Open-access A RELEVÂNCIA DO SILÊNCIO NO MAGISTÉRIO DE FRANCISCO

The Relevance of Silence in the Magisterium of Francis

RESUMO

O presente artigo, a partir de uma metodologia sintético-hermenêutica, tem como objeto de estudo a relevância do silêncio no magistério do Papa Francisco. Aprofunda a importância do silêncio para o ser humano pós-moderno e para o cristão. Inicia oferecendo alguns elementos da relação entre espiritualidade e pastoral no magistério de Francisco, apresentando os dois inimigos atuais da vida espiritual e da evangelização: o neo-gnosticismo e o neo-pelagianismo, heresias dos primeiros séculos do cristianismo, mas sutilmente presentes na vida da Igreja, segundo Francisco. Em seguida, aborda a pertinência da oração e do silêncio em vista da assimilação pessoal do mistério de Cristo. Enfatiza, ainda, a partir do magistério de Francisco, a urgência da redescoberta do silêncio numa sociedade do barulho que adoece as pessoas, afastando-as de sua própria interioridade e da transcendência. Explica, por fim, o lugar do silêncio na experiência cristã de Deus, relacionando-a com a missão evangelizadora da Igreja em saída. Como conclusão, o artigo apresenta o silêncio como antídoto para o neo-gnosticismo e o neo-pelagianismo.

PALAVRAS-CHAVE Francisco; Silêncio; Experiência de Deus; Evangelização

ABSTRACT

Using a synthetic-hermeneutic methodology, the present article aims to study the theme of silence in Pope Francis’ magisterium, which deepens the importance of silence for the postmodern humankind and for Christians in general. The text begins by showing some elements of the relationship between spirituality and pastoral care in the magisterium of Pope Francis, who presents two contemporary enemies of spiritual life and evangelization: neo-Gnosticism and neo-Pelagianism. These were heresies of the first centuries of Christianity, but, according to Francis, they are subtly present in the life of the Church today. The article then deals with the relevance of prayer and silence in view of personal assimilation of the mystery of Christ. Also based on the magisterium of Francis, the text emphasizes the urgency of rediscovering silence in a society of noise, which makes people sick and alienates them from the interior life and transcendence. Finally, the article explains the role of silence in the Christian experience of God, relating it to the evangelizing mission of the “Church which goes forth”. As a conclusion, the article presents silence as an antidote to neo-Gnosticism and neo-Pelagianism.

KEYWORDS Francisco; Silence; Experience of God; Evangelization

Introdução

Como todas as realidades humanas, o silêncio carrega ambiguidades. Hoje se fala, por exemplo, do silêncio de Deus. O grito das vítimas da história apagou, na consciência de muitos, os vestígios da presença de Deus. As perpetrações do mal em tantas formas e as perplexidades frente ao sofrimento dos inocentes levantam sérias dúvidas sobre a presença de Deus na história. É como se as vítimas desses sofrimentos se perguntassem: Por que não se faz presente? E a conclusão não se limita à constatação da ausência do inacessível, mas provoca a afirmação de que sua existência merece ser negada, uma vez que, se existisse, as coisas seriam piores (VELASCO, 1997, p. 21). Atualmente, o fato escandaloso de um norte próspero e um sul subdesenvolvido parece apontar para um silêncio de Deus, sobretudo na vida dos que padecem as consequências da opressão e da injustiça, suportando uma vida inumana. E tal situação muitas vezes acontece num contexto marcado por normas morais e práticas religiosas que não impactam a realidade, como se os próprios religiosos estivessem anestesiados, clamando Pai Nosso e negando, na prática, o que tal nome significa e suas possíveis consequências para a vida real (VELASCO, 1997, p. 22). O problema do mal, de fato, emerge como uma das pedras de toque do ateísmo. E não é de se estranhar que muitos não consigam conciliar a ideia de um Deus bom e justo com situações de opressão e injustiça. Nesse caso, vivenciam o silêncio de Deus e acabam negando sua existência ou silenciando-se diante dele, numa postura agnóstica.

Por outro lado, tal silêncio se diferencia daquele silêncio imprescindível para a descoberta da transcendência, tematizado e preconizado pelas grandes tradições religiosas da humanidade. E num contexto marcado pela provisoriedade, gerada pelas incertezas quanto ao futuro, cresce a ânsia por uma felicidade momentânea, imanente, sem consistência existencial e fechada ao sentido último da existência. Nesse cenário, a descoberta do silêncio se torna uma urgência, visto que “inclusive esta busca fatigante de uma felicidade comprada e paradoxal evidencia anseios profundos de vida plena, abundante. Esses anseios profundos em nós são promessas de Deus para a humanidade, sussurrados pelo Espírito que nos habita” (RAMOS, 2015, p. 90). O silêncio proporciona a descoberta da própria interioridade e da transcendência. Riobaldo indaga no Grande Sertão: “O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais” (ROSA, 2019, p. 304). E talvez, com os místicos, pudéssemos parafrasear: é Deus mesmo, demais.

O artigo tem como objetivo abordar o silêncio a partir do magistério do Papa Francisco, que propõe uma saída missionária da Igreja para as periferias do mundo sem se esquecer de abordar o encontro silencioso com Deus como uma das premissas para que a evangelização seja impulsionada pelo Espírito e alicerçada na experiência pessoal da graça. Acentuamos elementos de seu magistério espiritual, com especial atenção a suas palavras sobre o silêncio. A partir do ensinamento de Francisco, ampliamos a reflexão para a doença do barulho vivida pela sociedade atual e para a redescoberta do silêncio proposta por várias tradições religiosas, culminando na tradição cristã, à qual Francisco se refere em seu magistério. Por fim, apresentaremos o silêncio como condição necessária à experiência da graça, antídoto para o neo-pelaginismo e o neo-gnosticismo, tendências heréticas que comprometem a espiritualidade cristã e a evangelização. Num mundo marcado pela balbúrdia, Francisco convida-nos a regressar ao silêncio da contemplação para a assimilação pessoal do mistério de Cristo, cuja riqueza, segundo o apóstolo, é insondável (Ef 3,8). A própria palavra Deus, para que retorne a seu sentido primordial, livre de manipulações ideológicas, exige, antes de tudo, silêncio reverencial. O excesso de palavras banaliza o mistério, enquanto a experiência de Deus em Cristo, mediante a assimilação silenciosa, faz a evangelização se centrar na urgência do essencial.

1 Espiritualidade cristã

A espiritualidade cristã se refere à assimilação pessoal do mistério de Cristo e se apresenta como vida em Cristo por graça do Espírito, acentuando a passagem do assenso racional à apropriação pessoal do Evangelho. Ela se refere à estrutura da pessoa como um todo, englobando atitudes, comportamentos e relações humanas. Não se restringe, portanto, à vida de oração, mesmo se a inclui como um dos seus momentos mais significativos. A espiritualidade cristã diz respeito à vida concreta em suas vastas dimensões a partir da relação com Cristo pelo Espírito, acenando para a estruturação da vida alicerçada na fé teologal. Portanto, ela emerge da própria identidade cristã, como consequência da imersão no mistério pascal de Cristo pelo batismo, atestada pela Escritura (Gl 3,26; Cl 2,12-13). Paulo expressa a novidade da vida cristã como ser em Cristo (1Cor 1,2.30; Rm 8,1; Gl 3,28). Desde o batismo, Cristo vive no cristão (2Cor 13,5), numa vida partilhada (Rm 6,11), graças à presença do Espírito Santo (Gl 5,25). O Espírito Santo, enviado por Jesus ressuscitado de junto do Pai, incorpora os seres humanos a Cristo, tornando-os filhos no Filho e irmãos uns dos outros. A fraternidade, com todas as suas consequências, sintetiza a proposta de Deus à humanidade, historicamente proclamada e realizada por Jesus em seu mistério pascal, no qual a humanidade é reconciliada com Deus (2Cor 5,18).

Tais textos revelam o fundamento cristológico-pneumatológico da espiritualidade cristã, graça salvífica oferecida ao ser humano, demandando personalização, ou seja, passagem do assenso racional ao assenso real, dentro de um processo que inclui todos os aspectos da existência. No contexto pós-moderno, marcado pelo niilismo e por múltiplas referências de sentido, a passagem de um cristianismo culturalmente transmitido a um cristianismo pessoalmente assumido se torna, na opinião de muitos, uma urgência, apontando para a espiritualidade como lugar da construção do sentido da vida a partir da fé em Jesus Cristo. O Papa Francisco se mostra atento ao desafio da assimilação pessoal do mistério de Cristo para a Igreja em saída. No início do seu ministério, por exemplo, convida cada cristão a renovar o seu encontro pessoal com Cristo, porque Jesus, em sua paciência e bondade, espera a todos com alegria e misericórdia. Francisco convida os cristãos a renovar sua opção por Cristo através de uma oração objetiva e sincera: “Senhor, me deixei enganar, de mil maneiras fugi do teu amor, mas aqui estou mais uma vez para renovar minha aliança contigo. Tenho necessidade de ti. Resgata-me de novo, Senhor, me aceita novamente entre teus braços redentores” (EG, n. 3).

Para Francisco, o amor de Jesus constitui a maior dignidade do cristão e de cada ser humano. Os cristãos são encorajados a jamais desistir de estar com Cristo, de conhecê-lo, amá-lo, segui-lo, por mais dificuldades que encontrem em seu caminho. “Não fujamos da ressurreição de Jesus, não nos demos mais por vencidos, aconteça o que acontecer” (EG, n. 3). De fato,

Francisco tem dedicado os melhores esforços para, com seu magistério, convocar a uma profunda e determinante experiência do amor de Deus, capaz de transformar o coração e de provocar respostas a uma Igreja em saída, ao compromisso social com a justiça e a todas as formas de gerar vida

(PEDROSA-PÁDUA, 2021a, p. 48).

Na Exortação Apostólica Gaudete et Exultate, Francisco propõe a todos a santidade, palavra que recapitula o núcleo central da espiritualidade cristã. O Papa o faz na esteira do Concílio Vaticano II, que, na constituição dogmática Lumen Gentium, apresentou-a como caminho da perfeição da caridade para todos os cristãos. “Todos os fiéis cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. Por essa santidade se promove também na sociedade terrestre um modo mais humano de viver” (LG, n. 40). A santidade, segundo o Papa, não se identifica com um caminho extraordinário percorrido por uma elite espiritual, mas com a existência filial do cristão que brota do batismo e se expressa no amor fraterno, mormente aos mais pobres e abandonados.

O Papa faz apelo a uma espiritualidade concreta, evidenciando que esta não se caracteriza por êxtases, visões ou atos heroicos, como na vida de alguns santos canonizados, mas se manifesta no cotidiano simples daqueles que se deixam guiar pelo Espírito Santo, vivendo em comunhão com Cristo e com os irmãos, empenhando-se verdadeiramente para que os valores do Reino anunciado por Jesus – justiça, liberdade, paz e liberdade – se concretizem nas relações humanas, gerando um mundo melhor para todos. Dois perigos, no entanto, ameaçam a espiritualidade cristã: o neo-pelagianismo e o neo-gnosticismo.

No segundo capítulo da Gaudete et Exsultate, o Papa define os “dois inimigos sutis da santidade” ou simplesmente da vida cristã (GE, n. 36-51). O documento Placuit Deo da Congregação para a Doutrina da Fé detalha esses inimigos. São eles o gnosticismo e o pelagianismo, heresias dos primeiros séculos do cristianismo, mas sutilmente presentes na vida da Igreja, sobretudo na atualidade (GE, n. 35). Na Evangelii Gaudium o Papa já os havia mencionado, apontando-os como inimigos da santidade e da evangelização, manifestações do que ele define como mundanismo espiritual, que consiste na busca “em vez da glória do Senhor, da glória humana e o bem-estar pessoal” (EG, n. 93). O fascínio do neo-gnosticismo consiste

numa fé fechada no subjetivismo, onde apenas interessa uma determinada experiência ou uma série de raciocínios e conhecimentos que supostamente confortam e iluminam, mas, em última instância, a pessoa fica enclausurada na imanência da sua própria razão ou dos seus sentimentos

(EG, n. 94).

Quanto ao neo-pelagianismo, refere-se a uma atitude autorreferencial, emergindo no comportamento de quem “só confia nas suas próprias forças e se sente superior aos outros por cumprir determinadas normas ou por ser irredutivelmente fiel a certo estilo católico próprio do passado” (EG, n. 94). Essa postura se mostra imanentista e exclui, na verdade, Jesus Cristo e a missão de edificar juntos a fraternidade, ignorando, assim, a mensagem do Evangelho. A carta Placuit Deo da Congregação para a Doutrina da Fé aos bispos, sobre alguns aspectos da salvação cristã, retoma as afirmações de Francisco, abordando essas novas heresias, ancoradas no passado da Igreja, hoje presentes sob traços apenas semelhantes. “De fato, a diferença entre o contexto histórico secularizado de hoje e o dos primeiros cristãos, nos quais estas heresias nasceram, é grande” (PD, n. 3). Em nota, a carta situa historicamente tais heresias.

De acordo com a heresia pelagiana, desenvolvida durante o século V ao redor de Pelágio, o homem, para cumprir os mandamentos de Deus e ser salvo, precisa da graça apenas como um auxílio externo à sua liberdade, mas não como uma regeneração radical da liberdade, sem mérito prévio, para que ele possa realizar o bem e alcançar a vida eterna

(PD, n. 3).

Já o movimento gnóstico, que surgiu nos séculos I e II, conheceu formas muito diferentes entre si. A referida Carta o redefine na perspectiva apresentada pelo Papa Francisco.

Em geral, os gnósticos acreditavam que a salvação é obtida através de um conhecimento esotérico ou ‘gnose’. Esta gnose revela ao gnóstico sua essência verdadeira, isto é, uma centelha do Espírito divino que habita em sua interioridade, que deve ser libertada do corpo, estranho à sua verdadeira humanidade. Somente assim o gnóstico retorna ao seu ser originário em Deus, de quem ele afastou-se pela queda original

(PD, n. 3).

Chama atenção a insistência do Papa no conceito de mundanismo espiritual, que leva as pessoas “a se esconder por detrás de aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja; é buscar, ao invés da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar pessoal” (EG, n. 93). Francisco denuncia “uma forma de consumismo espiritual à medida do próprio individualismo doentio” (EG, n. 89), o que tem a ver com o narcisismo, em suas dimensões de excesso, projetado na espiritualidade. E lamenta o crescimento do “apreço por várias formas de espiritualidade do bem-estar sem comunidade, por uma teologia da prosperidade sem compromissos fraternos ou por experiências subjetivas sem rostos, que se reduzem a uma busca interior imanentista” (EG, n. 90).

O neo-gnosticismo se manifesta como recusa da transcendência, apontando para o orgulho da razão, que pensa dominar o mistério (GE, n. 40). Ele brota de um elitismo narcisista que pretende controlar a graça de Deus em sua imprevisibilidade (GE, n. 46), negando a necessidade da fé e da confiança em Deus para a existência cristã e o processo de evangelização, como se o Reino pudesse ser construído apenas com a inteligência capaz de planejar e executar projetos segundo seus próprios critérios. Francisco denuncia, portanto, a falta da experiência da graça ou seu esquecimento. O neo-pelagianismo, por sua vez, surge como consequência do gnosticismo e se manifesta como orgulho da vontade, com a qual se pensa resolver os problemas da Igreja. Nesse caso, não se adora mais a inteligência humana, mas o esforço pessoal, caracterizado por uma vontade sem humildade. O pelagianismo se manifesta de várias maneiras, sempre a partir de uma “complacência egocêntrica”, como afirma o Papa (GE, n. 57), enumerando seus traços característicos.

A obsessão pela lei, o fascínio de exibir conquistas sociais e políticas, a ostentação no cuidado da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, a vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, a atração pelas dinâmicas de autoajuda e realização autorreferencial

(GE, n. 57).

São atitudes próprias daqueles que não se deixam “guiar pelo Espírito no caminho do amor” (GE, n. 57). O pelagiano ignora a graça, confiando apenas nas capacidades da inteligência e nas forças da vontade humana (GE, n. 54). Nesse caso, “complicamos o Evangelho e tornamo-nos escravos de um esquema que deixa pouca abertura para que a graça atue” (GE, n. 59). Mais uma vez, está em jogo o esquecimento da graça na experiência da vida cristã e da evangelização. Francisco retoma um aspecto da espiritualidade clássica que constitui um dos seus fundamentos permanentes que consiste no se deixar guiar por Deus, pelo Espírito de Jesus Cristo. “Não há maior liberdade do que a de se deixar conduzir pelo Espírito, renunciando a calcular e controlar tudo e permitindo que ele nos ilumine, guie, dirija e impulsione para onde ele quiser” (EG, n. 280).

2 Evangelização e espiritualidade

Na perspectiva de Francisco, a evangelização brota da experiência vivida, e a promove, efetivando a vida cristã. A evangelização exige o encontro pessoal com o amor de Deus manifestado em Jesus Cristo, porque sem esse encontro há o risco de uma evangelização compreendida apenas como fruto da inteligência e da vontade, que projetam esquemas perfeitos, mas sem a seiva da graça.

Somente graças a este encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que se converte em amizade feliz, é que somos resgatados da nossa consciência isolada e da autorreferencialidade. Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro. Aqui está a fonte da ação evangelizadora. Porque, se alguém acolhe este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de comunicar aos outros?

(EG, n. 8)

O Espírito Santo constitui o princípio da espiritualidade cristã, dado que ele nos faz assimilar o mistério de Cristo. A Igreja em saída proposta por Francisco é a que evangeliza com Espírito, porque sua presença elimina a autorreferencialidade em vista da obra missionária da Igreja. Por isso Francisco o invoca para renovar os corações e a Igreja: “Peço-lhe que venha renovar, sacudir, impelir a Igreja numa decidida saída para fora de si mesma a fim de evangelizar os povos” (EG, n. 261). A ação pastoral da Igreja se torna autêntica quando impregnada da presença do Espírito, “moção interior que impele, motiva, encoraja, dá sentido à ação pessoal e comunitária” (EG, n. 260). A pastoral evangelizadora não se funda numa opção ideológica, mas numa espiritualidade profunda, daqueles que se abrem à ação do Espírito. “Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que se abrem sem medo à ação do Espírito Santo” (EG, n. 259).

A evangelização proposta por Francisco se compreende, ainda, desde uma dimensão trinitária, porque Jesus Cristo nos revela a misericórdia do Pai pelo Espírito Santo que nos envia desde junto do Pai em sua humanidade glorificada. A evangelização espalha o amor trinitário, criando comunhão das pessoas com Deus e entre si. “Evangelizamos para a maior glória do Pai” (EG, n. 267). O Espírito Santo nos faz crer em Jesus, criando nossa comunhão com ele que, por sua vez, nos comunica o amor do Pai (EG, n. 164). O Filho expressa o amor misericordioso do Pai e nos regala esse amor pelo Espírito Santo.

É o Espírito Santo, enviado pelo Pai e pelo Filho, que transforma os nossos corações e nos torna capazes de entrar em comunhão perfeita com a Santíssima Trindade, onde tudo encontra sua unidade. O Espírito Santo constrói a comunhão e a harmonia do povo de Deus. Ele mesmo é a harmonia, tal como é o vínculo do amor entre o Pai e o Filho

(EG, n. 117).

No terceiro capítulo da GE, o Papa concretiza a espiritualidade cristã, traduzindo a santidade do cristão. Para além das “teorias sobre o que é santidade”, o Evangelho nos apresenta as bem-aventuranças (Mt 5,3-12; Lc 6,20-23), nas quais o próprio Jesus “explicou, com toda a simplicidade, o que é ser santo” (GE, n. 63). As bem-aventuranças revelam o rosto de Cristo e são o “bilhete de identidade do cristão”, porque o bom cristão é aquele que segue o que Jesus ensinou nas bem-aventuranças (GE, n. 63). Os pobres em espírito são livres diante das coisas criadas e encontram em Deus a sua riqueza. Mansidão e humildade de coração são qualidades dos discípulos, a exemplo do mestre (Mt 11,29), e os ajuda a evitar o espírito bélico que reina no mundo e nas relações. A compaixão exige empatia pela dor do outro. A sede de justiça é própria daqueles que não se deixam levar pela corrupção e lutam para que o mundo seja mais parecido com o sonho de Deus para a humanidade, tornando o cristão sensível à situação dos que são vítimas da injustiça sistêmica. Os verdadeiramente pacíficos semeiam a paz, buscando a amizade social, construindo pontes entre pessoas diferentes, aceitando também as perseguições, porque a fidelidade às bem-aventuranças “pode ser malvista, suspeita, ridicularizada” (GE, n. 91). E não é possível ser santo sem enfrentar perseguições e calúnias daqueles que se opõem à lógica do Reino de Deus (GE, n. 69-91).

Uma bem-aventurança emerge como preceito fundamental da conduta: “Bem-aventurados os misericordiosos”, cuja dimensão concreta se encontra em Mt 25,31-46. Ser santo é ser misericordioso e a misericórdia se concretiza no amor. “Ser santo não significa revirar os olhos num suposto êxtase” (EG, n. 96), mas viver para Deus praticando o amor aos últimos. O Papa constata que existem ideologias que “mutilam o Evangelho”. Por um lado, há cristãos sem um relacionamento com Deus, que transformam o cristianismo “numa espécie de ONG, privando-o daquela espiritualidade irradiante vivida por São Francisco de Assis, São Vicente de Paulo, Santa Teresa de Calcutá” (GE, n. 100). Mas também há os que “suspeitam do compromisso social dos outros”, tratando-o como se fosse algo de superficial, mundano, secularizado, imanentista, “comunista ou populista”. E, se por um lado, é preciso defender a vida, e o Papa reafirma que “a defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada” (GE, n.101), por outro, a defesa da vida exige compromisso social. Para alguns cristãos a bioética é mais importante do que a acolhida dos migrantes. Mas essa acolhida é um dever de todo cristão, porque em todo estrangeiro existe Cristo, e “não se trata da invenção de um Papa, nem de um delírio passageiro” (GE, n. 103). Santidade é, portanto, “gastar-se” nas obras de misericórdia, o que se opõe ao convite do mundo consumista e hedonista que propõe “gozar a vida” egoisticamente, sem atenção aos que sofrem, o que é o oposto do glorificar a Deus, que nos propõe as obras de misericórdia como único caminho da santidade (GE, n. 107-108).

3 Oração e silêncio: assimilação do mistério de Cristo

Se a evangelização depende, segundo Francisco, da assimilação pessoal do mistério de Cristo, oração e silêncio emergem como duas dimensões indispensáveis à existência cristã, como exercício consciente da relação com Deus, demonstrando que a mística da fé se revela elemento basilar da proposta de uma reforma eclesial (MIRANDA, 2017, p. 76). A oração não se apresenta como apêndice da vida cristã, mas como aspecto intrínseco da relação filial do ser humano com Deus. A abertura à transcendência se expressa na oração. Para Francisco,

O santo é uma pessoa com espírito orante, que tem necessidade de comunicar-se com Deus. É alguém que não suporta asfixiar-se na imanência fechada deste mundo e, no meio dos seus esforços e serviços suspira por Deus, sai de si erguendo louvores e alarga os seus confins na contemplação de Deus

(GE, n. 147).

O Papa menciona clássicos da espiritualidade, como São João da Cruz, Teresa de Ávila, Santo Inácio (GE, n. 148-153). Evidencia o conceito teresiano de oração: “uma relação íntima de amizade, permanecendo muitas vezes a sós com quem sabemos que nos ama” (GE, n. 149). Não é privilégio de alguns, mas necessidade para todos que desejam abrir seu coração para Deus e fazer a experiência da graça, escutando a voz do Senhor: “A oração confiante é uma resposta do coração que se abre a Deus, face a face, onde são silenciados todos os rumores para escutar a voz suave do Senhor que ressoa no silêncio” (GE, n. 149). Para Francisco, não há santidade sem essa oração do silêncio, porque,

neste silêncio, é possível discernir, à luz do Espírito, os caminhos que o Senhor nos propõe. Caso contrário todas as nossas decisões não passarão de decorações, que, em vez de exaltar o Evangelho na nossa vida, acabarão por o encobrir e sufocar. Para todo discípulo, é indispensável estar com o Mestre, escutá-lo, aprender dele, aprender sempre. Se não escutamos, todas as nossas palavras serão apenas rumores que não servem para nada

(GE, n. 150).

Francisco insiste na necessidade da oração e do silêncio, para que o cristão se aproprie do mistério de Cristo: “é a contemplação da face de Jesus morto e ressuscitado que recompõe a nossa humanidade, incluindo a que está fragmentada pelas canseiras da vida ou marcadas pelo pecado” (GE, n. 151). A oração silenciosa emerge como experiência da abertura à graça de Deus manifestada em Cristo e que sempre age em todo ser humano. A atividade missionária da Igreja finca suas raízes na experiência pessoal de Deus impulsionada pelo Espírito. A pastoral surge da mística do encontro com o amor e a misericórdia de Deus que anunciamos aos demais (MIRANDA, 2017, p. 79). Por isso o Papa questiona os cristãos de modo enfático:

Tens momentos em que te colocas na sua presença em silêncio, permaneces com Ele sem pressa, e te deixas olhar por Ele? Deixas que o seu fogo inflame o teu coração? Se não permites que Jesus alimente nele o calor do amor e da ternura, não terás fogo e, assim, como poderás inflamar o coração dos outros com o teu testemunho e as tuas palavras? E se ainda não consegues, diante do rosto de Cristo, deixar-te curar e transformar, então penetra nas entranhas do Senhor, entra em suas chagas, porque é nelas que tem a sua sede a misericórdia divina

(EG, n. 151).

Esse silêncio necessário para a conversão pessoal e para missão não significa evasão do mundo e de seus desafios sempre crescentes. A tarefa urgente da missão evangelizadora busca transformar o mundo em Reino de Deus, do qual a Igreja é sacramento. O Papa não cansa de insistir na urgência da amizade sociocultural e inter-religiosa com vistas a uma convivência serena e pacífica, acima das diferenças, porque são todos filhos queridos do mesmo Deus (FT, n. 277-279). As bases sólidas dessa premente tarefa dependem, em grande parte, de uma experiência alicerçada no encontro profundo e silencioso com Cristo, em abertura à sua graça regeneradora. Sem abandonar a importância do anúncio das verdades de fé, o Papa realça a urgência do querigma e da mistagogia, para que “a fé cristã seja, antes de tudo, uma experiência espiritual de encontro através do Evangelho com Jesus Cristo, como aconteceu com os primeiros discípulos de Jesus” (CODINA, 2018, p. 28).

4 O desafio do silêncio na sociedade do barulho e da agitação

Ao propor a oração do silêncio aos cristãos, o Papa realça a importância da assimilação pessoal do mistério de Cristo. Diagnósticos autorizados da realidade atual afirmam que “a crise de fé em nossos dias não deixa de ser também uma interpelação à Igreja para uma autêntica mistagogia. O coração da comunidade de fé está na mística, na comunhão com o Deus vivo e entre si por parte de seus membros” (MIRANDA, 2009, p. 230). Essa comunhão com Deus demanda o silêncio em contraposição aos ruídos da sociedade atual, na qual se difunde uma espécie de horror ao vazio, oriundo da “onipotência do ruído que nos é imposto na rua e nos meios de comunicação, que por velocidade e saturação nos atordoam e anestesiam” (RAMOS, 2015, p. 89). Tal situação provoca dispersão, distanciando o ser humano do que se passa em seu interior. A algazarra hodierna o desestabiliza, daí o abandono da interioridade e a busca desenfreada de sensações passageiras, sedutoras e superficiais. E num contexto de consumo exacerbado, até mesmo de experiências religiosas gratificantes, marcadas por demandas de sucesso e riqueza, “dor, crueldade, sofrimento, morte – são oferecidos nas telas como uma mercadoria, para o consumo voraz” (RAMOS, 2015, p. 89). De fato, Francisco tem razão ao afirmar que “o regresso do sagrado e a busca espiritual, que caracterizam nossa época, são fenômenos ambíguos” (EG, n. 89).

A proposta do Papa aos cristãos para que busquem encontrar Jesus na oração do silêncio contrasta com a doença do barulho e da agitação que afeta o ser humano não apenas em termos sociais, mas também psicológicos. A incapacidade de relaxar e se desconectar de ruídos que chegam de todos os lados nomeia um novo distúrbio psíquico: o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ou síndrome do pensamento acelerado. Uma doença psicológica que, em maior ou menor grau, atinge grande parcela da população. “Manter a mente constantemente ativa, processando superficialmente pensamentos irrelevantes é, para muitos, o pão de cada dia” (PINILLA, 2022). Distúrbio próprio do nosso século, causado pela hiperestimulação e pelo tédio existencial. Os efeitos do pensamento acelerado se evidenciam em múltiplos sintomas: “cansaço, desmotivação, falta de sentido vital, problemas de concentração, lapsos de memória, insatisfação diante das conquistas, intolerância ao tédio e à rotina, e ansiedade generalizada quando os pensamentos se transformam em preocupações” (PINILLA, 2022).

Para resolver esse grave distúrbio provocado pelo excesso de barulho, afloram propostas que resgatam métodos orientais, tais como a meditação mindfulness, com comprovados resultados para o bem-estar psíquico. Tal meditação busca a iluminação. Como afirma Tolle (2002, p. 18), em seu bestseller sobre o poder do agora, “a iluminação é o fim não só do sofrimento e dos conflitos internos e externos permanentes, mas também da aterrorizante escravidão do pensamento”. No fundo, o autor propõe a cura do pensamento acelerado ou do pensar doente, recuperando, da sabedoria oriental, dispositivos para libertar a mente da tirania dos pensamentos incontroláveis a que estão sujeitas muitas pessoas (TOLLE, 2022).

Silenciar a mente tornou-se uma urgência no mundo atual, quase uma questão de saúde pública. O silêncio sugerido por Francisco não se reduz à mente, pois este, segundo Panikkar (2015b, p. 106), significa “ter aquietado a mente de modo que nossas ideias não dominem sobre nossa vida”. Embora Francisco considere o sentido teologal do silêncio, a aquietação se revela necessária ao ser humano hodierno que se defronta com um contexto ruidoso, acarretador de um turbilhão de pensamentos caóticos e patologizantes. E todos corremos hoje o risco de identificar

nosso ser com nossos pensamentos, sentimentos, desejos, vontade, com tudo quanto fazemos e temos. Instrumentalizamos nossa vida esquecendo que é um fim em si mesma. Imersos nas atividades da vida, perdemos a faculdade de escutar e nos distanciamos de nossa própria fonte: o Silêncio, o Não-ser, Deus

(PANIKKAR, 2015b, p. 42).

A situação corrente corrobora o convite que Francisco faz aos cristãos para a busca do silêncio e da oração. A Igreja em saída para as periferias do mundo não ignora, antes exige, a descoberta pessoal de Deus na oração contemplativa, proporcionada pela busca silenciosa do seu mistério. De fato, a oração do silêncio se mostra como uma dimensão essencial da experiência de Deus, como testemunham as várias tradições religiosas, com as quais temos algo a aprender, segundo Francisco (QA, n. 107). “As convicções religiosas sobre o sentido sagrado da vida consentem-nos reconhecer os valores fundamentais de nossa humanidade comum, valores em nome dos quais se pode e se deve colaborar” (FT, n. 283). A arte de silenciar-se surge como uma herança religiosa comum da humanidade. Herança às vezes ignorada, até mesmo pelos cristãos, como constata Painadath (2015, p. 41):

existe aparentemente no cristianismo uma tendência a enfatizar o aspecto ético e social da fé, às custas da transformação pessoal. Quando entramos em contato com as buscas espirituais hindus, budistas, jainistas ou sikhs, percebemos o quanto nós cristãos somos indisciplinados.

A arte de silenciar-se tornou-se rara, mesmo entre os cristãos, cuja maioria despreza a oração silenciosa, sem falar dos que buscam gurus espirituais fora das fronteiras da Igreja, que apresenta um déficit místico, evidenciado por sua busca de resultados em termos de organização burocrática, doutrina, sacramentos, cifras etc. Silêncio e oração parecem não fazer parte de suas prioridades.

A dimensão mística se encontra no coração da experiência religiosa, que é sempre “uma combinação da experiência pessoal, inefável, sempre única e, portanto, irrepetível, veiculada por nossa memória, moderada por nossa interpretação e condicionada por sua recepção no complexo cultural do nosso tempo” (PANIKKAR, 2015b, p. 45). Esse conceito reflete a obscuridade própria da experiência religiosa, evidenciando, por outro lado, seu caráter único, pois não experimentamos Deus como mais um objeto ao lado daqueles investigados pelas ciências. Há um princípio proposto por Francisco que clareia a experiência religiosa. Esse princípio afirma a primazia da realidade sobre o conceito. Para o Papa, “a realidade simplesmente é, a ideia elabora-se” (EG, n. 231). Há sempre o risco de o conceito sobrepor-se à realidade, gerando uma situação em que prevalecem a palavra, a ideia e o sofisma, como se bastasse a visão conceitual sobre a realidade para diagnosticar os problemas e sugerir soluções ideais, mas ao mesmo tempo inatingíveis. E as formas de ocultar a realidade são notórias: “os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os nominalismos declaracionistas, os projetos mais formais que reais, os fundamentalismos anti-históricos, os eticismos sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria” (EG, n. 231).

Não se trata de negar a importância do conceito, mas esse se torna estéril se não transforma a realidade, se não chega à “objetividade luminosa” (EG, n. 232). Há líderes políticos e religiosos ignorados pelo povo, porque, embora suas ideias e propostas sejam cartesianamente claras, eles permanecem no reino dos conceitos e seus projetos se condensam na retórica (EG, n. 232). A intuição do Papa sinaliza, para além do contexto em que foi proposta, que o mistério de Deus excede o mundo das ideias, exigindo experiência pessoal ou a mística do encontro, envolvendo a subjetividade com repercussões na vida social. Sobre a experiência de Deus são possíveis muitas palavras que, no entanto, não a esgotam, daí a relevância do silêncio com seu potencial revelador de novas dimensões da realidade. Decerto por causa disso o Papa, em seu apelo por uma ecologia integral, convida os seres humanos a escutar a natureza de forma silenciosa, admirando-a com respeito e reverência (LS, n. 85), evitando destruí-la em benefício de torpes interesses. A afirmação de Francisco sobre a proeminência da realidade sobre o conceito corrobora o corolário dos místicos: “nossos problemas mais profundos estão além da linguagem. A eleição do silêncio por parte do místico é sinal do reconhecimento da finitude do homem. Há homens (o positivista está entre eles) que não têm nada sobre o que calar” (BALDINI, 2002, p. 1604). E as soluções para os problemas humanos não se esgotam nas palavras.

Para muitos místicos, até mesmo a palavra Deus expressa certa relatividade. Segundo Etty Hillesum, por exemplo, “devemos esquecer todas as nossas grandes palavras, começando com Deus e terminando com morte, e devemos voltar a ser tão simples quanto a água da fonte” (2012, p. 713). Desse esvaziamento depende a experiência do mistério de Deus, como atesta a mística holandesa: “às vezes acho a palavra Deus tão primitiva, é uma metáfora afinal de contas, uma aproximação à nossa maior e contínua aventura interior, estou segura de não ter nem mesmo necessidade da palavra Deus” (2012, p. 645). Em última instância, sente-se desafiada a “transformar seu espaço interior numa ampla planície vazia, sem toda aquela erva daninha que impede a visão, para que alguma coisa de ‘Deus’ possa nascer, assim como há algo de Deus na Nona Sinfonia de Beethoven” (2012, p. 104). Deus se revela, portanto, como aquele horizonte de transcendência que “está presente num modo exclusivamente seu, o modo da recusa e da ausência. Ele se dá a nós no modo da renúncia de si mesmo, do silêncio e da distância” (RAHNER, 1970, p. 181). Riobaldo, protagonista do Grande Sertão, pondera: “Deus existe mesmo quando não há” (ROSA, 2019, p. 50). A radical transcendência de Deus irrompe como um traço inconfundível da experiência que dele fazem os seres humanos, deixando-se encontrar como o totalmente outro, extrapolando nossa capacidade finita de apreensão. Tem razão Panikkar (2015b, p. 54):

a experiência de Deus não é experiência de algo, nem de alguém, não é experiência de nenhum objeto. Tanto a tradição cristã – desde Dionísio Areopagita até Tomás Merton – como a maioria das tradições religiosas da humanidade nos dizem que de Deus só se sabe que não é possível conhecê-lo.

A descoberta de Deus escapa do intelectualismo denunciado por Francisco (EG, n. 231), vai além das palavras, reclamando silêncio contemplativo, “condição indispensável para que nosso discurso sobre Deus não degenere em uma logomaquia” ou em uma dialética elitista (PANIKKAR, 2015b, p. 103). Esse silêncio suprime, portanto, o palavreado vazio sobre Deus, presente em muitos discursos religiosos, inclusive cristãos, mormente naqueles que capitalizam a religião, transformando-a numa comodity para explorar os mais pobres e indefesos em prol da riqueza, do poder e até mesmo de uma ideologia fundamentalista que menospreza os problemas da injustiça e da desigualdade. Ao contrário, a descoberta da presença de Deus, ou da Presença originante, sobre a qual discorrem as tradições religiosas, pleiteia silêncio, para o qual se sente incapaz aquele que se distrai na superficialidade do mundo, que se perde em divertimentos, alienando-se de si mesmo, de seu interior, da fonte do seu próprio ser. Quem se identifica com funções que exerce, posição social, cargos de poder ou modas vigentes se indispõe para encontrar Deus em si mesmo. Somente o silêncio permite a passagem “da dispersão à concentração, da superficialidade à profundidade, da multiplicidade à comunhão” (VELASCO, 1997, p. 29-30), uma vez que “é no silêncio que a pessoa acorda para a consciência do mistério incompreensível da vida e da realidade. O silêncio aprofunda a consciência e sintoniza-a com a dimensão do mistério divino” (PAINADATH, 2015, p. 31).

O silêncio se ergue como desafio ao ser humano pós-moderno, imerso em um torvelinho de vozes que ecoam de todos os lados, distraindo-o do essencial e, muitas vezes, adoecendo seu pensamento. Esta situação o inabilita para perceber a Presença do mistério de Deus em sua vida, já que se sente dominado pelos interesses egoístas, a utilidade, a ganância. Quem cultiva um olhar dominador e atravessa a vida fazendo e desfazendo, explicando, explorando, no afã de tudo dominar, será incapaz de se abrir a uma experiência da pura gratuidade de Deus. Por isto mesmo, as tradições religiosas da humanidade acentuam a necessidade do sossego, da concentração e da liberdade interior para dispor-se ao encontro com a dimensão última e fundante da vida que denominamos Deus. Sem abertura a dimensões que escapam da mentalidade tecnocientífica, o ser humano não chegará a se esvaziar de si mesmo para descobrir o Absoluto em sua vida (VELASCO, 1997, p. 30). Não se percebe a transcendência sem a experiência do vazio e do silêncio.

Na experiência da transcendência pura experimentamos o vazio, a vacuidade e, por último, o silêncio. O silêncio é o único espaço da liberdade. O pensamento, com efeito, não é totalmente livre, o constringe o princípio da não contradição. E a vontade não é totalmente incondicionada, pois está obrigada ao bem, ainda que seja parcial ou corra o perigo de equivocar-se. A ação não é um mero mover-se; se dirige a um fim que ao mesmo tempo a orienta. Somente o silêncio deixa espaço para a liberdade. E Deus é liberdade. "O silêncio é o espaço da experiência de Deus” (PANIKKAR, 2015b, p. 107).

Quando o Papa Francisco propõe aos cristãos a oração silenciosa, embora seu escopo seja coerente com sua proposta missionária à Igreja, resumida na expressão Igreja em saída, está tocando em um problema que vai além das fronteiras da Igreja. Se, por um lado, o encontro do cristão com Cristo se dá no silêncio da oração, o encontro do homem com Deus emerge da meditação silenciosa sobre o sentido último da vida, que responde a questões sempre presentes: quem sou? De onde vim e para onde vou? Qual o sentido de estar aqui? Tais perguntas exigem respostas que ultrapassem a dimensão imanente da vida, encontrando-se para além das explicações conceituais. Essas perguntas são, muitas vezes, o trampolim para uma realidade diferente daquela em que predominam os objetos da vida cotidiana. “O silêncio é a força da mística, sem a qual o homem é tão somente um animal racional, e a religião somente um sistema de pensamento” (PANIKKAR, 2015a, p. 149). A força mística do silêncio aponta sempre para o sentido último, a partir do qual a vida do ser humano e da humanidade consegue ser transformada. Para o cristão, se trata de um aspecto imprescindível para a experiência de Deus em Cristo.

5 Silêncio na experiência de Deus em Cristo

O Papa recomenda o silêncio como espaço apropriado para o encontro com Jesus. “Tens momentos em que te colocas na sua presença em silêncio, permaneces com Ele sem pressa, e te deixas olhar por Ele? (EG, n. 151)”. Francisco, fiel à tradição espiritual cristã, enaltece o silêncio, considerando-o imprescindível para a experiência cristã. A própria vida de Jesus aponta para a valia do silêncio na relação com Deus. O evangelista Lucas o mostra em constante atitude silenciosa e orante: “Ele, porém, permanecia retirado em lugares desertos e orava” (Lc 5,16). Acudia à oração sobretudo em momentos decisivos (Lc 3,21; Lc 9,18.28), máxime na cruz, quando oferece sua vida ao Pai (Lc 23,34.46). Por vezes, inicia seu dia buscando o silêncio. “De madrugada, estando ainda escuro, ele levantou e se retirou para um lugar deserto e ali orava” (Mc 1,35). Apreciava a solidão (Mt 14, 23), o silêncio da montanha (Mc 6,46; Lc 9,28), a serenidade da noite (Lc 6,12). Se, por um lado, Jesus está permanentemente em saída para a missão, por outro não dispensa o face a face com o Pai no silêncio e recolhimento.

A oração silenciosa de Jesus expressa sua comunhão filial com o Pai no Espírito Santo. Ela se torna o “revestimento econômico de sua identidade filial” (TREMBLAY, 2005, p. 27). Jesus se dirige a Deus chamando-o de Abba (Pai querido) (Mc 14,36). Ungido pelo Espírito em vista da missão (Lc 3,21-22; Jo 1,32-34), será sempre sustentado pelo Espírito (Lc 11,20), o que lhe permite apropriar-se das palavras de Isaías: “O Espírito Santo está sobre mim, porque ele me consagrou pela unção” (Lc 4,18). No silêncio, Jesus acolhe o impulso do Espírito que o faz crescer na comunhão com o Pai. “O querer do Espírito tende irresistivelmente à comunhão, como um rio corre para o mar; a oração é uma busca de comunhão” (DURRWELL, 1985, p. 131). O silêncio será para Jesus lugar privilegiado da comunhão com seu Pai querido (Abba), espaço onde “ele se expressa em sua totalidade” (SOBRINO, 1983, p. 171). O Pai desponta como horizonte último de sentido da vida de Jesus, daí a busca do silêncio como ambiente indispensável da acolhida desse sentido que desencadeia sua atividade histórico-salvífica. Em silêncio orante, ele acolhe a vontade do Pai como servo fiel (Jo 4,34; 5,30; 9,4). Seu silêncio expressa, portanto, “a aceitação da vontade de Deus sobre o Reino e sobre sua própria pessoa” (SOBRINO, 1983, p. 323).

E será no silêncio orante que Jesus enfrentará o seu destino trágico, aceitando-o não apenas como incidente político inevitável, mas como circunstância da manifestação máxima do sentido salvífico de sua existência. Sua paixão e morte se passam numa atmosfera de silêncio reverente e oração profunda. Ele se silencia diante do Sumo Sacerdote (Mt 26,63) e nada responde a Pilatos (Mt 27,12.14; Jo 19,9). Atitude que se repete diante de Herodes Antipas: “interrogou-o com muitas perguntas; ele, porém, nada lhe respondeu” (Lc 23,9). “Do ponto de vista literário-teológico, as narrativas da paixão, em sua fundamentação veterotestamentária, descrevem o sofredor impotente, que pode apenas silenciar” (EBACH, 2015, p. 119). Não se trata de um silêncio de desespero, mas do silêncio do sofredor que permanece fiel a Deus para salvar a humanidade. Na paixão, Jesus faz também a dura experiência do silêncio de Deus. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste”? (Mc 14,34)? O Pai ressuscitará Jesus, mas não intervém naquela hora. “Silêncio levando ao silêncio ou silêncio respondendo ao silêncio” (AMALADOSS, 2015, p. 67). Mas o silêncio de Jesus manifesta sua confiança inabalável em Deus. Segundo Lucas, sua oração final é de confiança: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). “O silêncio entre Deus e Jesus esconde uma troca de amor que frutificará como nova vida. O silêncio está cheio de promessa e esperança, não de desespero” (AMALADOSS, 2015, p. 68).

O silêncio, a partir da própria experiência de Jesus, pertencerá à tradição espiritual do cristianismo, por isso o Papa recolherá alguns exemplos dessa tradição, como Santa Teresa de Ávila. A experiência de Teresa comprova a convicção de Francisco, segundo a qual “a oração confiante é uma resposta do coração que se abre a Deus face a face, onde são silenciados todos os rumores para escutar a voz suave do Senhor que ressoa no silêncio” (GE, n. 149). Uma definição que faz eco à da doutora mística, citada pelo Papa: “A oração mental não é senão tratar de amizade, estando muitas vezes a sós com Aquele que sabemos que nos ama” (V 8,5)1. De fato, segundo Francisco, Teresa de Ávila ensina que para a oração o “essencial não é pensar muito, mas amar muito (4M 1,7); dirigir o olhar para fitar Aquele que olha constantemente para nós com amor e nos suporta com paciência (C 26,3-4)” (FRANCISCO, 2014). A definição de Teresa soma elementos essenciais da relevância do silêncio para a experiência cristã, corroborando a convicção do Papa. A oração, enquanto amizade com Deus, exige comunicação interpessoal, impregnada do dinamismo da proximidade e da familiaridade, abarcando momentos de encontro e partilha a sós. O espaço do silêncio interior se alça como condição da escuta profunda, tornando possível a concentração requerida pela relação com Deus. Além disso, faz-se necessário calar aquilo que impede a escuta da voz do amigo (HERRÁIZ GARCIA, 2001, p. 58).

Teresa se espelha no exemplo de Jesus: “Porque assim fazia o Senhor quando orava” (C 24,4). Sua inspiração se encontra no próprio Jesus, bem como em seu ensinamento: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai que está lá, no segredo” (Mt 6, 6). Segundo nossa doutora, orar supõe estar a sós, em silêncio, com aquele que sabemos que nos ama. Deus, amigo por excelência do ser humano, tem prazer em estar com ele. “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que seu senhor faz; mas vos chamo amigos” (Jo 15,15). Em Jesus, Deus manifesta sua amizade pelo ser humano, seu amor infinito e incondicional (1Jo 4,16). O próprio conceito de revelação abrange a noção de amizade, uma vez que “o Deus invisível, levado por seu grande amor, fala aos homens como a amigos e com eles se entretém para convidá-los à comunhão consigo e nela os receber” (DV 2). O silêncio se converte, assim, em atmosfera natural da acolhida da amizade benfazeja de Deus.

Francisco propõe à Igreja uma nova evangelização que finca suas raízes no silêncio orante, porque “neste silêncio, é possível discernir, à luz do Espírito, os caminhos de santidade que o Senhor nos propõe” (GE, n. 150). A Igreja em saída conjuga, portanto, contemplação e ação, recolhimento e anúncio da beleza do Evangelho. Sem o silêncio, “nossas decisões não passarão de decorações, que, em vez de exaltar o Evangelho na nossa vida, acabarão por o recobrir e sufocar” (GE, n. 150). Sem a escuta silenciosa do Mestre, “nossas palavras serão rumores que não servem para nada” (GE, n. 150). Francisco reprova uma evangelização barulhenta que não transforma a Igreja e a sociedade, mas que é, na verdade, mundana, ou seja, busca da própria glória e de bens pessoais, não da glória de Deus (EG, n. 93).

Na vida de Teresa encontramos a mesma dinâmica, que associa silêncio e missão, recolhimento e trabalho. O silêncio é “todo seu consolo” (V 25,15) e Teresa atesta que os que começam a ter oração, recorrem à solidão e ao silêncio (V 11,9), desejando momentos para estar com Deus (V 15,14). Só assim a pessoa chega à sua interioridade, sem a qual se aliena da presença de Deus em sua vida. A doutora constata: “Mas as riquezas que há nesta alma, seu grande valor, quem nela habita – eis o que raras vezes consideramos. O resultado é não fazermos caso de sua beleza, nem procurarmos com todo cuidado conservá-la” (1M 1,2). É dentro da pessoa humana “onde se passam as coisas mais secretas entre Deus e a alma” (1M 1,3). Alma significa, nesse caso, a dimensão transcendente do ser humano. Buscar o silêncio não sinaliza fuga do mundo, mas uma “concentração de atenção e amor” em Deus que prepara para a missão (ALVAREZ, 2002, p. 600).

A oração feita em silêncio produz efeitos de transformação: “Daqui por diante é um novo livro, isto é, uma vida nova. A que passei a viver depois que comecei a falar destas coisas de oração é a que Deus vive em mim” (V 23,1). O silêncio proposto pelo Papa e testemunhado por Teresa provoca uma descentralização do narcisismo espiritual e suas fantasias, devolvendo-nos à realidade da vida e nos comprometendo com o projeto de salvação de Jesus Cristo, o Reino de Deus. A experiência de Teresa repercute profundamente em sua vida. Como contemplativa, não conseguia dilatar suas ações a favor do Reino como gostaria, nesse caso decide fazer o que está a seu alcance: “Decidi-me, então, a fazer o pouco que posso: seguir os conselhos evangélicos com toda perfeição e levar as poucas irmãs que aqui estão a fazer o mesmo” (C 1,2).

Os frutos do silêncio orante se concretizam na vida. Na sociedade segmentada da Espanha do século XVI, Teresa defende os pobres: “Parece muito ruim, minhas filhas, que se façam grandes edifícios com economias dos pobrezinhos. Que Deus não o permita” (C 2,6). Para a mística reformadora, as desordens sociais se opõem ao projeto de Deus. Seu escopo, portanto, não se restringe a refundar a vida religiosa, mas transfigurar a realidade social, palco de tantas injustiças, sobretudo dos ricos contra os pobres. Suas fundações servem ao projeto de Deus revelado em Jesus Cristo (SLADE, 2001, p. 91). E ela o expressa com palavras contundentes: “O Senhor decidiu dar-me uma luz quanto a isso, dizendo-me certa feita quão pouco importância teriam, aos olhos de Deus, esta questão de linhagens e condições” (F 15,16). A mística espanhola critica as falsas relações sociais que se encontravam na sociedade e na Igreja de sua época, oferecendo, segundo Francisco, uma solução acessível e eficaz: “fundar pequenas comunidades de mulheres que, à imitação do colégio apostólico, seguissem Cristo vivendo o Evangelho de modo simples e sustentando a Igreja inteira mediante uma vida transformada em oração” (FRANCISCO, 2014).

A espiritualidade teresiana se distancia do intimismo vazio e se encarna na história e cultura de seu povo. “O crescimento na consciência eclesial levou Santa Teresa a dar respostas, criativas e inspiradas, às necessidades e aos males vividos por aquela Igreja do século XVI” (PEDROSA-PÁDUA, 2021, p. 716). Respostas que confirmam o que diz o Papa: “não servem as propostas místicas desprovidas de um vigoroso compromisso social e missionário, nem os discursos e ações sociais e pastorais sem espiritualidade que transforme o coração” (EG, n. 162). Teresa se torna testemunho eloquente escolhido pelo Papa devido ao cultivo do espaço do silêncio interior, lugar do encontro com Cristo, sem o qual compromisso e atividade cristãos perdem seu sentido (EG, n. 262). Dá a urgência apontada pelo Papa da recuperação de “um espírito contemplativo, que nos permita descobrir, cada dia, que somos depositários de um bem que humaniza, ajudando a levar uma vida nova” (EG, n. 265). A riqueza da espiritualidade cristã, com séculos de testemunhos pessoais e comunitários, contribuiu para renovar a humanidade, uma vez que nela descobrimos a mística interior capaz de nos animar (LS, n. 216).

A experiência de Deus em Cristo, conforme Francisco e o testemunho de Teresa de Ávila, apresenta duas dimensões imprescindíveis: “a dimensão mística, que se atualiza na relação e encontro pessoal, graças ao Espírito, com Deus em Jesus Cristo” (VELASCO, 1997, p. 84). Um encontro que engloba a descoberta do Reino, inaugurado por Jesus com sua vida, morte e ressurreição. O Reino emerge da pregação de Jesus como nova maneira de existir, caracterizada pela fraternidade entre aqueles que reconhecem Deus como Pai, afinal Jesus é “o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8,29). Em Jesus, Deus se manifesta como Abba, Pai querido (Mc 14,36; Gl 4,6-7), oferecendo a todos seu amor, até mesmo aos maus e injustos (Mt 5,45). O “primogênito de muitos irmãos” deseja que se alastre a fraternidade entre os seres humanos, porque amar a Deus e ao próximo resume a Lei e os profetas (Lc 10,27-28).

A segunda dimensão da experiência cristã diz respeito à encarnação na própria vida “das atitudes, sentimentos e comportamentos de Jesus Cristo” (VELASCO, 1997, p. 84). As ações concretas carregam um peso escatológico: “Porque tive fome e me destes de comer” (Mt 25,35). Os místicos acentuam a humanidade de Cristo como parâmetro de sua experiência, cujo critério de autenticidade se encontra no amor ao próximo, como declara Teresa: “Pois isto é oração, minhas filhas, para isto serve este matrimônio espiritual: para fazer nascer obras, sempre obras” (7M 4,6). E a obra por excelência, segundo o Papa, se encontra na fraternidade universal, uma vez que a todos Deus concede a mesma dignidade, os mesmos direitos e deveres, convocando-os a viver como irmãos, compartindo os valores da paz, da caridade e do bem (FT, n. 285).

O silêncio desponta como aspecto crucial da dimensão mística da experiência de Deus em Cristo, uma vez que essa apresenta um caráter geral e indistinto. A revelação de Deus em Cristo não esgota o seu mistério. Ele se revela sem se desvelar, ou seja, permanece incompreensível e desconcertante, não reduzível a conceitos e fórmulas, afinal, ele habita em “luz inacessível” (1Tm 6,16). A revelação de Deus não suprime sua incompreensibilidade, tampouco extingue sua ação desconcertante. Para Paulo, a mensagem de Jesus Cristo é “revelação de mistério, envolvido em silêncio desde os séculos eternos” (Rm 16,25). Se a revelação brota do silêncio, para apreendê-la torna-se imperioso silenciar-se. Certeau afirma que “o peso da palavra é o silêncio; o peso do silêncio é a palavra que ele não tem necessidade de dizer” (CERTEAU, 2005, p. 9). Palavra e silêncio jamais se separam, porque, segundo Rahner (2011, p. 80), Deus sempre “se dá a nós sob o modo de uma renúncia de si, de um silêncio, de uma distância, e ele se mantém continuamente nas regiões do inexprimível, de modo que todo discurso a seu respeito, para ser perceptível, requer sempre a escuta de seu silêncio”.

A Palavra de Deus comunica o mistério de Cristo a ser experimentado em silêncio. “O amor detém-se, contempla o mistério, desfruta dele em silêncio” (GE, n. 155). Certeau discorre sobre a experiência de alguns monges dos primórdios da Igreja. Permaneciam de pé durante toda a noite, ao ar livre, rijos como árvores, em atitude de espera, com as mãos elevadas ao céu, voltados ao horizonte onde despontaria o sol. Seus corpos, movidos pelo desejo, anelavam o nascer do sol. Não se serviam de palavras. A faina do desejo era sua prece silenciosa. E quando o sol tocava a palma de suas mãos, eles buscavam o repouso, pois o sol havia nascido (CERTEAU, 2005, p. 3). Tal experiência evoca a descrição de Riobaldo, no Grande Sertão: “Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza” (ROSA, 2019, p. 24). Há sempre uma demanda de silêncio na espera que caracteriza a experiência espiritual. Uma espera que não sabemos se é espiritual ou corporal, conceitual ou afetiva.

Nossa tentação constante é identificar Deus com alguma coisa que seria afetivo ou mais racional, que seria mais físico ou cerebral. A espera é a de todo nosso ser. O que nos acontece é precisamente o raio que, tocando a palma de nossas mãos, muda pouco a pouco a paisagem, ensinando-nos que o sol nasce diferente daquilo que a noite nos permite saber sobre ele

(CERTEAU, 2005, p. 3)

O encontro com Cristo ao qual Francisco nos convida no início de seu ministério se assenta sobre a dimensão mística da experiência de Deus, sem a qual a missão da Igreja em saída perde substância. “Senhor, deixei-me enganar, de mil maneiras fugi do vosso amor, mas aqui estou novamente para renovar minha aliança convosco. Preciso de Vós. Resgatai-me de novo, Senhor, aceitai-me mais uma vez em vossos braços redentores” (EG, n, 3). Tal experiência não se restringe a uma compreensão intelectual, mas diz respeito ao que a tradição mística traduziu como conhecimento amoroso, iluminação que brota da união com Deus, procedente de uma imediatez mediada (SCHILLEBEECKX, 2012, p. 99), fruto de sua graça. “Se verdadeiramente reconhecemos que Deus existe, não podemos deixar de o adorar, por vezes em um silêncio cheio de enlevo” (GE, n. 155). A inefabilidade do mistério atinge horizontes inexprimíveis. Segundo os místicos, o sabor de Deus conta mais que o saber sobre Deus. Conceitos podem ser esclarecidos, ideais são explicáveis, mas a experiência de Deus mantém sempre um caráter apofático. Daí que o saber sobre Deus é, na tradição mística, um saber não sabendo ou saber amoroso, como atesta São João da Cruz: “Quanto mais alto se sobe, tanto menos se entendia, como a nuvem tenebrosa, que na noite esclarecia; por isso quem a sabia, fica sempre não sabendo, toda a ciência transcendendo” (CB 4,5)2. Frente à inefabilidade do mistério de Deus, às vezes cabe apenas “um silêncio cheio de enlevo” (GE, n. 155).

Francisco acentua, portanto, a urgência de uma experiência que faça surgir uma evangelização que não seja imposição extrínseca de doutrinas, mas anúncio do mais urgente e essencial (EG, n. 35). O jurídico e o institucional cedem lugar ao núcleo fundamental que se encontra na “beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado” (EG, n. 36); beleza que se converte para o cristão, para a Igreja e o mundo em uma experiência transformadora. “A finalidade da instituição é tornar visível a experiência que a constituiu. Mas a instituição se encarna em um ser humano em contínuo fazer-se. Por isso a instituição tem que adaptar-se para tornar visível a experiência que se encontra em processo contínuo” (PANIKKAR, 2015b, p. 49). A experiência do encontro com o mistério de Cristo no silêncio, segundo Francisco, se encontra na origem da missão. O silêncio, essencial para o discípulo, não é “evasão que nega o mundo que nos rodeia” (GE, n. 152), mas fortalecimento de uma amizade, desde a interioridade, que culmina na missão. Francisco assevera:

Não é a mesma coisa ter conhecido Jesus ou não o conhecer, não é a mesma coisa caminhar com ele ou caminhar tateando, não é a mesma coisa poder escutá-lo ou ignorar sua Palavra, não é a mesma coisa poder contemplá-lo, adorá-lo, descansar nele ou não o poder fazer. Não é a mesma coisa procurar construir o mundo com o seu Evangelho em vez de fazê-lo unicamente com a própria razão. Sabemos que a vida com Jesus se torna muito mais plena e, com ele, é mais fácil encontrar o sentido para cada coisa

(EG, n. 266).

Ao acentuar a relevância do silêncio como lugar de encontro com Cristo, Francisco apresenta o antídoto para as duas heresias atuais que se opõe à espiritualidade e à evangelização. O neo-gnosticismo se caracteriza como orgulho da razão, que deseja “domesticar o mistério de Deus e da sua graça, como o mistério da vida dos outros” (GE, n. 40). No fundo se trata de um fechamento à graça de Deus que, como dom, requer ser acolhida, interiorizada. Os místicos apontam a passividade como elemento essencial de sua experiência. A passividade significa atenção a uma presença, algo que supera o entendimento intelectual, envolvendo o sujeito em sua totalidade. Nesse caso, acolhe-se a presença de Deus como graça, puro dom de seu amor que escapa ao controle do ser humano. Sem essa acolhida, domestica-se o mistério. “Se nos deixarmos guiar mais pelo Espírito do que pelos raciocínios, podemos e devemos procurar o Senhor em cada vida humana. Isso faz parte do mistério que as mentalidades gnósticas acabam por rejeitar, porque não podem controlar” (GE, n. 42). Francisco critica o fechamento ao mistério, caracterizando-o como falta de abertura à ação do Espírito que age silenciosamente no ser humano.

O neo-pelagianismo demonstra, por sua vez, orgulho da vontade, centrando-se no esforço pessoal em vista de objetivos calculáveis, como se a vontade humana tudo pudesse realizar e a graça fosse apenas um acréscimo. “Adoração da vontade humana e da própria capacidade, que se traduz em uma complacência egocêntrica e elitista, desprovida do verdadeiro amor” (GE, n. 57). Mais uma vez, nos deparamos com um sutil menosprezo da graça, quando, na verdade, “só a partir do dom de Deus, livremente acolhido e humildemente recebido, é que podemos cooperar com nossos esforços para nos deixarmos transformar cada vez mais. A primeira coisa é pertencer a Deus. Trata-se de nos oferecermos a ele, que nos antecipa” (GE, n. 56). Francisco acentua em seu magistério a prioridade da graça que sustenta nossa vida, a vida da Igreja e do mundo. Graça oferecida a todos os seres humanos, reclamando ser acolhida, o que dificilmente se efetua sem o silêncio orante de quem acolhe o dom do Espírito.

Conclusão

Desde o início do seu magistério, o Papa Francisco apresenta a evangelização como a tarefa primordial da Igreja, cujo conteúdo se resume na “beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado” (EG, n. 36). Esse anúncio se destina a todos os seres humanos, em diálogo com as culturas e religiões. Sua proposta de uma Igreja em saída se afasta da dimensão burocrática e se embasa na ação contínua do Espírito Santo que faz a Igreja deixar a autorreferencialidade e se enlamear pelas estradas do mundo, atenta às necessidades mais urgentes dos seres humanos. A Igreja em saída reconhece a prioridade da graça sobre as estruturas, daí deriva a exigência de uma evangelização com Espírito. “Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que se abrem sem medo à ação do Espírito Santo” (EG, n. 259). A presença do Espírito significa “moção interior que impele, motiva, encoraja, dá sentido à ação pessoal e comunitária (EG, n. 260). A pastoral evangelizadora, a serviço do Reino de Deus, supõe experiência do mistério de Cristo que se faz no Espírito. A evangelização com Espírito reclama mística, apropriação pessoal do mistério de Cristo, demandando silêncio e oração.

Francisco rejeita uma mística desencarnada, que se apresenta como “uma forma de consumismo espiritual à medida do próprio individualismo doentio” (EG, n. 89), lamentando o crescimento do “apreço por várias formas de espiritualidade do bem-estar sem comunidade, por uma teologia da prosperidade sem compromissos fraternos ou por experiências subjetivas sem rostos, que se reduzem a uma busca interior imanentista” (EG, n. 90). Por essa razão o Papa oferece aos cristãos o exemplo de tantos santos e místicos (GE) que, transformados pela graça, puseram-se a serviço da Igreja e do mundo, buscando a construção do Reino em situações concretas. O testemunho eloquente de Teresa de Ávila corrobora a proposta de Francisco sobre uma mística libertadora, que não exclui o silêncio, antes o exige como condição de acolhida da graça de Cristo, permitindo “responder adequadamente a sede de Deus de muitas pessoas, para que não tenham que ir apagá-la com propostas alienantes ou com um Jesus Cristo sem carne e sem compromisso com o outro” (EG, n. 89).

Tal graça supera os conceitos, requerendo, como dizem os místicos, conhecimento amoroso, saboreado no silêncio da oração e da escuta. Só assim se torna possível fortalecer o ser humano em sua interioridade aberta ao transcendente e fazer a experiência descrita pelo apóstolo: “compreender com todos os santos qual é a largura e o comprimento, e a altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo que excede todo conhecimento” (Ef 3,18-19). Talvez aqui se encontre um dos antídotos para eliminar os inimigos da espiritualidade e da evangelização, apontados por Francisco: o neo-gnosticismo e o neo-pelagianismo, orgulho da razão e da vontade. O evangelho a ser anunciado jorra do encontro silencioso com Cristo e da escuta atenta de sua palavra salvífica, motivados pelo Espírito. O silêncio proporciona “espaços vazios onde ressoa a voz de Deus” (GE, n. 29). Silêncio que, segundo Certeau (2010, p. 57), permite “uma atenção ao insuspeitável, que torna possível uma linguagem mais modesta e mais comum, mas também mais verdadeira, mais violenta pelo fato de vir de mais longe. Todos nós esperamos palavras nascidas desta noite, desestruturadas e refeitas por esse silêncio”. A evangelização proposta por Francisco e testemunhada por ele, com uma “linguagem mais modesta e mais comum, mas também mais verdadeira”, devolve à Igreja o frescor do Evangelho de que o mundo barulhento de hoje tanto necessita.

    Siglas
  • C  = Caminho de Perfeição
  • CB  = Cântico Espiritual – Segunda Redação
  • DV  = Constituição Dogmática Dei Verbum
  • EG  = Exortação Apostólica Evangelii Gaudium
  • F  = Fundações
  • FT  = Carta Encílica Fratelli Tutti
  • GE  = Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate
  • LG  = Constituição Dogmática Lumen Gentium
  • LS  = Carta Encíclica Laudato Si
  • M  = Castelo Interior ou Moradas
  • PD  = Carta Placuit Deo
  • QA  = Exortação Apostólica Querida Amazônia
  • V  = Livro da Vida
  • 1
    Pelo fato de Santa Teresa de Ávila, doutora da Igreja, ser um clássico, optamos pela referência internacional própria.
  • 2
    Pelo fato de São João da Cruz, doutor da Igreja, ser um clássico, optamos pela referência internacional própria.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2022
  • Aceito
    20 Fev 2023
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