VIOLÊNCIA FÍSICA, SEXUAL E PSICOLÓGICA SEGUNDO A ANÁLISE CONCEITUAL EVOLUCIONISTA DE RODGERS

RESUMO

Objetivo:

esclarecer os conceitos de violência física, psicológica e sexual e, a partir dos resultados obtidos, comparar similaridades e diferenças entre conceitos, suas características, condições para acontecimentos e possíveis desfechos.

Métodos:

utilizou-se a análise de conceito evolutivo de Rodgers. Os antecedentes, atributos e consequentes foram extraídos de 91 documentos publicados em 2018, em português, inglês, francês ou espanhol, por busca utilizando os descritores “violência física”, “violência psicológica” e “violência sexual”.

Resultados:

para “violência física” foram extraídos 17 atributos, um antecedente e sete consequentes; para “violência sexual” 31 atributos, 10 antecedentes e dois consequentes; e para “violência psicológica” 33 atributos, quatro antecedentes e seis consequentes.

Considerações finais:

distintas tipologias de violência apresentam diferentes atos que as caracterizam, e que quando (re)conhecidos pelo enfermeiro, oportunizam um planejamento da assistência otimizado e de qualidade.

DESCRITORES
Violência Sexual; Violência; Violência por Parceiro Íntimo; Terminologia Padronizada em Enfermagem; Formação de Conceito

ABSTRACT

Objective:

to clarify the concepts of physical, psychological, and sexual violence and, from the results obtained, to compare similarities and differences among concepts, their characteristics, conditions for events, and possible outcomes.

Methods:

Rodgers’ evolving concept analysis was used. The antecedents, attributes and consequents were extracted from 91 documents published in 2018, in Portuguese, English, French or Spanish, by search using the descriptors “physical violence”, “psychological violence” and “sexual violence”.

Results:

for “physical violence” 17 attributes, one antecedent and seven consequents were extracted; for “sexual violence” 31 attributes, 10 antecedents and two consequents; and for “psychological violence” 33 attributes, four antecedents and six consequents.

Final considerations:

different types of violence have different acts that characterize them, and that when (re)known by the nurse, allow for an optimized and quality care planning.

DESCRIPTORS:
Sex Offences; Violence; Intimate Partner Violence; Standardized Nursing Terminology; Concept Formation.

RESUMEN

Objetivo:

aclarar los conceptos de violencia física, psicológica y sexual y, a partir de los resultados obtenidos, comparar las similitudes y diferencias entre los conceptos, sus características, las condiciones de los acontecimientos y los posibles resultados.

Métodos:

Se utilizó el análisis conceptual evolutivo de Rodgers. Los antecedentes, atributos y consecuentes se extrajeron de 91 documentos publicados en 2018, en portugués, inglés, francés o español, mediante la búsqueda con los descriptores “violencia física”, “violencia psicológica” y “violencia sexual”.

Resultados:

para la “violencia física” se extrajeron 17 atributos, un antecedente y siete consecuentes; para la “violencia sexual” 31 atributos, 10 antecedentes y dos consecuentes; y para la “violencia psicológica” 33 atributos, cuatro antecedentes y seis consecuentes.

Consideraciones finales:

los diferentes tipos de violencia presentan diferentes actos que los caracterizan, y que al ser (re)conocidos por la enfermera, permiten una planificación de cuidados optimizada y de calidad.

DESCRIPTORES
Delitos Sexual; Violencia; Violencia de Pareja; Terminología Normalizada de Enfermería; Formación de Conceptos

INTRODUÇÃO

Termos com conceitos bem definidos são essenciais para organização de uma terminologia. A Classificação Internacional para Prática de Enfermagem (CIPE^®) é uma terminologia enumerativa e combinatória, desenvolvida em uma linguagem ontológica (Web Ontology Language - OWL). É reconhecida como uma tecnologia de informação por permitir coletar, nominar e documentar os elementos estruturantes da prática da enfermagem - os diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem(¹) Na CIPE^®, cada conceito (Termo Preferencial) é representado por um termo definido, disposto hierarquicamente, possuindo “conceito pai” (Termo Geral) e, por vezes, “conceito filho” (Termo Específico). Quanto mais acima da hierarquia, mais geral é o termo, quanto mais abaixo, mais específico. A exemplo do conceito (Termo preferencial): “Violência”, cujo conceito pai (Termo Geral) é o “Comportamento Agressivo”, e os conceitos filhos (Termos Específicos): “Abuso”; “Comportamento, Violento”; “Estado de Guerra”; “Infanticídio”; “Mutilação”; e “Risco de Violência”.

A definição do termo “Violência” da CIPE^® é similar à definição oferecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), compreendida como atos em que é usado intencionalmente poder ou força física contra si mesmo, outra pessoa, grupo ou comunidade, resultando em lesão, dano psicológico, morte, prejuízo no desenvolvimento ou privação(²). Esse conceito, apesar de abrangente e aplicável, não especifica características cruciais para assistência multidisciplinar à pessoa em situação de violência: o contexto e a tipologia de violência sofrida.

Apesar desta lacuna não ser identificada apenas na área da enfermagem, é necessário considerar que a CIPE^®, enquanto tecnologia leve-dura, auxilia a aplicação do processo de enfermagem na assistência a pessoas em situação de violência(³). Logo, é oportuno esclarecer os conceitos das distintas tipologias de violência, de forma a melhorar sua identificação e registro. Soma-se a esta relevância o fato de que, a partir do segundo semestre de 2021, a CIPE^® integra o catálogo da Systematized Nomenclature of Medicine Clinical Terms (SNOMED-CT Internacional). A SNOMED-CT trabalha com conceitos claros, combináveis e específicos, tendo a política de não incluir termos vagos ou muito abrangentes em seu catálogo(⁴-⁵). Entende-se que o conceito de violência contido na CIPE^®, por sua amplitude, encontra-se inadequado à proposta da SNOMED-CT, o que justifica a proposta apresentada no presente artigo, cujo resultado permitirá oferecer subsídios para futura inclusão de termos específicos na terminologia.

Para o escopo desta pesquisa, foram selecionadas tipologias de violência que expressam formas de violência, sendo estas: violência física, violência psicológica e violência sexual, para a condução de análises de conceito. O processo de análise conceitual refere-se ao processo de elucidação de significado de um conceito para unificar seu uso em determinado contexto(⁶). A análise conceitual difere-se das revisões sistemática e integrativa, pois produz uma avaliação crítica desde o seu primeiro passo metodológico(⁷). Para este estudo, elencou-se o método evolucionário de Rodgers(⁸). A questão norteadora foi: quais as semelhanças e diferenças entre os atributos, consequentes e antecedentes entre violência física, psicológica e sexual?

Os objetivos foram esclarecer os conceitos de violência física, psicológica e sexual; e identificar similaridades e diferenças entre os conceitos, suas características, condições para acontecimentos e possíveis desfechos.

MÉTODO

O Método Evolutivo de Análise Conceitual, proposto por Rodgers, considera o movimento cíclico da formação de um conceito como agente da manutenção do conhecimento, sendo utilizado mais frequentemente para estudar e auxiliar na formação de conceito de fenômenos que estão em constante mudança, como termos relacionados à violência. É organizado em cinco etapas: identificação do conceito de interesse e do objetivo da análise; escolha do meio para coleta de dados; coleta e organização de dados; identificação de atributos, antecedentes e consequentes; confecção do caso-modelo(⁸-⁹).

O método de Rodgers é essencialmente qualitativo e se difere de uma revisão de literatura, pois o cerne do método está na extração dos atributos, antecedentes e consequentes, e a busca na literatura - cujo meio é determinado de acordo com a questão norteadora, é apenas uma etapa do estudo(⁸). Neste artigo, apresentam-se três análises conceituais distintas conduzidas a partir das etapas descritas a seguir.

Identificação do conceito de interesse e do objetivo da análise

Três conceitos de interesse foram identificados: violência física, violência psicológica e violência sexual, com o objetivo de comparar similaridades e diferenças entre atributos, antecedentes e consequentes desses conceitos de interesse.

Escolha do meio para coleta de dados

A coleta de dados em uma análise conceitual é a coleta de definições dos conceitos de interesse, o que pode ser feito em diversos meios, como artigos científicos, teses, dissertações e grupos focais. Considerando o objetivo do presente estudo, o meio adotado para as análises de conceito foram artigos científicos de todas as áreas do saber, não se limitando à área da saúde.

Coleta e organização de dados

Optou-se por traçar uma única estratégia de coleta de dados para os três conceitos de interesse, no entanto, para evitar viés na comparação de dados e contribuir com a sua organização, foi definido que as buscas seriam realizadas individualmente. Utilizou-se o portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), biblioteca online que reúne mais de 130 bases de dados, incluindo MEDLINE, Scopus e Web of Science.

Para a busca do conceito de interesse “violência física”, foi utilizado o descritor estruturado “physical violence”, para “violência psicológica” foi utilizado o descritor “psychological violence” e para o conceito de interesse “violência sexual”, foi utilizado o descritor “sexual violence”. Os termos “sexual violence” e “physical violence” são termos de entrada do Medical Subject Headings (MeSH), no entanto, o termo “psychological violence” não apresenta representante no MeSH ou DECs (Descritores em Ciências da Saúde), o que impossibilitou o uso de refinadores disponibilizados pela plataforma. Para o descritor de interesse “sexual violence” foram utilizados os refinadores “violência sexual”; “abuso sexual”, enquanto para o descritor “physical violence” foram utilizados os refinadores “agressão” e “vitimização”. Para o termo “psychological violence” não foram utilizados refinadores.

Em cada uma das três buscas, realizadas em dezembro de 2018, foram recuperados artigos em português, inglês, francês ou espanhol, publicados em periódicos, revisados por pares, no mesmo ano da busca. A temporalidade foi estabelecida em virtude do grande número de publicações relacionadas ao tema e ao fato de que as definições utilizadas no material não necessariamente refletem a temporalidade de sua publicação, pois são usadas referências de anos anteriores. Dentre os artigos recuperados, foi realizada a leitura na íntegra e incluídos artigos com definição explícita do termo de interesse. Foram excluídos artigos duplicados por meio do gerenciador de referências Mendley^®; e artigos que possuíam definições mistas, que impossibilitariam a comparação entre os três conceitos de interesse. Para minimizar o viés de seleção, duas revisoras leram, de forma independente, os títulos e os resumos dos artigos e compararam os resultados. As discordâncias foram solucionadas por consenso. Para leitura na íntegra dos artigos e análise, contou-se com a presença de um terceiro revisor.

Dos artigos incluídos, foram extraídas as definições identificadas na literatura, sendo possível extrair mais de uma definição de um único artigo. Os resultados deste processo foram organizados em planilha eletrônica, com cada linha representando uma definição, complementada pelas colunas indicando o código de identificação da definição, nomes dos autores do artigo de origem, fonte da definição, página do artigo em que o conceito foi encontrado e o Digital Object Identifier (DOI) de acesso ao artigo.

Identificação de atributos, antecedentes e consequentes

Para as três análises foi realizada a mesma estratégia (Figura 1). A partir das definições extraídas, os termos (palavras) referentes aos atributos, antecedentes e consequentes dos conceitos de interesse foram identificados e descritos de modo original aos apresentados pelos autores dos artigos. Rodgers(⁸) define que o atributo de uma definição é a sua característica principal, enquanto os antecedentes delimitam as condições para seu acontecimento e os consequentes delimitam os desfechos. É importante salientar que nem todas as definições de um conceito de interesse apresentam atributos, antecedentes e consequentes, ao passo que uma única definição não é capaz de expressar todas as características, condições e desfechos de um fenômeno, a menos que seja uma definição operacional estabelecida a partir de um estudo de análise conceitual.

Figura 1
Diagrama das etapas das análises conceituais conduzidas. Curitiba, PR, Brasil, 2021

Os antecedentes, atributos e consequentes extraídos das definições são agrupados a fim de expressar como o conceito de interesse é representado na literatura e organizar o caso modelo. Para evitar viés de pesquisador, a primeira autora realizou a extração e última autora confirmou os termos extraídos, em caso de discordância, a decisão foi tomada por consenso.

Confecção dos casos modelo

O caso modelo tem como finalidade ilustrar uma situação na qual todos os atributos, antecedentes e consequentes estão presentes, de modo a facilitar a compreensão do fenômeno. Os casos modelos construídos neste artigo não são baseados em histórias reais, no entanto, as situações foram baseadas em caracterizações descritas no Atlas da Violência(¹⁰) para adicionar veracidade e adequar os conceitos ao cenário brasileiro.

A fim de facilitar a compreensão e possíveis comparações entre os conceitos de interesse, os resultados das três análises serão apresentados em conjunto, conforme a etapa do método.

De acordo com a resolução vigente, a avaliação em Comitê de Ética em Pesquisa não é necessária para pesquisas que utilizam exclusivamente material de livre acesso, desta forma, essa avaliação foi dispensada para essa pesquisa.

RESULTADOS

O fluxograma representado na Figura 2 demonstra os resultados obtidos durante a etapa da coleta de dados.

Figura 2
Fluxograma do número de artigos recuperados, incluídos, e de definições extraídas. Curitiba, PR, Brasil, 2021. Fonte: Autores (2021).

Em relação ao recorte temporal, considerando as referências informadas pelos autores dos artigos dos quais as definições foram retiradas e as de autoria própria, o conceito de “violência física” apresentou definições construídas entre 1996 e 2018, “violência sexual” definições construídas entre 2000 e 2018 e “violência psicológica” entre 1999 e 2018.

No tocante à área do saber, os artigos recuperados para o conceito de interesse “violência física” são três (16,66%) da área de ciências humanas e 15 (83,33%) da área da saúde; os artigos recuperados para o conceito de interesse “violência sexual” são sete (13,46%) da área de ciências humanas e 47 (86,53%) da área da saúde; os artigos recuperados para o conceito de interesse “violência psicológica” são seis (28,57%) da área de ciências humanas e 15 (71,42%) da área da saúde.

Com o objetivo de comparar os conceitos de violência física, violência sexual e violência psicológica, os resultados foram organizados em quatro seções: atributos, antecedentes, consequentes e caso modelo. Cada seção aborda os três conceitos.

Atributos

Os termos identificados como atributos, por conceito de interesse, foram dispostos no Quadro 1.

Quadro 1
Termos atributos identificados nas definições, por conceito de interesse. Curitiba, PR, Brasil, 2021

Violência física (n=17)	Qualquer forma de agressão física; punição corporal em que a força física é usada; estapear; socar; atirar; chutar; acertar; cortar; empurrar; tentar estrangular ou queimar; ameaçar ou atacar com faca, revólver ou outra arma; puxar cabelo; bater contra algo; usar intencional de força física ou poder contra si mesmo, outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade; usar a força como forma de ameaçar, reprimir, intimidar ou punir alguém; associado a lesões; para assustar.
Violência sexual (n=31)	Assédio sexual; humilhação sexual; comportamentos verbais e não-verbais de natureza sexual que refletem atitudes hostis e degradantes; comportamento sexual indesejado; contato sexual indesejado; coerção sexual; incentivo à atividade sexual indesejada ou ilícita; meios físicos de obter contato sexual de um indivíduo; o uso da força; coerção; abuso de autoridade ou incapacitação induzida por substâncias lícitas ou ilícitas para obter comportamento sexual indesejado; ato sexual cometido ou tentado sem o consentimento livre dado pela vítima; tentativa não consensual de penetração vaginal, oral ou anal; exposição indesejada a experiências sexuais; estupro e moléstia; prostituição forçada; gravidez forçada; esterilização; perseguir; violência por parceiro íntimo; insinuação sexual indesejada; ações para vender qualquer forma de sexualidade em qualquer lugar; tráfico de pessoas; comportamento antissocial; contato físico para agressão sexual; estratégia utilizada durante o conflito armado, especialmente no que diz respeito ao recrutamento de combatentes; construção social contestada; normativo dentro de nossa sociedade mais ampla; cultural; ameaçar, pressionar ou pedir de sexo; envolvimento de uma criança em atividade sexual que ela não compreende totalmente, é incapaz de dar consentimento informado ou para a qual a criança não está preparada ou desenvolvida; forçar uma pessoa a praticar atos sexuais quando essa pessoa considerar humilhante ou degradante.
Violência psicológica (n=33)	Insultar; ameaçar; atacar; abuso verbal; abuso emocional; assédio; abuso de comunicação; causar medo; gritar; humilhar; fazer sentir-se inadequado; colocar em perigo de ser; menosprezar; fazer sentir-se mal; assustar e intimidar; maus-tratos psicológicos; abuso mental ou emocional; negligenciar; controlar o comportamento; machucar mulheres ou com quem elas se importam; ausência de carinho e atenção; xingamentos; desvalorização; difamação; falta de reconhecimento; ridicularizar; zombar; fofocar sobre; excluir do grupo; restringir a vítima de exercer atividade laboral, restringir a vítima de educação ou cuidados médicos; destruir propriedade; insultar ou assustar crianças; evitar o grupo de pares; qualquer comportamento que afete o bem-estar ou integridade da criança.
n = quantidade de atributos

Fonte: Autores (2021).

Quadro 2
Termos antecedentes identificados nas definições, por conceito de interesse. Curitiba, PR, Brasil, 2021

Violência física (n=1)	Intenção de machucar.
Violência sexual (n=10)	Dominação - sobre raça, nacionalidade, classe, gênero e outras dimensões de desigualdades; conflitos; sexismo; racismo; homofobia; xenofobia; ableísmo; classismo; medo; atividade sexual focada em agradecer ou satisfazer as necessidades da outra pessoa.
Violência psicológica (n=4)	Conflito; relacionamento social; qualquer forma de violência em um relacionamento romântico; obstáculos para implementação das leis.
n = quantidade de antecedentes

Fonte: Autores (2021).

No que tange a violência física, as definições apresentadas nos artigos foram agrupadas em dois temas principais: (i) exemplos de atos violentos físicos; (ii) associação de uso da força e lesão corporal. Os atributos identificados foram socar, chutar e bater(¹¹-¹²), sendo o conceito sempre usado como violência física perpetrada contra outra pessoa. Por sua vez, os atributos relacionados com uso intencional da força física estão ligados à possibilidade de violência física contra outras pessoas e contra si mesmo(¹³-¹⁴).

Para o conceito de interesse “violência sexual”, foram identificados 34 termos, sendo a maioria exemplos de atos sexuais que se enquadram como violência. Destaca-se os termos “perseguir”(¹⁵), “construção social contestada”(¹⁶), “normativo dentro de nossa sociedade mais ampla”(¹⁷) e “cultural”(¹⁷), que não seguem um padrão.

Foram identificados 33 atributos para o conceito “violência psicológica”, que seguem um padrão de similaridade com exemplos de atos violentos.

Antecedentes

Os antecedentes dos três conceitos de interesse mostraram-se contrastantes. O único termo encontrado para “violência física” foi a intenção de machucar, ao passo que os termos atributos de “violência sexual” foram hegemonicamente relacionados com diferentes preconceitos e os de “violência psicológica” foram relacionados a relacionamentos íntimos.

Consequentes

Os termos identificados como consequentes, para os três conceitos de interesse, remetem a prejuízos de saúde física e psicológica (Quadro 3).

Quadro 3
Termos identificados como consequentes, por conceito de interesse. Curitiba, PR, Brasil, 2021 (continua)

Violência física (n=7)	Dor ou desconforto; prejuízo; morte; dano psicológico; dificuldade de desenvolvimento; privação; prejuízo.
Violência sexual (n=2)	Uma questão global de saúde e direitos humanos, que pode ter efeitos prejudiciais a curto e longo prazo na saúde e no bem-estar do sobrevivente; consequências graves para a saúde e para o desempenho escolar.
Violência psicológica (n=6)	Dano físico, mental, espiritual, moral e social; dano psicológico ou emocional; perda de liberdade; dificuldade para capturar e comprovar esse tipo de violência; estresse; vergonha; estabelecimento do medo como elemento forte das relações sociais.
n = quantidade de consequentes

Fonte: Autores (2021).

Casos-Modelos

Violência física

Fabrício, 56 anos, morador de rua há quase oito meses, dormia em frente a uma loja cujo dono lhe disse para sair do local, assustando-o e ameaçando machucá-lo. Fabrício se recusou a sair e o lojista usou violência: tapas, socos, chutes e empurrões. Fabrício tentou se defender, então o lojista tentou estrangulá-lo, mas ele se esquivou. Em seguida, o dono da loja tirou uma faca da mochila e, enquanto xingava o sem-teto, esfaqueou-o no peito. Policiais da região foram chamados pelos vizinhos e pararam a briga. Fabrício foi encaminhado ao hospital público, ainda consciente, relatando dor física e sofrimento psíquico. Em sua avaliação, foi encontrada perfuração pulmonar. Fabrício passou por cirurgia e perdeu a vida durante o procedimento, 12 horas após a agressão.

Violência Sexual

Em uma boate, Luís se aproximou de Maria, uma jovem indígena que estuda Medicina em Curitiba, Paraná. Ela não queria contato físico com Luís, que voltou para perto de seus amigos e disse que “ia fazer sexo com uma ‘índia’”. Novamente, Luís se aproximou de Maria e ofereceu-lhe uma bebida, na qual misturou ácido gama-hidroxibutírico, conhecido popularmente como “boa noite Cinderela”. Ela, ligeiramente apreensiva, aceitou e ficou inconsciente algum tempo depois. Luís disse palavras de cunho sexuais, sexistas, classicistas e xenófobas, levou-a para o carro e forçou a relação sexual com Maria inconsciente. Mais tarde, Luís confessou que a deixou no carro, retornou à festa, se despediu de seus amigos e voltou para o carro, dizendo a Maria que ela seria “seu brinquedo naquela noite”. No carro, ele a estuprou novamente e ameaçou trazer mais homens para estuprá-la se ela negasse fazer o que disse. Ela seguiu suas ordens até a polícia encontrá-los e Luís ser detido. Maria foi atendida no hospital e diagnosticada, posteriormente, com gonorreia. Dois meses depois, descobriu que estava grávida e, durante a gravidez, teve complicações cardiovasculares e diabetes. Ela está passando por psicoterapia e teve de interromper a faculdade para tratar ansiedade, depressão e abuso de substâncias. Após o evento, sua qualidade de vida, saúde e desempenho acadêmico caíram, mas, por se tratar de uma preocupação global, Maria encontrou grupos de apoio para vítimas de abuso sexual.

Violência Psicológica

Marta, 45 anos, é dona de casa, casada há 23 anos. Ela relata que sua relação com o marido, Josué, é estressante, pois ele “tem um temperamento forte”. Marta diz que é responsável por todas as tarefas domésticas e pelo jantar, que precisa estar pronto às 19h30, horário em que ele chega do trabalho. Se marido chega e o jantar não está servido, ele a insulta, chamando-a de preguiçosa e desleixada, questionando onde ela esteve e fazendo-a justificar o atraso da refeição. Ele também se revolta com seus filhos, já adultos, dizendo que “sua família é uma vergonha e ele não deve continuar trabalhando para pagar o plano de saúde dos aproveitadores”. Josué diz que como é ele quem paga as contas da casa, Marta tem a obrigação de cuidar da casa ou então ele vai tomar “medidas”. Marta não especifica quais medidas, mas diz que tem medo delas. Nessas ocasiões, Josué joga objetos nas paredes e não fala com a família por, pelo menos, um dia. Ela diz que, para evitar tudo isso, sempre faz o jantar na hora determinada, mesmo quando está cansada ou doente, e não agenda atividades no fim da tarde e início da noite, por medo do que Josué possa fazer. Ela sente vergonha e medo da possibilidade de seus filhos pensarem que ela é negligente com a família, sente-se psicologicamente abalada e desenvolveu depressão. Marta diz que sua filha já lhe disse que pode denunciá-lo, mas ela não pode provar o que acontece.

DISCUSSÃO

Os conceitos de interesse analisados neste artigo têm características diferentes, entretanto, todos são descritos como categorias referentes às naturezas da violência(¹⁸) e estão relacionados à desigualdade de poder nas relações estabelecidas entre homens e mulheres, apesar de apenas atributos da análise conceitual de violência sexual citarem diretamente tal questão.

A definição da OMS vai ao encontro da análise conceitual da violência física, embora antecedentes relativos à contextualização do ato violento não tenham sido identificados. O antecedente da “intenção de machucar”(¹⁹) explicita a necessidade de intenção do ato, descrita pela OMS(²). A ausência desse antecedente nos demais conceitos levanta a questão: os perpetradores da violência física seriam os únicos que utilizam de violência com a intenção de machucar a vítima?

A relação de desigualdade de poder é evidenciada nos termos antecedentes da violência sexual, com destaque para dominação, sexismo, homofobia, xenofobia, classicismo e ableísmo(²⁰-²¹). Isso significa que as pessoas que ocupam posições de maior vulnerabilidade social e, por isso, detém menos poder em suas relações sociais, também estão mais propensas à vitimização por violência sexual. Destaca-se que a violência sexual compreende mais do que estupro ou penetração vaginal ou anal, sendo qualquer ato não consensual no contexto sexual, direcionado a mulheres e homens(²²-²³). Entretanto, é preciso ressaltar que entender que a violência sexual pode acometer mulheres e homens não diminui a necessidade de problematizar a questão da subordinação feminina. Esse tipo de violência é sustentado pela desigualdade de gênero, que retira qualquer tipo de poder da vítima mulher; dados da realidade demonstram a prevalência de vítimas do sexo feminino(²⁴).

Por sua vez, a violência psicológica compreende atitudes que não são físicas, porém, é considerada presente quando são identificadas, em uma relação, ações que acarretem prejuízos psicológicos, morais e sociais(²⁵). No entanto, seus antecedentes apontam contextos de relações entre parceiros íntimos, apesar de em nenhum momento citar relações de gênero, infere-se que, assim como o apresentado na violência sexual, estão diretamente ligadas a tal questão.

As diferenças entre os conceitos e os contextos em que ocorrem, demonstram que o termo geral “violência” não pode representá-los adequadamente, sob o risco de não conferir especificidade aos três fenômenos e, consequentemente, diminuir a capacidade de reconhecê-los nas terminologias que sustentam sistemas de informação.

Ao representar os conceitos dos distintos tipos de violência abordados nesta pesquisa por casos modelos, identificando similaridades e diferenças entre eles, suas características, condições para acontecimentos e possíveis desfechos, suscitou-se a discussão dos atos envolvidos no que tange ao fenômeno da violência. Tal discussão pode auxiliar enfermeiros na operacionalização do planejamento da assistência prestada à mulher, contribuindo para sua qualidade, além de colaborar para a formulação de teorias que sustentam a atuação da enfermagem, seja na prática, pesquisa ou ensino.

Retomando a questão da inserção da CIPE^® na SNOMED-CT, o modelo ontológico utilizado prevê relações hierárquicas entre os conceitos de interesse. Ou seja, utilizando o exemplo de que toda violência física ou sexual “contém” uma violência psicológica, existirão os seguintes relacionamentos entre objetos “Violência Física” contém “Violência Psicológica” e “Violência Sexual” contém “Violência Psicológica”. Para captar as nuances entre fenômenos, é necessária ampla análise do conceito de interesse e termos relacionados.

Mais do que sustentar a lógica ontológica da SNOMED-CT, a CIPE^® encontrará desafios para adicionar os conceitos os diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem, em especial, aqueles que respondem aos objetivos da SNOMED-CT: a inserção do conceito de forma padronizada, hierárquica e com ao menos uma definição objetiva; a inserção de mais de uma relação por conceito, a fim de auxiliar na definição de outros conceitos; o suporte de múltiplas granularidades de conceito; e que as definições conceituais permaneçam as mesmas, apesar da mudança de contexto do conceito(⁴,²⁶). Ressalta-se que esses desafios tendem a surgir em conceitos imaturos, ou seja, aqueles que não apresentam características, desfechos e condições bem descritas na literatura e que são, em sua maioria, comportamentais(²⁷).

Embora existam diferenças semânticas associadas à estrutura hierárquica e léxica das terminologias, a CIPE^® e SNOMED-CT possuem equivalência entre conceitos, conforme evidenciado pela tabela de equivalência de intervenções da CIPE^®, que estabeleceu a equivalência de 94% dos conceitos das intervenções de enfermagem com a SNOMED-CT(²⁸).

Como limitações de estudo, destaca-se que a busca foi realizada considerando uma seção transversal de um ano, acessando um conjunto de artigos disponíveis nas bases da Plataforma de Periódicos CAPES, assim, os conceitos podem não ter sido descritos em sua amplitude.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de violência física está relacionado a atos violentos explícitos, como socar e chutar de forma proposital, e está alinhado com os conceitos genéricos apresentados pela OMS e pela CIPE®. O conceito de violência sexual pode ser sintetizado como o ato de expor um indivíduo a uma situação sexual sem seu consentimento, destacando em seus antecedentes tipologias de preconceitos, como sexismo e racismo. Por fim, o conceito de violência psicológica pode ser sintetizado como qualquer ato proposital que cause prejuízo emocional na vítima e está presente sempre que alguma tipologia de violência é exercida.

A discussão dos atos envolvidos no que tange à violência física, sexual e psicológica, desde aqueles que antecedem tais fenômenos, até aqueles que caracterizam consequências oriundas da sua ocorrência, oportuniza que o enfermeiro (re)conheça atos como indicadores de violência e relacione aos seus diferentes tipos, oportunizando, assim, um planejamento da assistência otimizado e de qualidade.

Os casos desenvolvidos a partir da análise dos conceitos de interesse sumarizam a complexidade dos processos violentos estudados e contribuem para a formação dos conceitos, ainda imaturos, oportunizando sua entrada em terminologias de enfermagem. Ademais, os antecedentes, atributos e consequentes das distintas tipologias de violência podem sustentar as definições desses conceitos na CIPE® e suas relações com outras terminologias.

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Editado por

Editora associada: Luciana Puchalski Kalinke

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Ago 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  22 Set 2021
• Aceito
  31 Jan 2022