrições da análise do ponto de vista individual, corre-se então o risco da generalização, da reificação dos dados e do uso acrítico das plataformas de processamento que permitem operar com uma grande quantidade de textos. Como então articular uma perspectiva em larga escala dos espaços discursivos em ambiente digital com a leitura crítica do campo?

Partimos do software Wolfram Mathematica, que se apresenta como “the world’s definitive system for modern technical computing”2 [o sistema mundial definitivo para a técnica computacional moderna], pelo fato de ser um sistema computacional que cobre a maior parte das grandes áreas da computação, incluindo ciência de dados, neural networks e inteligência artificial. Dada sua pretensão abarcadora, como uma linguagem computacional universal e onipresente, Wolfram pode ser criticada porque opera com textos de forma altamente quantitativa e, em alguns casos, não específicas. Ela possui uma hierarquia geolingüística dada pela prioridade do inglês norte-americano na elaboração de todas as ferramentas de processamento linguístico e computacional, e a consequente marginalização de todas as outras línguas. No entanto, essa fraqueza pode tornar-se uma vantagem, se adequadamente aproveitada pelo pesquisador. Pelo fato de ser única na possibilidade que o pesquisador com um conhecimento intermédio das linguagens computacionais tem, graças a sua ampla biblioteca documental de ajuda3, permite criar funções novas para o processamento do texto, através da construção de arquiteturas programáticas capazes de operar com línguas como espanhol, português e outras. Desse modo, permite muito mais nível de escolha e potencialidade crítica por parte do pesquisador, em comparação com outras linguagens computacionais.

2 Produção do corpus de pesquisa a partir de estratégias dialógicas de restituição de embates

Neste item, explicitamos o percurso de análise empreendido, apresentando as ferramentas tecnológicas utilizadas na composição do corpus de pesquisa. Igualmente, buscamos definir algumas das etapas de investigação possibilitadas por essas ferramentas, problematizando seus usos a partir da orientação discursiva aqui definida.

Ao lado disso, é preciso ainda indicar que a opção por levantar materialidade linguístico-discursiva em torno de Diego Maradona, já se sustentava em interesse e hipóteses a respeito da interseção entre discursos midiáticos e políticos na tematização da morte do jogador. Embora não sejam suficientes para apresentar resultados que confirmem ou não nossas hipóteses, as nuvens de palavras permitem recuperar, a partir da frequência, certos debates. A delimitação de uma região do dizer específica, o acesso aos debates construídos depende do acionamento de outros procedimentos das ferramentas de captura de segmentos do corpus, conferindo ênfase a certos embates.

Não perguntamos ao material “o que” se diz sobre Maradona, mas, ao dizer sobre Maradona, quais questões se tornam relevantes, quais vozes aparecem, quais sentidos emergem em debate, para que uma nova etapa se abra: o acesso a um corpus local que permita uma análise discursiva. Os caminhos sugeridos a seguir demonstram entradas possíveis sugeridas a pesquisadores que se interessem pelo tema e pela investigação de discursos em ambiente digital.

Foram coletadas as referências a Diego Maradona no Twitter, em parceria com o projeto DOCUMENTING THE NOW (https://www.docnow.io/), um consórcio entre a University of Maryland, a Washington University e a Andrew W. Mellon Foundation, para desenvolver ferramentas para o uso, a coleta e a preservação ética de conteúdo das mídias sociais. O projeto responde ao dramático aumento do uso das mídias sociais para documentar eventos historicamente significativos, assim como ao uso do Twitter no ativismo social para compartilhar informação, intervir em debates e conseguir apoio (KUO, 2016; CLARK, 2015; BROCK, 2012). Em parceria com essa equipe, foram coletados 1.644.234 identificadores de tuítes que mencionassem a frase “diego maradona” entre os dias 8 e 30 de novembro de 2020. Os tuítes foram coletados usando twarc, uma ferramenta desenvolvida na linguagem Python pela equipe de bibliotecários do projeto Documenting the Now, que se conecta à interface do Twitter e possibilita a coleta de tuítes4.

O levantamento foi empreendido logo após o falecimento de Diego Maradona, jogador de futebol argentino, considerado um dos maiores jogadores da história do esporte, em 25 de novembro de 2020. Nesse contexto, o presidente argentino, Alberto Fernández, declarou três dias de luto nacional e a notícia teve grande impacto no mundo inteiro. O velório do jogador foi realizado na Casa Rosada, espaço oficial do governo, com as honras de um funeral de Estado, teve participação de multidões e deveu ser interrompido por causa de distúrbios com intervenção da polícia. Esse brevíssimo relato já fornece indícios de leitura de notícias, mensagens, imagens diversas, que apontam, entre outros aspectos, para uma interação entre os campos discursivos da política e dos esportes.

Desse modo, uma das perguntas que guiou nossa pesquisa foi: qual é o legado de uma figura como Diego Maradona na cultura digital? Que tensões e contradições da cultura latino-americana estão presentes no espaço discursivo por nós delimitado em torno dessa figura? Nossa hipótese é a de que a análise discursiva desse espaço é capaz de revelar o dialogismo, o primado da interdiscursividade e o caráter polêmico, colocando em cena disputas pelos sentidos sociais encarnados no ídolo do futebol latino-americano, debates políticos e geopolíticos permitindo refletir sobre os desafios das esquerdas e a mercantilização da cultura latino-americana e especificamente do mundo dos esportes.

Por outro lado, seguindo determinações éticas de melhores práticas sugeridas em estudos das redes sociais e especificamente do Twitter (BERGIS; SUMMERS; MITCHELL, 2018; CLARK, 2015), a pesquisa protegeu a privacidade dos usuários, não revelou nomes ou pseudônimos de contas individuais e evitou identificar usuários específicos. Além disso, não foram citados Tuítes inteiros sem prévia autorização.

3 Pistas para a captação de regiões de instauração da polêmica no Twitter

O primeiro passo foi reconhecer as línguas do nosso corpus de tuítes que mencionam Diego Maradona, a partir de uma função que limpa as cadeias de caracteres (ou strings) de construções como links e caracteres não alfanuméricos, para facilitar o reconhecimento dos idiomas. O reconhecimento deu como resultado 38 idiomas diferentes, revelando o impacto transnacional da morte do jogador. Entre os idiomas predominantes, observa-se o destaque ao inglês (832.276), em primeiro lugar, logo o espanhol (445.410), o francês (123.464), o português (70.234), o italiano (18.878), o malaio (17.280) e o alemão (8.623). Esses indicadores revelam a dimensão transnacional de Maradona, que extrapola e muito o âmbito latino-americano. Como etapa de investigação, além de possibilitar inferências produtivas, também permite melhor dimensionar o universo textual em torno do qual se deseja operar.

3.1 Identificação dos usuários mais frequentes: etapas possíveis para delimitação do corpus

Na sequência, criamos uma função da ferramenta Wolfram que detecta e quantifica o uso de @ para identificar os nomes de usuários e contas mais referenciadas e retweetadas. É útil esclarecer que o Twitter permite, através da ferramenta do retuite (RT) e do @, citar e repostar mensagens, entrar e intervir em comunicações e debates públicos, intercambiar opiniões, mencionar nomes de usuários, citar, interpelar e referenciar outros, o que possibilita acompanhar modalidades distintas de enunciação nesse tipo de suporte.

A tabela 1 apresenta os nomes de usuários mais mencionados nos tuítes em inglês, os quais são contas sobre notícias de futebol, de times de futebol internacionais, de grupos de rock, de jornais e sites de notícias, de jogadores de diferentes esportes, e contas de políticos. A captação dessa diversidade de locutores indicados pelo levantamento das ocorrências de @ permite construir hipóteses de análise e definir regiões enunciativas às quais o pesquisador pode se dedicar mais detidamente. Ilustra o diálogo ininterrupto e múltiplo entre diferentes vozes, esferas da vida social e temáticas presentes nos tuites sobre Maradona, incluindo o jornalismo esportivo, o mundo do espetáculo, o dos esportes, a indústria cultural, a música, e a política. Tal diversidade reforça nossa hipótese de intensa interação entre os campos discursivos da política e dos esportes, cabendo avançar na delimitação de certas regiões do dizer de modo que seja possível apreender as formas de atualização desse tipo de interação/embate.

Tabela 1
Nomes de usuários mais frequentes em inglês

Tabela 2
Nomes de usuários mais frequentes em espanhol

Já em espanhol, dentre os nomes de usuários mais mencionados, temos contas de notícias sobre esportes, dos principais jornais e jornalistas argentinos, assim como canais e programas de televisão sobre esportes, tanto das grandes mídias quanto do jornalismo alternativo de diferentes países e da América Latina como um todo. Também há contas de diferentes times de futebol importantes na carreira de Maradona, de instituições oficiais argentinas, de personalidades do espetáculo e da música da América Latina.

Um exemplo destacado que permite afastar qualquer expectativa de univocidade dos textos se observa a partir da indicação de que a conta do Presidente Argentino, Alberto Fernandes, foi uma das mais mencionadas, com 1.901 menções. Uma análise preliminar dos enunciados com a menção a Fernandes indica que, dentre esses tuítes, há numerosos que criticam o presidente, e consideram que se aproveita do jogador e sua morte com fins políticos. Esse tipo de constatação nos parece uma evidência bastante forte de que a mera ocorrência de uma conta não permite inferências acerca dos posicionamentos discursivos construídos.

Muitos tuítes com a hashtag #VerguenzaNacional acusam a Alberto Fernández de utilizar a morte de Maradona para fins políticos: “Ni muerto Diego Maradona dejan de usarlo políticamente. Que terrible la dirigencia política #VerguenzaNacional”. Outros mostram desconformidade com o modo como foi planejado o velório, que causou distúrbios e repressão, depois do que a polícia impediu o ingresso de milhares de admiradores: “Los inútiles de Albertito y Cristina Kirchner ARRUINARON el velorio de Diego Maradona”. Tais modos de dizer apontariam para uma polarização que teria no evento a expressão de forças políticas antagônicas.

Há ainda aqueles que partem do acontecido no velório para mobilizar críticas às políticas de saúde: “Para el presidente la muerte de Diego Maradona es más importante q la crisis q estamos viviendo en Argentina, se preocupa más x el show del velatorio cuando él mismo nos prohíbe salir a velar a los nuestros x el covid q existe sólo cuando a él le conviene”. No entanto, a referida polarização não se constituiria apenas em duas formas visíveis: favoráveis e contrários ao governo. No enunciado anterior, a tensão apreendida se constitui a partir do embate entre a produção de um evento midiático e as restrições sanitárias no contexto da pandemia. Tais aspectos evidenciam a necessidade de assumir as técnicas de captação de enunciados como meio para a produção de um corpus de pesquisa, delimitando regiões do dizer que permitam uma aproximação ao modo como os embates se configuram e ganham consistência.

Há também numerosos tuítes que apoiam Maradona, referenciando escritores e outras figuras da cultura de esquerda latino-americana que têm escrito sobre Maradona. No exemplo, um traço do espaço discursivo delimitado em torno a Maradona se destaca, sua dimensão polêmica, vinculado à política argentina. Tal traço, no entanto, não se constitui sem um debate que emerge na fronteira entre o esporte, a indústria do espetáculo e a política.

Alguns tuítes celebram o fato de as filhas e a ex-esposa de Diego Maradona não terem cumprimentado a vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner no velório: “Dalma y Gianinna se negaron a abrazar a Cristina Kirchner en el Velorio de Diego Maradona. #VerguenzaNacional”. Hashtags como #VerguenzaNacional enfatizam a crítica e o discurso anti-peronista.

Outra conta muito relevante nesse espaço é a do presidente venezuelano Nicolás Maduro, que aparece com 3.161 menções, apontando para a importância de Maradona na política e geopolítica da cultura latino-americana. Esses tuítes são sobretudo de apoio, de reivindicação da colaboração de Maradona com o regime venezuelano e com o regime cubano. Nesse sentido, Maradona aparece com uma figura importante para a esquerda latino-americana e latino-americanista, embora ela também apareça como objeto das críticas aos governos de esquerda atuais.

Assim, enquanto alguns tuítes o consideram um emblema da esquerda latino-americana: “Su desobediencia fue plantarse ante el bloqueo contra Cuba, apoyar la revolución Bolivariana en Venezuela, jugar fútbol con Evo y apoyar la paz en Colombia, siempre cuando las voces sonaban tibias”, outros minimizam seu lado mais político, “Este gusto por el pueblo, Diego Maradona lo vivirá también fuera de la cancha. Pero sus expediciones junto a Fidel Castro y a Hugo Chávez tendrán el gusto de una derrota amarga. Es sin duda en la cancha donde Maradona hizo la revolución”. A polêmica no espaço discursivo delimitado surge entre aqueles que o celebram como herói revolucionário, aliado dos menos privilegiados, e aqueles que limitam seu legado ao interior do esporte e são críticos de seu lado mais político, quando associado a líderes da esquerda latino-americana como Fidel Castro, Evo Morales, Hugo Chávez e Cristina Kirchner.

Tabela 3
Nomes de usuários mais frequentes em português

No caso do corpus em português, os nomes mais mencionados são contas de notícias dos mais importantes canais de televisão e jornais do país, tanto das grandes mídias quanto de mídias alternativas, contas de times de futebol, de torcedores e de personalidades do futebol, como antigos jogadores e jornalistas esportivos.

A conta do ex-presidente Lula aparece entre as mais mencionadas, em tuítes que lembram os vínculos do ex-presidente com Maradona e as homenagens do futebolista ao político. Como no caso do espanhol, muitos tuítes em português vinculam o jogador com líderes da esquerda latino-americana como Che Guevara, Evo Morales e Fidel Castro. De fato, Lula é mencionado 379 vezes no corpus de tuítes em português, enquanto Fidel Castro 410 e Guevara 45.

Assim, temos tuítes que reivindicam seu legado em um sentido político como “Maradona nunca traiu os grandes líderes da esquerda latino-americana perseguidos. Foi fiel a @LulaOficial em todos os momentos. Amigo é coisa pra se guardar, do lado esquerdo do peito! Diego Maradona, presente!”.

Aparece também o perfil oficial do partido comunista Brasileiro, PCB. O Partido é mencionado 623 vezes, com referência ao posicionamento político de Maradona como figura da esquerda latino-americana: “Faleceu Diego Maradona, um dos jogadores mais politizados da América Latina. Será lembrado pela sua arte e suas convicções”. Um dado produtivo que emerge dessas menções ao PCB é que esse tuite aparece retuitado 623 vezes, sem qualquer acréscimo de texto. Tal ocorrência ratifica essa dimensão reiterativa do regime enunciativo nesse suporte. A distinção entre tuítes originais e retuítes permite diferenciar entre a dimensão da produção discursiva e da circulação. A presença de uma grande quantidade de retuítes, portanto, dão conta da citação, a rescrita, a leitura e a releitura de um Maradona politizado e ligado às esquerdas. Trata-se de uma disputa pela circulação da palavra, que também pode ser percorrida pelo pesquisador.

3.2 Técnica de constituição da nuvem de palavras: das formas visíveis à captação das forças

Com o intuito de criar uma outra entrada ao corpus, de modo a explorar possibilidades de restituição das tensões que atravessam o material coletado, decidimos utilizar a técnica da criação de nuvens de palavras que explicitasse os termos mais frequentes nos tuítes. A esse respeito, é preciso destacar que, da perspectiva discursiva, não consideramos a nuvem de palavras como ponto de chegada, nem como uma síntese objetiva, mas, pelo contrário, como parte do processo de constituição de uma cartografia destinada à análise do discurso em larga escala, que se orienta pela diretriz segundo a qual “formas cristalizadas não são imunes ao que há de renovador nas forças desestruturantes” (DEUSDARÁ; ROCHA; ARANTES, 2016, p.65).

Trata-se da constituição de um espaço em que é possível visualizar não um único plano monológico senão as múltiplas laminações do discurso. Por isso, não devemos nos deixar enganar pela bidimensionalidade da nuvem, porque ela de fato articula níveis semânticos, tempo-espaciais, sociais, ideológicos e culturais diferentes.

Com efeito, a nuvem não funciona como síntese, mas, pelo contrário, como paisagem heterogênea e polifônica das práticas discursivas em ambiente digital. A leitura que propomos sustenta dimensões transversais da hierarquia de frequência que estrutura visualmente a nuvem, deixando emergir a pluralidade de vozes, sentidos e formações discursivas presente nela.

Analisamos a nuvem de palavras resultante, constituída pelos 400 termos mais frequentes nos tuítes em cada língua, não a partir de um ideal de objetividade taxonômico que, com base em critérios de classificação pela frequência de presença (ou ausência) de itens de sentido, formule inferências relativas às condições sociais de produção e recepção dos discursos, como o faz a Análise de Conteúdo [confrontada com a perspectiva discursiva em Rocha e Deusdará (2006)]. Consideramos a nuvem de palavras como uma cartografia que permite visualizar, de modo parcial dadas as restrições do recorte, a dimensão dialógica, a interdiscursividade, e o caráter polêmico desse espaço discursivo. Como um mapa, ela apresenta-se como uma superfície bidimensional, que revela a hierarquia dos intercâmbios do Twitter, com algumas vozes e temas mais visibilizados que outros. É responsabilidade e tarefa do pesquisador procurar eixos tangenciais, escavar a multidimensionalidade, delimitar sub-regiões conflitivas, zonas do polêmico e do interdito. Desse modo, o pesquisador é capaz de apontar para as relações sempre provisórias que os discursos sobre Maradona estabelecem, não só afirmando, mas também instaurando os outros em relação aos quais se afastam, e as batalhas digitais que lá se criam e se estabelecem.

Na nuvem de palavras em espanhol (Figura 1), observamos muitas palavras de lamento ligadas à morte do jogador, à saúde, às emoções despertadas pelo falecimento. Aparecem termos de suspeita e pesquisa da causa da morte, alguns argumentam que se trataria de um homicídio, muitos mencionam sua proximidade com o mundo das drogas, e outros apontam para a briga entre os familiares pela sua herança5.

Figura 1
Nuvem de palavras com Tuítes sobre Diego Maradona em espanhol

É muito significativa a presença de palavras e termos ligados à política, como menções à Cristina Kirchner, a Fidel Castro, Alberto Fernández. Há também referências à origem humilde de Maradona, através de frases como “cabecita negra” (termo pejorativo e racializado que foi politizado ao longa da história argentina), que chamam a atenção para as marcas étnico-raciais do jogador. São muito frequentes as menções ao socialismo, ao anti-imperialismo, à América Latina e ao comunismo.

No entanto, também aparecem tuítes que se referem às acusações a Diego Maradona de violência de gênero, de não reconhecer os direitos das mulheres, até inclusive de estupro, feminicídio e pedofilia, e lembram que ele faleceu no Dia Internacional da Violência contra as mulheres, com tuítes como: “@LauraPausini cuestionó que en el Día Internacional contra la Violencia hacia las Mujeres dieron más importancia a la despedida de Diego Maradona que a las historias de femicidio y violación.”

Na nuvem de palavras em inglês (Figura 2), novamente aparecem muitas palavras de homenagem, admiração, inspiração e memória do jogador, assim como palavras referidas à saúde, ao uso de drogas, ao mundo esportivo e futebolístico. Muitos assinalam o extremo fanatismo pelo jogador, lembrando que vários seguranças foram acusados judicialmente por tirar “selfies” com o féretro dele.

Figura 2
Nuvem de palavras de Tuítes sobre Diego Maradona em inglês

Surgem no espaço discursivo delimitado numerosos termos ligados à origem humilde e proletária de Maradona, menções a figuras políticas da esquerda latino-americana como Fidel Castro, palavras como racismo, racial, apontando para a discriminação sofrida pelo jogador, pelo fato de ser latino-americano, associadas ao uso de hashtags como #StopRacism. Alguns tuítes o chamam “voice for the voiceless”, “campaigner for the Left in Latin America”, e o reivindicam como bandeira da luta anti-imperialista, o associam com reivindicações das esquerdas na América do Sul e do povo palestino. O líder laborista britânico Jeremy Corbyn é autor do tuíte: “Rest in peace Diego Maradona. Football legend, voice for the voiceless and campaigner for the Left in Latin America”, o qual foi retuitado 2.356 vezes no período da pesquisa.

O termo Palestina e seus derivados e flexões aparecem com 5.308 menções no corpus em inglês, o que resulta muito significativo, mais do que Latino-américa, com 2.600, enquanto a palavra left, esquerda, aparece 11.143 vezes no corpus. Temos tuítes citando afirmações de Maradona sobre Palestina e celebrando seu apoio à nação, como por exemplo: "In my heart I am Palestinian. I am a defender of the Palestinian people, I respect them and sympathise with them, I support Palestine without fear" ou também o seguinte tuíte: “Diego maradona: "I am the number one fan of the palestinian people. I support this nation's cause, since l grew up on struggle and standing against Injustice.”, associados a hashtags como #FreePalestine e a fotos dele com a bandeira palestina,.

Na nuvem de palavras em português (Figura 3), além das lamentações pela perda, da menção à saúde e à dependência às drogas, também temos muitas palavras ligadas com a política. É chamado “um dos jogadores mais politizados da América” no mencionado tuíte do Partido Comunista Brasileiro, assim como “lutador em defesa dos pobres e oprimidos”, em tuíte de um deputado do partido dos trabalhadores (PT): “Recebemos com tristeza a notícia do falecimento de Diego Maradona, incansável lutador em defesa dos pobres e oprimidos, sempre esteve no lado certo da história. Vai em paz Maradona. Seguimos na luta!” Nesses tuítes Maradona aparece associado à luta em defesa dos trabalhadores, ligado com figuras políticas da esquerda como Fidel Castro e Lula. Há hashtags como #hastalavictoriaSiempre, ligado ao Che Guevara, e ele surge como ícone da luta contra o imperialismo estadunidense.

Figura 3
Nuvem de palavras de Tuítes sobre Diego Maradona em português.

Como pudemos destacar, a nuvem de palavras pode se constituir como técnica não de obtenção de resultados, mas como etapa intermediária para a delimitação de espaços de dizer passíveis de recorte e investigação mais detidas das marcas de constituição dos embates em análise. Assim, no espaço discursivo em torno de Maradona é possível observar conflitos e regiões de intensa polêmica, em relação com questões de gênero, com os meios de comunicação e a indústria dos esportes e com as esquerdas anti-imperialistas na América Latina e no mundo.

4 Dialogismo, interdiscursividade e polêmica no mundo digital

Neste artigo, explicitamos e problematizamos técnicas de captação e produção de um corpus digital de pesquisa, através da delimitação de um espaço discursivo no Twitter em torno à morte de Maradona. A menção a Diego Maradona no Twitter permite repensar a permeabilidade das palavras em relação às diversas situações sociais, contextos tempo-espaciais e regiões presentes no corpus. Muito além de veículo transmissor de mensagens sobre um tema, o nome de Maradona é mobilizado para criar sentidos diferentes e para finalidades opostas, como exigir, criticar, apoiar governos, denunciar, celebrar, homenagear, atrair a atenção e inclusive fazer marketing. Nos tuítes que mencionam Diego Maradona aparecem posturas diferentes e contraditórias, com fronteiras lábeis entre umas e as outras, vozes que polemizam sobre o sentido político da sua figura, como parte de uma indústria cultural massiva e global.

Isso aparece claramente na prática tecnodiscursiva do @, técnica discursiva pelo qual os sujeitos citam, repostam, e intervêm em conversações6. Desse modo, o @ funciona como uma técnica discursiva que constrói comunidades, interpela aos outros, intervem em debates, delimita espaços polêmicos e antagônicos, constrói alianças e cria redes de adversários e seguidores. Marca de interdiscursividade e da relação com o outro, aponta ao fato de que a palavra “Maradona” está inserida em uma multiplicidade de diálogos incessantes em comunidades discursivas diferentes. Revela a forma em que “Maradona”, como núcleo de um campo discursivo, articula um leque de espaços discursivos heterogêneos. Por um lado, a indústria dos esportes, o jornalismo nacional e internacional, meios como CNN, Globo, BBC, SKY, Fox, ESPN, meios alternativos, e a indústria do espetáculo. O Maradona celebridade da indústria cultural não se restringe ao futebol, mas traça laços com outros esportes no mundo e com a música, por exemplo. Por outro lado, Maradona político aparece nos diferentes universos geolingüísticos do inglês, português e espanhol: Maradona do antiperonismo, Maradona peronista, emblema dos governos latino-americanos de esquerda, com figuras como Fidel Castro, Simón Bolívar, Chávez, Nicolás Maduro, Che Guevara, Lula da Silva, do jornalismo alternativo, do anti-imperialismo, do socialismo e do comunismo. Como tecnopalavra, o @ delimita um espaço múltiplo, de apoio e crítica, de interpelação, celebração e oposição. A tecnopalavra do @, junto ao RT (retuite), em seu caráter de estratégia polêmica de citação, aponta para Maradona como centro neurálgico de uma guerra discursiva digital, que não está limitada ao âmbito latino-americano, mas possui um alcance global, entre o liberalismo e o socialismo, as esquerdas e as direitas, as mídias alternativas e as grandes mídias.

Utilizamos uma série de metodologias de processamento computacional através do software Wolfram Mathematica, técnicas de captação de enunciados pelas quais produzimos um corpus de pesquisa. No entanto, procuramos problematizar as técnicas de processamento de textos em ambiente digital, vendo-as não como sínteses representativas, produtoras de formas ilusórias de significação, em nome de um ideal de objetividade e racionalidade do qual desejamos nos afastar (ROCHA; DEUSDARÁ, 2006, 2017). Para nós, a análise quantitativa não teve como propósito criar uma hierarquia dada pela frequência, mas foram meios para a produção de um corpus de pesquisa, delimitando regiões do discurso digital em larga escala que permitam aproximações ao modo como os embates se configuram e ganham consistência. Avançamos na crítica ao próprio software utilizado, Wolfram Mathemática – marcado por hierarquias geopolíticas e linguísticas–, mas conseguimos contornar essas limitações criando as próprias interfaces em outras línguas, o que redundou em resultados positivos em termos de possibilidade de pesquisa7.

Quanto à tarefa da investigação, diante da onipresença de análises deste tipo de corpus por especialistas de estudos de ciência e tecnologia (STS, science and technology studies), que não contemplam as disputas de sentidos e as hierarquias e desigualdades geopolíticas que perpassam as plataformas, assinalamos a importância do olhar do analista do discurso. Em particular, a perspectiva dialógica, formulada por M. Bakhtin e com impacto produtivo na teoria discursiva de D. Maingueneau, pode oferecer chaves valiosas para refletir sobre a forma pela qual o analista do discurso é capaz de fazer ouvir a diversidade de vozes no interior do discurso digital (MAINGUENEAU, 2005). Em lugar de um observador de um produto finalizado (tentação evidente diante da nuvem de palavras como visualização sintética paradigmática), pensamos o analista do discurso digital como aquele que constitui o espaço discursivo de análise, delimitando a região na qual se atualiza o conflito e dando forma então ao campo de análise. É no interior dessa arena que a palavra “Maradona” aparece como marca de uma série de disputas discursivas que atravessam a história latino-americana e global.

Em um contexto como a atualidade, em que a pandemia desencadeou e acirrou as crises econômicas, políticas e sociais dos países latino-americanos, os tuítes sobre Maradona mostram as formas de citação de uma história social e política que se reatualiza. Em uma época de crise social acentuada, a palavra Maradona carrega o rastro de embates que percorrem a história latino-americana e global: a ascensão e crise das esquerdas anti-imperialistas na América Latina e no mundo, os questionamentos em relação com questões de gênero, o avanço das grandes mídias de comunicação, assim como o surgimento de mídias alternativas, até chegar às políticas sanitárias no momento atual. Maradona mostra o delicado equilíbrio entre polissemia e unidade em uma figura cultural.

Agradecimentos

Agradecemos a Ed. Summers (https://github.com/edsu), cientista social e desenvolvedor, membro da equipe do Documenting the Now, que contribuiu com o processo de coleta dos tuítes utilizados para a escrita deste artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2022
  • Aceito
    06 Jun 2022
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