Open-access Análise dialógica dos discursos de réus do crime de feminicídio no Tribunal do Júri

RESUMO

O objetivo do artigo é analisar como se constituem axiologicamente os discursos de réus do crime de feminicídio no Tribunal do Júri. Sob perspectiva da Análise Dialógica do Discurso (ADD), analisamos dois depoimentos de assassinos, colhidos no triênio 2018-2020. A partir das camadas componentes da dimensão extralinguística dos enunciados eleitos para análise, os resultados apontam: a) no cronotopo do Júri, os discursos dos réus se manifestam defensivo-vitimistas-acusativos; b) na esfera ideológica jurídica, constituem-se híbridos, íntimo-cotidianos, morais e legais; c) na situação específica de interação discursiva, concretizam-se profórmico-hierárquico-bivocais, perpassados de relações dialógicas com leis. Já na dimensão linguística, estilístico e composionalmente, os assassinos discursivizam, em tensão, imagens negativas das mulheres vítimas, descritas como traidoras, enganadoras, ciumentas, histéricas, provocativas, desajustadas, agressivas, entre outras. Sobre si, constroem imagens de homens vitimados, perturbados e interpelados a agir.

PALAVRAS-CHAVE: Análise Dialógica de Discurso (ADD); Feminicídio; Assassinos no Tribunal do Júri

ABSTRACT

This article aims to analyze how discourses of defendants accused of femicide in Jury Trial are axiologically constituted. Based on Dialogic Discourse Analysis (DDA), two murderers’ testimonies taken in the 2018-2020 triennium were analyzed. Considering the extralinguistic dimension of utterances, results point out that: a) in the Jury chronotope, defendants’ discourses present as defensive-victimistic-accusative; b) in the ideological legal sphere, their discourses are made hybrid as intimate-everyday, moral, and legal; c) in the specific situation of discursive interaction, discourse materializes as pro-formahierarchical-bivocal, while permeated by dialogical relations with the law. In the linguistic dimension, both stylistically and compositionally, murderers tensely express negative images of the women victims, describing them as traitors, deceitful, jealous, hysterical, provocative, maladjusted, and aggressive, among others. They build up images of themselves as victimized and disturbed men who had been provoked to act.

KEYWORDS: Dialogic Discourse Analysis (DDA); Femicide; Murderers in Jury Trial

Introdução

O Brasil é o 5º país que mais mata mulheres no mundo, segundo dados do Mapa da Violência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2015 (CNJ, 2015), ano em que foi promulgada a Lei n. 13.104/2015, do feminicídio. Em se tratando de violência contra a mulher, o país só perde para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Nos registros1 do sistema de informações sobre mortalidade, divulgados pelo Ministério da Saúde, atesta-se que o aniquilamento das mulheres apresentou crescimento expressivo de 30,7%, entre 2007 e 2017, por exemplo.

A compreender que o crime de feminicídio é motivado pelo ódio e desrespeito às mulheres na sua condição biológica e social, problematizamos que a motivação para matar se assenta em constructos sócio-históricos, culturais e ideológicos, sustentadores de relações sociais assimétricas de gênero, por sua vez reflexas e refratárias de uma base política e socioeconômica regida por uma organização social ainda patriarcal (SAFIOTTI, 2015), que delega papéis sociais específicos a homens e mulheres e institui relações de poder reguladas pela violência (LOURO, 1995). Sendo gênero, ainda, uma categoria aprendida por meio de práticas masculinizantes ou feminizantes, imersas às instituições sociais já generificadas e que não deixam de ser ideológicas (SCOOT, 2005), a Análise Dialógica do Discurso, doravante ADD, constitui-se em importante via para o apontamento de como esses constructos se manifestam concretamente nos discursos emergentes da esfera jurídica.

As projeções valorativas e ideológicas inerentes a essas manifestações discursivas dizem de relações sociais tensas, nas quais o aniquilamento das mulheres (des)vela a perpetuação de uma barbárie social a ser questionada, debatida, combatida por todos os flancos possíveis, com atenção especial aos discursos dos agentes assassinos. Daí emerge a questão de inquietação deste empreendimento analítico: como e por que determinadas projeções axiológicas e ideológicas são legitimadas nos discursos emergentes da esfera jurídica?

No trabalho, que se constitui num recorte de discussão interdisciplinar mais ampla, realizada em dissertação de mestrado, assumimos a concepção dialógica de linguagem do Círculo de Bakhtin (BAKHTIN, 1988 [1975], 2008 [1963], 2011 [1979], 2011 [1954-1961], 2014 [1927], 2015 [1934-1935]; VOLÓCHINOV, 2013 [1930], 2018 [1929-1930], 2019 [1926]; MEDVIÉDEV, 2019 [1928]), e sua filiada perspectiva teóricometodológica da Análise Dialógica de Discurso (BRAIT, 2006; DE PAULA, 2013; ROHLING, 2014; ACOSTA-PEREIRA; RODRIGUES, 2015; SOBRAL; GIACOMELLI, 2016; ACOSTA-PEREIRA; BRAIT, 2020) e outros, com o objetivo de analisar como se constituem axiologicamente os discursos mobilizados em interrogatórios formais de dois réus do crime de feminicídio no Tribunal do Júri, cujo intuito é a construção discursiva da isenção/negação da culpa. Vozes do direito e dos estudos de gênero também compõem a discussão.

A cumprir o intuito discursivo do artigo, fazemos sua divisão em três seções principais no corpo. Na primeira, apresentamos os pressupostos teórico-metodológicos da ADD. Na segunda, apresentamos o universo, a delimitação dos dados e as questões norteadoras da análise. Por decorrência, na terceira seção, analisamos os discursos dos réus do crime de feminicídio no Tribunal do Júri, a considerar as suas dimensões extralinguísticas e linguísticas. Nesse ínterim, recuperamos princípios conceituais dialógicos orientadores da análise, a apontar como esses discursos se concretizam axiologicamente perpassados de relações dialógicas.

1 ADD: pressupostos teórico-metodológicos e princípios conceituais orientadores

A ADD constitui-se em compreensão ativa de interlocutores brasileiros contemporâneos a pressupostos epistemológicos e teórico-metodológicos angariados do “conjunto das obras do Círculo” (BRAIT, 2006, p.10; grifos no original). A arquitetônica da ADD é formada, principalmente, a partir das contribuições de três autores do Círculo cujos escritos lograram maior alcance nas pesquisas brasileiras: Mikhail M. Bakhtin (1988 [1975], 2011 [1979], 2008 [1963], 2015 [1934-1935]), Valentin N. Volóchinov (2013 [1930], 2018 [1929-1930], 2019 [1926]) e Pavel N. Medviédev (2019 [1928]).

Para Brait (2006), um dos momentos mais importantes e inaugurais de prenúncio da ADD é encontrado na análise empreendida por Bakhtin em Problemas da poética de Dostoievski (2008 [1963]), quando reclama a proposta de uma Metalinguística, que avança além dos pressupostos da linguística, à época balizada pelas leis do subjetivismo individualista ou do objetivismo abstrato. Na nova proposta, a língua não é tomada como “um sistema estável e imutável de formas linguísticas normativas e idênticas, encontrado previamente pela consciência individual e indiscutível para ela [...] [cujas] leis linguísticas específicas não possuem nada em comum com os valores ideológicos (artísticos, cognitivos e outros)” (VOLÓCHINOV, 2018b, p.162; grifos no original). Ao contrário, é concebida como “ideologicamente preenchida” (BAKHTIN, 2015, p.40; grifo no original), em sua integridade viva e concreta, mediando a interação (BAKHTIN, 2008), ou seja, como discurso vivo, constituído num plano sociológico e enunciativo.

Nesse embate entre concepções que negam a relação entre a linguagem, a história, a ideologia e os sujeitos em vida social organizada, Bakhtin (2008) apresenta o novo objeto a ser estudado – o discurso –, cuja abordagem considera as dimensões extralinguísticas e linguísticas dos enunciados integrantes da cadeia discursiva. O discurso é apresentado como objeto complexo, multifacetado, “pertencente simultaneamente à linguística e à nova disciplina” (BRAIT, 2006, p.11), associado à “rede de relações dialógicas, estabelecidas e assumidas por um sujeito (e não dadas de antemão), expressas na linguagem a partir de um ponto de vista” (BRAIT, 2013, p.41). Portanto, essas relações de sentido passam a importar na medida em que entretecem os enunciados e constituem seus sentidos, na e a partir das “projeções/as, marcas ideológicas e os matizes valorativos/avaliativos do discurso” (FRANCO; ACOSTA-PEREIRA; COSTA-HÜBES, 2019, p.277).

A proposta da Metalinguística ou Translinguística considera as relações dialógicas como extralinguísticas. Enunciados, em sua eventicidade, constituem-se na e a partir de já ditos, da historicidade dos discursos e da novidade conferida pelas situações específicas de interação discursivas formadoras de sua atmosfera axiológica (VOLÓCHINOV, 2018). No entanto, as relações dialógicas, apesar de não poderem sofrer redução às relações lógicas, delas não podem ser apartadas. Os sentidos lógicos participam da constituição dos sentidos, enquanto as relacoes dialogicas estão para além das unidades da língua, pois “o discurso surge no diálogo com sua réplica viva, forma-se na interação dinâmica com o discurso do outro no objeto” (BAKHTIN, 2015, p.49) e sofre a influência do discurso responsivo antecipável enquanto aguarda sua resposta. A partir do princípio da dialogicidade, relações semantico-valorativas existentes na língua são mobilizadas entre enunciados integrais por meio dos quais se exprimem os sujeitos do discurso (BAKHTIN, 2011).

De acordo com Volóchinov (2019), a dimensão extralinguística de um enunciado não o influencia de fora, mas integra sua estrutura social no corpo vivo. Nesse plano interpretativo, Brait (2006, p.22-23) compreende que é “na combinatória dessas duas dimensões, como uma forma de conhecer o ser humano, suas atividades, sua condição de sujeito múltiplo, sua inserção na história, no social, no cultural pela linguagem, pelas linguagens”, que o Círculo de Bakhtin oferece subsídios para uma análise do discurso de viés dialógico. Assim, a ADD não se constitui em proposta fechada, pois considera o princípio da “indissolúvel relação existente entre língua, linguagens, história [, ideologia] e sujeitos que instaura os estudos da linguagem como lugares de produção de conhecimento de forma comprometida” (BRAIT, 2006, p.10).

Na visão do Círculo e logo, para a ADD, as inúmeras formas de avaliar a realidade social, de compreendê-la e de apreendê-la de determinados ou inter-relacionados pontos de vista estão vinculadas à ideologia, definida por Volóchinov (2013, p.138, nota 5; grifos no original) como “(...) todo o conjunto de reflexos e interpretacoes da realidade social e natural que se sucedem no cerebro do homem, fixados por meio de palavras, desenhos, esquemas e outras formas sígnicas”. A ideologia não se aparta dos signos, constituídos por índices de valor compartilhados nos enunciados que encerram interações entre sujeitos sociais organizados. Assim,

O valor social é o que matiza a ideologia, consubstanciando-a de uma marca de avaliação singular e responsiva às reverberações da situação interlocutiva. Com isso, todo discurso, na forma material de enunciado, não apenas traz ressonâncias ideológicas do meio social, mas o traz atravessado pelos índices sociais de valor (FRANCO; ACOSTAPEREIRA; COSTA-HÜBES, 2019, p.279-280).

Em adição, a valoração ou avaliação social não é algo dado, fixo. Assim, para a ADD, não há categorias fixas aplicáveis à análise. Nem mesmo se pode transformar os conceitos em categorias analíticas. Trata-se de uma proposta de emergência de categorias a partir de um movimento dialógico de embates, teórico-metodologicamente guiado por princípios balizadores, a “deixar que os discursos revelem sua forma de produzir sentido” (BRAIT, 2006, p.24). Exemplo desse movimento é empreendido por Bakhtin (2008, na análise da poética de Dostoiévski, da qual emerge o conceito de polifonia, em vez de se efetivar a aplicação de categorias analíticas fixas e pré-determinadas.

Na proposta da ADD, ainda, a relação do pesquisador com o objeto é perpassada pelo seu horizonte valorativo. Na e a partir dele, o pesquisador é um outro não neutro, que entra em diálogo com os discursos analisados e com os produzidos anteriormente sobre o objeto (DESTRI; MARCHEZAN, 2021). A postura do pesquisador, no entanto, é ética e não se furta às orientações teórico-metodológicas da concepção dialógicoenunciativa-discursiva de linguagem do Círculo, que, em primeira instância, responde ao esboço da ordem metodológica para o estudo da língua/discurso, instituída por Volóchinov (2018, p.220) na obra Marxismo e filosofia da linguagem, a qual prevê o estudo das

1) Formas e tipos de interação discursiva em sua relação com as condições concretas; 2) [das] formas dos enunciados ou discursos verbais singulares em relação estreita com a interação da qual são parte, isto é, os gêneros dos discursos verbais determinados pela interação discursiva na vida e na criação ideológicas; 3) partindo disso, a revisão das formas da língua em sua concepção habitual.

Em relação à primeira etapa do método sociológico, a análise “implica se posicionar primeiramente sob o horizonte social deste enunciado, aspirando a compreensao da esfera onde se produz, circula e se recebe (se interpreta) (...) e de seu cronotopo” (ACOSTA-PEREIRA, 2016, s/p), assim como considerar seus interlocutores, seus lugares sociais, o contexto que os envolve, a cultura que neles se projeta e se ressignifica, as atitudes ideológico-valorativas que assumem, assim como seu modo de compreensão da vida social, que se manifestam nas suas posturas autorais assumidas (FRANCO; ACOSTA PEREIRA; COSTA-HÜBES, 2019).

A segunda etapa metodológica corresponde à compreensão dos gêneros do discurso, a partir de uma concepção “fundada na ideia de que a linguagem se materializa por meio de enunciados concretos, articulando ‘interior’ e ‘exterior’” (BRAIT; PISTORI, 2012, p.372), “a explicitar as inter-relações dialógicas e valorativas (entoativas, axiológicas) que o caracterizam enquanto possibilidade de compreender a vida, a sociedade, e a elas responder” (BRAIT; PISTORI, 2012, p.378). Ao analisar a dimensão interna do gênero discursivo, sem apartá-la de sua dimensão social, considera-se a análise “do conteudo temático; do seu estilo e suas projecoes dialogico-estilísticocomposicionais; sua arquitetonica; entre outras instâncias enunciativo-discursivas” (ACOSTA-PEREIRA, 2016, s/p).

Por fim, na última etapa do método, analisam-se as formas da língua em seu sentido habitual. A partir desse panorama, o pesquisador se dedica a compreender quais sentidos são agenciados pelo autor no uso de determinados recursos lexicais, gramaticais, fraseológicos, textuais, os quais são axiologicamente concretizados no estilo verbal empregado à expressividade do enunciado, para cumprimento do intuito de discursivizar uma temática sob determinado posicionamento axiológico, de maneira consubstanciada pelo gênero que mobiliza o dizer. Isto é, uma ADD pressupõe um olhar dialógico para os dados linguísticos.

No movimento permanente de constituição da ADD, vários autores filiados a essa perspectiva têm se dedicado a discutir seu plano teórico-metodológico, de maneira responsiva, elucidativa e expansiva à guisa do método sociológico de estudo da língua/discurso, como recuperamos no Quadro 1.

Quadro 1
Pressupostos teórico-metodológicos da ADD. Elaboração dos autores.

Na linha dessas orientações, Franco, Acosta-Pereira e Costa-Hübes (2019) apresentam organograma sintético representativo do percurso teórico-metodológico dos estudos em ADD, conforme se apresenta na Figura 1.

Figura 1
Percurso teórico-metodológico dos estudos da ADD. Fonte: Franco, Acosta-Pereira e Costa-Hübes (2019, p.288).

O organograma aqui reapresentado guia a compreensão da discussão que envolve a recursividade entre os conceitos nele relacionados, recuperados à baliza da análise dos discursos dos réus do crime de feminicídio em depoimentos formais no Tribunal do Júri, na terceira seção deste artigo.

2 Universo de análise, delimitação dos dados e questões norteadoras

A esfera jurídica, responsável por regulamentar a vida social, é refratária de uma sorte de enunciados, entre os quais estão as leis, decretos, petições, interrogatórios, depoimentos de instrução e prestados em Júri e outros. Dentre esses, aqui elegemos dois depoimentos de réus do crime de feminicídio, colhidos em interrogatórios formais no Plenário do Júri, no triênio de 2018-2020, período posterior ao advento da Lei do Feminicídio – nº. 13.104/2015, que torna o assassinato de mulheres motivado pelo ódio à sua condição de mulher crime de homicídio qualificado, nos termos do art. 121, § 2º-A, I e II do Código Penal. Embora a Lei do Feminicídio e a Lei Maria da Penha representem avanços jurídicos na tentativa de coibir a violência contra a mulher e sua expressão letal no feminicídio, assistimos a uma escalada desse tipo de crime, especialmente no triênio 2018-2020, período coincidente com o contexto histórico de defesa e implementação de agendas políticas neoconservadoras, nas quais o machismo, travestido de proteção e tutela (SAFIOTTI, 2015) tem legitimado a opressão e a dominação das mulheres, via dispositivo da violência.

Os depoimentos foram escolhidos, também, em razão da alta repercussão dos casos na mídia e consequente comoção pública, levando-se em consideração que todos os casos tiveram a autoria dos crimes comprovadas judicialmente, por meio de um farto arcabouço probatório. Assim, nós os classificamos de acordo com categorias jurídicas estabelecidas como qualificadoras no Código Penal Brasileiro, dispostas no art. 121, § 2º, incisos de I até V, e de acordo com os tipos de violência definidas na Lei Maria da Penha2, em seu Artigo 7º, incisos de I até VII.

a) Crueldade, violência física e psicológica – O agente agiu motivado pela crueldade e pela violência física e psicológica, uma vez que assassinou a esposa jogandoa pela janela do apartamento em que moravam, depois de agredi-la sucessivamente tanto física quanto psicologicamente. Tal caso teve grande repercussão na mídia por se tratar do assassinato de uma jovem advogada, a partir do que se instituiu o dia estadual de combate ao feminicídio no estado do Paraná. O réu, nominado como [1º DEPOENTE], foi condenado pela prática do crime, mas em nenhum momento confessou ser o autor do assassinato.

b) Premeditação, violência física e psicológica – O agente agiu processual e planejadamente, esperando como resultado a morte da vítima, assassinada de forma cruel, com mais de vinte facadas. Para se referir ao depoimento desse réu, utilizamos a referência [2º DEPOENTE]. O réu foi condenado pela prática do crime de feminicídio, negando inicialmente, mas acabou confessando o crime durante a instrução processual.

Todos os condenados nesses casos encontram-se presos em penitenciárias estaduais, cumprindo pena privativa de liberdade. Assim, a responder à necessidade social e ao objetivo comprometido e militante pela vida de analisar seus discursos, empreendemos um percurso de análise a partir de questões orientadoras:

i) Como o grande cronotopo atual e o cronotopo do Tribunal do Júri perpassam as práticas discursivas dos réus do crime de feminicídio?; ii) como a esfera ideológica jurídica legitima determinadas projecoes ideologico-valorativas nos discursos desses réus?; iii) como a situacao de interacao discursiva regulariza essas mesmas projecoes ideologico-valorativas nos enunciados proferidos por esses assassinos?; iv) de que maneira a realização estilístico-composicional do conteúdo temático é axiológica e ideologicamente constituída, a (des)revelar nos depoimentos imagens das mulheres por eles assassinadas e imagens de si?

Seguimos à análise, a responder em cada subseção, às questões que norteiam a compreensão das instâncias extralinguísticas e linguísticas dos enunciados eleitos para análise.

3 Análise dialógica dos discursos de réus do crime de feminicídio do Tribunal do Júri

3.1 Do grande cronotopo ao cronotopo do Tribunal do Júri

O cronotopo corresponde à relação indissolúvel do tempo-espaço, visto nem os sujeitos e nem os discursos se situarem soltos nessa relação espaciotemporal discursiva. Apesar de indissolúvel, a relação entre essas duas dimensões não é fundida, pois o tempo é o “princípio condutor do cronotopo” (BAKHTIN, 1988, p.213) e se coaduna às variantes espaciais, para mediar relações sociais e constituir índices de identidade, a consubstanciar imagens de sujeitos (des)veladas nos enunciados (HUFF, 2021). Essa assimilação entre os aspectos do espaço histórico reais e do homem histórico e a realidade que neles se revela constitui-se num processo complexo e descontínuo (ROHLING, 2020). Nesse sentido, nenhuma manifestação discursiva é isenta de simbolismo, e todo discurso ou toda imagem de sujeito constituída no enunciado “está plena de potencial historico” (BAKHTIN, 1988, p.273). Como pontuam Acosta-Pereira e Rodrigues (2014, p.189), “o cronotopo, mais do que ser apenas responsável pela orquestração indissolúvel do tempo e espaço presente nos eventos do homem, é, de fato, o campo de visão axiologicamente marcado para esses eventos”.

Bakhtin (1988, p.358) discute, ainda, que é a partir do mundo real que se originam “os cronotopos refletidos e criados do mundo representado na obra (no texto)”. Há os grandes cronotopos reais que sustentam a emergência das discursividades, assim como menores, formados nos espaços sociais historicamente constituídos, onde os discursos se manifestam concretamente. Do ponto de vista interno dos enunciados, ainda, pequenos cronotopos são configurados em orientação temática.

No cronotopo sócio-histórico brasileiro, assistimos a uma longa história de vivências sociais perpassadas pela cultural patriarcal, pelas desigualdades de gênero, pelas assimetrias decorrentes, as quais sustentam a perpetuação de atos de violência física, psíquica, jurídica, sexual, simbólica e outras contra as mulheres e que, não raras vezes, culminam em feminicídio. O aniquilamento das mulheres, em sua maioria por agentes homens, companheiros, maridos, é um fenômeno persistente em todas as classes sociais.

Nesse sentido, as discursividades jurídicas, aqui em análise os depoimentos de réus assassinos do crime de feminicídio, constituem a memória e a (re)produção de relações sociais regulares. Esse grande cronotopo sócio-histórico brasileiro refrata-se às especificidades do pequeno cronotopo do Tribunal do Júri, constituindo índices de identidade aos assassinos de mulheres, a partir das relações de alteridade (AMORIM, 2004) com o outro para quem se fala – o júri, o juiz, a juíza, os advogados, a opinião pública, pois o passado, ainda que modificado, se reatualiza em novas práticas. O cronotopo do Tribunal do Júri brasileiro, por exemplo, foi, até o ano de 2021, palco para defesa de teses acintosas como a legítima defesa da honra. De modo imbricado, o grande cronotopo e o cronotopo específico do Tribunal do Júri funcionam como centros organizadores da imagem do assassino e da vítima no enunciado.

Assim, no Tribunal do Júri, os discursos dos réus assassinos do crime de feminicídio se constroem na e a partir das tensões entre um agir discursivo convergente ao intuito de atenuação ou isenção total da culpa. Autor absoluto da versão dos fatos, visto a vítima estar silenciada pela morte, os assassinos reportam-se ao Júri com o intuito de discursivizar imagens negativas sobre as vítimas, transformadas por eles em culpadas, ao passo que para si discursivizam imagens de homens vitimizados, perturbados por elas, coagidos ou interpelados a agir3.

As narrativas dos assassinos constroem-se em torno de relações sociais e conjugais afetivas conturbadas, regidas por desejo de domínio, posse, controle, e nelas se naturalizam diversos tipos de violência, até que se culmina no assassinato propriamente dito, sempre decorrente, na visão do assassino, de uma fatalidade e da necessidade de uma reação a uma provocação da vítima, como se analisa no excerto 1:

  • 1) [2º DEPOENTE]: Daí ela olhou pra mim e falou... “eu gosto de você...mas ele me faz bem... aí na hora que ela falou isso eu fechei o olho e golpeei... eu não sei como”4.

No excerto 1, o assassino descreve o último momento antes do crime. Ele golpeia a vítima com uma faca, porque reage à provocação imediata dela, ao se confessar traidora, o que despertou nele forte emoção, perda da racionalidade. É desse modo que, no cronotopo do Júri, os discursos dos réus assassinos manifestam-se defensivo-vitimistas-acusativos. O discurso é defensivo em seu conteúdo, porque converge ao intuito do assassino de atenuar ou se isentar da pena. Já em plano semiótico, a construção discursiva da própria defesa se dá sempre na tensão entre o vitimizar-se e o acusar/difamar, a partir do que os assassinos constroem imagens negativas para a mulher, apoiando-se em valorações compartilhadas com o juiz/juíza e com Júri.

3.2 Da esfera ideológica jurídica

Cada esfera ideologica da comunicacao, ou “campo da criacao ideologica possui função específica na unidade da vida social” (VOLÓCHINOV, 2018a, p.94). Essas esferas, portanto,

(...) não apenas saturam e significam os enunciados de determinadas projeções ideológicas, valorativas e de sentidos como, em adição, os consubstanciam de determinadas condições de produção e finalidades discursivas, que se materializam no conteúdo temático, no estilo e na composição (ACOSTA PEREIRA; RODRIGUES, 2010, p.3).

A esfera reverbera a realidade fática das práticas de linguagem do sujeito situado, que, motivado por um querer-dizer compartilhado com o outro, mobiliza-o em dado gênero, com meios próprios de apreender a realidade. A orientação interna e externa do gênero à realidade (MEDVIÉDEV, 2019) consubstancia o enunciado de maneira peculiar, única, mas ao mesmo tempo de forma respondente à esfera.

E sendo a esfera ideológica jurídica responsável pela regulamentação da vida social, compõe os sistemas ideológicos institucionalizados que se constituem a partir do diálogo com a ideologia do cotidiano, de modo a exercer sobre ela uma influência reversa (BAKHTIN, 2014). Assim, os discursos dos réus do crime de feminicídio no Tribunal do Júri são perpassados de relações dialógicas que neles engendram relatos da vida íntimocotidiana. Ao mesmo tempo, os réus apelam a valores morais, antecipam-se à lei pela orientação do advogado. Na esfera ideológica jurídica e nos depoimentos de réus no Tribunal do Júri, portanto, consolida-se uma hibridez discursiva, construída nas fronteiras de relações dialógicas entre discursos íntimo-cotidianos, morais percebidos e subentendidos e legais, como se analisa no excerto 2:

  • 2) [2º DEPOENTE]: Eu fiquei na porta do banheiro... porque a porta do banheiro fica atrás da pia... eu ali e falei... “Sai daqui!” e ela falando: “Eu te traí... eu realmente te traí... eu me arrependo de ter te traído... mas não me arrependo de ter conhecido ele”.

Aqui, o assassino recorre ao relato íntimo-cotidiano, enquadra a voz da vítima e a dele, para constituir o efeito de verdade no discurso. Como prenuncia Volóchinov (2018d), o discurso citado é um discurso no discurso, um subtema para o tema. No entanto, por estar orientado pelo advogado e por saber que no processo penal a forte emoção conta, o assassino discursiviza essa emoção decorrente da provocação da vítima, quando enuncia: “Eu te traí ... eu realmente te traí”. Com isso, constrói para ela a imagem de traidora confessa e provocativa, o que constitui apelo moral ao Júri, a deixar subentender que a confissão ouvida o feriu profunda e moralmente, o atingiu de tal modo que provocou sua reação. Ao mesmo tempo, o argumento da forte emoção subentendida responde à antecipação aos meandros da lei, que permite, historicamente, no âmbito do Direito Penal, a aceitação de tal argumento. Desse modo, a esfera jurídica legitima discursos machistas, nos quais se institui que o homem não pode ser desafiado, desonrado, traído. Conforme discute Ramos (2012, p.53), historicamente “foi construída a prerrogativa da legítima defesa da honra na Jurisprudência brasileira”, que, conservadoramente, vigorou na lei até o ano de 2021. Os resquícios da legitimação de argumentos como o citado ainda reverberam.

Em relação aos discursos íntimo-cotidianos e morais, no direito processual penal, foi e ainda é admitida a construção de argumentos atenuantes e redutores da pena com base em valores morais, religiosos, políticos e sociais. A Constituição Federal de 1988 prevê, no artigo 5º , inciso XXXVIII , alínea a e no mesmo artigo, inciso LV, a plenitude de defesa e a ampla defesa, respectivamente. Por isso, é comum que se ouça no tribunal que o réu cometeu o crime por conta de cíúmes, por discussão, por irritação, ou qualquer outro fator que tenha gerado uma forte emoção a ponto de levá-lo a perder a racionalidade e dar um fim à vida da vítima. Dessa forma, historicamente, a esfera ideológica jurídica tem legitimado determinadas projeções axioideológicas nos discursos dos assassinos de mulheres.

3.3 Da situação de interação

A situação de interação discursiva no Tribunal do Júri é profórmica, como em grande parte é a esfera que a legitima. Na atmosfera axiológica que rege a interação discursiva no Tribunal do Júri, os papéis sociais do réu, do Juiz, do advogado, do Júri e da promotoria são bem definidos. Os turnos de fala procedem de acordo com os ritos legais processuais e o depoimento não se constrói livre, mas guiado pelo par perguntaresposta, em interrogatório conduzido pelo(a) juiz/juíza. A constituição do discurso do réu é orientada pelo advogado para se livrar de qualificadoras que possam aumentar a pena e, assim, as vivências sociais sao atualizadas nos depoimentos, de modo que “a sua orientação social adquire uma direção para a situação social mais próxima da fala e, acima de tudo, aos interlocutores concretos” (VOLÓCHINOV, 2018, p.211). Dessa forma, o depoente é orientado a responder com exatidão às perguntas. O quanto ele puder ser profórmico e econômico em suas palavras, será, para evitar que se autocomprometa. Nos excertos 3, 4 e 5, quando a juíza pergunta ao acusado sobre as vivências entre ele a vítima, se tinham desentendimentos, se algo havia mudado, se algo estava fora do normal entre ele e a vítima, ele economiza:

  • 3) [2º DEPOENTE]: Não.

  • 4) [2º DEPOENTE]: Não.

A juíza traz à memória do acusado que ele havia declarado antes que a esposa reclamava da falta de diálogo entre eles e ele confirma:

  • 5) [2º DEPOENTE]: Isso!

Em adição, o depoente reconhece os interlocutores no tempo-espaço e reconhece as condutas e as hierarquias que regem a interação. Pela orientação do advogado, dirigese respeitosamente às autoridades presentes, como se concretiza nos pronomes ou expressões de tratamento presentes nos excertos 6 e 7. O respeito hierárquico é nítido no depoimento:

  • 6) [1º DEPOENTE]: então... ExCELÊNcia... primeiramente antes de começar a responder as perguntas, eu gostaria de pedir perdão a família da [nome a vítima].

  • 7) [1º DEPOENTE]: segunda consideração que quero fazer... doutores... ((entonação de respeito)) vocês têm os celulares disponíveis aí?... se me for permitido disponibilizar para os cidadãos jurados... o celular e a senha... no momento oportuno que a Excelência determinar... ((entonação de submissão e bajulação)).

O réu acusado se mostra submisso: “Se me for permitido disponibilizar para os cidadaos jurados”, “no momento oportuno que a Excelência determinar”, o que se consolida na entonação respeitosa e bajuladora que usa orientada pelo advogado. Conforme Volóchinov (2019, p.121; grifo no original),

as avaliações subentendidas não são as emoções individuais, mas os atos socialmente lógicos e necessários. Já as emoções individuais podem acompanhar o tom principal da avaliação social apenas na qualidade de tonalidades: o ‘eu’ pode se realizar na palavra apenas apoiando-se nos ‘nós’.

O acusado sabe que não pode desrespeitar o juiz/juíza, que deve mostrar esse respeito concretizado em sua entonação, na escolha das palavras. Do mesmo modo, sabe que deve negar ou justificar qualquer ato que possa imputar qualificadoras ao aumento da pena. Mover o corpo da vítima do lugar antes da chegada da perícia, por exemplo, configura crime de alteração da cena do crime, conforme prevê o Artigo 347, do Código Penal Brasileiro. Assim, o primeiro depoente afirma que moveu o corpo da vítima do local do crime por impulso, por perda de racionalidade, por estar movido por uma forte emoção momentânea. Para isso, discursiviza seu ato a partir do tom emotivo-volitivo de desespero, lamento, como se concretiza no excerto 8. Conforme preconiza Bakhtin (2011), em Gêneros do discurso, o enunciado é recoberto por um tom geral convergente à manifestação da vontade discursiva. “Pode-se assumir um tom mais seco, ou mais respeitoso, mais frio ou mais caloroso” (BAKHTIN, 2011, p.284). No excerto, o tom geral predominante é de desespero e é constituído por um amálgama de entonações expressivas outras, como analisamos:

  • 8) [1º DEPOENTE]: é só que no momento foi um impulso que eu tive... foi um momento... foi um impulso que eu tive... peguei ... PEGUEI ela pra mim... pra levar lá pra cima... ((entonação de desespero e lamento)) pra levar pra NOSSA casa... só que não teve um raciocínio... foi um impulso... foi um impulso...

Como analisamos a partir do excerto, a emoção e o impulso são os álibis do acusado para justificar a alteração da cena do crime. Assim, repete expressões, palavras, para concretizar desespero, cria uma cena trágica em que ele toma o corpo da vítima para si, o que discursiviza com entonação de lamento. Discursiviza, ainda, a imagem de um homem familiar e carinhoso, com entonações afetuosas. Refrata-se protetor ao usar o pronome “nossa” para se referir a casa dos dois. Como problematiza Safioti (2015), a violência contra a mulher também se expressa sob a máscara da proteção e do cuidado.

A partir do que emerge da análise, os discursos dos réus confessos ou acusados de feminicídio na situação específica de interação concretizam-se profórmico-hierárquicobivocais. O discurso é profórmico porque a situação formal é dirigida, com ritos estabelecidos e papéis sociais definidos e consubstancia os atos de linguagem do assassino, guiando-o sobre o que dizer, como dizer e quando dizer. Ao mesmo tempo, o discurso é hierárquico porque os mesmos assassinos que agem com extrema brutalidade ao assassinar mulheres, jogando-as pela janela, desferindo mais de 20 facadas, como os que deram os depoimentos aqui analisados, agem com respeito hierárquico ao se dirigirem ao juiz/juíza, a responder aos ritos da interação com entonações de autocontrole, bajulação e mansidão.

Na entonação, a palavra entra em um contato direto com a vida. E antes de mais nada, o falante entra em contato com os ouvintes justamente por meio da entonação: a entonação é social par excellence. Ela é especialmente sensível em relação a todas as oscilações do ambiente social que circunda o falante (VOLÓCHINOV, 2019, p.117-123; grifo no original).

O discurso do assassino, ainda, é bivocal porque é orientado pelo advogado, via relações dialógicas com os já ditos nas leis e nos discursos que reverberam valores morais, culturais, os quais são legitimados na esfera jurídica no âmbito do Direito Penal. Conforme ratifica Bakhtin (2015, p.113; grifos no original),

discurso do outro na linguagem do outro, que serve à expressão refratada das intenções do autor. A palavra de semelhante discurso é uma palavra bivocal especial. Ela serve ao mesmo tempo a dois falantes e traduz simultaneamente duas diferentes intenções: a intenção direta da personagem falante e a intenção refratada do autor. Nessa palavra, há duas vozes, dois sentidos e duas expressões.

Todas essas projeções valorativas da dimensão extralinguística da linguagem se sobrepõem cumulativamente e se refletem ao modo como os discursos são axiologicamente constituídos no conteúdo temático do gênero, estilístico e composicionalmente realizado.

3.4 Projeções das dimensões extralinguísticas do enunciado na realização do conteúdo temático

Para Acosta-Pereira e Oliveira (2020, p.247), o conteúdo temático é cronotópico e “nao depende exclusivamente da vontade do sujeito que enuncia, mas dessa vontade engendrada as condicoes dadas pelo cronotopo”. Assim, o cronotopo, ao abarcar o objeto do discurso, “o ato da enunciacao em si e, portanto, o autor e o interlocutor na situacao de interacao, (...) [constitui] base para o analista recuperar uma imagem discursivizada de sujeito cronotopica” (HUFF, 2021, p.143; grifo no original). Essa imagem não é apenas cronotópica, mas reflete as valorações cumulativas das demais dimensões extralinguísticas do enunciado – a esfera ideológica, a situação de interação –, bem como os papéis sociais dos sujeitos participantes. Passamos a analisar as imagens das vítimas e de si próprios construídas pelos assassinos no conteúdo temático dos dois depoimentos.

3.4.1 Imagens de mulheres e de si na tematização discursiva da atenuação/isenção da pena pelos assassinos

Os discursos do primeiro e do segundo depoente se constroem sob intuitos diferentes. O primeiro nega a autoria do crime e se defende sob a tese de que a vítima teria se suicidado, teria se jogado, em vez de ele a ter jogado pela janela do quarto andar do apartamento onde residiam. Já o segundo depoente assume a autoria delitiva do crime, mas busca atenuar a sua culpa. Ambos têm em comum as mesmas vias do discurso defensivo-vitimista-acusativo, perpassado pelo cronotopo; dos discursos íntimocotidianos, morais e legais hibridizados e legitimados na esfera jurídica e do discurso profórmico-hierárquivo-bivocal, regularizado na situação de interação discursiva.

O relato do [1º DEPOENTE] se constrói em torno do dia do crime. Ele e a vítima teriam saído para comemorar o aniversário dele em um bar com os amigos e ela teria estragado o antes, o durante e o depois da festa, com atraso, perda da mesa reservada, ciúmes, tentativa de invasão de sua privacidade ao celular, birras, teimosias, histerias, chantagens, devaneios, descontrole emocional e outras atitudes que o tiraram do controle de si e da situação. As imagens que constrói da mulher e de si formam-se a partir de um subconjunto de tematizações, sob recursos estilísticos específicos, nos quais as valorações se concretizam sob um tom geral dramático, de desespero. Nos excertos 10 e 11, o acusado investe em construir para a vítima imagens negativas, que ajudam a sustentar a tese de que ela teria sido capaz de se suicidar:

  • 9) [1º DEPOENTE] – e ela meio que se joga no chão... ela se joga no chão... “porra... fazendo manha, né”... “Levanta...” ((entonação descontrolada e agressiva, autoritária))... e ela tenta me puxar de novo pro chão...

  • 10) [1º DEPOENTE] – nisso ela ficou puta da vida... ela ficou poSSESsa... ela ficou alucinada... ficou alucinada... ela jogou o celular no chão... ela arremessou o celular no chão... ela estraçalhou o celular... abaixei pra pegar e falei... “oh o que você fez... parabéns...” ((entonação irônica)) nisso ela falou... “essas vagABUNDAS”... e já foi pra cima de mim... já foi me atacando... “ó essas VAGABUNDAS... essas PUTAS”...” Foi me batendo...

No excerto 09, o acusado discursiviza a imagem de uma mulher birrenta, infantil. Relata que a vítima se joga no chão, a fazer manha, enquanto ele age como se fosse um pai autoritário e corretivo, a exigir que se levante, como se concretiza na forma verbal no imperativo “Levanta”. A entonacao autoritária, descontrolada, agressiva, deixa subtender uma relação assimétrica, em que ele é o mandatário e ela, a pessoa que não consegue estabelecer julgamentos salutares e por isso deve obedecer. Ao descrever as interações conflituosas entre eles nos dois excertos, o acusado deixa subentender discursos que des/revelam a imagem de um homem autoritário, grosseiro, agressivo, irônico, acusativo em suas palavras: “Sai daqui, vai embora”, “Levanta” – formas verbais no imperativo para expressar ordens; “porra” – interjeição utilizada com entonação de abuso e agressividade: “oh o que você fez, parabéns! ” – expressão irônica com entonação acusativa que imputa culpabilidade ao ato da vítima, à sua forma de agir.

No excerto 10, a partir de predicativos, ele relata o estado dela: “ficou puta da vida”, “ficou possessa”, “ficou alucinada”. O acusado repete a mesma estrutura sintática, para enfatizar o quanto a vítima era uma mulher alterada e descontrolada. A construção dessa imagem de mulher descontrolada se intensifica à medida que ele relata que ela arremessou o celular no chão e o estraçalhou. Posteriormente, constrói a imagem da mulher ciumenta, a replicar e enquadrar diretamente a voz da vítima no relato, demonstrando como ela se referia às mulheres das quais sentia ciumes: “Essas vagabundas”. Da mesma forma, ainda, discursiviza a imagem de uma mulher descontrolada, agressiva, capaz de atacá-lo, como se nota: “e já foi pra cima de mim, já foi me atacando, [...] foi me batendo”.

Nos dois excertos, o acusado discursiviza para a vítima imagens de uma mulher histérica, desequilibrada, descontrolada emocionalmente, infantil, agressiva, desrespeitosa, ciumenta e birrenta. Conforme discute Huff (2021, p.134; grifo no original), “as imagens discursivizadas de sujeito nao devem ser entendidas como generalizacoes abstratas dos sujeitos em geral tampouco como expressoes materializadas da psique do indivíduo, mas como categoria nao-indiferente”. Assim, a criação dessas imagens para a vítima ajuda a sustentar a tese de suicídio, para afastar a acusação do feminicídio. Em direito penal, in dubio pro reo é um princípio fundamental que prevê o benefício da dúvida em favor do réu, isto é, em caso de dúvida razoável quanto à culpabilidade do acusado, nasce em favor deste a presunção de inocência, uma vez que a culpa penal deve restar plenamente comprovada.

Sobre si, ele discursiviza a imagem de um homem conciliador, mas, paradoxalmente, permite (des)velar a imagem de um homem verbal e gestualmente agressivo, como se analisa em 11 e 12:

  • 11) [1º DEPOENTE] - e eu sempre colocando panos quentes... mas acontece que ela demorou de propósito... ao meu ver...

  • 12) [1º DEPOENTE] - “com quem que você está falando? Deixa eu ver o seu celular, com quem você está falando?... ” eu falei... “porra” ((entonação irritada e agressiva))... “estou falando com quem está me mandando mensagem... para de ficar neurótica, fica tranquila... “deixa eu ver o celular...”

No excerto 11, ele se mostra conciliador, com a expressao “coloquei panos quentes”, a mobilizar o juízo de valor social sustentador da imagem de um homem apaziguador. No entanto, (des)vela-se ressentido ao avaliar que ela demorou de propósito. Em 12, a construção discursiva tematicamente orientada da imagem da mulher ciumenta entretece no relato relações dialógicas ancoradas em discursos sobre ciúmes, desejo de controle por parte da mulher. Os repetidos enquadramentos das vozes da vítima, “Deixa eu ver o seu celular, com quem você está falando?” e “O que você está mexendo no celular?” reafirmam para ela a imagem de uma mulher insegura, perturbadora, insistente, invasiva, ciumenta. Ele deixa entrever a imagem de uma mulher neurótica, intranquila, como concretiza nos predicativos que atribui a ela.

O segundo depoente é réu assassino confesso que desferiu mais de vinte facadas na vítima, por não aceitar o fim do relacionamento entre os dois. Há um ano e meio a vítima tinha pedido a separação e ele resistia em lhe conceder. No relato, o assassino constrói para si a imagem de um homem psicologicamente abalado, doente, inconsciente, que passava por tratamento psiquiátrico. Em adição a isso, relata que o crime foi impulsionado por forte emoção resultante de revolta pela forma como a vítima o desrespeitou profundamente e pela forma provocativa como confessa a traição depois de ser interpelada por ele, como se nota na sequência dos excertos 13, 14, 15 e 16:

  • 13) [2º DEPOENTE] - estava passando pelo psiquiatra... porque eu estava com problemas psicológicos... é... e a minha supervisora indicou... para eu passar no psiquiatra e eu fui e passei pelo psiquiatra...

  • 14) [2º DEPOENTE] - primordial foi que eu não conseguia lidar comigo mesmo... não sabia o que pensar... não sabia... eu achava que a saída era me matar.

  • 15) [2º DEPOENTE] - mandou uma foto com o vestido que eu tinha comprado pra gente passar o ano novo junto... e ela falando... “e essa é pra você...” e ele falando... “linda... Delícia...” ((entonações de malícia)) e tinha foto das minhas filhas na conversa e ele comentando... “linda... delícia...”

  • 16) [2º DEPOENTE] - eu peguei a faca e fui pro quarto... e ela falou... “o que que está acontecendo?... ” daí eu falei... “você está me TRAINDO... ” aí ela falou assim... “eu não estou te traindo... ” e assim ela negou... daí eu... “QUEM É FÁBIO?”... “eu vi você mostrando as fotos do vestido que eu comprei pra você ir no ano novo... ” Aí ela falou... “quer saber de uma coisa?... eu REALMENTE te traí, eu trouxe ele pra dentro de CASA.... ” e aí ela foi falando e eu no quarto com a faca.... e eu falava... “sai daqui! sai daqui”... ((entonações de ordem e desespero)) e ela não saía... aí eu sai do quarto ...

Em 13, o assassino discursiviza seu estado emocional e psicológico abalado. Afirma estar passando por tratamento psiquiátrico e deixa subentender a tese da inconsciência de seu ato. Em 14, ele explicita essa tese ao afirmar que o “primordial” era que não conseguia lidar consigo, “nao sabia o que pensar... nao sabia”. Nesse ponto, o assassino direciona o discurso para, a partir da imagem de pessoa psicologicamente abalada, construir a tese de isenção de culpa, por estar perturbado, incapaz de pensar por si só.

Essa estratégia é direcionada à busca por uma possível medida de segurança, que se diferencia do cumprimento da pena em estabelecimento prisional, pois quando o réu é considerado doente mental, ele é internado em hospital psiquiátrico, por exemplo. A orientação do advogado engendra no discurso do assassino relações dialógicas com a lei. Nesse sentido, “as relações de sentido entre os diferentes enunciados assumem índole dialogica” (BAKHTIN, 2011, p.320) na composição do discurso. Como se dispõe no Artigo 26, do Código Penal:

É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Redução de pena.

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (BRASIL, CÓDIGO PENAL, 1940, p.5).

Assim, a discursivização da imagem de homem inconsciente, que pratica o crime quando está fora de suas faculdades mentais normais, contrapõe-se à discursivização da imagem de uma mulher traidora, inconsequente, insensível no excerto 15, pois trai o marido com as roupas que ganha dele; é desrespeitosa, visto compartilhar fotos das filhas com o amante. No relato, o assassino reacentua as entonações maliciosas que depreende das mensagens de whatsapp do amante, alternadas à troca de fotos nas quais as filhas aparecem.

Em 16, ele discursiviza a cena de interpelação à vítima para que confesse a traição. Depreende-se a forte pressão psicológica exercida, quando imputa real ameaça de morte à vítima pelo gesto de estar com faca empunhada, pela entonação descontrolada, agressiva, inquisitiva, possivelmente dirigida a ela: “Você está me traindo!”, “Quem é Fábio?”. Como afirma Volóchinov (2019, p.126-127), “a metáfora entonacional tem um parentesco estreito com a metáfora gestual. (...) No gesto sempre dorme o embrião do ataque ou da defesa, da ameaça ou do carinho, sendo que ao observador ouvinte é reservado o lugar de cumplice ou testemunha”.

Dessa forma, no ínterim do relato, des/revela-se a imagem de um homem intencionado a matar. No entanto, o assassino discursiviza a imagem de uma mulher que o afronta, o provoca e é ultrajante, pois confessa a traição com ênfase provocativa, como se analisa na concretização entonacional aplicada ao advérbio “realmente”, na expressao “Eu realmente te traí”. Em somativa assindética, essa mulher complementa: “eu trouxe ele pra dentro de CASA”. A justificativa do crime se constitui discursivizada em relatos correlacionados: um sujeito com saúde mental abalada, perturbado, é traído, ultrajado, provocado a reagir, perde a racionalidade e assassina.

Quando interrogado como deu a primeira facada, e se não se lembra das outras (consta nos autos da perícia que a vítima recebeu vinte e cinco golpes de faca), ele descreve a cena, a construir a imagem de um homem esquecido, cujos atos foram regidos pela perda de racionalidade:

  • 17) [2º DEPOENTE] – olha... eu estava com a faca assim ((sinaliza o objeto próximo ao peito))... então provavelmente deve ter sido aqui no pescoço... eu sei que daí ela fez assim pra mim ((sinaliza com a junção dos punhos))... e eu não sei se golpeei as mãos dela... eu não sei... perdi a noção... até hoje eu não sei o porquê e como eu fiz isso...

A discursivização da imagem de um homem esquecido, que não tem certeza do que fez e como fez se representa linguisticamente no advérbio “provavelmente”, na modalização da possibilidade “deve ter sido”, na expressao repetida de duvida “eu não sei”, na tese de perda de controle e racionalidade. Nesse caso e no restante do depoimento, a mesma constituição discursiva tensionada se repete.

Considerações finais

Aqui analisamos como os discursos dos réus do crime de feminicídio constituemse sob uma orientação semântico-objetal defensivo-vitimista-acusativa refratada pelo cronotopo. Inseridos à esfera jurídica, esses discursos hibridizam-se íntimo-cotidianos, morais e legais, da mesma forma que se concretizam profórmico-hierárquico-bivocais na situação específica de interação do Tribunal do Júri.

Essas orientações emergentes e cumulativas da dimensão extralinguística dos enunciados analisados refletem-se ao conteúdo temático dos depoimentos, no qual, estilística e composicionalmente, se entretecem relações dialógicas e se mobilizam axiologias vinculadas a partidas ideológicas sustentadoras da discursivização de imagens de si e das vítimas. Essas imagens des/revelam sujeitos em relações sociais conflituosas.

Apesar de cada depoimento analisado ter seu intuito específico e se assentar em diferentes argumentos, axiologicamente, os assassinos discursivizam, de forma percebida, imagens: a) de homens vitimizados e psicologicamente abalados; b) de homens que agem de forma inconsciente; c) de homens provocados a reagir; d) de homens que não tinham intenção de matar; e) de homens arrependidos. A respeito das vítimas, discursivizam imagens negativas de mulheres provocativas; a) que atormentam; b) são inconsequentes; c) descontroladas; e outras.

A análise da concretização linguística aponta que, paradoxalmente, ao tentar se defender e discursivizar sua vitimização, os assassinos deixam subentender imagens de si, entre elas, de homens autoritários, controladores, agressivos, descontrolados, inconsequentes, intencionados a matar, entre outras.

Com o trabalho, esperamos prospectar a necessidade de problematizar as práticas e os atos discursivos na esfera ideológica jurídica e alertar seus agentes para compreender e aderir responsavelmente aos avanços das Ciências Humanas e da linguagem, no que tange ao reconhecimento do conteúdo ideológico manifestado axiologicamente nos depoimentos de réus assassinos do crime de feminicídio e que dizem de relações sociais assimétricas, subsidiadas pelas desigualdades de gênero, ancoradas em valores patriarcais que favorecem a prática do aniquilamento das mulheres.

  • Pareceres
    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtinina. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, este periódico publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • Declaração de disponibilidade de conteúdo
    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • 1
    Site IPEA – direcionamento ao Atlas de Violência 2019 pelo endereço eletrônico: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=34784
  • 2
    De acordo com a Lei Maria da Penas no artigo 7º, incisos de I a VII, a violência contra a mulher pode se concretizar física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.
  • 3
    Essas imagens serão desdobradas na análise do conteúdo temático dos depoimentos dos réus do crime de feminicídio.
  • 4
    Transcrição do oral para o escrito de acordo com a tabela de Petri (1999).

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  • HUFF. L. A. Entre o sujeito e o seu discurso: um estudo dialógico. 202p. Tese (Doutorado em Linguística). Programa de Pós-Graduação em Linguística, Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.
  • LOURO, G. L. Gênero, história e educação: construção e desconstrução. Revista Educação e Realidade, v. 20, n. 2, p.101-132, 1995. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/71722/40669 Acesso em: 10 set. 2020.
    » https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/71722/40669
  • MEDVIÉDEV, P. O método formal nos estudos literários Introdução crítica a uma poética sociológica [1928]. Tradução e Nota das tradutoras de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Apresentação Beth Brait. Prefácio Sheila Vieira de Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2019.
  • RAMOS, M. D. Reflexões sobre o processo histórico-discursivo do uso da legítima defesa da honra no Brasil e a construção das mulheres. Revista de Estudos Feministas, v. 20, n. 1, p.53-73, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2012000100004 Acesso: 10 maio. 2022.
    » https://doi.org/10.1590/S0104-026X2012000100004
  • ROHLING, N. A pesquisa qualitativa e a análise dialógica do discurso: caminhos possíveis. Cadernos de Linguagem e Sociedade, v. 15, n. 2, p.44-60, 2014. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/les/article/view/7561 Acesso em: 15 fev. 2022.
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  • ROHLING, N. Cronotopo pandêmico e a produção de imagens corpóreas: reflexões inacabadas. Fórum Linguístico, v. 17 n. 4, p.5221-5237, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/forum/article/view/78444 Acesso em: 20 jan. 2021.
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  • SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2015.
  • SOBRAL, A. U.; GIACOMELLI, K. Elementos sobre as propostas de Voloshinov no ambito da concepção dialógica de linguagem. In: RODRIGUES, R. H.; ACOSTAPEREIRA, R. (org.). Estudos dialogicos da linguagem e pesquisas em Linguistica Aplicada. São Carlos: Pedro & João Editores, 2016. p.141-162.
  • SCOOT, J. Gênero, uma categoria útil de análise histórica. Educação e realidade, v 2, n. 20, p.145-155, 1995. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/71721/40067 Acesso em: 11 out. 2020.
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  • VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem [1929-1930]. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2018.
  • VOLOCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia: para uma poética sociológica [1926]. In: VOLOCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Tradução de Sheila Grillo; Ekaterina Vólvoka Américo. São Paulo: Editora 34, 2019. p.109-146.
  • VOLOCHÍNOV, V. Que é a linguagem? [1930]. In: VOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios. Organização, tradução e notas: João Wanderley Geraldi. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013. p.131-156.

Parecer I

Sobre o autor do parecerSCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

O artigo traz análise de textos sensíveis e o faz de forma clara e bem organizada apontando caminhos para auxiliar os atores da esfera jurídica que tanto necessitam de apoio para orientar suas decisões. Auxilia também as questões envolvidas para os analistas do discurso em enunciados não tão frequentes como objeto de análise.

Quanto aos elementos a serem observados nesta avaliação, o título é adequado ao que foi realizado no corpo do artigo. Os objetivos foram apresentados dentro de uma perspectiva maior (questão sobre o discurso) e foram satisfeitos.

A teoria está bem apresentada e foi apresentada de forma coerente com o analisado. A conclusão recapitula e não repete a estrutura do conteúdo, o que em si é um mérito para o artigo.

Assim, indico o artigo para a publicação com uma revisão nas referências como explicito nas observações complementares com sugestões. APROVADO

Destaco algumas questões a serem adequadas:

  • A) há uma menção a "nesse triênio", como o pronome demonstrativo aponta para o corrente ano e os anteriores, é melhor indicar no corpo do texto para evitar que o leitor ou a leitora tenham de buscar na data de submissão do artigo.

  • B) Antes do subitem 4., há a indicação do subitem 4.1.2. Acredito que se trata de uma adequação no artigo que não foi feita. Ou seja, revejam a numeração dos subitens.

  • C) Em outro parágrafo na análise, o início é "com analisamos a partir do excerto...". Trata-se de um ajuste pequeno.

  • D) a grafia de whatsapp está como whastsapp. desequilibrada está como desiquilibrada e entonaçãoes. Neste caso, talvez fosse uma tentativa de colocar (ões). Verifiquem.

  • E) Uma questão que deve ser corrigida são as referências (apresentarei as referências na ordem das páginas e não em ordem alfabética), pois:

1) faltam os seguintes títulos que são indicados no corpo do artigo:

- LOURO, 2005

- ROHLING, 2014 (dois textos de Rohling foram citados e há somente um nas referências)

- BRAIT, 2014

- DESTRI, MARCHEZAN, 2021

2) Ajustes:

DE PAULA das referências, aparece como PAULA no corpo do artigo;

BRAIT e BRAIT; PISTORI, apareceram sem data, só com número de página.

VOLOSHINOV, 2018[1929-1930] não está nas referências. O que aparece nas referências é VOLOSHINOV, 2013[1930]; VOLOSHINOV, 2017; VOLOSHINOV, 2019[1926]. Vejam, por favor, se realmente está faltando ou se algum texto veio com data equivocada.

BAKHTIN, 1988[1963] não está nas referências. Lá está BAKHTIN, 1988[1975] que é citado depois das páginas iniciais.

MEDVIÉDEV, 2019[´1928] não está nas referências. Lá está MEDVIÉDEV, 2012.

  • recomendação: aceitar

Parecer II

Sobre o autor do parecerSCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

Trata-se de um artigo bem construído cujo enfoque centra-se na análise, mas sem deixar de recorrer à teoria para fundamentá-la. Seu título está adequado ao que é tratado, assim como os objetivos direcionam para o conteúdo do texto, conduzindo a leitura e a compreensão do que é tratado. Interessante destacar o cuidado com a metodologia, que retoma propostas de outros autores da área para determinar a escolhida para tratar os depoimentos. Nessa escolha, a teoria é um tanto negligenciada, mas isso não prejudica o texto, uma vez que a parte analítica explicita as considerações teóricas necessárias à análise. Com o foco na citação de outras metodologias, o artigo apresenta uma síntese bibliográfica atual, o que confere ao artigo relevância e atualidade. Ainda é preciso destacar que o objetivo do texto responde a uma questão atual e que deve ser objeto de estudos discursivos, como apontado propriamente nas considerações finais, o que justifica a sua publicação. Por fim, a adequação linguística do trabalho possibilita uma leitura direcionada e clara da reflexão empreendida e das conclusões apresentadas. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Parecer III

Sobre o autor do parecerSCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer III

O artigo se propõe a "analisar como se constituem axiológica e ideologicamente os discursos de réus do crime de feminicídio no Tribunal do Júri". Possui temática relevante, contribuindo para os estudos da análise dialógica do discurso. A teoria está adequada, os conceitos que guiam a análise também.

É importante verificar algumas questões que prejudicam a qualidade do artigo, as quais listo a seguir:

  • a) Verificar categorias utilizadas na análise não explicadas na parte teórica do artigo (como "cronotopo" - apenas citado)

  • b) Verificar categorias utilizadas na análise explicadas na parte teórica com outra denominação (p. ex., "tom")

  • c) Explicar denominações utilizadas, como "defensivo-vitimistas-acusativos" - quais características do discurso fizeram chegar a essa denominação?

  • d) Inserir procedimentos metodológicos no resumo.

  • e) Revisar ortografia e pontuação do artigo (estilístico-composionalmente, metrado, feminicidio, Júrí, espácio-temporal...)

  • f) Verificar citações não referenciadas, como LOURO, 2005.

  • g) Conferir formatação (espaçamentos, pontuação das palavras-chave, negritos, numeração das seções...)

  • h) Cuidar uso de "ideológico" e "axiológico". Nos objetivos, por exemplo, é dito que se irá analisar como se constituem axiológica e ideologicamente os discursos. Axiologicamente já daria conta. Evitar redundância.

As correções listadas são necessárias para aprimorar o artigo.

Coloco-me à disposição em caso de dúvidas dos autores. CORREÇÕES OBRIGATÓRIAS

  • recomendação: aceitar

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2022
  • Aceito
    15 Dez 2022
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