Resumo:
Intenta contribuir ao debate sobre gestão democrática do ensino público mediante o mapeamento de legislações municipais sobre o tema, focalizando o provimento do cargo de gestor escolar e tendo como lócus de pesquisa as redes municipais dos 12 municípios mais populosos do Rio Grande do Sul. No mapeamento e exame dessas legislações municipais, a pesquisa contribui para o debate em duas vertentes: a) necessidade contextual e premente da existência de legislações que regulamentem a questão da gestão democrática pois, b) no silêncio da lei, há um possível emparelhamento desse conceito ao mecanismo/ação da eleição de diretores/gestores. Adotando metodologia analítico-reconstrutiva, a investigação baseia-se em análise documental e no estabelecimento de categorias-chave que auxiliam na problematização dos achados da pesquisa. Conclui que o avanço democrático conquistado pelos municípios foco da análise ratifica a necessária regulamentação da gestão democrática, a fim de evitar que um dos mecanismos ou ações desta - a eleição de diretores - represente a integralidade do conceito.
Palavras-chave: gestão democrática; administração da educação; legislação municipal do ensino
Abstract:
The article intends to contribute to the debate on the democratic management of public education based on the mapping of municipal legislation on this subject. The focus is placed on filling the position of school manager and the research is made at the municipal network of the 12 most populous cities in the state of Rio Grande do Sul. By mapping and examining these municipal laws, the research contributes to the debate in two ways: a) contextual and urgent need of having laws that regulate the democratic governance issue, since, b) where the law is absent, there is a possible pairing of the concept of democratic management to the mechanism/action for the election of school directors/managers. Adopting an analytical-reconstructive methodology, the research is based on document analysis and on the creation of key categories that help questioning the findings of the research. It concludes that the democratic progress made by the municipalities under analysis confirms the need of rules for the democratic management aiming at preventing that one of its mechanisms or actions - the election of directors - represents the whole concept.
Keywords: democratic management; educational administration; municipal education law
Construindo o conceito de gestão democrática da educação: mapeando legislações municipais
É que a democracia, como qualquer sonho, não se faz com palavras desencarnadas, mas com reflexão e prática (Paulo Freire).1
Introdução
Com base na premissa de que o debate acadêmico, social e político colabora na forja de consensos provisórios e pode auxiliar no estabelecimento de ações políticas, o texto objetiva somar à discussão sobre gestão democrática do ensino público, por meio do mapeamento de legislações das redes municipais dos 12 maiores municípios do Rio Grande do Sul em termos populacionais, focalizando especificamente o provimento do cargo de gestor escolar.
Assim, o texto apresenta resultados de pesquisa de base documental e bibliográfica, pautada por metodologia analítico-reconstrutiva, cujo escopo é contribuir ao debate sobre o conceito de gestão democrática do ensino público, mediante os recursos advindos da pesquisa científica. Os documentos foram examinados a partir da metodologia da análise de conteúdo, utilizando-se a técnica do estudo do tema, em que este "[...] é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado, segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura" (Bardin, 2007, p. 105).
O corpus documental foi constituído pela reunião de leis dos 12 municípios mais populosos do Rio Grande do Sul que dispõem sobre a eleição de diretores e/ou a gestão democrática da rede pública municipal. Compreende-se que tais legislações são históricas e contextuais, portanto, não são "um produto acabado, mas um momento num processo de elaboração, com tudo o que isso comporta de contradições, de incoerências, de imperfeições" (Bardin, 2007, p. 164). Por essa razão, as leis não dizem apenas o que está contido em suas linhas, requisitando, para sua interpretação, o olhar crítico do pesquisador, olhar de quem "[...] procura conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça" (Bardin, 2007, p. 38).
Pesquisar legislações impõe certa disciplina ao pesquisador, uma vez que toda lei é indexada a um determinado momento/movimento histórico e a ele presta reverência. Justo por essa razão,
conhecer as leis é como acender uma luz numa sala escura cheia de carteiras, mesas e outros objetos. As leis acendem uma luz importante, mas elas não são todas as luzes. O importante é que um ponto luminoso ajuda a seguir o
caminho. [...] daí acender muitos outros focos de luzes, reconhecer seus espaços e, quando for o caso, modificá-los. (Cury, 2002, p. 11).
Tomadas como objetos históricos, as legislações dos 12 municípios escolhidos permitem o exame mínimo de como é tratada do ponto de vista jurídico-normativo a gestão democrática de suas redes públicas municipais de ensino, mais especificamente de como é mencionado, nessa legislação, o provimento do cargo de gestor escolar, considerando que, em algumas realidades/contextos, esse processo de seleção está associado ao próprio conceito de gestão democrática.
Cabe destacar que o presente texto é parte integrante de um contexto amplo de pesquisa, que objetiva contribuir para a discussão de políticas e mecanismos institucionais de gestão da educação em redes e sistemas públicos de ensino, enquanto pauta candente na composição da atual agenda educacional.
Situando o debate
A previsão legal do princípio de gestão democrática para a educação beira os 30 anos. Aparece, textualmente, na Constituição Federal de 1988, no art. 206, inc. VI, sendo repetido, posteriormente, em diversas legislações reguladoras, especialmente no art. 3º, inc. VIII, e no art. 14 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei n° 9.394/1996 - e, recentemente, no art. 2º, inc. VI, no art. 9º e na Meta 19 (anexo) da Lei n° 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência no período entre 2014 e 2024.
[...] embora existam na Constituição Federal mais recente e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional referências e princípios da gestão democrática e da qualidade do ensino público, essas disposições legais esbarram [...] na insuficiência em descrever e definir com maior precisão mecanismos que garantam ações administrativas educacionais efetivamente mais democráticas. (Passador; Salvetti, 2013, p. 480).
É possível que a tentativa de estabelecer, de maneira mais concreta, mecanismos e ações que garantam a gestão democrática da educação tenha conduzido legisladores a vincular - no texto da Lei n° 13.005/2014 - o princípio de gestão democrática explicitamente a dois artigos: o art. 2º e o art. 9º. Este demanda a cada ente federado providências quanto à regulamentação de leis específicas para o tratamento do tema:
Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão aprovar leis específicas para os seus sistemas de ensino, disciplinando a gestão democrática da educação pública nos respectivos âmbitos de atuação, no prazo de 2 (dois) anos contado da publicação desta Lei, adequando, quando for o caso, a legislação local já adotada com essa finalidade. (Brasil, 2014, art. 9º).
A Meta 19 do PNE corrobora a exigência de regulamentação:
Assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto. (Brasil, 2014).
Essa meta ainda aponta uma série de ações estratégicas para garantir o tema, como a Estratégia 19.1 (anexo), que prioriza o repasse de transferências voluntárias da União aos entes federados que tenham legislação específica acerca da questão:
Priorizar o repasse de transferências voluntárias da União na área da educação para os entes federados que tenham aprovado legislação específica que regulamente a matéria na área de sua abrangência, respeitando-se a legislação nacional, e que considere, conjuntamente, para a nomeação dos diretores e diretoras de escola, critérios técnicos de mérito e desempenho, bem como a participação da comunidade escolar; (Brasil, 2014).
Ora, se o financiamento tem se fortalecido como agenda educacional contemporânea, ligar diretamente veios de recursos à existência de legislações regulamentadoras sobre gestão democrática parece ser uma maneira bastante convincente de impulsionar os entes federados ao debate sobre o assunto.
Nas estratégias seguintes, ainda são estabelecidos indicadores objetivos para mensuração da gestão democrática e, na Estratégia 19.8, é mencionada a possibilidade de criação de nova avaliação em larga escala com a previsão de uma "prova nacional específica", visando a "subsidiar a definição de critérios objetivos para o provimento dos cargos [...]". (Brasil, 2014).
Dessa maneira, o presente texto objetiva contribuir ao debate sobre gestão democrática do ensino público, a partir do mapeamento de legislações locais sobre o tema, focalizando especificamente o provimento do cargo de gestor escolar nos 12 maiores municípios do Rio Grande do Sul em termos populacionais.
Em que pese legislação específica no Rio Grande do Sul - Lei nº 10.576, de 14 de novembro de 1995, atualizada pela Lei nº 13.990, de 15 de maio de 2012 -, cujo conteúdo dispõe sobre a gestão democrática do ensino público no sistema estadual de ensino, a previsão de votação direta pela comunidade escolar para indicação de diretores e vice-diretores tem força legal apenas nas escolas da rede estadual, de modo que os estabelecimentos de ensino pertencentes às redes públicas municipais ficam sujeitos a legislações locais (Rio Grande do Sul, 1995).
Segundo o art. 8º da Constituição do estado do Rio Grande do Sul, datada de 3 de outubro de 1989, "o munícipio, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição" (Rio Grande do Sul, 2014). O art. 20 orienta quanto ao provimento de cargo público do funcionalismo, prescrevendo o seguinte:
A investidura em cargo ou emprego público assim como a admissão de empregados na administração indireta e empresas subsidiárias dependerão de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargos de provimento em comissão, declarados em lei de livre nomeação e exoneração (Rio Grande do Sul, 2014, art. 20).
Ainda, no mesmo artigo, os cargos comissionados são definidos como aqueles que "se destinam à transmissão das diretrizes políticas para a execução administrativa e ao assessoramento" (Rio Grande do Sul, 2014, art. 20, §4º).
Assim, pode haver uma variedade de critérios e metodologias para o provimento do cargo de gestor em âmbito local. Literatura da área de administração educacional (Gadotti; Romão, 2004) tem pontuado a possibilidade de quatro formas básicas de acesso ao cargo de gestor escolar: a nomeação, o concurso público, a eleição e o esquema misto.
Vieira e Medeiros (2006) referenciam a classificação, com ligeiras alterações de nomenclatura: indicação do executivo; eleições diretas na forma da lei; concurso e/ou seleção; e combinação de formas anteriores. Paro (2003) considera, efetivamente, a existência de três categorias de provimento ao cargo de gestor escolar nas escolas públicas: nomeação, concurso e eleição.
Mendonça (2000, p. 174) aponta que:
[...] provimento por indicação, em que é livre a nomeação por autoridade do Estado, inclusive quando o nome do indicado é o resultado de pressões político-partidárias. A categoria de concurso engloba os procedimentos que aplicam o concurso público de provas e títulos para a escolha e nomeação dos primeiros colocados. Considero provimento por eleição aquele em que o nome do escolhido para ocupar o cargo de diretor de escola é resultado de processo em que a manifestação da vontade dos segmentos da comunidade escolar é manifestada pelo voto. Os processos que adotam a eleição de candidatos previamente selecionados em provas escritas são designados seleção e eleição.
Dessa forma, o presente texto, ao mapear e examinar essas legislações locais, entendendo-as como manifestações ou materialidades da política educacional, busca contribuir para o debate mediante dois pontos: a) há uma necessidade contextual e premente da existência de legislações que regulamentem a questão da gestão democrática pois, b) no silêncio da lei, há em algumas legislações de municípios sul-rio-grandenses o emparelhamento do conceito de gestão democrática ao mecanismo/ação da eleição de diretores/gestores.
Por fim, assume-se que
analisar a gestão da educação, seja ela desenvolvida na escola ou no sistema municipal de ensino, implica refletir sobre as políticas de educação. Isto porque há uma ligação muito forte entre elas, pois a gestão transforma metas e objetivos educacionais em ações, dando concretude às direções traçadas pelas políticas. (Bordignon; Gracindo, 2004, p. 147).
Assim, há a possibilidade de trato empírico do tema gestão democrática da educação, considerando as legislações locais como materialidade de políticas educacionais. O foco em tais legislações autoriza uma aproximação parcial em relação ao tema, bem como um posicionamento parcial de pesquisa, uma vez que as práticas de gestão educacional são dimensionadas por condições multifatoriais que envolvem a legislação, mas não se restringem a ela.
Os achados da pesquisa
O corpus empírico da pesquisa, ou as legislações locais referentes aos 12 municípios mais populosos do Rio Grande do Sul, foi coletado no site www.leismunicipais.com.br (com exceção de um município cuja legislação foi coletada diretamente no site da prefeitura) e examinado a partir de uma chave de leitura que considerou categorias de forma e conteúdo. Por ordem de população, os 12 municípios que tiveram suas legislações locais analisadas foram: Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas, Canoas, Santa Maria, Gravataí, Viamão, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Rio Grande, Alvorada e Passo Fundo.
A necessidade de leitura e interpretação das legislações locais como elemento que possibilita problematizar e checar a materialidade da gestão democrática se deve ao fato de que
a lei é antes de tudo uma síntese, um produto de embates. Portanto, ainda que represente um avanço, a simples presença no texto legal de quaisquer medidas democratizadoras não implica a sua execução. Eis parte da ambiguidade que acompanha as conquistas no plano da lei: as contradições entre o proposto e o implementado. (Adrião; Camargo, 2001, p. 70).
De tal modo, mencionar a gestão democrática em uma legislação - nacional ou local - não significa a execução ou formalização de tal princípio. É preciso identificar os mecanismos que acionam essa gestão democrática, bem como os suportes que a garantem.
As categorias de forma foram subdivididas em: a) aspectos exteriores da lei e b) questões operacionais. Já as de conteúdo foram divididas em: a) qualificação dos sujeitos narrados, b) descrição dos mecanismos de gestão e c) conceito de gestão democrática.
No que tange à categoria aspectos exteriores da lei, chegou-se à seguinte sistematização: há 1 decreto e 11 leis, dos quais 3 são denominados, especificamente, legislações de gestão democrática e o restante são legislações que regulamentam, estabelecem ou definem a eleição de diretores.
Aqui é possível abrir uma primeira questão de interpretação, pois, mesmo regulamentando a gestão democrática, todas as legislações examinadas tratam do mesmo assunto: eleição de cargos de gestão escolar. Tal situação reforça o entendimento do estreito vínculo entre gestão democrática e o mecanismo de eleição para os cargos de gestor escolar, como se fosse relativamente consensual a compreensão de que a gestão democrática é a eleição de diretores, eventualmente complementada pelo registro legal de alguns princípios, como será visto adiante.
A edição mais antiga de uma legislação sobre gestão democrática e eleição para o cargo de gestor escolar é de 1985 (note-se que é anterior à própria Constituição Federal). Além dessa legislação da década de 1980, há cinco da década de 1990 (sendo quatro anteriores à própria LDB). Das legislações citadas até aqui, apenas uma, datada de 1999, não foi revisada ou alterada em momento posterior a sua primeira edição. Cinco legislações são dos anos 2000 e apenas uma pertence à década de 2010, a qual não informa revisão ou existência de lei anterior.
Também chama atenção que todos os 12 municípios examinados denominam os gestores escolares de diretores, não havendo a utilização de outro termo correlato.
Na categoria questões operacionais relativas à legislação sobre eleição de diretores escolares, chegou-se às seguintes sistematizações: quatro municípios mencionam que os gestores eleitos fazem jus a uma diferenciação salarial sob forma de gratificação de direção (GD) ou função gratificada (FG). Os demais municípios não fazem nenhum tipo de menção a eventuais diferenciações salariais, permitindo a suposição de que essa diferenciação talvez não exista ou seja objeto de legislações correlatas.
Todos os municípios referem um mandato de três anos para os cargos eletivos, dos quais nove possuem legislações que autorizam apenas uma recondução ao cargo, dois não mencionam recondução e um remete a outra legislação que autorizaria número maior de reconduções. Ademais, nas leis de nove municípios, há previsão de eleição para o cargo de diretor e vice-diretor (em composição ou individualmente); em dois municípios, a escolha do vice-diretor não se dá por eleição; e, em um dos municípios, esta abarca os cargos de diretor, vice-diretor e supervisor (São Leopoldo, 2006).
Em relação às categorias de conteúdo, a pesquisa preocupou-se em problematizar a qualificação exigida dos sujeitos, a descrição dos mecanismos de gestão e o conceito de gestão democrática expresso nos documentos, por considerar que essas categorias fornecem importantes pistas da concepção de gestão educacional (qualificada ou não como democrática) que embasou os legisladores e do quanto tal concepção manifesta o entendimento relativamente consensual do que é gestão democrática e quais seriam os mecanismos, as estruturas e as ações que garantiriam sua efetivação.
A qualificação dos sujeitos narrados descreve com primazia as condições ou requisitos para a investidura no cargo de gestor escolar. As leis em uníssono autorizam a candidatura em eleição apenas de membro do magistério ou professor, efetivo e estável, que tenha entre dois e três anos de exercício. Algumas leis são mais detalhistas em relação a esses requisitos, exigindo, por exemplo, no mínimo seis meses de atuação na escola em que pretende se candidatar.
Quanto aos requisitos de foro qualitativo, algumas legislações locais mencionam a entrega de um curriculum vitae ou vinculam a candidatura ao preenchimento de requisitos acadêmicos, como possuir curso de licenciatura ou apresentar comprovante de formação acadêmica na área de educação.
Algumas legislações locais, no entanto, vão além e estabelecem outros requisitos de foro qualitativo para habilitar o candidato à eleição, como os seguintes:
VII - possuir Curso de Gestão Escolar e/ou participar do curso para pré-candidatos a equipes diretivas pela SME e/ou possuir experiência na função; VIII - concordar com a sua candidatura; e IX - apresentar curriculum vitae, proposta pedagógica e plano de metas, para o triênio, em consonância com o regimento e a proposta pedagógica da Escola onde é candidato. (Caxias do Sul, 2011, art. 3º).
Ou os seguintes: "[...] III - [Comprometer-se] a frequentar curso para qualificação do exercício da função se vier a ser convocado após indicado" (São Leopoldo, 2006, art. 3º); "V - apresentar e defender junto à comunidade escolar seu plano de ação" (Santa Maria, 2003, art. 51).
As legislações locais parecem, em relação a essa categoria, coincidir em limitar o número de reeleições e em considerar apto a candidatar-se apenas o membro do magistério municipal que goze do status de efetivo no cargo, com mais de dois anos de atividade e com um período mínimo de atuação na escola em que deseja se eleger. Também exigem em uníssono que o candidato tenha uma formação em nível de graduação.
Quanto aos demais requisitos ou qualificações exigidas dos candidatos, há uma multiplicidade de condições que ora se somam, ora aparecem de forma isolada nas legislações, como a participação em cursos específicos de gestão escolar e/ou a apresentação e defesa de seu plano de ação na comunidade escolar.
Os requisitos comumente exigidos do candidato ao cargo de diretor - e descritos nas legislações locais examinadas - não são capazes, isoladamente, de garantir o perfil de liderança considerando que um líder (o diretor é um líder) deve ser capaz de exercer funções direcionadas
para a dinamização das relações interpessoais, para o desenvolvimento da escola como comunidades democráticas, para a transformação das práticas profissionais, para a gestão das redes de conhecimentos, para o empreendimento da mudança (Barroso, 2000, p. 174).
Sequencialmente, a pesquisa empenhou-se em examinar a descrição dos mecanismos de gestão contidos nas legislações locais. Parte-se do pressuposto de que esses são os espaços legitimados e institucionalizados em diferentes níveis (por leis e/ou arranjos e práticas instituídas), além de caracterizados por desempenharem o papel de protagonistas em processos decisórios e participativos. São exemplos de espaços ou mecanismos de gestão: conselho escolar, grêmio estudantil, associações de pais, reuniões pedagógicas, conselhos de classe, assembleias deliberativas e/ou de prestação de contas etc.
Tais mecanismos são legalmente previstos em legislações, como a LDB, que menciona textualmente em seu art. 14:
Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática de ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político-pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (Brasil, 1996).
Os mecanismos de gestão podem ser divididos em instituídos, entendidos como as normas legais apontadas de maneira oficial pelos órgãos mantenedores; e instituintes, ou questões de foro prático, cotidiano, da organização interna de uma rede de ensino, criados pelos sujeitos que vivenciam esse cotidiano (Libâneo; Oliveira; Toschi, 2003). Assim, nessa distinção entre instituído e instituinte, o primeiro diz respeito à norma, à regra, ao registro, ao passo que o segundo orbita na esfera da prática cotidiana.
Com base nessa divisão, mecanismos como conselho escolar ou grêmios estudantis figurariam entre os instituídos, enquanto conselhos de classe e assembleias de pais seriam os instituintes.
Os mecanismos instituintes, por sua natureza de prática cotidiana, são subjetivos e difíceis de serem reportados em um texto legal. Já os instituídos são especificamente relacionados à norma legal. Há, portanto, nos textos legais examinados, a descrição de um conjunto de mecanismos instituídos que merece consideração.
O mecanismo instituído mais citado é o conselho escolar, que figura em 11 legislações. Em 5 delas, esse conselho assume uma condição de coadjuvante nos processos de eleição de diretores, sendo responsável por coordenar e/ou fiscalizar o processo. Entretanto, em 6 legislações locais é possível encontrar a descrição de outras incumbências para o conselho escolar, como a de partícipe dos movimentos de gestão pós-eleições - na aprovação e fiscalização do plano de trabalho do diretor eleito.
Por fim, quanto à terceira categoria de conteúdo - o conceito de gestão democrática -, ela parece extrapolar a qualificação de seus representantes diretos, ou os diretores escolares, uma vez que
a gestão da escola pública pode ser entendida pretensamente como um processo democrático, no qual a democracia é compreendida como princípio, posto que se tem em conta que essa é a escola financiada por todos e para atender ao interesse que é de todos; e também como método, como um processo democratizante, uma vez que a democracia é também uma ação educativa, no sentido da conformação de práticas coletivas na educação política dos sujeitos. (Souza, 2009, p. 126).
Os termos gestão democrática, gestão democrática do ensino público e gestão escolar democrática são empregados em três documentos legais. Em dois deles, há a tentativa de adjetivar esse conceito.
Um dos documentos é singular por indicar o termo gestão democrática apenas no título, sugerindo que esse é o tema do texto legal, contudo dispõe exclusivamente sobre o mecanismo de eleição de diretores, descrito na sequência do documento (Novo Hamburgo, 2015). Ele ainda apresenta uma figura inédita nas legislações locais examinadas: a comissão de acompanhamento dos deveres de gestão dos diretores (Novo Hamburgo, 2015). Tal mecanismo de controle social da atuação do diretor instaura uma nova protagonista na gestão escolar democrática: a avaliação de desempenho como sinônimo de controle e prestação de contas à sociedade do que é desenvolvido pelas direções e vice-direções das escolas municipais.
Os documentos que relatam formalmente a compreensão de gestão democrática para além do mecanismo de eleição de diretores possibilitam alçar o debate para direcionamentos mais concretos em relação ao conceito. Um dos documentos menciona as garantias que são conquistadas e/ou mantidas por meio do exercício da gestão democrática, enquanto o outro é mais prescritivo e, portanto, detalhista em relação ao que considera gestão democrática, elencando os preceitos a serem observados no processo.
O documento que refere garantia é suficientemente claro: menciona as garantias advindas da gestão democrática, sem descrever o que qualificaria essa gestão. De acordo com a lei, a gestão democrática garantirá:
I - autonomia dos estabelecimentos de ensino na gestão administrativa, financeira e pedagógica; II - livre organização dos segmentos da comunidade escolar; III - participação dos segmentos da comunidade escolar nos processos decisórios e em órgãos colegiados; IV - transparência dos mecanismos administrativos, financeiros e pedagógicos; V - garantia da descentralização do processo educacional; VI - valorização dos profissionais da educação; VII - eficiência no uso dos recursos. (Santa Maria, 2003, art. 1º).
Assim, autoriza-se a compreensão de que o exercício da gestão democrática garante autonomia, livre organização dos segmentos, participação, transparência, descentralização, valorização dos profissionais da educação e eficiência quanto aos recursos.
Por essa perspectiva, a gestão democrática pode ser caracterizada como um mecanismo que garante três dimensões: a ampliação e qualificação dos fóruns decisórios (livre organização dos segmentos, participação); o respeito à comunidade escolar e a seus sujeitos e processos (autonomia, descentralização e valorização dos profissionais da educação) e o controle social (transparência e eficiência em relação aos recursos).
Considerados basilares entre os princípios de gestão democrática, participação e autonomia perpassariam as três dimensões. A participação é "o principal meio de se assegurar a gestão democrática da escola, possibilitando o envolvimento de profissionais e usuários no processo de tomada de decisões e no funcionamento da organização escolar" (Libâneo, 2004, p. 102).
Levando em conta que "a participação democrática pressupõe uma ação reguladora, fiscalizadora, avaliadora, além de decisória sobre os rumos da vida política e social das instituições (escolares) e da sociedade" (Souza, 2009, p. 135), parece coerente conceber que a autonomia estaria implícita no processo de participação, figurando como outro princípio basilar da gestão democrática.
Assim, os conceitos de autonomia e de participação estariam associados, uma vez que a autonomia
é o fundamento da concepção democrático-participativa de gestão escolar, razão de ser do projeto-curricular. Ela é definida como faculdade das pessoas de autogovernar-se, de decidir sobre seu próprio destino. Autonomia de uma instituição significa ter poder de decisão sobre seus objetivos e suas formas de organização, manter-se relativamente independente do poder central, administrar livremente recursos financeiros. (Libâneo, 2004, p. 141).
A legislação nacional é suficientemente clara em relação a esse tópico, prescrevendo que os sistemas de ensino devem assegurar "às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público" (Brasil, 1996, art. 15).
O segundo documento trata dos preceitos da gestão democrática, em que reside uma questão semântica, mas de grande relevância para a análise da lei. Se o termo preceito for compreendido como sinônimo de disposições, prescrições, regras e/ou ensinamentos, é possível assumir que tal documento legal apresenta uma diretriz concreta, ou uma normatização do significado de gestão democrática.
De acordo com o documento legal analisado, os preceitos ou princípios para a gestão democrática seriam provenientes de quatro dimensões:
I - autonomia dos estabelecimentos de ensino na gestão administrativa, financeira e pedagógica; II - transparência dos mecanismos administrativos, financeiros e pedagógicos; III - garantia da descentralização do processo educacional; IV - eficiência no uso dos recursos. (São Leopoldo, 2006, art. 1º).
Utilizando os mesmos critérios aplicados para o exame da legislação anterior, é possível afirmar que os preceitos estipulados pela lei compreendem o respeito à comunidade escolar e a seus sujeitos e processos (incisos I e III) e o controle social (incisos II e IV). Entretanto, no olhar frio para a lei, não foram mencionadas claramente como preceitos da gestão democrática a ampliação e a qualificação dos fóruns decisórios.
Ainda assim, parece haver, subjacente aos documentos, a intenção de conceber a gestão democrática empenhada nos municípios como
processo político que é mais amplo do que apenas as tomadas de decisão e que é sustentado no diálogo e na alteridade, na participação ativa dos sujeitos do universo escolar, na construção coletiva de regras e procedimentos e na constituição de canais de comunicação, de sorte a ampliar o domínio das informações a todas as pessoas que atuam na/sobre a escola. (Souza, 2009, p.136).
Considerações finais
Acredita-se que definir um debate pontual sobre gestão democrática com base em legislações locais é acender uma luz sobre as práticas e os mecanismos dessa gestão nas escolas e nos municípios; são necessárias, no entanto, outras luzes. É preciso novas problematizações e permanente vigilância e atualização, buscando acompanhar os movimentos históricos dos entes federados, sobretudo com a vigência da Lei do PNE (Lei n° 13.005/2014), considerando, em especial, a Meta 19, que favorecerá o acirramento da discussão sobre o assunto.
As legislações locais dão o tom do debate, posto que, na ausência de um conceito claro e específico sobre gestão democrática, definido por uma legislação nacional, cada um dos doze municípios examinados demonstra ter encontrado sua própria fórmula de definir esse conceito na forma da lei.
O emparelhamento do mecanismo de eleição de diretores à gestão democrática parece ter pautado as legislações examinadas, nas quais, mesmo quando se menciona expressamente a gestão democrática, o foco restringe-se à eleição de diretores.
Diante do debate, que está longe do fim, acerca do que é gestão democrática e como, materialmente, ela ocorrerá, o PNE 2014-2024 deu passos significativos em relação à questão, tanto ao vincular estruturas de financiamento a legislações locais sobre o tema quanto ao criar a possibilidade de uma série de estratégias que assumam a materialidade e a definição da questão.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Sep-Dec 2016
Histórico
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Recebido
09 Nov 2015 -
Revisado
30 Maio 2016 -
Aceito
05 Ago 2016